Discurso durante a 224ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiências. (Resolução ONU 2.542/75. Inserção internacional do Brasil).

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiências. (Resolução ONU 2.542/75. Inserção internacional do Brasil).
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/2005 - Página 44905
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, VALORIZAÇÃO, CAPACIDADE, CIDADANIA, PESSOA DEFICIENTE, DEFESA, INTEGRAÇÃO, CRIANÇA, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO, INCLUSÃO, ADULTO.
  • DIVULGAÇÃO, RESOLUÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DECLARAÇÃO, DIREITOS, PESSOA DEFICIENTE, ESCLARECIMENTOS, OBRIGAÇÃO, PODER PUBLICO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, INCENTIVO, INSERÇÃO, CIDADANIA.
  • TRANSCRIÇÃO, DOCUMENTO, ANALISE, PROPOSTA, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), REGISTRO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, AMBITO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC).

            O SR. ALOIZIO MERCADANDE (Bloco/PT - SP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

"Nós não devemos deixar que as incapacidades das pessoas nos impossibilitem de reconhecer as suas habilidades." - Hallahan e Kauffman, 1994

A história tem demonstrado que todos, inclusive a pessoa portadora de deficiência, desenvolvem habilidades específicas. Cada um é dotado de um dom. Por isso, não podemos aceitar que a incapacidade, de qualquer natureza, venha a impossibilitar o exercício pleno da cidadania. Basta ver os exemplos de grandes personalidades da história mundial.

Franklin Delano Roosevelt, que foi presidente dos Estados Unidos, era deficiente físico e é considerado até hoje o mais importante político do século XX. Ludwig van Beethoven, um dos mais brilhantes compositores clássicos de todos os tempos, compôs a 9ª sinfonia - considerada a mais excepcional de suas obras - quando já sofria de deficiência auditiva. Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, artista barroco que contraiu doença degenerativa comprometendo seus movimentos, esculpiu os doze famosos profetas, hoje parte do patrimônio histórico.

Pedro Moreira Salles comanda hoje uma das maiores instituições financeiras do país, locomove-se em cadeira de rodas. Marcelo Rubens Paiva, depois de um acidente onde perdeu o movimento de suas pernas, transformou-se em influente escritor e teatrólogo. Stevie Wonder, músico de sucesso internacional, é deficiente visual.

Cada uma dessas pessoas superou as suas dificuldades e deu contribuições para a sociedade.

Sem as oportunidades destas personalidades, há um sem número de pessoas excluídas. Se lhes forem dadas as ferramentas necessárias, certamente encontraremos nelas valores semelhantes.

É imperativo integrar as crianças com deficiência às escolas dando-lhes condições de crescer e progredir, pois são talentos com habilidades específicas. Precisamos valorizar e resgatar as sensibilidades do portador de deficiência.

A inclusão social passa pela educação, esporte, cultura, pela facilitação do acesso, pela entrada do deficiente no mercado de trabalho, pelo fim da discriminação.

Tenho certeza de que, no futuro, parte desses talentos estará nas instituições públicas e privadas ajudando decisivamente a construir esta Nação como cidadãos plenos com habilidades especiais.

O Estado tem o dever de promover e estimular esta cidadania e é a inclusão social depende também da participação ativa da sociedade brasileira. Todos podem ser agentes desta integração basta boa vontade e solidariedade.

"Direitos do cidadão especial" nasceu da constatação de que é impossível às pessoas, de qualquer país, exercerem plenamente seu papel de cidadãos sem conhecer minimamente seus direitos e deveres.

O acesso livre e total aos instrumentos que determinam o pleno exercício da cidadania das pessoas com deficiência é o alvo desta cartilha.

A Constituição do Brasil, em seu artigo 5o, estabelece que todos são iguais perante a lei e veda a discriminação ao portador de deficiência. A vasta legislação do País garante a assistência à saúde, à educação, à reabilitação profissional e à integração no mercado de trabalho.

Eliminar o preconceito e promover uma vida com dignidade ao portador de necessidades especiais é o grande desafio deste e dos governos futuros. Informar para não excluir é minha intenção ao divulgar as fontes onde o poder público e outras instituições sérias procuram proporcionar e garantir o que há de melhor para uma sociedade com igualdade de oportunidades.

