Discurso durante a 103ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre o momento crítico da política brasileira e os financiamentos públicos. Apelo pela aprovação urgente de projeto de lei em tramitação do Congresso, que obriga a quebra de sigilo bancário de cidadãos eleitos para exercer cargos públicos. Solicita transcrição de entrevista do Ministro Edison Vidigal, Presidente do Superior Tribunal de Justiça, publicada na revista IstoE, edição desta semana.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Reflexões sobre o momento crítico da política brasileira e os financiamentos públicos. Apelo pela aprovação urgente de projeto de lei em tramitação do Congresso, que obriga a quebra de sigilo bancário de cidadãos eleitos para exercer cargos públicos. Solicita transcrição de entrevista do Ministro Edison Vidigal, Presidente do Superior Tribunal de Justiça, publicada na revista IstoE, edição desta semana.
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 05/07/2005 - Página 22003
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, CORRUPÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, BRASIL, DIFICULDADE, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ERRADICAÇÃO, ILICITUDE.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIZAÇÃO, QUEBRA, SIGILO BANCARIO, MEMBROS, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, JUDICIARIO, FUNCIONARIO PUBLICO, AMBITO, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS, EMPRESA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, AUMENTO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, EXPECTATIVA, TRAMITAÇÃO, REGIME DE URGENCIA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ENTREVISTA, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), PUBLICAÇÃO, PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), LEITURA, TRECHO, ANALISE, AMEAÇA, ESTADO DE DIREITO, ABUSO, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, RISCOS, AUTORITARISMO, NECESSIDADE, REFORÇO, DEMOCRACIA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto à tribuna para abordar um tema de que já falei aqui: é sobre este momento que estamos vivendo, este momento que está deixando a Nação consternada e perplexa.

Os noticiários a cada dia apresentam fatos novos relacionados a diversos tipos de corrupção. São denúncias que, no fundo, todas elas, deságuam num ponto só, que é a utilização dos recursos públicos para diversos tipos de ação. Já vimos isso no passado numa dosagem “x”, depois numa dosagem “y”, fizemos CPIs, punimos alguns envolvidos - geralmente os beneficiários da corrupção. Os corruptores, porém, jamais foram punidos.

Estamos de novo diante de um fato desses. Temos a CPI dos Correios, que está apurando amplamente as denúncias que envolvem aquela instituição, mas que vai ter de ampliar o seu escopo porque há ramificações para todos os lados. Temos também instalada a CPI dos Bingos, da qual sou vice-presidente e que vai averiguar a ligação desse jogo com ilícitos como a lavagem de dinheiro, que, muitas vezes, é lavagem de dinheiro público que vai para o bolso de pessoas inescrupulosas.

Acho que só tem uma forma, Sr. Presidente, de realmente estancarmos essa sangria, se não totalmente, pelo menos quase que totalmente: é aprovarmos um projeto de lei que, sempre faço questão de repetir, teve inspiração num projeto anterior do Senador Pedro Simon que objetivava que todos os Parlamentares tivessem, ao assumir o mandado, o seu sigilo bancário quebrado.

Temos de ampliar essa regra para toda a máquina pública para alcançar todos aqueles que recebem dinheiro público, quer dizer, que recebem salário dos cofres públicos, sejam municipais, estaduais ou federal, do Poder Executivo, do Legislativo ou do Judiciário. Todos têm de ter o seu sigilo bancário quebrado, automaticamente, ao assumirem função pública. O mesmo se aplica às empresas que transacionam com o poder público, isto é, que são pagas com recursos públicos, sejam as prestadoras de serviços, sejam as construtoras, sejam aquelas empresas que terceirizam serviços.

É preciso tornar transparentes as transações que envolvem o dinheiro público, o dinheiro do povo, que é oriundo do imposto que todos nós pagamos quando compramos qualquer coisa: quando compramos um alimento; quando acendemos a luz; quando usamos qualquer tipo de atividade. Além disso, pagamos imposto de renda, principalmente os assalariados.

Devem ter seu sigilo quebrado todos aqueles que recebem dinheiro público, sejam aqueles nomeados por concurso, aqueles nomeados para cargos comissionados ou eleitos para exercer mandatos - seja de Vereador, de Prefeito, de Deputado Estadual, Governador, Deputado Federal, Senador, Ministro ou Presidente da República. Todos têm de ter o sigilo bancário quebrado automaticamente. Essa teria de ser uma precondição para assumir o cargo; se vai receber dinheiro público, não tem por que esconder, não tem por que ter esse privilégio do sigilo bancário; ele é um homem público, e recebe dinheiro dos cofres públicos.

