Discurso durante a 194ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A relação da execução orçamentária com o superávit primário nas áreas de saúde e educação.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. ORÇAMENTO.:
  • A relação da execução orçamentária com o superávit primário nas áreas de saúde e educação.
Publicação
Publicação no DSF de 04/11/2005 - Página 38135
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. ORÇAMENTO.
Indexação
  • GRAVIDADE, INEFICACIA, POLITICA, SAUDE, EDUCAÇÃO, BRASIL, MOTIVO, COORDENAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PRIORIDADE, SUPERAVIT, ECONOMIA, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO.
  • CONTINUAÇÃO, COBRANÇA, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, POLITICA SOCIAL, COMPARAÇÃO, PERIODO, GOVERNO, CRITICA, ATUAÇÃO, CONGRESSO, OMISSÃO, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, IMPUNIDADE, CRIME DE RESPONSABILIDADE, DESCUMPRIMENTO, ORÇAMENTO.
  • DENUNCIA, PRECARIEDADE, ATENDIMENTO, SAUDE PUBLICA, REGISTRO, DADOS, INFERIORIDADE, INVESTIMENTO PUBLICO, PROTESTO, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, ESPECIFICAÇÃO, PROGRAMA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, REGIÃO NORDESTE, REPUDIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, FAVORECIMENTO, BANCOS, AUMENTO, MISERIA, POPULAÇÃO.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, no início dos trabalhos, Presidente João Alberto, falava V. Exª de ratos e baratas, até fazendo um pronunciamento sobre infra-estrutura, turismo e os mecanismos de dinamização econômica que esse setor possibilita. Assim, acabei por lembrar que o assunto de que vou tratar hoje - relação da execução orçamentária, do superávit com a saúde, com a educação - também envolve outro rato. Um Ratto com dois tês, evidentemente um Ratto sofisticado, o Sr. Rodrigo Ratto, Diretor-Gerente do Fundo Monetário Internacional, a grande personalidade deste órgão que coordena a América Latina. Talvez o nome Ratto, embora com dois tês, seja o nome mais apropriado de um bípede, é verdade, mas também de um tipo de política que de fato corrói toda a possibilidade de estruturação de políticas sociais, econômicas e públicas para o Brasil.

O problema da educação e da saúde no Brasil não é fácil, é verdade. Envolve alta complexidade técnico-econômica, porque traz para si todo um acúmulo de ausência de políticas sociais e públicas e tem um quadro extremamente dramático. Quando tratamos da educação e da saúde, de pronto, algumas pessoas perguntam qual a alternativa para minimizar a dor e o sofrimento de milhões de pessoas espalhadas pelo Brasil e que necessitam da educação e da saúde públicas, especialmente.

O pior é que estamos em 2005 e o que já foi produzido na área de ciência, de tecnologia?... Hoje se pode detectar, quase que mensalmente, uma sonda que identifica o barulho de uma lua, de um astro na galáxia, ou fazer clonagem. São tantas as descobertas que considero absolutamente estranho, em 2005, ficar todo o tempo a se lamentar da ausência de políticas públicas na área de saúde e de educação.

O pior, o mais duro, Senador Mão Santa, sabe V. Exª como médico, é que tanto na área da saúde como na da educação não seria necessária nenhuma nova proposta se nós tivéssemos um Governo que cumprisse a lei. Na área da saúde, Senador João Alberto, temos a legislação mais avançada do mundo. No Planeta Terra, a legislação mais avançada é brasileira: a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde. Alguns poderão dizer: “Temos também a legislação mais avançada na área de assistência social, uma verdadeira declaração de amor aos deficientes, aos idosos, aos marginalizados, aos oprimidos”.

Na área de educação, por mais que compremos verdadeiras batalhas aqui no Congresso Nacional, como já fizeram o Senador Cristovam, o Senador Lauro Campos, eu e vários outros, para modificar a legislação em vigor no País e garantir o acesso a educação pública, gratuita, laica, de qualidade, se se cumprisse o que está estabelecido hoje na legislação, já teríamos um quadro absolutamente distinto do atual.

