Discurso durante a 44ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a intervenção do Ministério da Saúde nos hospitais municipais do Rio de Janeiro. Desgaste do Governo Lula.

Autor
Efraim Morais (PFL - Partido da Frente Liberal/PB)
Nome completo: Efraim de Araújo Morais
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA PARTIDARIA.:
  • Comentários a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a intervenção do Ministério da Saúde nos hospitais municipais do Rio de Janeiro. Desgaste do Governo Lula.
Publicação
Publicação no DSF de 21/04/2005 - Página 10025
Assunto
Outros > JUDICIARIO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), INCONSTITUCIONALIDADE, INTERVENÇÃO, GOVERNO FEDERAL, AREA, SAUDE, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • COMENTARIO, FRUSTRAÇÃO, ELEITOR, DECADENCIA, GOVERNO FEDERAL, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, INCOERENCIA, DOCUMENTO, AUTORIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), DEMONSTRAÇÃO, CONTRADIÇÃO, POSIÇÃO, MEMBROS, GOVERNO, FUNDAMENTAÇÃO, PROJETO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.

O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na realidade, até diria que estou com saudade da tribuna porque há muito tempo não faço uso da mesma, em função das minhas obrigações como 1º Secretário. Mas, num registro rápido sobre a questão da intervenção nos hospitais no Rio de Janeiro - e sabemos que se trata de intervenção política -, gostaria de citar duas frases dos Ministros que julgaram há pouco a intervenção. O Ministro Marco Aurélio de Mello disse: “O Governo não pode mas interveio, à margem da Carta Magna do País, ou seja, da Constituição”, prova de que o Governo Lula não respeita a Constituição.

Logo em seguida, o Ministro Carlos Velloso, quando defendia o seu voto disse o seguinte: “Na verdade, há uma intervenção federal disfarçada, não somente inconstitucional mas inconstitucionalíssima”.

Portanto, a minha solidariedade ao Prefeito César Maia, do meu Partido, o PFL, que, na realidade, foi vítima de uma armação política por parte do Governo Federal. Não sei, sinceramente, o que dirá o Ministro da Saúde - se é que será Ministro daqui a mais uma semana, quando tiver de voltar a esta Casa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos sustentado já há algum tempo que o PT, o Partido do Presidente Lula, chegou ao poder sem um projeto para exercê-lo, sem alternativas político-administrativas para os problemas que, com tanto rigor e obstinação, apontou nos governos anteriores.

Dispunha de um projeto de poder, tanto que o conquistou. Mas não dispunha - e não dispõe - de um projeto de Governo. Por essa razão, manteve - e mantém - o modelo econômico que, anteriormente, condenava e ao qual atribuía todas as infelicidades do País.

O problema, porém, não é a manutenção ou não do modelo econômico, mas o descrédito que, com isso, semeou junto às suas bases, sobretudo junto aos movimentos sociais sobre os quais exercia forte interferência e influência, nutrindo-os de esperanças inconseqüentes, levando-os a cultivar expectativas de mudanças a curto prazo simplesmente impraticáveis.

Com a chocante revelação de que não dispõe da fórmula salvadora, que dizia dispor para resolver os males do País - e de que se resignará a adotar os procedimentos dos Governos anteriores, que tanto criticou -, o PT está frustrando a crença dos movimentos sociais em uma solução institucional para suas demandas.

Movimentos como o MST, cuja índole radical conhecemos (e tememos), admitiam, até há pouco, alguma interlocução com o PT e o Presidente Lula. Mas, diante da mudança de retórica do Governo, já sugere que partirá para ações mais radicais.

Semana passada, a propósito, cerca de 500 integrantes de uma dissidência do MST - Movimento de Libertação dos Sem Terra - invadiram o Ministério da Fazenda, aqui em Brasília. Felizmente, não houve maiores transtornos. Já houve, no passado, invasões mais violentas em repartições de outras cidades. Mas essa teve peso simbólico especial: ocorreu na sede federal do Ministério da Fazenda, nas barbas do Poder Central.

Ocupou-se simplesmente a sede do principal Ministério do País, aquele responsável pela guarda da moeda, sem a menor cerimônia.

Não se trata de um distúrbio aleatório, mas de um sinal de desprezo aos símbolos do poder institucional.

Tudo isso, como é óbvio, nos preocupa e infelicita, já que o objeto de desgaste em todo esse processo não é apenas o PT ou o Governo Lula, mas as instituições políticas em seu conjunto. O eleitor do PT, a esta altura, deve estar se perguntando se vale a pena acreditar nos compromissos assumidos em palanque, se vale a pena votar, acreditar em soluções institucionais. E não só o eleitor do PT, mas grande parte do eleitorado brasileiro, igualmente perplexa com a sem-cerimônia com que o Partido do Presidente Lula virou do avesso o seu discurso de anos e anos de militância e assumiu o de seus antigos adversários, cujas administrações infernizou e satanizou.

Pior que frustrar o eleitor é tirar-lhe a capacidade de sonhar. O PT vendeu ao povo brasileiro um sonho que já deixou claro que não se realizará. O sonho do paraíso a curto prazo, que dependia apenas de algumas reformas e de gestos de bravata contra organismos financeiros internacionais, desfez-se.

Não há milagres ou pajelanças. Os problemas são mais graves do que supunham os petistas ao tempo em que faziam oposição. Em dois anos e meio de poder, o PT já não sabe exatamente que crença professa.

A propósito, a revista Veja desta semana, em matéria intitulada “Crise de Identidade”, faz referência a um documento do PT, denominado “Bases de um Projeto para o Brasil”, que mostra o ambiente de esquizofrenia em que se encontra o Partido que governa nosso País.

