Discurso durante a 123ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a reforma política. Questionamentos sobre a isenção do Ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, para a coordenação da reforma política.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Considerações sobre a reforma política. Questionamentos sobre a isenção do Ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, para a coordenação da reforma política.
Publicação
Publicação no DSF de 02/08/2005 - Página 26120
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • OPINIÃO, REALIZAÇÃO, REFORMA POLITICA, PERIODO, CRISE, POLITICA NACIONAL, NECESSIDADE, DEFINIÇÃO, MELHORIA, PROCESSO ELEITORAL, ADIAMENTO, DEBATE, RELAÇÃO, CANDIDATO, LISTA DE ESCOLHA.
  • APREENSÃO, PREPARAÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), PROJETO, REFORMA POLITICA, OPINIÃO, ORADOR, AUSENCIA, ISENÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MOTIVO, ORIENTAÇÃO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), SUSPEIÇÃO, CORRUPÇÃO, CRITICA, ATUAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RORAIMA (RR), DESRESPEITO, VONTADE, POPULAÇÃO, INDUÇÃO, ERRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), IRREGULARIDADE, PUBLICAÇÃO, PORTARIA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, não há dúvida de que todos nós estamos, nesse período de tantas notícias negativas, procurando que rumos tomar, que atitudes tomar a fim de colaborar para que o Brasil realmente melhore.

Um dos pontos que aparecem com freqüência no noticiário é a reforma política, como se todos os casos de corrupção estivessem apenas no campo limitado da política, como se o envolvimento de várias figuras do setor empresarial, de funcionários do alto escalão do Governo, tudo fosse a prática política. Como se o sistema político fosse efetivamente o único viés dessa questão.

Mas não há dúvida, Sr. Presidente, de que precisamos, sim, fazer uma reforma política. Há muito tempo, aliás, creio que já há mais de três anos, o Senado aprovou pontos básicos, fundamentais da reforma política, que estão na Câmara esperando por votação, como a questão da fidelidade partidária, como a questão da cláusula de barreira e do financiamento das campanhas. São matérias que estão paradas.

Parece-me, portanto, que, talvez, este não seja o momento adequado para se fazer uma reforma política profunda, completa; uma reforma política que realmente passe a limpo toda essa questão e que dê ao eleitor a segurança, a esperança de que, por meio do voto, ele poderá mudar este País.

É lógico que algumas medidas emergenciais têm de ser tomadas agora, para que o eleitor não vá às urnas, na eleição do ano que vem, sem nenhuma esperança de que a situação possa mudar. Muito menos podemos deixar que as coisas fiquem nesse mesmo estado ou fazer apenas alguns ajustes, que, no meu entender, seriam casuísticos, como, por exemplo, a lista fechada que a Câmara está aprovando daquela forma, dando prioridade para os atuais Deputados ficarem nos primeiros lugares da lista fechada.

É bom que a população saiba o que é lista fechada e o que é lista aberta. Lista aberta é o que temos hoje: o eleitor vota no candidato a deputado federal, a deputado estadual ou a vereador. A soma dos votos que os candidatos de um determinado partido obtêm forma um coeficiente partidário que corresponderá, portanto, ao número de vagas de cada partido. No caso da lista fechada, ocorre o inverso: o eleitor não vota mais no candidato, e sim no partido.

Muitas vezes, o eleitor nem sabe que candidatos o partido tem. E se ele vota, por exemplo, pensando que está votando no candidato “x” daquele partido - mas vota naquele partido -, na lista fechada, se aquele partido eleger apenas dois candidatos, e o dele for o quarto da lista, o candidato dele ficou fora.

Então, entendo que algumas matérias não podem ser votadas neste momento, um momento de angústia, de desesperança, de descrédito mesmo em todas as instituições brasileiras. Temos de selecionar os pontos importantes e emergenciais para a eleição do ano que vem e verificar quais são aqueles pontos que devemos votar para valer daí para frente. Há até quem defenda que se institua uma constituinte exclusiva, depois da eleição de 2006, para se fazer essas grandes reformas de que o País precisa, incluindo a reforma política, que, como diz o Senador Marco Maciel, é a mãe de todas as reformas.

Porém, Sr. Presidente, li nos jornais esses dias que o Ministro da Justiça está preparando, a toque de caixa, um projeto de iniciativa do Poder Executivo para fazer a reforma política. Não vejo no Ministro da Justiça um homem com isenção; não vejo no atual Ministro da Justiça, o Sr. Márcio Thomaz Bastos, como vê o Presidente Lula, um jurista isento para fazer isso. Não o vejo assim por várias razões: primeiro, os jornais também noticiaram que ele orientou o Sr. Delúbio Soares a contar ao Procurador-Geral da República determinados fatos e a prestar-lhe um depoimento espontâneo; e que tem orientado inclusive outras figuras do PT. Ele é advogado do PT ou Ministro da Justiça do Brasil?