O mais grave é quando passamos a analisar o Orçamento. Estamos em outubro, praticamente no final do ano, e quando analisamos o Orçamento público... Várias vezes o Senador Alvaro Dias, o Senador Eduardo Suplicy e outros Senadores já trataram do tema na Casa. Fui ver quantas vezes já falei sobre superávit durante meu mandato. Ficou impraticável fazer a conta. Aliás, fui fazer levantamento de quantas vezes eu tinha falado disso quando eu era Líder da Oposição ao Governo Fernando Henrique Cardoso e Líder do PT, porque aí a angústia se transforma tornando-se muito maior. Descobri no Diário Oficial que até no dia do meu aniversário eu estava aqui falando como Líder do PT, da Oposição ao Governo Fernando Henrique Cardoso, dessa patifaria neoliberal que impõe dor, miséria, desemprego e sofrimento à grande maioria da população. E no que a minha angústia é muito maior? É descobrir, por meio das frias estatísticas oficiais, pela análise técnica, econômica, orçamentária, que o Governo Lula conseguiu ser pior do que o Governo Fernando Henrique Cardoso do ponto de vista da disponibilidade orçamentária, das políticas públicas e das políticas sociais.

E aí fomos analisar tudo o que estava orçado. O que está orçado não é o que é necessário para o País, mas aquilo que foi encaminhado pelo Presidente da República e que o Congresso Nacional aprovou. Eu sei que o Congresso Nacional é medíocre; eu sei que o Congresso Nacional funciona como um medíocre anexo arquitetônico dos interesses do Palácio do Planalto; eu sei que o Congresso Nacional não fiscaliza. Eu sei que nós não fazemos o Orçamento; nós fazemos garimpagem orçamentária. É isso que fazemos. Nós só mexemos no Orçamento quando queremos estabelecer mais recursos para saúde, para educação, para reforma agrária, para as Forças Armadas. Fazemos garimpagem orçamentária: tiramos de um lugar, jogamos para outro.

Eu sei que tudo isso que o Governo continua fazendo é porque o Congresso não se respeita, porque o Congresso se submete a ser tratado como uma prateleira de mercadorias parlamentares.

Ora, a Suprema Corte americana, em 1971, quase fez o impeachment do Nixon porque não cumpria a lei orçamentária... Aqui, a Constituição do País, que não é nenhuma constituição revolucionária, nada representa de revolução socialista ou revolução democrática, a Constituição diz que é crime de responsabilidade não cumprir a lei orçamentária. Mas por que o Presidente não faz? Fernando Henrique não fazia, os outros não faziam, Lula não faz. Por quê: porque contam com a omissão, a cumplicidade vergonhosa do Congresso Nacional; porque sempre têm mercadorias parlamentares que sabem que, sendo da base de bajulação, no finalzinho do ano vão ter suas emendas liberadas. E o povo que se lixe! Porque é isso que o Congresso Nacional faz.

Vejam só uma coisa: como se pode explicar um País de dimensões continentais como o Brasil com problemas gravíssimos, gravíssimos na área de saúde... Estão aqui dois Senadores competentes, médicos. Os dois sabem o problema gravíssimo do perfil epidemiológico do nosso País. Temos, ao mesmo tempo, as doenças características do subdesenvolvimento, como hanseníase, tuberculose e as que supostamente são vinculadas à modernidade, as doenças crônico-degenerativas, os acidentes de trânsito e as mortes por violência. O Brasil apresenta um perfil epidemiológico absolutamente complexo. Ninguém mais pode dizer no Brasil: “É preciso fazer medicina preventiva”. Não adianta mais. É preciso fazer medicina preventiva e curativa. É necessário estabelecer mecanismos desde a porta de entrada do sistema, que é o postinho de saúde com as quatro clínicas básicas, até a alta tecnologia para viabilizar tratamento das doenças crônico-degenerativas, das doenças cardiovasculares, que atingem mais os filhos da pobreza. Os filhos da elite conseguem tratar o problema no início, desde um simples nódulo que pode viabilizar um câncer ou a diabete no início, ou a hipertensão leve. Os filhos da pobreza, por sua vez, não tratam de nada. O perfil epidemiológico no Brasil é tão dramático porque a população mais pobre traz para si as doenças do subdesenvolvimento e também as doenças que supostamente seriam vinculadas à modernidade.