Esse projeto, felizmente, já tem assinaturas para apoiar o pedido de urgência de todos os Líderes, de todos os partidos. Se for o caso, espero que ele possa ser melhorado, mas o seu objetivo, que é monitorar quem recebe dinheiro público, deve ser atingido urgentemente.

Sr. Presidente, acho que estamos fazendo a nossa parte fazendo as CPIs, mas precisamos agir em conjunto; precisamos desencadear uma operação conjunta que envolva, de fato, de forma honesta, o Poder Executivo e o Poder Judiciário por meio de suas instituições, com a ressalva de que tudo seja feito dentro do Estado Democrático de Direito. Não vamos igualar por baixo. Quando se diz que ninguém presta, isso acaba favorecendo os que realmente não prestam; os que prestam terminam se afastando da vida pública, seja da forma que for, e abrindo caminho aos que não prestam, que vão, justamente, se utilizar de mecanismos como o jogo de influência, artifícios os mais diversos para se locupletar com recursos públicos.

Queria também, Sr. Presidente, fazer um registro relativo a uma matéria que peço que seja transcrita na íntegra para os anais do Senado. Refiro-me à entrevista concedida pelo Ministro Edson Vidigal, Presidente do Superior Tribunal de Justiça, à revista ISTOÉ. Ela é muito oportuna. Posso até discordar de determinados pontos de vista do Ministro, mas ela é de profunda propriedade aos momentos que vivemos.

O Ministro, na revista ISTOÉ desta semana, nas páginas vermelhas, dá uma entrevista cujo título é “Estamos vivendo um Estado nazista”. A submanchete é a seguinte: “Presidente do STJ alerta para o perigo de ações espalhafatosas da Polícia Federal e diz que grampos viraram objeto de chantagem”.

Antes de ler algumas partes dessa entrevista, quero fazer aqui uma observação. Tenho sido um assíduo defensor da Polícia Federal nesta tribuna por várias razões. A primeira delas é que sou um homem da Amazônia e entendo que a Polícia Federal é essencial para a guarda das nossas fronteiras. A Polícia Federal lá vive em estado de precariedade, na Amazônia e no Brasil todo, mas notadamente na Amazônia, estado de precariedade no que tange seu equipamento de trabalho, seu pessoal, e seus salários - os salários, realmente, são até imorais se levarmos em conta a importância da missão da Polícia Federal naquela região.

Porém, tenho de concordar com o Ministro no que diz respeito à cautela para que não se quebre o Estado de Direito, que diz que todos somos inocentes até que se prove o contrário. Estamos invertendo essa ordem.

Vou ler a introdução da entrevista do Ministro e Presidente do STJ:

Presidente do Superior Tribunal de Justiça desde abril do ano passado, Edson Vidigal, que também é jornalista, dá um grito de alerta: o Estado democrático de direito no Brasil está ameaçado. O alvo da preocupação do ministro do STJ - último degrau no Poder Judiciário para questões não constitucionais - são as recentes operações da Polícia Federal, com a invasão de seus agentes a escritórios de advocacia (e acrescentaria, a lares e ambientes de trabalho), onde recolhem documentos e computadores e até usam algemas em situações que muitos consideram desnecessárias. As investigações são pedidas pelo Ministério Público (MP) ao Poder Judiciário, que autoriza e desencadeia a ação da PF. Vidigal cobra mais cautela de todos [portanto, Ministério Público, Poder Judiciário e Polícia Federal] e alerta para a utilização exacerbada e até ilegal de grampos telefônicos. Muitas vezes, o conteúdo dessas gravações é usado na fabricação de dossiês que são objeto de chantagem. Segundo ele, o Estado está perdendo o controle, e as idéias fascistas estão ganhando corpo.”

Diz mais, o Presidente:

No Brasil, hoje, nós começamos a ver uma inversão: todo cidadão é em princípio culpado. Nós todos somos suspeitos.

             

            Isso não pode realmente ajudar a democracia. Não podemos, de jeito nenhum, compactuar com qualquer tipo de ilicitude. Não podemos e não vamos, mas também não podemos usar métodos e esquemas, como está aqui dito, que os nazistas e os fascistas usaram, aproveitando a indignação popular para dizer que os meios justificam os fins. Isso não é verdade.

Temos que preservar a democracia e, para isso, é preciso fazer, no Brasil, mais ou menos uma “Operação Mãos Limpas”, como aquela que foi feita na Itália, com o Poder Judiciário e o Poder Legislativo de mãos dadas com o Poder Executivo, usando as instituições democráticas existentes para que possamos alterar leis, como esta proposta que faço, para dar celeridade às investigações, a fim de, efetivamente, desmanchar essas quadrilhas que estão atuando em todos os poderes.