Esta cartilha é para que você saiba que tem direitos e que o poder público tem deveres e obrigações para o seu bem-estar. Nela, você encontra formas de inclusão social sem qualquer discriminação e vê o que nosso Governo pode fazer por você.

A iniciativa foi inspirada em publicação do Jornal do Senado, de outubro de 2003, intitulada “Igualdade e cidadania aos portadores de deficiência”. À sua equipe e autores, meus fraternos agradecimentos pela inspiração.

Se você for vítima de qualquer abuso ou discriminação ou se tiver algum conhecimento de casos semelhantes, denuncie.

Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiências

Resolução ONU N° 2.542/75

A Assembléia Geral, consciente que os Estados Membros assumiram em virtude da Carta das Nações Unidas, em obter meios, em conjunto, ou separadamente, para cooperar com a Organização das Nações Unidas, a fim de promover níveis de vida mais elevados, trabalho permanente para todos, condições de progresso, desenvolvimento econômico e social. proclama a presente DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIAS e solicita que se adotem medidas em planos nacionais e internacionais para que esta sirva de base e referência comuns, para o apoio e proteção destes direitos".

1) O termo pessoa portadora de deficiência, identifica aquele indivíduo que, devido a seus "déficits" físicos ou mentais, não está em pleno gozo da capacidade de satisfazer, por si mesmo, de forma total ou parcial, suas necessidades vitais e sociais, como faria um ser humano normal.

2) Os direitos proclamados nessa declaração são aplicáveis a todas as pessoas com deficiências, sem discriminação de idade, sexo, grupo étnico, nacionalidade, credo político ou religioso, nível sócio-cultural, estado de saúde ou qualquer outra situação que possa impedi-la de exercê-las, por si mesmas ou através de seus familiares.

3) Às pessoas portadoras de deficiências, assiste o direito, inerente a todo a qualquer ser humano, de ser respeitado, sejam quais forem seus antecedentes, natureza e severidade de sua deficiência. Elas têm os mesmos direitos que os outros indivíduos da mesma idade, fato que implica desfrutar de vida decente, tão normal quanto possível.

4) As pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos civis e políticos que os demais cidadãos. O § 7° da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes mentais, serve de pano de fundo à aplicação desta determinação.

5) As pessoas portadoras de deficiências têm o direito de usufruir dos meios destinados a desenvolver-lhes confiança em si mesmas.

6) As pessoas portadoras de deficiências têm direito a tratamento médico e psicológico apropriados, os quais incluem serviços de prótese e órtese, reabilitação. treinamento profissional, colocação no trabalho e outros recursos que lhes permitam desenvolver ao máximo suas capacidades e habilidades e que Ihes assegurem um processo rápido e eficiente de integração social.

7) As pessoas portadoras de deficiências têm direito à segurança econômica e social, e, especialmente, a um padrão condigno de vida. Conforme suas possibilidades, também têm direito de realizar trabalho produtivo e remuneração, bem como participar de organizações de classe.

8) As pessoas portadoras de deficiências têm direito de que suas necessidades especiais sejam levadas em consideração, em todas as fases do planejamento econômico-social do país e de suas instituições.

9) As pessoas portadoras de deficiências têm direito de viver com suas próprias famílias ou pais adotivos, e de participar de todas as atividades sociais, culturais e recreativas da comunidade. Nenhum ser humano em tais condições, deve estar sujeito a tratamento diferente de que for requerido pela sua própria deficiência e em beneficio de sua reabilitação. Se for imprescindível sua internação em instituições especializadas, é indispensável que estas contem com ambiente e condições apropriadas, tão semelhantes quanto possível aos da vida normal das demais pessoas da mesma idade.

10) As pessoas portadoras de deficiências têm direito à proteção contra qualquer forma de exploração e de tratamento discriminatório, abusivo ou degradante.

11) As pessoas portadoras de deficiência têm direito de beneficiar-se da ajuda legal qualificada que for necessária, para proteção de seu bem-estar e de seus interesses.

12) As organizações em prol das pessoas portadoras de deficiência, devem ser consultadas em todos os assuntos referentes aos direitos que concernem a tais indivíduos.

