O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Bovespa, Bolsa de Valores de São Paulo, na gestão do Presidente Raymundo Magliano Filho, tem-se destacado não só nas atividades específicas de operação do mercado de capitais, mas também em iniciativas vinculadas com a responsabilidade sociocultural que caracteriza as modernas organizações.

Desejo, a propósito, registrar iniciativa de significação no setor da cultura, qual seja a criação do Centro de Estudos Norberto Bobbio, fruto de um acordo de cooperação com o Centro de Estudos Piero Gobetti, sediado em Turim, onde Bobbio lecionou por várias décadas, cuja instalação, na segunda-feira desta semana, destina-se a divulgar a fecunda obra do pensador italiano falecido em 2004, com 94 anos de idade, deixando importante contribuição ao Direito, à Filosofia, à Ciência Política, à História e à Sociologia. Seus ensinamentos, ademais, repercutiram em todo o mundo, inclusive no Brasil.

         O Centro de Estudos Norberto Bobbio tem os seguintes objetivos:

“1 - A realização conjunta de seminários, palestras e outros eventos culturais a respeito da vida e da obra do filósofo Norberto Bobbio;

2 - O intercâmbio de livros, estudos, teses, ensaios e documentos similares editados no Brasil e na Itália a respeito da vida e da obra de Bobbio, cabendo à Bovespa e ao CentrGobettie ao Centor e da obra de Bobbios e documentos similares editados no BVrasil o Gobetti a tradução para o português e para o italiano;

3 - A criação de facilidades para que estudiosos brasileiros interessados na vida e na obra de Bobbio possam realizar pesquisas no Centro Gobetti;

4 - A instituição do Prêmio Norberto Bobbio, a ser conferido pela Bovespa com a supervisão do Centro Gobetti, para premiar o melhor trabalho feito no Brasil sobre Bobbio e a influência de seu pensamento nos campos da Filosofia do Direito e da Ciência Política;

5 - Outras atividades e eventos do mútuo interesse da Bovespa e do Centro Gobetti.”

            Tive a satisfação de comparecer à solenidade de inauguração do referido Centro, prestigiada pela presença do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso; do Professor Cláudio Lembo, Vice-Governador do Estado de São Paulo; do Vice-Prefeito da cidade de São Paulo, ex-Deputado Gilberto Kassab; do Professor Celso Lafer, ex-Ministro das Relações Exteriores; de Deputados Estaduais e Federais e de uma grande delegação italiana, que incluía a presença do filho de Norberto Bobbio, Andréa Bobbio.

O evento foi enriquecido com dois atos de grande significação: a abertura do seminário “Sobre a Importância e a Presença de Bobbio no Brasil e na América Latina” e o lançamento da obra A presença de Bobbio: América Espanhola, Brasil, Península Ibérica, de autoria de Celso Lafer e Alberto Filippi.

Ao registrar a criação da biblioteca do Centro, assim se expressou o Presidente da Bovespa, Dr. Raymundo Magliano Filho:

“A biblioteca que ora inauguramos é um esforço da Bovespa para difundir no Brasil a obra de Bobbio e dos autores contemporâneos e clássicos com os quais o pensador italiano dialogou constantemente. Ao mesmo tempo, abrimos um Centro de Estudos que, através de parcerias - principalmente com o Centro Gobetti - permitirá que a Bolsa mantenha contato com o mundo acadêmico e também jurídico, uma vez que Bobbio foi um dos grandes mestres da filosofia do direito”.

O acervo bibliográfico do Centro de Estudos Norberto Bobbio contará, inicialmente, com livros de Bobbio em italiano e traduzidos para o português, livros e trabalhos acadêmicos de estudiosos da obra de Bobbio e centenas de outras obras afins com o os temas a que se dedicou.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não precisaria falar sobre quem foi Norberto Bobbio para salientar o significado da iniciativa que estou comentando. Mas não me recuso a citar um trecho da palestra de Michelangelo Bovero, professor titular da Universidade de Turim, grande amigo de Bobbio e representante na cerimônia do Centro de Estudos Piero Gobetti, proferida no seminário a que aludi:

“... a verdadeira (ou ultima) grande dicotomia do pensamento do Bobbio é aquela que contrapõe os ideais à ‘rude matéria’ do mundo. Uma fórmula que Bobbio extrai de Pasternak. E logo estes óculos do Bobbio se tornam óculos escuros, que devolvem imagens foscas da realidade (aliás: talvez são os filtros escuros que Bobbio sempre sobrepôs a todos seus óculos). A realidade do mundo analisada em todas as suas facetas, estudada nas mil imagens decompostas através do hipermodelo, revela-se aos olhos do Bobbio refratária aos valores e aos ideais, também contrastantes, dos seres humanos, como sendo feita de uma matéria que os rejeita. Os últimos anos de Bobbio, sobretudo, foram acompanhados por uma reflexão constante e muito amarga sobre a predominância, de fato, do mal na história do mundo e no palco da política. Todavia, os valores e os ideais, por contrastantes que sejam, existem como tais, não são meras ilusões ou enganos. Desde sempre, os seres humanos tentam permear a realidade com os próprios ideais”.