Temos alguns juízes presos e alguns sob investigação. Temos Parlamentares sob investigação. Temos vários membros do Poder Executivo sob investigação e temos empresários que transacionam com o Poder Público também sob investigação.

Quero ler um outro pedaço da entrevista do Ministro:

Estamos precisando fortalecer o Estado de direito, que passa inicialmente pela moralização dos costumes políticos. Nós precisamos de uma faxina. Não é cassar dois ou três. É botar para fora, escorraçar 50, 60, 80, quantos ali estejam no exercício indevido de um mandato obtido de alguma forma malandra. É preciso que nós canalizemos esse movimento de indignação da sociedade, não contra o regime, mas para fortalecê-lo, enfrentando a impunidade. O Congresso Nacional está desafiado porque no ponto a que chegamos hoje a opinião pública se coloca contra o Legislativo, já desconfia do Judiciário. Amanhã não vai mais confiar no Poder Executivo [penso que já não confia no Poder Executivo, infelizmente.] Meu Deus do céu, para onde nós iremos? Então, esse aqui é um grito de alerta que vem de uma geração que já conheceu o que é uma ditadura.

É preciso, realmente, estar alertas, pois este momento é delicado para todos, mas não podemos perder de vista que não se faz uma cirurgia, Senador Tião Viana, mesmo quando há uma emergência, mesmo quando é preciso fazer algo, mesmo não tendo as condições, sem obedecer aos princípios que regem o ato cirúrgico. Da mesma forma, não é possível, agora, aqui, neste momento que estamos vivendo, esquecer das normas legais que nos norteiam, mas é preciso, sim, mudar muitas delas.

Quero aqui, novamente, fazer este apelo, pedindo a transcrição deste artigo do Ministro Edson Vidigal, Presidente do STJ.

Quero reiterar o meu apelo aos Líderes partidários, e repito, Senador Tião Viana, todos eles já assinaram a urgência para este projeto. Espero, portanto, que possamos aprová-lo, se não houver recesso, já agora, e, se houver recesso, logo após a volta aos trabalhos, porque não adianta terminarmos as CPIs, indicarmos os culpados, cassarmos alguns Parlamentares e depois tudo voltar ao que era antes, o que não é bom, porque permanecerá a percepção do cidadão de que todos são iguais, quer dizer, que estamos no mesmo patamar.

Na medida em que se nivelam todos por baixo, dizendo que ninguém presta, isso só ajuda, repito, o mau-elemento que se aproveita da coisa pública, seja na Câmara, no Senado, nas diversas instâncias do poder, inclusive no Judiciário.

Senador Augusto Botelho, com muito prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Senador Mozarildo Cavalcanti, ouvia o pronunciamento de V. Exª no carro. Graças a Deus cheguei a tempo para dizer que o projeto de V. Exª, inspirado no do Senador Pedro Simon, vem para ajudar este momento por que o Brasil vem passando. Obrigar a todos que exercem cargo público a autorizarem a quebra do seu sigilo bancário é uma coisa ótima, como também o projeto do Senador Tião Viana, em relação aos cargos de confiança, que também visa moralizar este País, ao dispor que os cargos de confiança sejam exercidos sempre pelas pessoas que são técnicos dos órgãos onde aquele cargo é disponível, e ao tratar também do nepotismo. Precisamos correr para aproveitar esta onda, esta turbulência que estamos passando, para que a verdade apareça e os culpados sejam punidos. Mas apenas isso não adianta, como V. Exª concluiu, é preciso sair leis desta Casa para evitar que isso ocorra de novo. Falamos em corrupção, corrupção, mas isso, na verdade, é roubo, não é? Na realidade, tira-se pão da boca do pobre; tira-se remédio dos hospitais; tira-se dinheiro do conserto das estradas, como sempre fala o Senador Alberto Silva; tira-se dinheiro das construções de creches e escolas. Temos de acabar com isso. O povo já não agüenta mais. Ainda tenho esperanças de que o Presidente Lula...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - ... não seja atingido pessoalmente por essas denúncias para que Sua Excelência continue seu Governo dentro desse princípio de moral e de ética.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Augusto Botelho. Como V. Exª falou, tira-se dinheiro, inclusive, da saúde, como é o caso da Operação Vampiro, que ninguém sabe como terminou. Com esse projeto, já saberíamos para onde o dinheiro foi, por onde andou e na mão de quem está.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Precisamos, efetivamente, de uma mudança, de uma Operação Mãos Limpas no Brasil, com a colaboração de todos os homens e mulheres de bem, de todos os setores da sociedade. Se representamos a população aqui - e não somos todos iguais -, temos realmente de tomar providências para passar a limpo este País.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

- “Estamos vivendo um Estado Nazista” (Entrevista do Ministro Edson Vidigal)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/07/2005 - Página 22003