Discurso durante a 85ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração do Dia Nacional da Língua Portuguesa.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA CULTURAL.:
  • Comemoração do Dia Nacional da Língua Portuguesa.
Aparteantes
José Agripino, Mão Santa, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/2005 - Página 20231
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, LINGUA PORTUGUESA.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, DIFUSÃO, LINGUA PORTUGUESA, PAIS, MUNDO.
  • IMPORTANCIA, CONSOLIDAÇÃO, COMUNIDADE, PAIS, LINGUA PORTUGUESA, OBJETIVO, COOPERAÇÃO, MEMBROS, PRESERVAÇÃO, IDIOMA OFICIAL, OBTENÇÃO, RESPEITO, AMBITO INTERNACIONAL.
  • IMPORTANCIA, NELIDA PIÑON, ESCRITOR, BRASIL, PARTICIPANTE, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), RECEBIMENTO, PREMIO, PAIS ESTRANGEIRO, ESPANHA.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, “a língua portuguesa é a nossa grande pátria comum”, disse Fernando Pessoa. E o cito para fazer memória do transcurso, em dez de junho, do Dia da Língua Portuguesa, em homenagem à data de aniversário de Camões - o maior de todos os bardos do nosso idioma e alçado ao pleno reconhecimento da literatura universal. Falado atualmente por cerca de 250 milhões de pessoas, oitenta por cento das quais no Brasil, o português é a língua oficial em Portugal (incluindo o Arquipélago de Açores e a Ilha da Madeira), espargindo-se por países africanos (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe), na Ásia (Macau e Goa), além da Oceania, no Timor Leste. É assim, nosso idioma, uma das cinco mais faladas no mundo e a terceira das línguas ocidentais, não superada senão pelo inglês e pelo castelhano.

A suadisseminação pelos diversos continentes se deveu ao espírito expansionistas de Portugal, mormente na era dos grandes descobrimentos marítimos, durante os séculos XV e XVI, quando - com o propósito de difundir a fé e o Império - teve a sabedoria de adaptar a sua língua aos hábitos e crenças dos povos das regiões descobertas, daí resultando dialetos, chamados crioulos. Observe-se que o nosso português brasileiro possui não poucas diferenças com o falar da pátria-mãe, sobretudo de natureza fonética, as quais Eça de Queiróz apelidava “português com açúcar”. Verdade é que nosso povo possui maneiras de falar e escrever que se foram incorporando com o fluir do tempo, diferenciando-se das de Portugual com variações, de região para região, dentro do nosso quase continental território. Pois os idiomas, como as civilizações, são dinâmicos, como já advertia Camões, em quadra inicial, de célebre soneto:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança,

Todo o mundo é composto de mudança

Tornando sempre novas qualidades.

A língua não é um mero flatus vocis, é uma força docente, forjando padrões de exemplaridade, e fonte perene de utopia, reiterando, assim, seu caráter projetivo, frisa o pensador Gilberto Melo Kujawski. Na história dos povos, a língua é mais do que um símbolo ou, mais exatamente, uma simples justaposição de símbolos. Ela se constitui no cerne da própria identidade de um povo ou, num sentido mais amplo, de uma civilização.

Convém lembrar que a Academia Brasileira de Letras, da qual Olavo Bilac, autor do Soneto “Língua portuguesa”, foi um dos membros fundadores, assumiu o papel, no Brasil, de dedicar-se ao idioma, como reza o primeiro artigo de seu estatuto, firmado em 28 de janeiro de 1897: “A Academia Brasileira de Letras, tem por fim a cultura da língua nacional,...”. Assinado por Machado de Assis e Joaquim Nabuco, respectivamente presidente e secretário-geral da primeira diretoria da entidade, o entendimento dessa auto-missão foi assim explicitado:

A Academia, trabalhando pelo conhecimento desses fenômenos, buscará ser, com o tempo, a guarda da nossa língua. Caber-lhe-á então defendê-la daquilo que não venha das fontes legítimas - o povo e os escritores -, não confundindo a moda, que perece, com o moderno, que vivifica. Guardar não é impor; nenhum de vós tem para si que a Academia decrete fórmulas. E depois, para guardar uma língua, é preciso que ela se guarde também a si mesma, e o melhor dos processos é ainda a composição e a conservação de obras clássicas.

