Discurso durante a 26ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para a cobiça internacional das riquezas da Amazônia Brasileira.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA NACIONAL. DIREITOS HUMANOS.:
  • Alerta para a cobiça internacional das riquezas da Amazônia Brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2005 - Página 6278
Assunto
Outros > SEGURANÇA NACIONAL. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • DEFESA, AUMENTO, EFETIVOS MILITARES, FRONTEIRA, REGIÃO AMAZONICA, PROTEÇÃO, RECURSOS NATURAIS, POPULAÇÃO, COMBATE, GUERRILHA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, DIVULGAÇÃO, RELATORIO, ENTIDADE, AMERICA LATINA, DEFESA, DIREITOS HUMANOS, ESTUDO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, REGIÃO AMAZONICA.
  • COMENTARIO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, TRAFICO, DROGA, REGIÃO AMAZONICA, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, ATENÇÃO, POSSIBILIDADE, SEMELHANÇA, SITUAÇÃO, REGIÃO, FLORESTA AMAZONICA, BRASIL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, incontáveis vezes, tenho vindo a esta tribuna para lembrar aos Senhores Senadores e à Nação que a Amazônia é depositária de um fabuloso cabedal de riquezas, que temos todos o inafastável dever de proteger, de resguardar, de preservar para as futuras gerações de brasileiros.

Não me canso de alertar para a cobiça internacional que esse nosso patrimônio atrai e para o risco a que ele está submetido em função da deficiente presença do Estado na região. Tenho pugnado, insistentemente, por uma atenção e um cuidado mais efetivos por parte do Governo Federal para com aquela área remota e escassamente povoada do nosso território. Em particular, tenho reivindicado que sejam sediados, na Amazônia, efetivos mais numerosos e mais bem aparelhados das nossas Forças Armadas, de modo que possamos exercer um patrulhamento mais eficaz de sua extensíssima fronteira, e tenhamos maior capacidade dissuasória em relação a eventuais pretensões de grupos guerrilheiros e paramilitares, com atuação nos países vizinhos, de se homiziarem em território brasileiro e a ele estenderem suas ações.

Em março passado, Srªs. e Srs. Senadores, o jornal El Tiempo, editado na Colômbia, publicou matéria que reproduz as principais conclusões de um relatório da Associação Latino-Americana de Direitos Humanos (Aldhu) sobre a situação dos povos indígenas da Amazônia colombiana.

Intitulado La Agonía del Jaguar: Derechos Humanos de los Pueblos Indígenas de la Amazônia Colombiana, o informe daquela respeitada entidade demonstra de forma irretorquível as funestas conseqüências que advêm da ausência do Estado, especialmente numa região que, por suas características físicas e demográficas, oferece condições favoráveis à implantação de organizações criminosas e de grupos políticos que atuam à margem do regime democrático e, mesmo, contrariamente a ele. Nessas circunstâncias, essas organizações e esses grupos tendem a se consolidar como autênticas formas de poder paralelo, infernizando a vida das populações nativas, oprimindo-as e dizimando-as.

O relatório da Associação Latino-americana de Direitos Humanos representa o primeiro estudo completo que se fez sobre a situação de direitos humanos dos povos indígenas daquela região, e traz dados alarmantes.

Segundo o informe, 22 dos 54 povos indígenas da Amazônia colombiana se encontram em uma situação de risco alto ou muito alto, por causa do conflito armado que, há décadas, grassa na região. O dado ganha contornos de maior dramaticidade quando se leva em conta que algumas dessas etnias contam menos de mil pessoas - algumas, inclusive, menos de cem indivíduos - e poderiam sofrer o mesmo destino das 90 tribos que desapareceram ao longo do século XX, vitimadas pelas enfermidades, pela violência e pela desagregação sociocultural trazidas pelos colonizadores. A única diferença é que, desta feita, a culpa é do conflito armado.

Realizado sob os auspícios da União Européia, o relatório da Aldhu é o resultado de um trabalho de um ano e meio, feito pela primeira vez no país vizinho: o projeto de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana.

Indígenas das comunidades locais, capacitados pela entidade, percorreram a região compilando informações sobre a situação de seus quase cem mil habitantes. Falando, além do espanhol, arawak, tucano, makú-puinabe e outra dezena de línguas com caciques, pajés, homens, mulheres e crianças, esses pesquisadores de campo conseguiram sistematizar os horrores trazidos pelos grupos armados e os traficantes de cocaína, nos últimos cinco anos, aos 403 mil quilômetros quadrados mais preciosos e abandonados do território colombiano.

Utilizando material didático preparado pela Aldhu, os pesquisadores, ao mesmo tempo em que coletaram os dados que serviram de base para o estudo, realizaram, junto às comunidades, um trabalho de educação e promoção no que tange às normas do direito internacional humanitário e dos direitos humanos.

Na opinião de Darío Villamizar, diretor-executivo da Aldhu, a situação é muito séria, pois, se as violações dos direitos humanos são graves por si mesmas, sua gravidade é acentuada quando elas são praticadas contra povos que, em muitos casos, têm menos de mil indivíduos.

