Discurso durante a 81ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentário sobre as denúncias de corrupção envolvendo o governo federal. Sugestões para exploração e desenvolvimento do gás natural, e evitar a crise energética no país em face da situação política boliviana.

Autor
Rodolpho Tourinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Rodolpho Tourinho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA ENERGETICA.:
  • Comentário sobre as denúncias de corrupção envolvendo o governo federal. Sugestões para exploração e desenvolvimento do gás natural, e evitar a crise energética no país em face da situação política boliviana.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, José Sarney.
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/2005 - Página 19465
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • DEFESA, INVESTIGAÇÃO, PUNIÇÃO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTICIPAÇÃO, CORRUPÇÃO, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, ENTENDIMENTO, CONGRESSO NACIONAL, SOLUÇÃO, SITUAÇÃO.
  • COMENTARIO, CRISE, NATUREZA POLITICA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, POSSIBILIDADE, INFLUENCIA, SETOR, ENERGIA ELETRICA, BRASIL.
  • ANALISE, CONTRATO, GASODUTO, IMPORTAÇÃO, GAS NATURAL, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, AUMENTO, DIVIDA, BRASIL, AUSENCIA, MERCADO INTERNO, FALTA, PRIORIDADE, INVESTIMENTO, USINA TERMOELETRICA, CRITICA, REDUÇÃO, ATUAÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), EXPLORAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, DERIVADOS DE PETROLEO.
  • EXPECTATIVA, FUNCIONAMENTO, MATRIZ ENERGETICA, BACIA, MUNICIPIO, SANTOS (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), APOIO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA (MME).
  • REGISTRO, INCAPACIDADE, REGIÃO NORDESTE, PRODUÇÃO, ENERGIA HIDROELETRICA, RESULTADO, DEPENDENCIA, RECURSOS ENERGETICOS, REGIÃO SUDESTE, COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, POSSIBILIDADE, RACIONAMENTO.
  • DEFESA, PROVIDENCIA, IMPLEMENTAÇÃO, ENERGIA TERMICA, RECURSOS ENERGETICOS, GAS NATURAL, ANUNCIO, LEILÃO, ENERGIA ELETRICA, GOVERNO FEDERAL, IMPORTANCIA, ATENDIMENTO, SITUAÇÃO.
  • ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, PROJETO, REGULAMENTAÇÃO, SETOR, GAS NATURAL, OBJETIVO, CRIAÇÃO, INVESTIMENTO, AREA.
  • REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, CRISE, GAS NATURAL, BRASIL, AGRAVAÇÃO, POSSIBILIDADE, FALTA, ENERGIA ELETRICA.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos discutido, todos esses dias, enojados certamente, todas as denúncias de corrupção nesta Casa. Temos acompanhado e repelido todas as manobras diversionistas para a apuração da verdade. Verdade que precisa ser exposta à Nação, que exigirá punição para todo e qualquer culpado, seja de que Partido for.

Vive-se hoje no País um clima de consternação, de perda de esperanças, de descrença no futuro, de preocupações com o presente e, inevitavelmente, de comparações com um passado recente e triste da nossa vida pública.

Resta ainda a fé na sinceridade e na história do Presidente da República. Pena até que Sua Excelência não tivesse atentado, Senador Sarney, para as palavras de Rui Barbosa, na sua Oração aos Moços, quando se refere claramente:

Não cortejeis a popularidade.

Não transijais com as conveniências.

Não tenhais negócios em secretarias.

Não delibereis por conselheiros, ou assessores.

Não deis votos de solidariedade com outros, quem quer que sejam.

O Governo não poderia estar enredado nesses escândalos. Mas está. Falta-lhe, inclusive, sintonia interna para entender os fatos e agir. Tem desentendimentos e desatenções com o Parlamento. Tem, alguns momentos, na verdade, é desapreço. E tem, sobretudo, graves problemas a resolver. Em várias áreas.

