Discurso durante a 73ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao projeto de transposição das águas do Rio São Francisco.

Autor
Teotonio Vilela Filho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AL)
Nome completo: Teotonio Brandão Vilela Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Críticas ao projeto de transposição das águas do Rio São Francisco.
Aparteantes
José Jorge.
Publicação
Publicação no DSF de 02/06/2005 - Página 17026
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CONTESTAÇÃO, PROJETO, GOVERNO FEDERAL, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.
  • ACUSAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, MANIPULAÇÃO, DADOS, CONVENIENCIA, IMPLANTAÇÃO, PROJETO.
  • COMENTARIO, OPINIÃO, SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIENCIA (SBPC), BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO (BIRD), COMITE, BACIA HIDROGRAFICA, RIO SÃO FRANCISCO, AUSENCIA, VANTAGENS, TRANSPOSIÇÃO, AGUA.
  • QUESTIONAMENTO, DADOS, MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, QUANTIDADE, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, UTILIZAÇÃO, IRRIGAÇÃO, LAVOURA, CONSUMO, PESSOAS, ANIMAL.

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fiz uso desta tribuna vezes seguidas para tratar da transposição do rio São Francisco e, como assegurei a esta Casa, volto a fazê-lo. Tenho feito isso como uma espécie de novela, porque o assunto é complexo, grave, interessa de perto a oito dos dez Estados nordestinos e está sendo tratado pelo Governo Federal de uma forma equivocada e levado à opinião pública de maneira até mesmo leviana. Poucas vezes a história da propaganda brasileira presenciou uma divulgação partidária tão irresponsável, inconseqüente, mentirosa, demagógica e até criminosa para com o Nordeste como a que o PT tem feito por meio de programa de televisão.

Sei que o assunto da semana é a CPI dos Correios e que o Governo desesperadamente tenta impedir que o Congresso faça a apuração da corrupção, mas a solução para a transposição do rio São Francisco pode ser, se o Governo tiver bom senso, um meio de impedir que, futuramente, sejam solicitadas novas CPIs.

A idéia da transposição do São Francisco deve ser discutida, pois ninguém pode ser contrário ou favorável a ela radicalmente, de forma maniqueísta. No entanto, a forma como o Governo está tratando essa questão realmente provoca problemas seriíssimos para o Brasil e para o Nordeste.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, vamos tratar de um segundo grande mito sobre a transposição, para dizer o mínimo. Afirma o Governo que a transposição vai matar a sede de 12 milhões de sertanejos, segundo alguns dados do projeto, ou de 10 milhões, segundo discursos improvisados do Presidente da República. O discurso do Governo é que, feita a transposição, acaba a sede do semi-árido, acaba o carro-pipa, acaba a miséria.

É falso que a transposição atenderá 12 milhões de nordestinos. Esse número representa a população total projetada para daqui a 20 anos - de 2025 - nos quatro Estados do semi-árido beneficiados. Hoje, lá não moram mais do que três milhões de pessoas, incluindo a população difusa, que não será atingida.

À falta de dados técnicos, o Governo manipula irresponsavelmente a emoção das pessoas. Além disso, faz a pior das manobras, pois, no médio prazo, estará jogando toda a opinião pública nacional contra o Nordeste e os nordestinos. O Governo sabe que usa números irreais, usa meias verdades e manipula argumentos falsos para atender a um capricho pessoal do Presidente.

Repito, Sr. Presidente, que a transposição levará água para onde ela já existe. As populações difusas dos sítios e fazendas isoladas continuarão à mercê da cisterna, do pequeno açude, do poço ou da barragem subterrânea, tudo o que o Governo Lula prometeu e não fez até agora.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - Senador José Jorge, logo mais, ao concluir este raciocínio.

Quem o diz, Sr. Presidente, são instituições renomadas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SBPC; quem o garante são instituições absolutamente insuspeitas, como o Banco Mundial, que, aliás, não reconhece destinação social ao projeto e, por isso, recusa-se a financiá-lo.

A Embrapa, Sr. Presidente, não se manifesta por motivos óbvios, uma vez que é um órgão do Governo. Mas, Senador Paulo Paim, faça uma pesquisa, converse com qualquer técnico da Embrapa, e ele lhe dirá que a transposição do rio São Francisco é uma irresponsabilidade. Também os membros do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco pensam dessa forma. Não há nenhuma instituição independente, de respeito, aprovando e apoiando o projeto. Por quê?

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco desaprova a idéia do Governo de transpor água para irrigação. O Comitê foi claro em sua decisão, e mais incisivo ainda em moção encaminhada ao Ministério do Meio Ambiente em outubro do ano passado. Diz o Comitê: “Reafirmamos que o teor da decisão do Comitê é de que o uso externo das águas do rio só deve ser permitido para abastecimento humano e dessedentação animal no caso de comprovada escassez”.