Fora isso, para mim, marcadamente, o Sr. Márcio Thomas Bastos não tem isenção, porque, no caso do meu Estado, ele agiu como advogado da CNBB, do Cimi e das ONGs, que defendiam determinado tipo de demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Ele foi lá, Sr. Presidente, a mando do Presidente Lula, ouviu todo mundo e quem mais o interessava: ouviu os índios que moram na reserva, ouviu os não-índios, ouviu toda a sociedade e, portanto, ele trouxe, com certeza, o pensamento da maioria dos índios que lá moram; ele trouxe, com certeza, o pensamento da sociedade como um todo e, no entanto, o Sr. Márcio Thomaz Bastos propôs ao Presidente exatamente o contrário do que ele ouviu lá.

Pior do que isso, Sr. Presidente. Como Ministro da Justiça, ele enganou o Supremo Tribunal Federal, e o fez de maneira ardilosa, porque havia uma decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal em relação a esse assunto. Inicialmente, era apenas para o Supremo decidir, até a pedido da Procuradoria Geral da República, se a questão judicial sobre a reserva Raposa Serra do Sol era competência do Supremo ou se era competência da Justiça Federal do Estado de Roraima, a primeira instância, já que havia uma liminar concedida contra a homologação pelo Juiz de Roraima, pelo Tribunal Regional Federal, aqui, em Brasília, pelo STJ e pelo Supremo. O Ministro, então, na hora do julgamento, informou ao Ministro Relator, Carlos Ayres Britto, que ele havia revogado a Portaria que tinha dado origem à demarcação e editado uma outra Portaria, que mudava radicalmente a anterior. Portanto, todas as ações contra a homologação da reserva indígena Raposa Serra do Sol perderiam objeto.

No entanto, Sr. Presidente, isso era uma mentira, porque juridicamente uma Portaria ou qualquer ato público só tem valor depois de publicado no Diário Oficial; no caso de uma Portaria do Ministro da Justiça, no Diário Oficial da União. E a Portaria não havia sequer sido publicada. Portanto, ela não existia do ponto de vista do Direito. E ele informou ao Ministro Relator do Supremo, na hora da decisão da competência - uma vez vencido o fato de que a competência era realmente do Supremo, louvando-se de uma informação do Ministro da Justiça -, que, em face da edição de uma nova Portaria, de nº 234 deste ano, todas as ações contra a demarcação, que se baseavam na Portaria anterior, estavam prejudicadas e perdiam o objeto. Somente no dia seguinte ao julgamento do Supremo a Portaria foi publicada.

Portanto, não precisa nem ser advogado ou jurista para perceber que isso foi, no mínimo, um desrespeito ao Supremo, e ele induziu o Presidente da República - vou acreditar que o Presidente não sabia de nada também - a cometer um erro ao assinar um decreto baseado numa decisão do Supremo, que, por sua vez, se baseou numa Portaria que não existia.

Dessa forma, o Ministro da Justiça não tem, no meu entender, isenção para apresentar um projeto de reforma política para ser apreciado pelo Congresso Nacional.

Ouço V. Exª, Senador Marco Maciel, com muito prazer.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - O prazer é todo meu, nobre Senador Mozarildo Cavalcanti. Antes de mais nada, quero cumprimentar V. Exª por tratar da reforma política, uma reforma sempre cobrada e sempre adiada. Quero dizer em primeiro lugar que V. Exª tem razão quando diz que é fundamental que realizemos reformas políticas. O Senado já cumpriu o seu papel. V. Exª se lembra - eu não estava na Casa quando tudo ocorreu, mas acompanhei enquanto Vice-Presidente da República - que o Senado aprovou uma série de medidas que, se tivessem sido acolhidas na Câmara, já teriam contribuído para evitar muito do que aconteceu recentemente em nosso País. Em segundo lugar, a matéria sofreu, na Câmara, muitas mudanças, que distorceram seus objetivos. Daí por que entendo que talvez não fosse este o momento de votarmos a reforma política. Pode parecer paradoxal, pois sempre defendi reforma política desde a década de 70 e, neste momento, eu esteja defendendo algo no sentido oposto. É porque receio, tendo em vista a crise política em que vive o País e, sobretudo, a existência de três CPMIs voltadas para apurar ilícitos, que, de alguma forma, têm a ver com o processo político-eleitoral brasileiro. Se votarmos agora essas reformas, elas possam se revestir de um viés casuístico, que reflitam a moldura das circunstâncias. Creio que uma reforma política deve se caracterizar por fixar princípios, como assim fez o Senado, de caráter permanente e não sejam, conseqüentemente, marcados pelo império das circunstâncias ou por medidas casuísticas que se voltem para superar a crise, mas sinalizar algo com relação ao futuro. Quando pensamos em reforma política, pensamos em fortalecer as instituições brasileiras. Essa é a grande questão. Só fortaleceremos essas instituições quando fizermos uma reforma política caracterizada por princípios que garantam a perenidade não somente dos processos político-eleitoral e político-partidário, mas no sentido mais amplo, do processo de melhoria do desempenho do sistema de Governo e das instituições republicanas que também estão em crise com os episódios que, infelizmente, estamos testemunhando em nosso País. Agradeço a V. Exª a concessão do aparte.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, que enriquece e dá mais força ao tema que estou discutindo. Concordo plenamente com V. Exª, que, realmente, é um estudioso e um defensor dessa questão.

