Discurso durante a 145ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração dos 26 anos da Lei da Anistia.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Comemoração dos 26 anos da Lei da Anistia.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2005 - Página 29201
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • COMENTARIO, PERDA, LIBERDADE, PERIODO, DITADURA, REGIME MILITAR, VIOLENCIA, AUTORITARISMO, DIFICULDADE, DEBATE, INDENIZAÇÃO, ANISTIA, NECESSIDADE, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srs. representantes de uma página virada na história do Brasil, ouvi atentamente o aparte do Senador Paulo Paim, o que me motivou vir à tribuna.

Creio que sou um dos mais novos aqui no Senado e passei distante do período mais difícil da história do Brasil, mas tenho duas histórias que gostaria de contar aqui para os senhores.

Em 1969, eu tinha 11 anos de idade e trabalhava numa loja no centro da cidade de Teresina. Era uma sexta-feira, trabalhamos até mais tarde e, por volta das 20 horas, quando saía da loja para ir para casa, na esquina da praça Rio Branco, um veículo Veraneio da Polícia Federal, em alta velocidade, entrou na rua pela contramão e as quatro portas se abriram de uma vez. Naquele momento, um rapaz vinha na minha direção, como se viesse me encontrar e passaríamos um pelo outro, com as mãos nos bolsos, olhando uma loja, as vitrines das Casas Pernambucanas, e, de repente, quatro policiais pularam em cima dele, fecharam-no de uma vez e jogaram-no dentro daquele carro, fecharam a porta e saíram.

Levei muitos anos para entender o que era aquilo. Eu não sabia o que era aquilo. Fiquei admirado. Eu pensava que tinham pego um ladrão. Seria um ladrão? Puxa, parabéns à Polícia. Fiquei feliz. Fui para a casa e contei para a mamãe: “Hoje, eu vi prenderem um ladrão na minha frente.”

Recentemente, conversando com o Professor Pedro Sobrinho, da Universidade do Rio Grande do Norte, que trabalhou na Universidade do Acre, ele contou uma história que achei interessante. Ele contava, por meio de parábola, que um cachorro russo, gordo e robusto, foi passear na Europa. Chegou a Paris, e passeando pelas ruas, viu um cachorro francês virando uma lata de lixo. Olhou para aquilo e se espantou. Aproximou-se do cachorro e perguntou: “Você virando uma lata de lixo?!” E a resposta foi: “Pois é o que me sobra para comer e poder viver.” E o cachorro russo, então, disse: “Ah, então, em Moscou é muito bom. Lá tenho casa, boa comida, muitas coisas e por isso estou muito forte.” E o cachorro francês perguntou: “Então, o que você veio fazer em Paris?” E a resposta: “Eu vim latir.” (Palmas.)

Essa história é de Pedro Sobrinho, não quero chamar ninguém de cachorro, pelo amor de Deus!

A vinda dos senhores aqui hoje provocam em mim perguntas do tipo: “Como é que vamos poder devolver o espaço político que os senhores perderam naquela época? Como se pode devolver a saúde daqueles que foram mutilados? Como vamos devolver a alegria dos que perderam ou mesmo a esperança daqueles que estão entediados até hoje?” Por recompensa financeira?! Essa é uma pergunta ferina, porque quando se iniciou o debate sobre o assunto, senti em muitos lugares que as pessoas diziam que havia chegado a hora de alguns faturarem um dinheiro novo. E fico me perguntando: “Quanto vale, matematicamente, essa recompensa? Vale mil reais? Um milhão de reais? Quanto vale?”

Essa questão do espaço político vem desde o Estado Novo. Os livros que li contam que Luiz Carlos Prestes, depois da Anistia de 1946, resiste ao PCB da época e se candidata por dois Partidos, tendo sido eleito por um como Senador e por outro como Deputado Federal. Um ano e meio depois, estava cassado novamente. E como fazer no caso dele, que não está nem mais aqui?!

Aqueles que perderam com a entrada de Eurico Gaspar Dutra no Governo, e depois a partir de 1964, tantos que não estão mais aqui para contar essas histórias. Lembro-me bem de Maria Lúcia Petit, a primeira guerrilheira morta no Araguaia, que, baleada, caiu e tentou fazer um último gesto de heroísmo, simulou que queria contar algo, mas a voz não saia. O Capitão encostou o ouvido para ouvir e ela deu um tiro na testa dele.

Como ficam essas histórias para serem contadas? Aí o debate do financeiro compensador não pode vir. Posso também fazer uma outra pergunta: queremos revanchismo? Não. Mas isso pode ser, então, o último sinal que o Estado brasileiro vai dar como encerramento dessa história. (Palmas.)

Não queremos aqui levantar nada do passado. Não nos interessa desencavar essas coisas que já não servem mais para nós. Basta que todos tenhamos a consciência de propagar uma história que não deve mais ser vivida. Agora, ela precisa ser contada, porque não vamos também virar de costas para a história do nosso Brasil.

Vide o caso Pinochet, um cidadão daquela idade, o que vão fazer com ele? Eu também acho que chega um momento na história da vida das pessoas que, por tudo que já fizeram, por tudo que já passaram, não cabe mais qualquer tipo de condenação. Acho que a condenação a história por si só a fará.

Falo a vocês como alguém que não viveu isso, que apenas muito recentemente acompanhou. Conheci uma pessoa que ficou com pavor de recintos fechados - ia citar o nome dele, mas acabei me esquecendo -; outra que teve problemas de coluna e está praticamente de cadeira de rodas, por tanto que apanhou em cima das costas e nos rins; outra que viu seu filho ser torturado na sua frente; outra que teve que assistir a esposa ser torturada; e tantas outras histórias que ouvi das pessoas que viveram, o que me motivou vir até aqui.

Registro, portanto, que a lei aprovada por esta Casa e assinada pelo Senador Ramez Tebet, no meu entendimento, vem sendo aplicada ainda timidamente, representa apenas um gesto simbólico do Estado brasileiro de uma espécie de pedido de perdão ou de desculpas para aqueles que tiveram também o direito de sonhar e pensar diferente dos que estavam no poder.

Parabéns a todos vocês. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2005 - Página 29201