Comprovei, aqui, Srªs e Srs. Senadores, na semana atrasada, que não há escassez de água no Nordeste setentrional. Provei, aqui, diante de V. Exªs que lá existe água.

Dito de outra forma, o Comitê da Bacia do São Francisco só admite a transposição exclusivamente para ofertar água de beber para pessoas e animais e em caso de comprovada escassez.

Para ser coerente com a decisão do Comitê de Bacia, o Ministério de Integração Nacional trabalha, freqüentemente, com os números de vazão mínima do projeto: 26,4 m³/seg. Segundo o Ministro, essa retirada mínima, destinada ao abastecimento humano, é fundamental para a segurança hídrica do Nordeste setentrional. Mas quem conhece mesmo o que pretende o Governo? Quem pode garantir suas reais intenções, se o discurso muda de acordo com o auditório e conveniência do momento?

O projeto prevê, por exemplo, uma vazão máxima de 127 m³/seg, para quando a barragem de Sobradinho estiver inteiramente cheia. Mas isso só acontece em quatro de cada dez anos.

A vazão mínima para períodos de seca no rio é de 26,4 m³/seg, enquanto a vazão média projetada é de 63 m³/seg. Se esses números são reais, ou melhor, se é verdadeira a intenção do Governo de obedecer-lhes, que sentido tem o decreto do Governo em declarar de utilidade pública e de interesse social, para fins de desapropriação, as terras que margeiam o canal numa largura de até 2,5 quilômetros? A decisão do Governo, já alardeada hoje, é de implantar nessa área assentamentos rurais. Há quem fale na irrigação de 140 mil hectares.

Devo registrar, Sr. Presidente, em relação aos canais, o que já defendi em relação a todos os rios que venham a ser perenizados no Nordeste: a prévia desapropriação das margens, até para garantir que o investimento público tenha, de fato, absoluta destinação social. O que questiono é onde o Governo vai buscar água para irrigar 140 mil hectares, cujo decreto de desapropriação já foi anunciado, às margens do canal. Alguém está enganando o distinto público: ou é mentirosa a idéia da irrigação, ou é falsa a intenção de retirar do São Francisco a vazão mínima de 26,4 m³/seg.

Sabem os técnicos - e acho que até um Governo petista deveria saber - que, a cada mil hectares, se consome 1m³/seg de água. É fácil concluir que, se irrigarem apenas 26 mil hectares, mesmo se ninguém beber um só copo d’água ao longo dos 720 quilômetros de canais, nada chegará ao final da linha.

Assim, Sr. Presidente, essa é mais uma questão que o Governo deixa sem resposta em relação ao canal do sertão.

Concedo um aparte ao nobre Senador José Jorge.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senador Teotonio Vilela Filho, em primeiro lugar, a Senadora Heloísa Helena e eu - a Senadora está a meu lado -, concordarmos, em gênero, número e grau, com o que diz V. Exª.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - No caso específico de Pernambuco, não somos beneficiados por esse projeto. O benefício é mínimo, não fazendo face, portanto, aos prejuízos que esse projeto trará ao Nordeste como um todo. Admiram-me as palavras ditas, hoje, pelo Ministro Ciro Gomes, feliz, porque, se não me engano, 60% das pessoas estão a favor do projeto da transposição. Ora, se na televisão, só há promoção a favor do projeto...

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - As pessoas estão comprando como verdadeira a mentira criminosa que o Governo está colocando na propaganda oficial e na propaganda do PT.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Exatamente. Se todos os dias dissermos pela televisão que esta minha roupa é amarela, evidentemente muita gente achará que ela é mesmo amarela, quando, na realidade, ela é preta. Então, acredito que V. Exª tem razão em denunciar e pedir ao Governo mais responsabilidade para com esse projeto. Se se quer fazer uma transposição, vamos fazê-la. Antes, porém, vamos discutir qual a melhor maneira de fazê-la, para trazer o maior benefício possível às pessoas do Nordeste. Não devemos fazê-la dessa forma inconseqüente. Muito obrigado.

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - Sr. Presidente, para concluir, pergunto: o que significa, então, o discurso do Governo? A institucionalização da mentira e da empulhação? A quem o Governo pretende enganar?

Ninguém pode ser contra a irrigação, menos ainda no Nordeste semi-árido. Mas, afinal, esse é um projeto de água de beber ou é mais um projeto de irrigação? É um projeto para levar uma cuia d´água a quem tem sede ou um projeto para atender aos viveiros de camarão e às roças de melão do semi-árido? Ambas as atividades são reconhecidamente legítimas, importantes e, a esta altura, imprescindíveis para o desenvolvimento regional. Mas a primeira exigência para se discutir com isenção o projeto de transposição é a honestidade dos números e das intenções. Não vale mentir, não vale omitir.

Sr. Presidente, voltarei a esta tribuna, na próxima semana, para desmistificar outras questões que estão postas pelo Governo em relação à disponibilidade de água do rio São Francisco.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/06/2005 - Página 17026