Sempre costumo dizer, até pela minha formação de médico, que em uma situação de emergência ninguém faz tratamento definitivo. Nesse caso, trata-se a emergência, faz-se um diagnóstico e, depois, o tratamento definitivo.

Concordo plenamente com V. Exª. Devemos debater, sim, e até, se for o caso, aproveitar o referendo sobre o desarmamento para nele incluir algo sobre a reforma política, ouvindo a população a respeito.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Ouço, com muito prazer, o Senador José Jorge.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Meu caro Senador Mozarildo Cavalcanti, eu também gostaria de dar minha opinião sobre a reforma política que o Presidente Lula anunciou e que será coordenada pelo Ministro Márcio Thomaz Bastos. Trata-se de uma cortina de fumaça. Na verdade, o Presidente Lula sabe melhor do que nós, ou deveria saber, que a reforma política foi aprovada no Senado na legislatura anterior - há mais ou menos quatro anos -, e está na Câmara desde essa época. Durante os dois primeiros anos do seu mandato, o Presidente João Paulo não deixou que essa matéria fosse votada, não coordenou a sua votação, em acordo com esses pequenos partidos. Na realidade, o Ministro Márcio Thomaz Bastos, que é um grande jurista, não entende nada de política, muito menos de reforma política, e o Presidente Lula nunca mais falou sobre o assunto. Era para o resultado sair em 45 dias, mas aquilo só serviu como uma manchete a mais a favor do Governo: a de que seria feita uma reforma política. O mesmo acontece com a questão do fechamento das casas de bingos. Lembra-se V. Exª de que isso foi feito somente para esconder o caso Waldomiro? Não o escondeu, somente o adiou: hoje, está instalada a CPMI dos Bingos, de que V. Exª, inclusive, é o Vice-Presidente. Na realidade, trata-se de medidas paliativas que o Governo adota e, depois, esquece, nunca mais falando delas. V. Exª tem absoluta razão.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Agradeço o aparte, Senador José Jorge. Concordo com todos os pontos que V. Exª mencionou, menos com um ponto: o de que o Ministro da Justiça seja um grande jurista. Um grande jurista, no meu entender, não é só aquele que tem conhecimento jurídico, mas quem também tem outros atributos, como isenção e correção. No meu entender, como já expliquei aqui, ele não os tem; portanto, não é um grande jurista, e não tem isenção sequer para coordenar uma reforma política desse nível.

Concedo um aparte ao Senador Ramez Tebet, com muito prazer.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Mozarildo Cavalcanti, estou chegando do meu Estado. É imprescindível que se faça alguma reforma política. Vou usar uma expressão do Senador Marco Maciel, que merece as nossas homenagens, publicada na Folha de S.Paulo há poucos dias: “A reforma política é muito falada, mas nunca priorizada”. É estranho que, neste momento, o Executivo queira conduzir a reforma política, quando isso deve ser feito por nós. Além disso, é necessário que se faça alguma coisa sob o ponto de vista constitucional, que não permite reforma política em ano eleitoral. Isso deve ser feito um ano antes do processo de eleição. Assim, devemos fazer a reforma política possível. Estamos vivendo num cenário difícil, onde se apuram atos de corrupção que têm infelicitado esta Nação. Senador Mozarildo, sem dúvida nenhuma, se aprovarmos a fidelidade partidária, que já foi votada nesta Casa, estaremos prestando um grande serviço. Juntamente com a Câmara, devemos eleger pontos a serem votados, como, por exemplo, a queda da verticalização e a fidelidade partidária. Para isso tudo há clima e tempo. No entanto, se quisermos fazer uma reforma ampla até 30 de setembro ou 1º de outubro, positivamente, não vamos conseguir. Parabenizo V. Exª. Acabei de fazer a minha inscrição para, amanhã, se possível, abordar esse assunto e a crise atual que o País está atravessando.

O SR. PRESIDENTE (Sérgio Guerra. PSDB - PE) - V. Exª dispõe de mais um minuto para terminar seu discurso.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Agradeço, Sr. Presidente.

Finalizo dizendo que, se aprovássemos quatro itens que já foram aprovados aqui - o financiamento público ou o tipo de financiamento para a campanha do ano que vem, a fidelidade partidária, a cláusula de barreira e a verticalização -, estaríamos atacando emergencialmente os problemas básicos. Daí para a frente, discutiríamos as outras coisas - lista fechada, voto distrital, enfim, todas as outras reformas de profundidade -, e, repito, realizaríamos o plebiscito para ouvir a população e saber o que ela quer, se essa história de lista fechada ou se continuar votando no candidato que acredita ser realmente o melhor e mais merecedor.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/08/2005 - Página 26120