Discurso durante a 205ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações ao projeto de lei do Executivo que restringe recursos destinados à educação básica em função de reforma das universidades federais.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Considerações ao projeto de lei do Executivo que restringe recursos destinados à educação básica em função de reforma das universidades federais.
Aparteantes
Alberto Silva, Mozarildo Cavalcanti, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 23/11/2005 - Página 40639
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • CRITICA, PROPOSTA, REFORMA UNIVERSITARIA, AUTORIA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), ESPECIFICAÇÃO, ARTIGO, DESTINAÇÃO, SUPERIORIDADE, PERCENTAGEM, RECURSOS, EDUCAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL, PREJUIZO, EDUCAÇÃO BASICA.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, AUMENTO, RECURSOS, DESTINAÇÃO, EDUCAÇÃO, BRASIL, CRITICA, UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES (UNE), APOIO, PROJETO, REFORMA UNIVERSITARIA, GOVERNO FEDERAL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil vive, nesses últimos meses, uma interminável greve de professores universitários. Uma sociedade com professores em greve significa uma sociedade em suspenso, com o seu futuro parado, porque esse futuro vem da educação, esse futuro vem da ciência e tecnologia desenvolvidas nas universidades. Isso traz para nós - eu já disse isso - um risco de que esses jovens alunos sem aula, esses professores, indignados pela falta de atenção, de repente, cometam atos que podemos chamar de desatinados, como foram cometidos alguns recentemente, na França, em protesto, pela indignação do descaso com eles.

Isso, em si, justificaria o meu discurso, Sr. Presidente, mas não vim falar disso. Vim falar de algo que pode ser mais grave, em função disso: da proposta que o Ministério da Educação enviou ao Presidente da República, que eu espero que tenha o bom senso de não levar adiante. Querendo resolver o problema da falta de recursos para a universidade, faz uma reforma universitária, Senador Mozarildo, em que se coloca um artigo que diz que o Governo Federal ficará proibido de investir mais de 25% dos seus recursos na educação básica. Está dito de outro jeito, mas é isso aí. Está dito nessa proposta que o Governo Federal terá de investir sempre, pelo menos, 75% dos recursos do Ministério da Educação nas universidades.

Isso vai contra tudo o que existe de direitos humanos, que é colocar para as crianças o dinheiro. Isso vai contra a própria universidade, porque não há boa universidade em país que não tem boa educação básica, porque, se o país não tem uma boa educação básica, dois terços de nossos jovens não chegam ao final do ensino médio, como é hoje. Quantos gênios perdemos aí? Quantos Prêmios Nobel morreram analfabetos? Além disso, para os que chegam à universidade, a universidade tem de gastar recursos para recuperar o tempo perdido no ensino básico. Vai contra tudo o que existe de querer construir uma República, que na semana passada comemoramos sem que ela exista ainda, porque a República pode começar no grito de um marechal, mas só vai ser construída por um exército de professores, educando as nossas crianças, fazendo uma educação igualitária, fazendo uma educação de qualidade para todos. É aí que se constrói uma República. E o Brasil insiste, 116 anos depois da Proclamação da República, a não completá-la.

Pois bem. Há um artigo, Senador Sibá Machado, que diz que o Governo Federal não poderá investir menos de 75% de seus recursos na universidade, ou seja, que não tem o direito de investir mais de 25% na educação básica. Isso é um suicídio nacional, e é o que está sendo proposto na idéia de reforma da universidade.

Primeiro, isso nem é reforma de universidade. Isso é forma de financiamento. Segundo, seria um vínculo equivocado: hoje, 75% do dinheiro que o Ministério tem ainda é pouco para a universidade. Agora, não adianta fazer uma lei que vá durar 10, 20, 30 anos, dizendo que todos os anos, no máximo 25% vão para a educação básica. Esse é um crime que o Presidente da República não pode ter direito de cometer se aceitar essa proposta.

Temos de encaminhar para a universidade todo o dinheiro que for preciso, mas não retirando da educação básica, como esse projeto de lei propõe. Se levarmos isso adiante, se essa geração de parlamentares aprovar isso, nossos nomes ficarão vinculados historicamente à negação do que significa a construção da República, à negação da educação que começa na primeira infância e vai até o fim do ensino médio.

Senador Alberto Silva.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque, ninguém nesta Casa tem mais autoridade do que V. Exª para falar sobre o tema que ora aborda, não pelo fato de ter sido ministro. V. Exª é um engenheiro como eu, mas V. Exª é um educador, um homem que estuda o assunto há muito tempo. Eu, como governador, e V. Exª também sabemos que, sem o ensino fundamental, não há nada pela frente. Isso é impossível, e posso garantir a V. Exª que isso não passa aqui. Não passa mesmo! Se, por acaso, passar na Câmara, aqui não passa. Estaremos todos nós reunidos aqui para modificar isso. Votar que não se pode gastar mais do que 25% com educação básica?! Acho que temos de gastar com menino de um ano. V. Exª conhece o meu ponto de vista da educação pré-escolar: começando de um ano para frente, até encerrar o ensino básico. V. Exª aborda um tema da maior importância para esta Casa e para o País. Nesta Casa, não vamos deixar passar isso sem uma modificação. V. Exª disse muito bem: que destinem o dinheiro necessário para a universidade, mas sem tirar do Ensino Fundamental! Parabéns a V. Exª pelo que discute nesta tarde!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Alberto Silva, estou falando isso com a convicção de que a matéria não passará, mas querendo que o Presidente não coloque a assinatura dele nisso, para que Sua Excelência não passe pelo constrangimento de ficar na História como quem assina isso, manda para cá e obtém a nossa rejeição.