Populações diminutas; ações militares em territórios sagrados; ocupação do território tradicional; controle do ingresso de alimentos e de combustíveis por parte dos grupos irregulares e do exército; recrutamento forçado de crianças por parte da guerrilha; regimes de terror impostos em alguns lugares pelos paramilitares. Essa é a trágica realidade que se generaliza progressivamente naquela porção do território do país vizinho.

Para que se tenha uma avaliação mais precisa do que se passa, é preciso levar em conta não apenas o sub-registro que se sabe existir das violações mas também as proporções de sua incidência sobre as diversas populações, indígenas.

Há povos, como os Taiwamo, de somente 22 pessoas. Os Makaguaje, Pisamira, Piaroa, Muinane e Jupda contam 100 integrantes ou menos. Os 490 Nukak têm 40 de seus membros registrados como havendo sido deslocados pelo conflito armado, drama agravado pelo fato de que, sendo nômades, vêem-se obrigados a assentar-se quando membros da tribo são deslocados. Os Cofán, que são 1.271, sofreram nada menos que 26 assassinatos. Para dar uma idéia do que isso representa proporcionalmente, o El Tiempo aponta que é como se, em Bogotá, 2% da população, cerca de 140 mil habitantes, houvessem sido assassinados em cinco anos.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o relatório da Associação Latino-americana de Direitos Humanos deixa muito claro que, hoje, a guerra se está disseminando na Amazônia colombiana. Os departamentos de Putumayo, Caquetá e Guaviare são os mais afetados pelo conflito. Mas mesmo aqueles departamentos mais tranqüilos, como Vaupés e Amazonas, começam a ser palco de alguns embates.

O Sr. Martin Von Hildebrand, diretor da Fundação Gaia, que trabalha há anos com indígenas naquela região, afirma que os problemas se devem à falta da presença do Estado, que, na sua opinião, ainda não reconheceu que as entidades indígenas são entidades públicas, e que apoiá-las equivale a um esforço de construir o Estado. Para ele, as autoridades colombianas não conhecem a realidade cultural e ecológica da área.

O plantio de folhas de coca naquela região passou, entre 1990 e 2002, de 32 mil para mais de 52 mil hectares. Simultaneamente, observou-se um crescimento sem precedentes da guerrilha conduzida pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), bem como a chegada e a consolidação dos grupos paramilitares nos centros urbanos. Foi, também, o período em que se constituíram as brigadas contra o narcotráfico e se iniciaram as campanhas de pulverização aérea, as quais, somente no ano de 2002, atingiram mais de 130 mil hectares, motivando 318 queixas à Defensoria Pública, por parte de mais de 6 mil famílias.

Segundo dados do Sistema Integrado de Monitoramento de Cultivos Ilícitos e do Escritório das Nações Unidas para as Drogas e o Crime, parques nacionais colombianos como La Paya, em Putumayo, La Macarena, em Meta, e Nukak, em Guaviare, alguns deles em zonas indígenas, têm quase 2 mil e 500 hectares plantados com coca. Outros especialistas afirmam que, apenas em La Macarena, haveria 4 mil hectares.

As FARC e os paramilitares repartem quase por igual a responsabilidade pelas violações aos direitos humanos: a cada um desses grupos se atribui cerca de um terço dos assassinatos. Quase uma quarta parte dos crimes é de autor desconhecido. E uma pequena porção é atribuída às forças oficiais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por dois motivos, precisamos prestar muita atenção à tragédia que se desenrola na Amazônia colombiana.

Em primeiro lugar, evidentemente, pelo fato de se tratar de uma zona fronteiriça ao território brasileiro. A generalização e o agravamento do conflito que, há décadas, lá se desenvolve deve ser motivo de constante e profunda preocupação para nós, pois é permanente o risco de que os combates acabem extravasando para nosso território ou de que combatentes acuados busquem refúgio deste lado da fronteira.

Em segundo lugar, precisamos prestar atenção ao que lá ocorre para extrairmos as lições que podem ser aprendidas a partir do calvário vivido pelo país vizinho. Temos, lá, mais um exemplo paradigmático das gravíssimas conseqüências que costumam advir da ausência do Estado em parcelas do território de uma nação, particularmente quando são áreas ricas, remotas e de população rarefeita.

Aqui mesmo, no Brasil, temos experiências desse tipo. Na década de 1970, a brutal opressão patrocinada pela ditadura militar, a quase total inexistência de espaços para o exercício da política levou alguns segmentos da oposição ao Governo a fazerem a equivocada opção de combater o regime pela força das armas. O mais importante levante guerrilheiro contra a ditadura brasileira escolheu, para palco de sua tentativa insurgente, a região do rio Araguaia, área pouco povoada e de difícil acesso.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o grave conflito que hoje se desenrola na Amazônia colombiana, bem como o episódio da Guerrilha do Araguaia colocam em relevo a necessidade de ampliarmos e fortalecermos a presença do Estado nas regiões mais remotas do território nacional, especialmente nas áreas de fronteira da nossa Amazônia. Precisamos aprender com as lições da história, de modo a não repetir os erros que cometemos no passado.

Na Amazônia estão guardadas as riquezas mais valiosas deste País. Não podemos descurar desse patrimônio. Vigiá-lo, defendê-lo, preservá-lo é nosso dever sagrado.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2005 - Página 6278