13) As pessoas portadoras de deficiência, seus familiares e a comunidade devem estar plenamente informados através de meios de comunicação adequados, dos direitos proclamados nesta declaração".

(United Nations Secretariat, 1975)

CONHEÇA E EXIJA OS SEUS DIREITOS

 

1 - Direito à Saúde

A assistência à saúde e a reabilitação clínica são condições decisivas para a inclusão social do portador de deficiência na sociedade.

Com o objetivo de promover a melhoria da qualidade de vida, foi criado, por meio da portaria 818, de 2001, o sistema das Redes Estaduais de Assistência à Pessoa Portadora de Deficiência Física.

O programa busca estimular a independência do portador nas suas atividades diária disponibilizando órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção através do Sistema Único de Saúde.

A Política Nacional Para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, implementada em 1989, foi regulamentada pelo decreto 3.298, que prevê assistência desde a prevenção de doenças, passando pelo atendimento psicológico, a reabilitação e o fornecimento de medicamentos.

No atendimento aos deficientes mentais, o governo do PT criou em 2003 o auxílio reabilitação psicossocial, por meio da lei 1.152/03, com o objetivo de reintegrar os pacientes ao meio familiar e à sociedade. Como mola propulsora desta política, o governo oferece uma bolsa no valor de R$ 240,00 por mês para o paciente que sofre de transtorno mental.

A nova política de assistência surge como o primeiro passo para o processo de ressocialização da pessoa com deficiência.

A bolsa reabilitação-psicossocial é o pilar do Programa De Volta Para Casa, estratégia do governo federal para estimular a assistência extra-hospitalar. Além do auxílio em dinheiro, os beneficiários do programa terão acompanhamento especializado e participarão de atividades de reabilitação, residência terapêutica, trabalho protegido, lazer monitorado, entre outros, conforme a necessidade de cada um.

A bolsa será paga ao próprio beneficiário ou, se for necessário, ao seu representante legal, durante um ano, mas poderá ser renovada caso a pessoa não esteja ainda em condições de se reintegrar completamente à sociedade.

Poderão receber o incentivo pacientes com quadro clínico favorável à alta hospitalar e que tenham permanecido internados em unidades psiquiátricas por dois anos ou mais.

Até o final de 2003, duas mil pessoas receberão o benefício. Em 2004, a previsão é que 4 mil pessoas estejam inscritas no De Volta para Casa e, a cada ano, 3 mil novos pacientes serão incluídos no programa. A meta é atingir o patamar de 14 mil beneficiários em 2007.

As pessoas com deficiência também poderão receber assistência por meio de planos de saúde. As leis 9.6556/98 e 8.686/93 e o decreto 3.298 regulamentam o atendimento colocando como preferenciais os pacientes vítimas de talidomida e determinando o atendimento domiciliar, psicológico, reabilitação e ajuda técnica aos deficientes.

A lei 10.216, de 2001, garante a proteção das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. 

2 - Direito à Educação

A participação da pessoa portadora de deficiência no sistema educacional brasileiro é o segundo passo para a efetiva integração do aluno especial. Educação e cultura são condicionantes para evitar a exclusão social.

O atendimento educacional especializado, de preferência na rede regular de ensino, está previsto no artigo 206 da Constituição. E a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, prevê o atendimento especializado dos deficientes.

A lei nº 4.024/61 pretende incluir os alunos excepcionais no serviço educacional público e busca estimular também que as escolas privadas façam esta integração concedendo bolsas de estudo.

Duas outras leis foram elaboradas para dar suporte à integração de alunos especiais. A lei 5.692/71 determina tratamento especial aos deficientes físicas ou mentais e a lei Darcy Ribeiro (9.394/96) prevê a assistência educacional às pessoas com deficiência.

O atendimento aos alunos especiais também pode ser feito por entidades filantrópicas conveniadas com o Ministério da Educação. Para garantir os recursos destinados a instituições como as Apaes, o senador Aloizio Mercadante apresentou emenda no valor de R$ 50 milhões ao orçamento de 2004 que será repassado por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

A legislação brasileira também prevê o acesso a livros em Braille de uso exclusivo de deficientes visuais. Desde 1995, as editoras de todo o País foram obrigadas (lei 9.045) a publicar estas obras. 