Como, além de exigir e apurar denúncias, é hora de trabalhar, trago à discussão a questão estrutural do gás natural, agora agravada com a crise conjuntural na Bolívia e que afeta, sobretudo, a região nordestina, ou pode afetar mais a região nordestina que as outras regiões do País.

A aparente normalidade após a posse do Presidente interino Eduardo Rodríguez poderá ou não se estender até a eleição e posse do novo Presidente, mas as chances de uma sucessão conturbada são muito grandes pela própria natureza da crise instalada, a meu ver, desde o processo de erradicação das plantações de coca naquele país. Não é possível se prever o que acontecerá depois da posse do novo Presidente, que tendência terá essa ala que vier a assumir o governo boliviano. As primeiras impressões não são boas, mas ninguém pode imaginar o que acontecerá com o setor de gás e de petróleo. Convém lembrar que os atuais acontecimentos são frutos da exigência de setores radicais para que se aumentasse a tributação sobre aqueles produtos de 18% para 50%, o que afinal foi aprovado pelo congresso boliviano. O agravamento vem, agora, pelas exigências de desapropriação das multinacionais, entre elas a Petrobras, a britânica BP, e a Repsol. O agravamento, no meu entender, vem pela irracionalidade da crise: a grande riqueza nacional deles, o gás natural, não é uma verdadeira commodity. Se fosse, as imensas reservas de Camiséa, no Peru, já teriam sido desenvolvidas e comercializadas. Pelas mesmas razões, estão intocadas as reservas de gás da Shell na Nigéria, entre outros tantos exemplos que poderiam ser citados.

É por essa mesma razão, entre outras, que a Petrobras, ao longo de sua existência, rica em eficiência e em alta tecnologia, mas com seus resquícios autoritários, nunca dedicou recursos e atenções necessários para exploração e desenvolvimento do gás natural. O gás foi sempre considerado pela Petrobras subproduto de petróleo, e nem sempre é assim.

O contrato com a Bolívia tem aspectos positivos e negativos. Propiciou-se o desenvolvimento do setor com reais benefícios para a indústria e geração da energia termelétrica - em relação a esta última o país ainda sentirá e verificará a sua real importância.

Pagou-se um preço muito alto pelo gás no poço na Bolívia. O preço foi fixado em dólar. O Brasil endividou-se para construir o gasoduto Gasbol, fez pagamentos antecipados ao governo boliviano, carregou parceiros multinacionais e negociou o gás com a cláusula do take-or-pay - ou seja, use ou não use, paga pelo gás não consumido. E o País não tinha mercado para o gás. Esse é um outro ponto extremamente importante nessa análise.

Dito isso, pode-se entender melhor a racionalidade da utilização do gás da Bolívia no programa emergencial de termeletricidade, o PPT (Programa Prioritário de Termeletricidade), que foi lançado em 1999 para evitar uma crise de energia no País, e o envolvimento da Petrobras na construção dessas usinas.

Além de a Petrobras não ter mercado para o gás boliviano naquela época, a única saída para o País aumentar a geração de energia no curto prazo era por meio da termeletricidade, em razão do prazo necessário para a construção de usinas, e enfrentar a conhecida e reconhecida probabilidade da falta de chuvas que acabou se verificando na pior seca dos últimos setenta anos.

            Ainda no terreno das contradições e dos aspectos negativos, quando o Gasbol foi inaugurado, a Petrobras queimava diariamente mais de 10 milhões de metros cúbicos por dia, um terço do valor do contrato com a Bolívia, certamente por falta de prioridades de investimentos para o setor. Tanto que depois foi elaborado o Projeto de Queima Zero, que entendo ter dado certo.

Agora, no meu entendimento, o aspecto mais negativo do contrato foi o de inibir ainda mais a atuação da empresa na área de exploração e de desenvolvimento de gás natural. Com o contrato com a Bolívia, com o mercado incipiente para os padrões mundiais, o enfoque da empresa continuou mesmo no petróleo, mais rentável, verdadeira commodity, com metas de auto-suficiência estipuladas, previsíveis e atingíveis, além de um grande apelo político ao sentimento nacionalista.