            E o sistema de saúde - veja, Senador João Alberto - consta da lei mais avançada do planeta Terra. Analise-se a dor e o sofrimento de milhares de pessoas que perambulam pelas filas quando têm um filho em casa com febre ou quando estão atrás de uma porcaria de papel chamado autorização de internação hospitalar, ou qualquer outro nome que a norma técnica estabelece, para conseguir fazer uma cirurgia. Por que isso acontece? Isso se dá tanto na saúde como na educação. Vou tratar só desses dois temas em função do meu tempo; deixarei a segurança pública e a assistência social para outros dias.

            Do Orçamento aprovado, autorizaram-se para investimento 22,3 bilhões. Sabem todos da rapinagem dos gigolôs do Fundo Monetário Internacional e dos parasitas sem pátria do capital financeiro e do Governo covarde - o atual igual ao anterior -: eles já fazem o contingenciamento, a não-execução orçamentária. Desses 22,3 bilhões, 13 bilhões escaparam da garfada, do corte, do contingenciamento e de outras coisas mais. Até este mês, dos 13 bilhões que foram salvos, apenas 2,7 bilhões foram de fato executados.

            Na área da saúde, o fato é mais grave. Por quê? Porque havia 2,6 bilhões para investimentos na área da saúde. De fato foram liberados 146 milhões. Isso é crime porque quando não se investe no setor público - um problema gravíssimo relacionado à própria Administração Pública por causa desse maldito contingenciamento, não-execução, construção do superávit - inviabiliza-se o andamento adequado das políticas públicas e impõe-se algo que não se recupera, a vida da pessoa. Isso é um escândalo.

Eu falei da área de educação e saúde - e ainda vou voltar a elas -, mas, vejam: na área de habitação, foi executado apenas 2,76% do que estava orçado; na área de saneamento, apenas 5,64% do que estava orçado. Isso é uma coisa inimaginável!

            Na área da educação, quando vamos analisar o que foi liberado para a educação... E sabemos todos nós como estamos. O início do debate sobre o Fundeb vai ser uma verdadeira guerra. Como eles estabeleceram para o Fundeb “um aumento” - entre aspas - das migalhas que caem da mesa farta dos banqueiros? O que foi que eles fizeram para o Fundeb? Aumentaram 1,5 bilhão no Fundeb. Dividido por mais de cinco mil Municípios brasileiros, quanto isso vai significar?

O pior é que eles deixaram de fora a educação infantil para a pré-escola. Não existe criança de até 3 anos no Brasil. Eles sumiram com as crianças de até 3 anos no Brasil. O que acontece? Como queremos incluir a educação infantil e, portanto, as creches, vamos ter de brigar entre nós mesmos. Já estamos brigando. Quem defende o ensino fundamental contra a educação infantil ou creche ou pré-escola? Contra a educação de jovens e adultos? Contra o ensino profissionalizante? Contra o ensino médio? Para introduzirmos as creches, a educação infantil de até 3 anos, o percentual vai ter de sair de outro lugar. Vai ser de onde? Das crianças da pré-escola? Do ensino fundamental? Do ensino de jovens e adultos? Do ensino profissionalizante? Do ensino médio? Não tem quem agüente uma coisa dessas.

Até em determinados temas que o Unicef acompanha com lupa, como a exploração sexual das crianças, olhem o quadro absolutamente dramático, irresponsável e covarde para o Nordeste. Quem precisa do setor público não é filho ou neto de Senadora ou de Senador, nem nós, que temos seguro-saúde e restituição. Quem precisa do setor público são milhões de pessoas no País que só têm nesse setor a única referência de atendimento. Para milhões de filhos da pobreza espalhados pelo Brasil só há o setor público. Uma gestante na hora que grita de dor só tem a maternidade pública. Um pai de família, um idoso com uma doença crônica degenerativa que precisa de uma cirurgia não tem um amigo médico, enfermeira, e só pode contar e precisa do setor público.