É claro que alerto o Presidente para o fato de que alguns vão dizer que não é bem assim. São 75% do que está no MEC. Mas poder-se-á criar fundo disso, daquilo e daquilo outro para as crianças. O dinheiro que entra diretamente vai para a universidade, mas, para as crianças, tem de ir por caminhos raros. Não faltarão pessoas que entrarão na Justiça, dizendo que esses outros caminhos ferem a lei que vincula. Chama-se subvinculação. Querem subvincular para o ensino universitário. Se tivesse de haver subvinculação, deveria ser para a educação básica e não para o ensino superior.

Ouço o aparte do Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Cristovam Buarque, cumprimento V. Exª pelo brilhante pronunciamento que faz. Não era de se esperar que fosse diferente, partindo de pessoa com o conhecimento de educação que tem V. Exª. Estou inscrito para abordar outro aspecto. Enquanto, nessa mensagem que deverá vir, prevê-se que 75% vão para as universidades, se analisarmos as nossas universidades hoje, veremos que estão caindo aos pedaços literalmente. Os professores estão em greve desde o dia 1º de setembro e não conseguem fazer uma negociação adequada. O professor é mal pago e mal assistido. Todos os equipamentos estão sucateados. Os prédios também estão sucateados. É ruim o que se está pensando fazer com o Ensino Fundamental, é muito ruim o que se está fazendo com o ensino universitário.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço-lhe, Senador Mozarildo Cavalcanti. Aproveitando o seu aparte, reafirmo que as universidades precisam de mais dinheiro ainda. Em vez de 75%, diante do que há hoje, precisam de 80%, 85%. Não é vinculando para o futuro que vamos resolver isso.

Espero, Senador Mão Santa, que, dentro de mais algum tempo, algum governo mande para cá um aumento, por exemplo, de R$4 bilhões para o Ministério da Educação. Se essa lei prevalecesse, Senador Sibá Machado, desses R$4 bilhões, R$3 bilhões iriam para as universidades federais, e apenas R$1 bilhão, para o Ensino Básico. Não poderemos aumentar nem os recursos do ProUni, porque estes vão para as universidades particulares. O que vem nesse projeto é que 75% são para as universidades federais.

Não é possível que as universidades defendam essa posição. Fiquei chocado quando vi que a UNE está defendendo essa vinculação. É querer colocar na lei um artifício para ter o dinheiro necessário. Basta de artifícios! Vamos fazer um projeto que preveja, em primeiro lugar, que não há universidade boa sem educação básica boa. Para haver uma boa educação básica, é preciso uma universidade que forme os professores. É preciso combinar esses dois fatores com recursos necessários e com a cobrança sobre aqueles que fazem o Ensino Básico e a universidade. Falo de alunos, professores e funcionários, que têm de produzir para justificar o dinheiro que o País gasta.

Sr. Presidente, faço este apelo ao Presidente Lula: que não aceite o artifício, que vai ser qualificado de imoral, de tirar dinheiro da educação básica para vincular às universidades federais, como forma de sair da crise atual.