Concedo com muita satisfação o aparte ao Senador José Sarney.

O Sr José Sarney (PMDB - AP) - Senador Rodolpho Tourinho, V. Exª sabe o grande apreço e admiração que lhe tenho. Mas mais do que isso é o testemunho da Casa inteira do seu excelente trabalho e o conceito que V. Exª conseguiu sedimentar no Senado Federal pelo seu talento, pelo seu trabalho e pelo seu espírito público. Sobretudo, V. Exª mostra um conhecimento profundo dos assuntos que trata e hoje traz uma vez mais o problema do gás, que é básico para o País, especialmente no que diz respeito ao nosso sistema energético. Mas eu gostaria de aproveitar o pronunciamento de V. Exª para dizer que esse é um dos setores também em que o Brasil tem mostrado uma certa discriminação em relação ao Nordeste. Construíram-se todos os grandes gasodutos na direção da Região Sul, e o Nordeste ficou absolutamente abandonado no que diz respeito a esse planejamento. Tenho feito reiteradas solicitações ao Ministério de Minas e Energia e posso dizer que venho encontrando até muito boa vontade por parte da Ministra no sentido de corrigir essa distorção. Sabe V. Exª perfeitamente que, quando fui Presidente da República, construímos o primeiro gasoduto, aquele que vinha de Mossoró até Camaçari. E depois construí também outro que foi de Santos a São Paulo. Posteriormente o Brasil fez um planejamento maior, e V. Exª tomou parte na execução desse planejamento para podermos incluir o gás na nossa matriz energética como um dos pontos mais importantes. Mas ainda nos resta esse fato da falta de planejamento e da perspectiva, em curto prazo, para que o Nordeste e o Norte do Brasil possam auferir esse produto básico para a nossa central energética.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Agradeço muito o que foi dito por V. Exª. Um pouco adiante tratarei também, Senador Sarney, do que ainda pode acontecer com o Nordeste em relação a essa questão do gás, da discriminação que continua a existir em relação ao Nordeste e da dependência completa daquela Região em relação ao gás.

            Então, essa mudança de cultura somente agora se cogita efetivamente alterar, para acelerar o desenvolvimento do campo de Mexilhão, na Bacia de Santos...

(Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Já termino, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - V. Exª ainda dispõe de cinco minutos.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - ... estando a Ministra de Minas e Energia empenhada em antecipar para 2008 a entrada em operação do campo de Mexilhão, inicialmente previsto para 2010. Tenho convicção de que, com sua experiência e competência, S. Exª sabe que o atendimento dessa meta só será alcançado com esforço de guerra.

O problema mais grave, no entanto, está no Nordeste. Peço perdão aos meus companheiros por voltar a este assunto. Tantas vezes tenho assomado à tribuna para tratar, como é do meu dever, da questão energética do Nordeste, absolutamente dependente do gás natural. Dependente do gás natural porque já esgotou toda a capacidade de geração de energia hidroelétrica do seu único rio, o São Francisco. Dependente porque não tem mais como importar, no curto-médio prazo, energia por linhas de transmissão, quer do Norte, quer do Sudeste, a menos que outros empreendimentos hidroelétricos de porte venham a ser construídos. No prazo referido, é impossível que isso aconteça: desde 2003 não foi dada concessão nova alguma pela Aneel para construção de novas hidroelétricas, Senador Antonio Carlos Magalhães.

Além do mais, essa importação de energia de uma Região com o mesmo regime de chuvas mas com poder econômico muitas vezes maior do que o do Nordeste - o Sudeste - implica que, em uma crise energética, como já aconteceu duas vezes neste País, a prioridade pelo recebimento de energia não será do Nordeste, mas sempre do Sudeste. É preciso, portanto, a longo prazo, evitar mais essa dependência do Nordeste.