E até na área das crianças vítimas do abuso e exploração sexual, mais de 100 mil foram identificadas - esta Casa, inclusive, por meio da Senadora Patrícia Saboya Gomes, fez um belíssimo trabalho em relação ao tema - e foram identificadas também mais de 241 rotas de tráfico e de exploração sexual de crianças e de mulheres. Sabe que essa execução orçamentária canalha faz? Para o Nordeste, Senador João Alberto, nada. Para o Nordeste, para as ações de programa de combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, do que estava previsto no Orçamento, sabe quanto foi executado para o Nordeste? Zero. Absolutamente zero. E não é só para o Nordeste, é verdade, dirão alguns, mas no Nordeste é maior inclusive.

Então, a execução do Orçamento da União, o que foi disponibilizado para a saúde, a educação é uma coisa impressionante. É de uma irresponsabilidade. E para quê? E tudo isso para construir o superávit, o que dá raiva, para viabilizar os interesses dos gigolôs do capital financeiro, desses senhores parasitas sem pátria. Nunca correrá uma lágrima no rosto de uma dessas personalidades em razão da dor e do sofrimento que acometem a grande maioria do povo brasileiro.

Tenho raiva do atual Governo, do Governo Lula, por agir da mesma maneira que o Governo Fernando Henrique, ao legitimar a verborragia da patifaria neoliberal. Isso é que é um crime. Quando o Governo deixa de executar ações públicas de políticas sociais e de políticas de investimento que dinamizam a economia, geram emprego e renda, ou seja, quando isso não é feito para compor o superávit, há uma falsa economia entre o que o Governo arrecada e gasta, livrando o dinheiro que passa, para encher a pança dos banqueiros. Portanto, o Governo ainda economiza. Se eles reduzissem ao menos 30% do que aplicam no superávit, investiríamos R$ 40 bilhões naquilo que é essencial para o Brasil. E ainda vão receber para comer churrasco. É uma pena que não seja carne contaminada com aftosa e é uma pena também que a aftosa não cause infecção nas pessoas, já que o máximo que pode ocorrer é uma “aftazinha”, pois nem baba provoca.

Esse tipo de política econômica que impõe dor, miséria, desemprego, desestruturação de parques produtivos e impérios serve para quem? Para o filho do Presidente, da Senadora ou do Senador? Não. Para milhões de pessoas que não têm...

            Portanto, quero manifestar, mais uma vez, o meu protesto. A raiva maior que dá é o fato de que não precisa de fórmula mágica nenhuma, não precisa de projeto novo, não precisa de proposta nova. Insanos - insanos, não, porque se fosse insanidade eu perdoaria -, gentalha covarde, cumpra ao menos o que foi conquistado pela luta de milhões de movimentos sociais no Brasil, que é aquilo que está na lei. Cumpram ao menos... Deixem de ser tão covardes diante dos parasitas sem pátria do capital financeiro...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (João Alberto Souza. PMDB - MA) - Senadora, mais um minuto para V. Exª concluir.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Cumpram ao menos o que está na lei da saúde, da educação, aquilo que foi aprovado.

Então, fica aqui o nosso protesto, mais uma vez, a nossa vergonha diante dessa posição covarde, omissa e cúmplice do Congresso Nacional, que, infelizmente, não tem tido capacidade de fiscalizar os atos do Executivo. Fica esperando para, no final do ano, receber - quem é da Base de bajulação - esse tipo de acordo espúrio que sai lá e não faz nada.

Fica aqui mais uma vez o meu protesto. Analisem as frias estatísticas oficiais, façam uma análise da execução financeira, contábil, orçamentária, e digam o contrário. Porque qualquer pessoa de bom senso que faça a análise da execução financeira, orçamentária e contábil tem obrigação de dizer que o Governo se acovarda diante dos parasitas sem pátria e impõe dor, miséria e sofrimento à grande maioria da população brasileira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/11/2005 - Página 38135