No momento, portanto, em que se festeja o dia de nosso idioma, considero que é fundamental, também, por oportuno, lembrar a CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. A CPLP é uma das expressões mais notáveis da disposição dos países que a integram, de promover ações cooperativas a partir desse laço cultural.

É comum dizer-se que a CPLP é uma associação de países de interesses diversos e perspectivas distintas. De fato, é verdade que existe uma acentuada diversidade de condições e interesses aparentemente voltadas para diferentes perspectivas econômicas e políticas. Muitas nações da CPLP têm vinculações com outros blocos como é o caso de Portugal com relação à União Européia, Angola com relação a SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Mistral), Moçambique com a Commonwealth (Comunidade Britânica das Nações) e mesmo o Brasil com relação ao Mercosul. Contudo, esse fato não invalida a necessidade que as nações têm de oferecer respostas a um mundo caracteristicamente multifacetado em suas demandas. Nem mesmo os interesses comerciais, por serem muitos variados, podem ser definidos apenas em termos de um único parceiro, ainda que esse parceiro seja um bloco de nações ricas e poderosas.

O Prof. Álvaro Vasconcelos, do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais de Lisboa, entende que reconhecer essa realidade é o primeiro passo para se promover uma cooperação efetiva entre os países integrantes da CPLP:

é preciso conciliar a integração de cada um dos países em sua realidade regional com uma Comunidade que não deverá ser, regra geral, a sua primeira prioridade”, e conclui: “... a CPLP deve ser pensada como a rede que liga diferentes países com diferentes perspectivas e, ao fazê-lo, deve tirar partido desse fato para promover as relações inter-regionais.

A CPLP, criada em 1996, em Lisboa, tem entre seus princípios: a igualdade soberana dos Estados membros; a não-ingerência nos assuntos internos de cada Estado; o respeito pela identidade nacional; o primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social; e a promoção do desenvolvimento.

Sabemos que o substancial aumento da presença brasileira em Portugal, por meio do comércio, da cultura e da política, o fato de Portugal ter se transformado, desde o fim do século XX, num dos maiores investidores no Brasil constituem sinais evidentes da existência de um grande potencial de oportunidades a serem exploradas a partir do adensamento das relações inter-regionais.

Cabe, porém, registrar que, no campo mais amplo do intercâmbio entre os diferentes integrantes da CPLP, ações outras estão sendo deflagradas, entre as quais poderia citar:

A reconstrução da infra-estrutura econômica de nações que enfrentaram longas guerras civis e as variadas demandas por desenvolvimento econômico aponta para uma extensa gama de oportunidades para a cooperação no âmbito da CPLP.

A propósito, salientaria o fato de que Angola e Moçambique enfrentaram, durante grande período da sua história - são nações recém emancipadas -, grandes conflitos internos, e o de Angola somente recentemente teve término com a morte do líder rebelde Savimbi. . Podemos dizer, também, que outras nações tiveram graves conflitos, como Guiné Bissau, sem falar na questão mais recente de Timor Leste, que somente agora conseguiu obter a sua emancipação, saindo, portanto, do jugo da Indonésia.

Ações, num sentido mais amplo, de cooperação com vistas à promoção da cidadania também têm sido praticadas de muitas formas. Acordos nas áreas da educação e formação profissional, da promoção da saúde e também na área das questões ligadas à regularização da situação de imigrantes têm sido negociados tanto de forma bilateral quanto no âmbito das reuniões da CPLP.

A busca de solucionar providências decorrentes das migrações, uma questão que, nos dias de hoje, tem afetado em diferentes intensidades a todos os países e, com os países da CPLP, não poderia ser diferente, exigindo que arranjos cooperativos sejam construídos ou aprimorados a fim de preservar, simultaneamente, tanto a estabilidade econômica e social quanto os direitos de cidadania dos migrantes.