A curto-médio prazo, a solução é o gás natural, e sem ele afirmo que faltará energia no Nordeste, mesmo que as demais Regiões estejam em situação normal.

No ano passado, não fosse a ocorrência de chuvas abundantes na bacia do Sudeste, teria havido racionamento no Nordeste, porque não haveria gás para as térmicas da Região. Aliás, a solução de curto prazo - colocar em produção o campo de Manati, na Bahia, com o respectivo gasoduto - parece de improvável cumprimento no prazo previsto.

Todo o problema da Bolívia, todo um futuro incerto, leva-nos a sugerir ao Governo outras tantas providências na área de gás.

Sr. Presidente, peço que se publique na íntegra o artigo, porque apresento aqui dez sugestões, que passam pelo Rio Grande do Norte, por Sergipe, por Itaparica, pelas bacias gasíferas da Bahia. Há uma série de pontos aqui que precisam ser analisados pela Petrobras. Chegam, inclusive, ao Maranhão, com o gasoduto que tem de chegar, que é de absoluta importância, porque já existe uma demanda muito grande na área da siderurgia e da mineração.

Apenas para efeito de comparação, existem cerca de 1.300 sondas atualmente nos Estados Unidos perfurando petróleo. No Brasil, deve haver de 30 a 40. Então, é essa mudança que precisamos fazer, mas incluindo a área do gás. Os Estados Unidos possuem uma rede - não quero comparar tudo com os Estados Unidos, mas é um ponto importante, já que esse é o país mais desenvolvido na utilização do gás - de 450.000 Km de gasoduto. Nós temos somente 8.000 Km. Então, ainda temos um longo caminho pela frente nessa área.

            Antes de conceder um aparte a V. Exª, Senador Antonio Carlos, para que possamos refletir sobre a importância do tema tratado, quero lembrar que o Governo anunciou dois leilões de energia até o final do ano, dentro do novo modelo do setor elétrico. O primeiro, apelidado de “botox”, não deve ter maiores problemas. O segundo, que pretende colocar energia nova para 2010, aumentando a capacidade instalada do País, deve ocorrer no segundo semestre, com quantidade leiloada desconhecida. Tendo sucesso, o início dos empreendimentos deverá ocorrer no meio do ano, em função de aprovação de financiamento.

            Iniciando-se em meados de 2006, portanto, para entregar energia em 2010, as usinas deveriam ser construídas em um prazo de quatro a quatro anos e meio. E aí, isso só será viável...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Peço dois minutos para terminar, Sr. Presidente.

Isso só será viável com a construção não de hidroelétricas novamente mas de termoelétricas, até mesmo porque temos os problemas das licenças ambientais das hidroelétricas. No fundo - e este é o ponto importante -, repete-se o ocorrido em 1999/2000, quando só restou uma solução: a termoelétrica. Não havia nem cultura e nem compreensão, na época, para um programa de termoeletricidade. A rigor - e esse é o grande ponto -, aquele programa que iniciei em 1999/2000 deveria ter sido iniciado dois anos antes para que se pudesse evitar a mudança de uma matriz energética no País em três anos, o que é praticamente impossível.

Dessa forma, chega-se à conclusão da importância do gás natural e da similitude de situações, com as conhecidas diferenças em relação à cultura do gás atualmente e à questão dos reservatórios, que estão em uma situação muito melhor, ainda que persistam os mesmos problemas dos passado: a questão da variação cambial e repasse às tarifas de energia e, sobretudo, a questão da bancabilidade ou financiabilidade dos projetos de energia. Mas esse é um assunto ao qual voltarei logo, pela sua gravidade e para informar as conclusões a que cheguei em encontros, na semana passada, no BID e no Banco Mundial, em Washington, onde estive em missão oficial pelo Senado Federal.