Eu terminaria agora, mas o Senador Sibá Machado pediu a palavra. Se o Presidente me autorizar, darei um aparte ao Senador.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Regimentalmente, V. Exª ainda tem direito a dez minutos. V. Exª começou a falar às 17 horas e 44 minutos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Mas vamos apelar para sua inteligência extraordinária, para que sintetize, a fim de que possamos conceder a palavra a todos os oradores inscritos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Procuro aproveitar sempre a sua lição: o Padre Nosso é bem curtinho e diz tudo.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - São 56 palavras em um minuto.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Concedo-lhe o aparte, Senador Sibá Machado.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Cristovam Buarque, tenho tentando acompanhar um pouco o debate nacional sobre a reforma das universidades. Pelo que me consta, o método foi, de certa forma, bastante amplo, absorvendo opiniões as mais diversas possíveis, com um momento em que todos os docentes e profissionais da área puderam dar sua contribuição a um texto-base que foi emitido, devolvido e analisado. Mas confesso que, nesta reta final, não tenho informações de como está a síntese deste trabalho. V. Exª traz um dado sobre o qual eu não estava informado: o financiamento para o fortalecimento das universidades federais é oriundo de recursos que seriam destinados ao Ensino Fundamental. É necessário, portanto, um esforço muito grande para que possamos encontrar um financiamento adequado aos dois.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Isso.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Que não precisemos beneficiar um em detrimento do outro! E digo assim, porque, no momento em que tive a oportunidade de ir ao programa do Jô Soares para contar um pouco da minha vida, relatei como foi minha carreira escolar. Eu, desde muito cedo, tive de trabalhar. Ingressei no primeiro emprego aos 11 anos e tinha de estudar à noite. Eu tinha, então, 11 anos de idade e não tinha tempo para ter acesso a muitas informações, a muitos livros, pois já trabalhava. Portanto, sinto-me com toda a base inicial, principalmente no tocante às Ciências Exatas, extremamente fracassada, mas pude enfrentar o vestibular e, creio que mais por sorte do que por conhecimento, consegui aprovação. Mas verifico um retrato geral dessa situação, a dificuldade que têm os alunos que saem do ensino médio público de ingressar no ensino superior. É uma dificuldade tremenda, muito grande! E a qualidade entre os alunos que podem freqüentar um 1º e um 2º grau melhor permite que possam preparar-se para o vestibular com melhor conteúdo. Esse funil acaba tendo uma direção para esse tipo de pessoas. Fiquei surpreso ao saber que, no ensino médio privado, o perfil é de classe média, e o alvo do ensino médio público são os mais pobres. No ensino superior, porém, a situação é inversa. Peço licença ao Senador Sérgio Guerra, pois estou aparteando o Senador Cristovam Buarque. No ensino superior, a universidade pública acaba absorvendo mais os alunos de classe média, que tiveram melhor preparação. V. Exª, que foi Reitor de uma das maiores e mais brilhantes universidades do Brasil, a UnB, sabe disso. Fico, às vezes, burilando nos sites das universidades, pesquisando, procurando me orientar, porque tenho me aproximado muito dessa área, tentando levar alguma contribuição à Universidade Federal do Acre, como possuidor deste mandato. Portanto, neste momento, tenho a responsabilidade de ouvi-lo sobre essa matéria. E sobre ela, gostaria de obter maiores informações, inclusive porque gostaria de, em momento mais oportuno, conversar com o Ministro da Educação, Fernando Haddad, para saber realmente o que podemos fazer para que o ensino no Brasil seja potencializado. E que não se faça apenas uma troca de um para o outro! Assim, nesse ponto, V. Exª nos chama a atenção. Isso merece que tomemos o maior cuidado na decisão final. Parabéns pelas informações que nos traz neste momento!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Sibá Machado, cito um detalhe: esse item é o art. 41 da inicial proposta de reforma universitária apresentada alguns meses atrás, sobre a qual falei aqui e em diversos lugares.

Eu pensava que estava superado depois das denúncias feitas, mas hoje li no Correio Braziliense que o projeto que foi para o Presidente, que está na mesa de Sua Excelência para decidir como mandar para cá, mantém essa subvinculação. É assim que está sendo chamada.

Espero que V. Exª, pela influência que tem, não deixe que o Presidente cometa esse equívoco sério. E espero que nós, aqui, não cometamos o erro de aprovar essa matéria.

O Senador Alberto Silva disse que aqui eu era o professor. Aqui, Senador Alberto Silva, estou falando como um republicano indignado. Não falo nem como professor, mas como republicano indignado, caso cometamos um ato anti-republicano.

Quero lembrar que nos preocupamos muito com aqueles que terminam o ensino médio e não entram na universidade. Eu me preocupo com aqueles que não terminam o ensino médio.

O Brasil é um País que tem uma cota de exclusão. Estamos discutindo a cota de inclusão para negros na escola pública e esquecendo esta cota perversa, inversa, de exclusão, que tira de dois terços dos alunos o direito de fazerem vestibular. E não estou propondo que façam o vestibular sem o ensino médio, estou propondo é que todos terminem o ensino médio, e todos terminem em escolas de equivalente qualidade, para que todos disputem em condições de igualdade e que entrem na universidade os melhores, sem necessidade nem mesmo de cotas. Para isso, vamos abolir essa cota perversa e inversa que é a cota da exclusão dos que não conseguem terminar o ensino médio. E o fim da exclusão não vai acontecer se não investirmos para valer na educação básica. E esse projeto está tentando o contrário, deixar o custo, o ônus nas costas das prefeituras e dos Estados.

Gastamos este ano R$61 bilhões com a educação básica, e R$7 bilhões saem do Governo Federal, 10%. E como é que queremos uma boa escola, com a desigualdade que há entre a renda dos Municípios, se a União não assume a responsabilidade pela educação básica? E o que estamos vendo é um projeto que, em vez de aumentar a participação do Governo Federal na educação básica, vai restringir e impedir que os próximos Presidentes queiram investir mais em educação ou tenham de usar subterfúgios do tipo Fundeb. Não é possível que isso aconteça, especialmente num Governo com características populares e com origem popular.

Venho aqui lamentando ter de fazer este alerta, mas com a esperança de que o Presidente não aceite, e que, se aceitar, não seja aprovado por esta Casa, como o Senador Alberto Silva garantiu que não acontecerá. 

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Agradeço a V. Exª e a todos os colegas Senadores e Senadoras pela paciência.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/11/2005 - Página 40639