Outra forma de estimular a educação do aluno especial é a isenção da cobrança de ICMS para empresas produtoras de computadores doados a associações de portadores de deficiência. Isso também ocorre para na aquisição de equipamentos e acessórios destinados à instituições que atendem pessoas com deficiência.

3 - Direito à Cultura

O programa Arte Sem Barreiras, coordenado pela Funarte, fundação ligada ao Ministério da Cultura, idealiza, em parceiras com entidades privadas, políticas públicas de ensino através da arte voltadas para pessoas com deficiência.

Com esta iniciativa, há o incentivo à produção e a publicidade de pesquisas e conhecimentos no campo da educação, arte e inclusão social. O Arte Sem Barreiras promove ainda apresentações de experiências e processos estéticos para a valorização da percepção e da expressão individual.

A principal proposta do programa é sensibilizar e aproximar educadores da arte realizada por e com pessoas portadoras de deficiência, promovendo a interação. A inclusão pela arte é a palavra de ordem do programa que pretende educar, integrar o aluno especial à vida sociocultural do país, sensibilizar e superar preconceitos, ampliando o entendimento e o conceito da sociedade sobre o deficiente.

4 - Direito ao Esporte

O Ministério do Esporte lançou o projeto Esporte Especial destinado às pessoas portadoras de deficiência. A prática de esportes tem papel preponderante no processo de educação e reabilitação.

O projeto Esporte Especial busca soluções para que o portador de deficiência vença as barreiras do dia a dia, trabalhando no desenvolvimento de suas potencialidades, melhorando sua qualidade de vida e auto-estima. 
Como parte do programa, o Ministério do Esporte implantou núcleos de prática de esporte, capacita técnicos, promove eventos e estimula a participação da comunidade na iniciativa.

O governo também trabalha na formação de professores de educação física, nessa área, e na concessão de bolsas para estudantes de graduação das instituições de ensino superior.

Com o objetivo de suprir a carência de material esportivo nas escolas, o programa Pintando a Liberdade utiliza presos para a confecção de artigos esportivos. Entre eles, está a confecção de bolas com guizo, utilizadas em torneios internacionais de futebol e futsal para portadores de deficiência visual. O Ministério do Esporte financia a produção e faz as doações das bolas de guizo.

5 - Direito ao Trabalho

A verdadeira inclusão da pessoa com deficiência na sociedade e o exercício de sua cidadania dependem fundamentalmente de sua participação no mercado de trabalho. Por isso, em 1983, a convenção 159 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) assegurou a reabilitação profissional e emprego de pessoas portadoras de deficiência.

A medida prevê a participação plena e igualdade na vida social e no desenvolvimento pessoal. O objetivo é garantir que a pessoa deficiente obtenha e conserve o emprego.

Para impulsionar a geração de emprego e renda entre as pessoas especiais, a lei 9.867, de 1999, autorizou a criação de cooperativas sociais com a tarefa de desenvolver atividades agrícolas, industriais, comerciais e de serviços.

A reserva de mercado surgiu no sentido de colocar em prática a garantia prevista na legislação. No serviço público, a reserva já está prevista desde 1990, pelo decreto 8.112, que determinou que 20% dos cargos públicos sejam destinados às pessoas com deficiência.

Na área privada, o decreto nº 3.298/99 obriga empresas com 100 ou mais empregados a preencher 2% a 5% de seus cargos com pessoas reabilitadas ou portadoras de deficiência.

6 - Isenções fiscais e integração social

Para estimular a solidariedade na sociedade civil, a legislação brasileira autoriza a realização de concessões fiscais para empresas dispostas a contribuir com a integração do portador de deficiência.

Já foram firmados convênios que prevêem isenção de ICMS para programas empresariais de integração de pessoas portadoras de deficiência física, seja para doação de equipamentos adaptados ou para aquisições de equipamentos e acessórios destinados às instituições que atendam aos portadores de deficiência física, auditiva, mental, visual e múltipla.