Concedo, com muito prazer, um aparte a V. Exª.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Novamente V. Exª vai à tribuna e, mais uma vez, convence a todos que o ouvem da sua capacidade inclusive no setor financeiro e até mesmo no setor elétrico, em que V. Exª foi um excelente Ministro. V. Exª chamou a atenção do País para muitas coisas que não foram realizadas e que hoje aí estão, por culpa em parte do Governo passado, em parte do atual Governo. V. Exª faz isso muito bem, sobretudo porque, quando existem crises de energia, nosso Nordeste sofre mais. A pouca energia que temos é transferida para os grandes centros, como aconteceu ultimamente, e ficamos em uma situação cada vez mais difícil. V. Exª, mais uma vez, brilha na tribuna, atacando problemas que, se o Governo tivesse juízo, iria acatar. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Muito obrigado pelas observações de V. Exª.

Preciso de mais um minuto para terminar, Sr. Presidente.

Voltarei a esta tribuna, em breves dias, para apresentar um projeto de regulação da lei do setor de gás natural. Existe a lei do petróleo, mas não existe a lei do gás. Nas circunstâncias atuais - volta-se à crise boliviana, que não é conjuntural, mas estrutural - creio ser da maior relevância que o marco regulatório do gás seja separado do de petróleo, tratando específica e unicamente das suas questões. O objetivo é criar condições para novos investimentos que serão necessários. Além do mais, repousa ainda na Câmara dos Deputados projeto de lei das agências reguladoras, aliás, por dois motivos tolos no conteúdo e complicados e inaceitáveis filosoficamente: o ouvidor que já existe e o contrato de gestão que não funciona, mas serve para retirar a autonomia das agências.

Quero encerrar por onde comecei, afora as questões morais que atingem mais e mais, cada vez mais, o Governo.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Quero voltar à questão boliviana para, conhecendo toda a imensa complexidade do setor energético do País, as dificuldades intrínsecas ao sistema, que persistem, os interesses contrários a determinados projetos, as mudanças que estão ocorrendo no mundo financeiro, dificuldades de financiamento e o retorno a posições governamentais preponderantes nos investimentos em infra-estrutura, encerrar afirmando que precisaremos, efetivamente, de ações de guerra para vencer os desafios que nos esperam.

Volto a dizer que os desafios são sempre maiores para o Nordeste.

Por último, quero dizer que, como está aqui na Folha de S.Paulo, “a crise do gás aumenta o risco de apagão”, que, no fundo, é a continuação disso que falo. O Brasil já estuda desligar termelétricas porque já faltam sete milhões e meio de metros cúbicos de gás. Mas há um problema com o qual fiquei muito preocupado: na última reunião da Petrobrás teria havido já uma preocupação no sentido de segurar a construção do Gasene, absolutamente fundamental para o Nordeste. É o que vai interligar a bacia de Santos, continuando aquilo que V. Exª iniciou. E isso foi feito para proteger um possível consumo do Sudeste.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Só não quero é que ele resolva esse problema na Bolívia com forró.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Penso que V. Exª tem toda a razão.

Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.

 

************************************************************************************************

SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR RODOLPHO TOURINHO

************************************************************************************************

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos discutido, todos esses dias, enojados, todas as denúncias de corrupção. Temos acompanhado, e repelido, todas as manobras diversionistas para a apuração da verdade. Verdade que precisa ser exposta à nação, que exigirá punição para todo e qualquer culpado, seja de que Partido for.

            Vive-se hoje no país um clima de consternação, de perda de esperanças, de descrença no futuro, de preocupações com o presente e, inevitavelmente, de comparações com um passado recente e triste de nossa vida política.

Resta, ainda, a fé na sinceridade e na história do Presidente da República. Pena que não tivesse seguido as palavras de Rui Barbosa na sua célebre “Oração aos Moços”:

“Não cortejeis a popularidade.

Não transijais com as conveniências.