O Partido, segundo mostra a revista, não sabe sequer o que exatamente é. Na página 5 do documento, declara-se “reformista”, mas na página 16 diz que é “socialista”. São coisas diferentes, Senador Geraldo Mesquita Júnior, como todos nós sabemos.

E não é só. Refletindo a luta interna do poder entre os Ministros Antonio Palocci, da Fazenda, e José Dirceu, da Casa Civil, o documento dá uma no cravo e outra na ferradura, confundindo quem nele buscar orientação acerca dos fundamentos doutrinários do Partido.

O documento defende, a exemplo do Sr. Ministro da Fazenda, o equilíbrio fiscal e o controle rigoroso da inflação, o que tem ensejado a política de juros altos em curso. Mas, no mesmo documento - e possivelmente para fazer uma média com o Sr. Ministro José Dirceu, que pensa diferentemente de Antonio Palocci -, pede redução das taxas de juros, mencionando a necessidade de buscar o caminho progressivo do alívio da política monetária.

Vejam V. Exªs que, no mesmo documento em que defende a política de juros altos, o PT menciona a necessidade de baixá-los. Mas não é só.

O documento, ainda espelhando o ideário do Ministro Antonio Palocci, faz defesa da autonomia das agências reguladoras e da estabilidade das regras econômicas, como condição básica para atrair investimentos privados.

O ex-Ministro Pedro Malan assinaria tranqüilamente aqueles postulados que o PT, no passado recente, amaldiçoava como neoliberais. No entanto, o mesmo documento do PT de hoje, em outro trecho - e aí certamente refletindo o pensamento antípoda do Ministro José Dirceu -, sustenta a necessidade de um Estado mais intervencionista: “regulador e forte”, capaz de atuar como “planejador e indutor da economia”.

Como ao mesmo tempo defender uma economia livre, com marcos regulatórios estáveis, fora do alcance do Governo, e um Estado “regulador e forte”?

O PT deve responder e não consegue. O que, afinal, pretende o Governo do PT? Essa é a grande pergunta que deve estar sendo feita não apenas por seus eleitores, mas também por investidores, por gente que é chamada a internar aqui seus capitais e a tornar-se parceira em empreendimentos de longo curso para o País.

Cito aqui, a propósito desse documento - o “Bases de um Projeto para o Brasil” -, comentário publicado na revista Veja, que subscrevo: “O PT defende a adoção de um projeto nacional de desenvolvimento, mas fica claríssimo que o partido não sabe exatamente para onde ir, como fazer ou o que buscar”.

Nada menos: não sabe para onde ir, como fazer ou o que buscar!

Mesmo na área social, em que o Partido sempre sugeriu dispor de fórmulas infalíveis para erradicar a pobreza e sempre discursava em tom de certeza apocalíptica, o que há no documento é apenas dúvida e perplexidade.

Na página 35, por exemplo, onde deveria haver respostas a respeito da eficácia dos programas sociais, há esta singela pergunta: “O que fazer para que os programas sociais sejam mais efetivos no combate à pobreza?”

E eis a resposta escapista, que seria sem a menor dúvida motivo para críticas implacáveis se proferida por um governante do PFL ou do PSDB: “Esse é um debate a ser travado por toda a sociedade”.

Ora, na campanha eleitoral, o Presidente Lula sustentava que o PT já travara esse debate com a sociedade, já sabia de seus anseios e era o único Partido em condições de implementar programas sociais eficazes, por dispor simultaneamente de credibilidade, empatia com a sociedade e competência técnica.

Se o eleitor do PT soubesse, nas eleições de 2002, que o Partido estava blefando, seguramente não o elegeria. Se houvesse um seguro eleitoral, estaria requerendo o seu prêmio. Se houvesse um Procon eleitoral, estaria reclamando seu voto de volta.

Faço essas apreciações, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, porque temo o desgaste que hoje atinge as instituições políticas. Faz apenas duas décadas que o País conquistou a redemocratização, depois de outras duas décadas de arbítrio e supressão de liberdades.

É espantoso - e assustador - que, em tão pouco tempo, as instituições democráticas estejam submetidas a tamanho desgaste e se coloque em risco um patrimônio político tão fundamental à evolução do País.

            Sem instituições políticas sólidas e acreditadas, não há democracia - e sem democracia não se constrói uma nação desenvolvida, digna do respeito de si mesma e das demais.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB) - Vou concluir, Sr. Presidente. Credibilidade depende de fatores diversos, que principiam por um só: coerência.

É o que tem faltado, lamentavelmente, a esse Governo e ao seu Partido. Não sabendo o que quer, não nos permite saber para onde vamos, nem mesmo se vamos para algum lugar.

Diante disso, como pedir a confiança dos investidores, como pedir mais sacrifícios à população, como manter acesa a chama da esperança? Diz o ditado que a esperança é a última que morre - mas não diz que ela é imortal. Quando a incoerência se estabelece, é difícil mantê-la viva, embora seja este um dever de todos nós, homens públicos, eleitos para administrar o sonho de construção da cidadania brasileira.

Não desejo o fracasso do Governo Lula. Se o desejasse, poderia até ter motivos para comemorar, tal o seu desgaste. Mas, como não faço oposição ao País - e não milito na ala do quanto pior melhor -, preocupo-me com o rumo dos acontecimentos.

Concluo, Sr. Presidente, pedindo ao Presidente Lula que zele pela credibilidade das instituições políticas deste País, não permitindo que a incoerência se aposse de vez do discurso de seu partido - e que este não está mais no lugar de fazer perguntas perplexas e atabalhoadas, mas no de dar as respostas que a sociedade cobra.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/04/2005 - Página 10025