A cooperação, baseada na língua como laço comum, pois tem um propósito tão importante quanto a cooperação econômica, social e política. Na verdade, não apenas não exclui esses campos da cooperação como também serve de base para que ela seja mais efetiva e completa. Nela está implícita uma dimensão raramente encontrada nas formas de cooperação com propósitos mais imediatos, que é o fortalecimento da identidade nacional.

Formas de cooperação internacional no campo das relações comerciais e financeiras, além de mecanismos de solução de controvérsias na ordem política. Convém lembrar que a cooperação bilateral e multilateral apresenta uma variada gama de possibilidades.

Criação do Instituto Internacional de Língua Portuguesa (julho de 2000), com sede em Maputo, para difusão e fortalecimento do idioma português, constitui iniciativa bastante promissora. Com efeito, numa época caracterizada por um processo de universalização de normas, costumes e padrões de comportamentos, o fortalecimento das identidades nacionais se afigura uma preocupação tão importante quanto a preservação de patrimônios arquitetônicos e ambientais.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Sr. Presidente, antes de concluir, eu gostaria de ouvir o aparte de S. Exª, o nobre Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Marco Maciel, ninguém melhor que V. Exª nesta Casa para fazer um culto à Língua Portuguesa, já que V. Exª e o Presidente Sarney são os nossos representantes na Academia Brasileira de Letras. Aprendi com um homem do Piauí, Petrônio Portella, que dirigiu esta Casa - acho que ninguém o excedeu - o seguinte: “não vamos agredir os fatos; só não muda quem se demite do seu direito de pensar”. O fato é que a língua quem faz é o povo; é o meio de se comunicar, de se aproximar. V. Exª foi seminarista, não foi?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Não. Sou católico, apostólico e romano, mas não fui seminarista.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Penso que V. Exª deveria receber título até de cardeal, porque simboliza o que há de melhor entre os cristãos católicos do nosso País.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Muito obrigado.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Jânio Quadros, quando Presidente da República, pensou que deveríamos nos aproximar da língua espanhola. A língua muda. Veja o latim; V. Exª deve ter declamado e dissertado as Fábulas de Esopo em latim. Na Espanha, Sr. Presidente Edison Lobão, há vários dialetos. Tem um na Galícia, que é o galego, uma mistura de português e espanhol. Hoje, há o Mercosul, a globalização, o progresso do transporte aéreo e rodoviário. Existe um livro, de uma professora muito viajada, que já li umas quatro vezes, Senador Lobão, que está presidindo a sessão: Portunhol. Então, é tempo de percebemos que, juntando Português com Espanhol, teremos uma das línguas de maior comunicação, aproximação, comercialização e globalização, uma das línguas mais fortes do mundo. Então, a Academia Brasileira de Letras poderia buscar fazer essa integração, aproximando a comunicação. É a neurolingüística que nos difere dos outros animais. V. Exª é a pessoa qualificada para buscar esse avanço entre os povos.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Está aí a grande missão de V. Exª na Academia Brasileira de Letras, muito importante mesmo.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Muito obrigado ao nobre Senador Mão Santa pelo aparte, assim como também agradeço, igualmente sensibilizado, o aparte do Senador Pedro Simon.

Sr. Presidente, não se pode pensar que um elo comum como a língua seja suficiente para produzir a ampliação do comércio ou o desenvolvimento econômico, mas é possível pensar que a Comunidade de Países da Língua Portuguesa pode ser útil no sentido de contribuir para que percepções individuais sejam compartilhadas.

Afinal, entre os muitos paradoxos que integram a vida humana, um dos mais notáveis é o fato de que a maioria das grandes obras que a humanidade já produziu tiveram por base a experiência individual de um povo, de uma comunidade ou mesmo de um único indivíduo.