Não tenhais negócios em secretarias.

Não delibereis por conselheiros, ou assessores.

Não deis votos de solidariedade com outros, quem quer que sejam.”

O Governo não poderia estar enredado nesses escândalos. Mas está.

Falta-lhe, inclusive, sintonia interna para entender os fatos e agir.

Tem desentendimentos e desatenções com o Parlamento. Tem, em alguns momentos, na verdade, é desapreço.

E tem, sobretudo, graves problemas a resolver. Em várias áreas.

Como além de exigir e apurar denúncias, é hora de se trabalhar, trago à discussão a questão estrutural do gás natural agora agravada com a conjuntura política da Bolívia.

A aparente normalidade, após a posse do presidente interino Eduardo Rodriguez, poderá ou não se estender até a eleição e posse do novo Presidente, mas as chances de uma sucessão conturbada são muito grandes pela própria natureza da crise instalada, a meu ver, desde o processo de erradicação das plantações de cocaína no país. Não é possível se prever o que acontecerá naquele país, depois do novo Presidente, como não é possível se prever o que acontecerá com o setor de petróleo e gás natural. Convém lembrar que os atuais acontecimentos são frutos da exigência de setores radicais para que se aumentasse a tributação sobre aqueles produtos de 18% para 50%, o que afinal foi aprovado pelo Congresso Boliviano. O agravamento vem, agora, pelas exigências de desapropriação das multinacionais, entre elas a Petrobrás, a Repsol e a BP britânica.

O agravamento, no meu entender, vem pela irracionalidade da crise: a grande riqueza nacional, deles, o gás natural, não é uma verdadeira commodity. Se fosse, as imensas reservas de Camisea no Peru já teriam sido desenvolvidas e comercializadas. Pelas mesmas razões, estão intocadas as reservas de gás na Shell na Nigéria. Entre outros tantos exemplos.

E por essa mesma razão, entre outras, é que a Petrobrás ao longo de sua existência rica em eficiência e alta tecnologia, mas com seus resquícios autoritários, nunca dedicou recursos e atenções necessários para exploração e desenvolvimento do gás natural. O gás sempre foi considerado, pela Petrobrás, subproduto do petróleo e nem sempre é assim.

O contrato com a Bolívia tem aspectos positivos e negativos. Propiciou-se o desenvolvimento do setor, com reais benefícios para a indústria e geração de energia termoelétrica - em relação a essa última o país ainda sentirá sua real importância - pagou-se um preço muito alto pelo gás no poço na Bolívia, o preço foi fixado em dólar, o Brasil se endividou para construir o gasoduto Gasbol, fez pagamentos antecipados, carregou parceiros multinacionais e negociou a compra com a cláusula de “take or pay” com a Bolívia: ou seja, pagava pelo gás usando-o ou não. E o país não tinha mercado para o gás.Dito isso, pode-se entender melhor a racionalidade da utilização do gás da Bolívia no programa emergencial de termoeletricidade - o PPT - e o envolvimento da Petrobrás na construção de usinas. Além dela não ter mercado para o gás boliviano, a única saída para o país aumentar a geração de energia, em curto prazo, era através de termoeletricidade, em função do prazo necessário para construção de usinas. E enfrentar a conhecida e reconhecida probabilidade de falta de chuvas, que acabou se verificando na pior seca dos últimos 70 anos.

Ainda no terreno das contradições e dos aspectos negativos, quando o Gasbol foi inaugurado a Petrobrás queimava, diariamente, mais de 10 milhões de m3 por dia - 1/3 do valor contratado com a Bolívia - certamente por falta de prioridade de investimentos para o setor.Tanto que depois foi elaborado o Projeto de Queima Zero, creio com sucesso.