Os veículos adaptados para paraplégicos ou portadores de deficiência física recebem isenção fiscal de ICMS e IPI, prevista na lei complementar 53/86 e a lei 8.899/94. E as operações de financiamento de automóveis de fabricação nacional para os deficientes são isentas de IOF. Além disso, os benefícios auferidos pelos deficientes mentais não são tributados pelo Imposto de Renda e a aquisição de aparelhos, materiais e outras despesas são dedutíveis do imposto.

7 - Transporte gratuito

A pessoa com deficiência tem direito ao transporte público gratuito, instituído em 1994 pela Lei 8.899, chamada Lei do Passe Livre. Cada estado ou município determina os benefícios concedidos, que vão desde a isenção da passagem até a adequação dos veículos públicos para transportar deficientes físicos.

8 - Assistência social

A assistência social aos portadores de deficiência física e mental está prevista no país desde 1982, quando a lei 7.070 garantiu a pensão vitalícia para os portadores de talidomida. Em 1991, a Lei Orgânica da Seguridade Social estendeu a concessão dos benefícios por motivo de incapacidade.

Em 1989, a lei 7.853 assegurou a todos deficientes o acesso aos programas governamentais. A partir de 1993, quem possui renda mensal inferior a um quarto do salário mínimo passou, por determinação da lei 8742, a ter direito a um salário mínimo.

9 - Acessibilidade

A pessoa com deficiência tem prioridade no atendimento médico e na justiça gratuita. Como parte do processo de inserção social, a legislação brasileira prevê a adequação de espaços e locais destinados aos deficientes.

As leis 7.405/85 e 10.098/00 e a Constituição Brasileira determinaram a construção de rampas, travessia para todos, linha guia e reservas de estacionamento para facilitar a locomoção e o acesso dos deficientes a locais e serviços, bem como a colocação do Símbolo Internacional de Acesso.

Crimes contra os direitos da pessoa

com deficiência

A lei nº 7.853/89 tipifica várias condutas consideradas crimes contra a pessoa portadora de deficiência e prevê pena de reclusão de um a quatro anos e multa.

Atitudes como impedir a matrícula de alunos especiais, o acesso ao cargo público, negar trabalho, recusar internação ou deixar de cumprir ordem judicial estão previstas na legislação. As denúncias deverão ser apresentadas junto a Coordenadoria Nacional Para a Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), Ministério da Justiça, Ministério Público Federal ou promotores de Justiça nos estados.

As denúncias relativas ao descumprimento da reserva de mercado para a pessoa com deficiência devem feitas na Delegacia Regional do Trabalho e Emprego.

A partir da denúncia, inicia-se um trabalho de sensibilização e conscientização da empresa sobre a necessidade de desenvolvimento de um projeto de inclusão do empregado com deficiência.

Conheça os órgãos públicos de apoio à pessoa com deficiência

 Ministério da Saúde

Determina a política nacional

Coordenação Geral de Saúde da Pessoa com Deficiência/DAPE

/SAS

(61) 315-2271/3422

Esplanada dos Ministérios, Bloco G, Edifício sede, 6 andar, sala 619 CEP 70058-900 Brasília-DF

Área Técnica de Saúde Mental/DAPE/SAS

( 61) 315-2313

Esplanada dos Ministérios, Bloco G, Edifício sede, 6 andar, sala 613 CEP 70058-900 Brasília-DF

www.saúde.gov.br <http://www.saúde.gov.br/>

Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde)

Responsável pela gestão de políticas voltadas para integração da pessoa com deficiência, em defesa dos direitos e da promoção da cidadania.

Telefone: (61) 429.3683

Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Anexo II, sala 210, CEP 70064-900 - Brasília (DF)

www.presidencia.gov.br/sedh/corde

<http://www.presidencia.gov.br/sedh/corde> 

Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade)

Acompanha e avalia o desenvolvimento da Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Recebe denúncias e orienta na formação dos conselhos estaduais e municipais.

(61) 429.9219

Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Anexo II, sala 211, CEP 70064-900 - Brasília (DF)

www.presidencia.gov.br/sedh <http://www.presidencia.gov.br/sedh> 

Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão

Atua na defesa dos direitos constitucionais do cidadão. O acesso de pessoas com deficiência às classes e escolas comuns da rede regular de ensino está disponível no site.