Ouço o nobre e ilustre Líder, Senador José Agripino.

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Senador Marco Maciel, quero fazer uma observação. A TV Senado é muito ouvida no Brasil inteiro. E o Brasil inteiro hoje está antenado nos fatos políticos que estão acontecendo: demissão do Primeiro-Ministro José Dirceu, crise do Governo, denúncias de corrupção. E V. Exª faz um discurso light sobre Língua Portuguesa. Podem até imaginar que V. Exª esteja dissociado da realidade brasileira. Quero aqui repor a verdade dos fatos para aqueles que não o conhecem. Feliz do Parlamento que tem, dentre seus integrantes, um Marco Maciel.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Muito obrigado a V. Exª.

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Com uma palavra ponderada no momento de crise, é capaz de fazer um discurso sério sobre um tema sério como esse, sem dissociar-se, sem deixar de ter a sua atenção privilegiada voltada para os fatos que estão acontecendo, mas para dar a opinião na hora certa, para ser o conselheiro da hora certa, o homem sensato da hora certa, o que V. Exª é. Faço este registro para testemunhar, em nome do meu Partido, o homem equilibrado que V. Exª é, mas de posição, determinado...

(Interrupção do som.)

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. José Agripino (PFL - RN) -...atento aos fatos. E, neste momento em que todos só falam de crise, V. Exª traz um tema que não é de crise. Mas estão enganados aqueles que pensam que V. Exª não está acompanhando os fatos e, com sua opinião e sua posição sensata, correta e séria para dar na hora certa.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Muito Obrigado ao nobre Líder José Agripino. As palavras de V. Exª servem para lembrar que, desde anteontem, estivemos reunidos num grande Congresso de Refundação do nosso Partido. Por ocasião desse fórum, que começou no dia 15 e terminou ontem à noite, e do qual participei integralmente, discutimos as momentosas questões que vive o Brasil. E mais do que isso: o nosso partido, agora na oposição, firmou posição clara em relação aos diferentes episódios que vive o país nesses dias e parecem toldar o nosso ambiente político, econômico social. Quero dizer a V. Exª que o seu aparte muito me sensibiliza, sobretudo porque V. Exª vem cumprindo, aqui no Senado Federal e fora dele, um papel muito importante, não somente como um dos líderes da oposição mas também como um respeitado e acatado líder do nosso partido.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao celebrar o Dia da Língua Portuguesa, as nossas vistas, pois, devem se voltar, ao lado da promoção do idioma, para a consolidação da CPLP, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Essa instituição poderá vir a ensejar uma maior cooperação entre os povos que se expressam no mesmo idioma, criando condições para maior inserção da ação dos seus integrantes na comunidade internacional dos nossos tempos, ainda caracterizada por enormes assimetrias que comprometem a busca de um mundo mais harmonicamente desenvolvido.

Sr. Presidente, gostaria igualmente de fazer um breve registro. Diz respeito ao fato de a escritora Nélida Piñon haver sido agraciada com o prêmio Príncipe de Astúrias das Letras de 2005, concedido no dia 15 de junho deste mês.

Nélida Piñon, autora de importantes obras, como “Guia-mapa de Gabriel Arcanjo”, “Fundador”, “A casa da paixão” e outras mais, pertence à Academia Brasileira de Letras, tendo-a presidido em 1997, ano do centenário da instituição. É a primeira escritora brasileira a ser agraciada com tal distinção, inclusive “desbancando” - para usar uma expressão usada nos jornais - outros concorrentes, como o israelense Amos Oz e os americanos Paul Auster e Philip Roth .

Aproveito a ocasião em que faço este registro para felicitar não somente a consagrada autora brasileira, a quem me ligam antigos laços de amizade, mas também estender os meus cumprimentos à Academia Brasileira de Letras, da qual Nélida Piñon é uma das mais ilustres e acatadas integrantes.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, peço também que a este meu discurso seja anexado documento que contém dados básicos sobre a chamada Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado a V. Exª.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/2005 - Página 20231