Mas no meu entendimento, o aspecto mais negativo do contrato foi o de inibir, ainda mais, a atuação da empresa na área de exploração e desenvolvimento de gás natural. Com o contrato com a Bolívia, com um mercado incipiente para os padrões mundiais, o enfoque da empresa continuou mesmo no petróleo, mais rentável, verdadeira commodity, com metas de auto-suficiência estipuladas, previsíveis e atingíveis, além do grande apelo político e sentimento nacionalista.

Tanto é assim que agora é que se cogita efetivamente de acelerar o desenvolvimento do campo de Mexilhões, na Bacia de Santos, estando a Ministra de Minas e Energia empenhada em antecipar para 2008 a entrada em operação do Campo de Mexilhão, inicialmente previsto para 2010. Tenho convicção que, com sua experiência e competência ela sabe que o atendimento dessa meta só será alcançado com um esforço de guerra.

Mas o problema mais grave está no Nordeste. Peço perdão aos meus companheiros por voltar ao tema, tantas vezes tenho subido à tribuna para tratar, como é do meu dever, da questão energética do Nordeste, absolutamente dependente do Gás Natural.

Dependente do gás natural porque já esgotou toda capacidade de geração de energia hidroelétrica do seu único rio, o São Francisco.

Dependente, porque não tem mais como importar, no curto-médio prazo, energia por linhas de transmissão, quer do Norte ou do Sudeste. A menos que outros empreendimentos hidroelétricos de porte venham a ser construídos. No prazo referido, é impossível que isso aconteça: desde 2003 não foi dada nenhuma concessão pela ANEEL para construção de novas hidroelétricas.

Além do mais, essa importação de energia de uma região com o mesmo regime de chuvas, mas com poder econômico muitas vezes maior que o do Nordeste, implica que, numa crise energética, como já aconteceu duas vezes neste país, a prioridade pelo recebimento de energia será sempre do Sudeste. É preciso, portanto, no longo prazo evitar mais essa dependência do Nordeste.

A curto-médio prazo, a solução é o gás natural e sem ele vai faltar energia no Nordeste, mesmo que as demais regiões estejam em situação normal.

No ano passado, não fosse a ocorrência de chuvas abundantes na bacia do Sudeste, teria havido racionamento no Nordeste, porque não haveria gás para as térmicas da região. Aliás, a solução de curto prazo - colocar em produção o campo de Manati na Bahia, com o respectivo gasoduto -, parece de improvável cumprimento o prazo previsto.

Todo o problema da Bolívia, todo um futuro incerto, leva-nos a sugerir ao Governo outras providências na área de gás, que resumo a seguir:

1. Acompanhar, também em esforço de guerra, a construção do Gasene. O Ministério de Minas e Energia anunciou o fechamento do contrato com os chineses e eu comemorei desta tribuna o fato; o Presidente do BNDES fez anúncio semelhante. Acontece que depois dos episódios da Bolívia, a Diretoria da Petrobrás não estaria dando seqüência ao projeto em função de prioridade que deveria ser dada para o Sudeste, em caso de crise futura. Ou seja, o gás do Espírito Santo - cerca de 10 milhões de m3/dia - seria reservado para atender o Sudeste. Estamos encaminhando ao Governo Pedido de Informação pelo Senado Federal.

2. Antecipar os campos de Mexilhão e Cedro, como comentado.

3. Acelerar o gasoduto Campinas - Rio, com dois anos de atraso.

4. Acelerar a produção de Cacimbas, no Espírito Santo, podendo significar mais 3 milhões de m3.

5. Acelerar o projeto do gasoduto e do campo de Golfinhos, também no Espírito Santo.

6. Antecipar a perfuração dos 7 poços de Manati, buscando triplicar a estimada produção de 2 milhões de m3/dia e ampliá-la.

7. Intensificar a atividade exploratória na Bacia Gasífera de Tucano e na Bacia de Camamu, na Bahia.

8. Retomar as atividades em Itaparica, Bahia.

9. Intensificar as operações na área marítima de Sergipe - descoberta recente e em águas rasas.

10. Intensificar as atividades no Rio Grande do Norte.

Só para comparar: de uma forma geral existem nos Estados Unidos cerca de 1.300 sondas perfurando aquele país. No Brasil, são cerca de apenas 30 a 40 sondas.