No mesmo sentido, Alberto Filippi, professor da Universidade de Camerino, observou que:

“Em Bobbio,...a crítica permanente ao abuso ideológico das que foram as enganosas promessas das ‘democracias do socialismo real’ (ou dos populismos midiáticos, demagógicos e autoritários) tem sido acompanhada sempre por sua implacável denúncia sobre as ‘promessas não cumpridas’ das democracias ocidentais”.

Interrompo para fazer a observação de que Bobbio foi talvez quem primeiro formulou uma análise do déficit democrático no mundo, na medida em que observou que, embora a democracia seja um instituto não recente na história dos povos, ainda não atendeu às demandas básicas da sociedade.

Prossigo: “Porque, para Bobbio, a democracia é como a paz, indivisível na progressiva exigência de afirmação dos direitos fundamentais e dos princípios da justiça e da liberdade”.

Como se vê, Sr. Presidente, pelas citações, Bobbio, malgrado os avanços alcançados na prática da democracia no mundo, era um cético, senão também um pessimista. É isso que ele revela, por exemplo, em um dos seus livros, De Senectude, um livro autobiográfico, um dos últimos que ele escreveu e que também revela um grande pessimismo e, diria mais, uma certa frustração com os ideais com que sonhou e não viu realizados.

É certo que ele viveu e participou dos grandes acontecimentos do século XX - mencionando o nazismo, fascismo, comunismo, duas grandes guerras mundiais -, que, como sabemos, é reconhecido e infelizmente um dos séculos mais violentos da história. Quem disse isso foi Isaiah Berlin, mas também o historiador marxista Eric Hobsbawn.

Sua vasta obra ajuda - e muito - a compreender as grandes questões relativas à política internacional, à teoria geral do direito e à consolidação e ao aperfeiçoamento da democracia, especialmente com vistas a melhorar a governabilidade.

Não se deve separar a obra da vida de Bobbio. Sua conduta foi coerente com o que pregou. Comportou-se de forma proba como sempre, aliando pensamento à ação. Daí, em que pese defender, com firmeza, suas convicções, Bobbio nunca deixou de preconizar a tolerância e a serenidade.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Marco Maciel, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Senador Mão Santa, concederei o aparte a V. Exª dentro de dois minutos.

Sabemos que a tolerância é condição necessária para a convivência humana. Mas, lembra Bobbio (in Elogio da Serenidade) que “a tolerância nasce de um acordo e dura enquanto dura o acordo. A “serenidade”, contudo, “é um dom sem limites preestabelecidos e obrigatórios”. E conclui: “Identifico o sereno com o não violento, a serenidade com a recusa em exercer a violência contra quem quer que seja”.

Ouço V. Exª, nobre Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Marco Maciel, V. Exª, que enriquece esta Casa e ilustra também a Academia Brasileira de Letras, fala sobre Bobbio. Ele realmente foi um pessimista, porque, como italiano, embora tenha vivido o Renascimento, viveu também o fascismo de Mussolini. Sei que o Presidente da República não gosta de ler e não gosta de estudar, assim como o núcleo duro, mas darei a Sua Excelência, pelo menos, um conceito atual de Bobbio.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Ele dizia que o mínimo que se tem de exigir de um governo é segurança à vida, à liberdade e à propriedade. E é o que nos está faltando no Brasil.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Senador Mão Santa, V. Exª lembra com oportunidade a preocupação de Bobbio com as questões ligadas à liberdade. Seu sonho foi sempre como conciliar liberdade com igualdade, isto é, como defender a liberdade como princípio e a busca da igualdade de oportunidades como fim. A filosofia de Bobbio, sobretudo sua filosofia política, é permeada dessa preocupação, que, infelizmente, ele não viu materializada enquanto viveu.

Sr. Presidente, Sr^as e Srs. Senadores, o Centro de Estudos Norberto Bobbio faz memória de sua vida e obra e certamente vai estimular o debate sobre questões não resolvidas no Brasil, sobretudo no campo da teoria e da prática da política, ensejando também o interesse das novas gerações. A sua morte permite constatar, como disse certa feita Rui Barbosa, “Para os eleitos do mundo das idéias,a miséria está na decadência e não na morte.”

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

Encerro, Sr. Presidente, com a certeza de que o Centro de Estudos ora inaugurado há de ser o útil ao País, mercê da atualidade com que se revestem os ensinamentos de Noberto Bobbio.

Desejo ainda, Sr. Presidente, renovar os cumprimentos pela iniciativa do Presidente da Bolsa de Valores de São Paulo, Raymundo Magliano Filho, e seus colaboradores, pela instituição do Centro de Estudos Norberto Bobbio, revelando preocupação com os assuntos voltados para o aperfeiçoamento político do País.

Era o que tinha a dizer.