(61) 3031-6000

SAF Sul Quadra 4, conjunto C, bloco B, salas 303 e 304, CEP 70050-900 Brasília-DF

www.pgr.mpf.gov.br/pfdc 

Ministério dos Transportes

Informações sobre o passe livre

0800-61-0300

Caixa Postal - 9.800 CEP 70001-970 - Brasília (DF) www.transportes.gov.br <http://www.transportes.gov.br> 

Arte Sem Barreiras

(21) 2279 8116 e 2279 8118 
Programa cultural da Funarte, fundação ligada ao Ministério da Cultura, voltado à pessoa com deficiência 
Rua da Imprensa, 16 - 13º andar Palácio Gustavo Capanema  
Centro 20030-120 Rio de Janeiro -RJ

 www.funarte.gov.br <http://www.funarte.gov.br>

Ministério do Esporte

Promove o projeto Esporte Especial

Assessoria de Comunicação Social - ASCOM

(61) 217-1980/1981/1982 

Esplanada dos Ministérios, Bloco A, CEP 70.054-906 - Brasília - DF

www.esporte.gov.br <http://www.esporte.gov.br>

Ministério Público do Trabalho - Informações sobre as entidades de capacitação e colocação no mercado de trabalho

(011) 221-4977

Prédio Jaguaribe - Rua Jaguaribe, 194 Santa Cecília - São Paulo/SP 
CEP 01224-000

www.prt2.gov.br <http://www.prt2.gov.br/>

Ministério Público do Estado de São Paulo

Tel. 3104-2002 / 233-4669 Rua Líbero Badaró, 600 - 10º Andar

01.008-908 - São Paulo/SP

<http://www.sp.gov.br/sicorde.asp>

Prefeitura de São Paulo

Informações sobre os principais serviços e ações de inclusão

www.portal.prefeitura.sp.gov.br

Senado Federal

O Senado distribui gratuitamente livros em braile para instituições que trabalham com deficientes visuais. Contato pelo serviço Voz do Cidadão 0800 612211. Este serviço também está coletando sugestões para a elaboração do Estatuto do Portador de Deficiência, que deverá ser votado pelo Senado.

 

  Organizações não-governamentais

(ONGs) de apoio ao deficiente

 

  Rede Saci - Informações sobre deficiência e inclusão social

Telefone: (11) 3091-4155/4370

Av.Prof.Luciano Gualberto trav. J,374, térreo sala 10 Cidade Universitária - São Paulo - SP CEP: 05508-900

www.saci.org.br <http://www.saci.org.br> 

Entre Amigos - Notícias, fórum e banco de dados

Central de Atendimento Direto  
(11) 5082-3501

www.entreamigos.com.br <http://www.entreamigos.com.br> 

AACD - Informações sobre atendimento

(11) 5576-0777

Av. prof. Ascedino Reis, 724, Vila Clementino, CEP 04027-000 São Paulo-SP

www.aacd.org.br <http://www.aacd.org.br>

Apae Brasil - Legislação, notícias e endereço das Apaes pelo Brasil

(61) 224-9922

Federação Nacional das APAEsSDS - Edifício Venâncio IV - Cobertura 70.393-900 - Asa Sul - Brasília - DF

www.apaebrasil.org.br <http://www.apaebrasil.org.br> 

Instituto Ethos - Distribui o manual O que as empresas podem fazer pela inclusão das pessoas com deficiência (11) 3897-2400Rua Francisco Leitão, 469, Conj. 1407 CEP 05414-020, São Paulo, SP, Brasil

www.ethos.org.br <http://www.ethos.org.br>

Escola de Gente - Promove oficinas inclusivas e edita o Manual da Mídia Legal

(21) 2493-7610

Av. Fleming, 200, Barra da Tijuca - Rio de Janeiro - RJ 
CEP: 22.611-040

www.escoladegente.org.br <http://www.escoladegente.org.br> 

Acessibilidade - Site português com programas para facilitar o acesso digital aos PPD