A rede de transporte nacional de gasodutos é de cerca de 8.000 km; a dos Estados Unidos é de 450.000 km.

Por fim, para que possamos refletir sobre a importância do tema aqui tratado, quero lembrar que o Governo anunciou dois leilões de energia até o final do ano, dentro do novo modelo do setor elétrico. O primeiro, apelidado de “botox”, não deverá ter maiores problemas. O segundo, o que pretende colocar energia nova para 2010, aumentando a capacidade instalada do país, deve acontecer no segundo semestre, com quantidade leiloada desconhecida. Tendo sucesso, o inicio dos empreendimentos deverá ocorrer no meio do ano, em função de aprovação de financiamento. Iniciando-se em meados de 2006, portanto, para entregar energia em 2010 as usinas deveriam ser construídas num prazo de quatro a quatro anos e meio. E aí, isso só será viável com Usinas Termoelétricas, face ao prazo maior de construção das hidroelétricas, para não se falar nos problemas das licenças ambientais. No fundo, repete-se o ocorrido em 1999/2000 quando só restou uma solução: a termoelétrica. Não havia nem cultura e nem compreensão, na época, para um programa de termoeletricidade que deveria ter sido lançado, pelo menos, dois anos antes.

Dessa forma, chega-se à conclusão da importância do gás natural e da similitude de situações, com as conhecidas diferenças em relação a cultura do gás e da situação, hoje, dos reservatórios. Ainda que persistam os mesmos problemas do passado: a questão da variação cambial e repasse às tarifas de energia e, sobretudo, a questão da bancabilidade ou financiabilidade dos projetos de energia. Mas esse é um assunto que voltarei a ele logo, pela sua gravidade e para informar das conclusões a que cheguei em encontros, na semana passada, no BID e no Banco Mundial, em Washington, onde estive em missão oficial pelo Senado Federal.

Voltarei também à tribuna para apresentar, dentro de alguns dias, projeto de lei de regulação do setor de gás natural no país. Nas circunstancias atuais - volta-se à crise boliviana que não é conjuntural - creio ser da maior relevância que o marco regulatório do gás seja separado do de petróleo, tratando especifica e unicamente das suas questões. O objetivo é criar condições para novos investimentos que serão necessários por tudo que se disse. Além do mais, repousa ainda na Câmara dos Deputados o projeto de lei das agências reguladoras, aliás, por dois motivos simples no conteúdo e complicados e inaceitáveis filosoficamente: o ouvidor que já existe e o contrato de gestão que não funciona, mas serve para retirar a autonomia das agências.

Quero encerrar por onde comecei, afora as questões morais que atingem mais e mais o governo.

Quero voltar à questão boliviana para, conhecendo toda a imensa complexidade do setor energético do país, as dificuldades intrínsecas ao sistema que persistem, os interesses contrários a determinados projetos, as mudanças que estão ocorrendo no mundo financeiro, dificuldades de financiamento e retorno a posições governamentais preponderantes nos investimentos de infra-estrutura, quero encerrar afirmando que precisaremos efetivamente de ações de guerra para vencer os desafios que nos esperam.

Volto a dizer: os desafios são maiores, como sempre, para o Nordeste que represento nesta casa!

 

************************************************************************************************

DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR RODOLPHO TOURINHO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

************************************************************************************************

Matérias referidas:

“Brasil já estuda desligar termelétricas;”

“Governo monta gabinete de crise para acompanhar escassez de gás da Bolívia;”

“Fabricantes temem desabastecimento;”

“Brasil foi ‘amador’, critica secretário;”

“Crise do gás aumenta o risco de ‘apagão’;”

“Preço fixado em leilão desestimula empresas”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/2005 - Página 19465