CERTIC Centro de Engenharia de Reabilitação em Tecnologias de Informação e Comunicação UTAD <http://www.utad.pt/>/Edifício de Engenharias II, Apartado 1013 - 5000-911 Vila Real - Portugal

www.acessibilidade.net <http://www.acessibilidade.net> 

Instituto Benjamin Constant - Fundação para pessoas com deficiência visual

(21) 2543-1180/2295-4498

Avenida Pasteur, 350 / 368 Urca - Rio de Janeiro - RJ  
Brasil CEP: 22240-290 

www.ibcnet.org.br <http://www.ibcnet.org.br>

CEDIPOD - Centro de Documentação e Informação do Portador de Deficiência

www.cedipod.org.br <http://www.cedipod.org.br>

Revista Sentidos

Publicação especializada sobre os direitos do portador de deficiência

www.sentidos.com.br <http://www.sentidos.com.br/>

SORRI-BRASIL - Integração Social de Pessoas com Deficiência

(11) 570-6591 Rua Benito Juarez, 70, CEP 04.001-806 - São Paulo/SP

 <http://www.entreamigos.com.br>

SICORDE - NIDB - USC UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO Núcleo de Informações sobre Deficiência em Bauru (14) 235 7212 Rua Irmã Arminda,10-50, CEP.:17011-160- Bauru/SP

<http://www.usc.br/nidb_novo/index1.htm>

DICAS DE LIVROS VOLTADOS PARA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA

- Visão e Revisão, Conceito e Preconceito, do cartunista Ricardo Ferraz - coletânia de cartoons temáticos

- Adaptação de Ocupações e o Emprego do Portador de Deficiência, da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

- “Anais do VI SIAMF - Seminário Sobre Acessibilidade ao Meio Físico e Curso Básico Sobre Acessibilidade ao Meio Físico, do Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro

- As Pessoas Portadoras de Deficiência na Sociedade Brasileira, de João Baptista Cintra Ribas.

- Caminhos do Aprender: Uma alternativa educacional para a criança portadora de deficiência mental, de Izabel Neves Ferreira

- Como Você Deve Comportar-se Diante de Uma Pessoa Que, do Movimento de Mulheres Jovens

            - Declaração de Salamanca e Linha de Ação Sobre Necessidades Educativas Especiais

 - Escola Para Todos Como Você Deve Comportar-se Diante de Um Educando Portador de Deficiência, da Comissão Coordenadora Distrital de Lisboa do Ano Internacional do Deficiente

- Essas Crianças Tão Especiais...Manual para solicitação do desenvolvimento de crianças portadoras da Síndrome de Down, de Maria Tereza Eglér Mantoa, Ana Izabel de Figueiredo Ferreira e José Luiz Rodrigues

Os títulos disponíveis são distribuídas somente a pessoas jurídicas: instituições, universidades, bibliotecas públicas, dentre outras. A solicitação poderá ser encaminhada via correio ou fax, em papel timbrado da Instituição contendo o nº do CNPJ, endereço completo, missão institucional e dados do representante legal.

Endereço para Correspondência: Presidência da República Secretaria Especial dos Direitos Humanos Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE Endereço: Esplanada dos Ministérios Bl.: "T" - Anexo II - 2o. andar, Sala 200 - CEP: 70.064-900 Fone: (061) 429.3669 - Fax (061) 225.0440 Brasília DF - Brasil

Relação das principais leis para os portadores de deficência:

1) Constituição Federal

Quando a Carta Maior proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência (art. 7º, XXXI); (Você sabia?)

Citando a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para cuidar da saúde e da assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência (art. 23, II); (Você sabia?)

Dando competência à União, aos Estados e ao Distrito Federal para criar leis que visem dar proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, XIV); (Você sabia?)

Estabelecendo a reserva de vagas dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência (art. 37, VIII); (Você sabia?)

Prestando assistência social para a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comum (art. 203, IV);*

Garantindo um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, desde que comprovem não ter como prover os meios de subsistência (art. 203, V);*

Garantindo atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, de preferência na rede regular de ensino (art. 208, III);*

Promovendo programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental (art. 227, § 1º, II);*

Facilitando a integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bons e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos (art. 227, § 1º, II);*

Garantindo o acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência nos logradouros, edifícios de uso público e de veículos de transporte coletivo, através de lei (art. 227, § 2º e art. 244);*

2) LEI 7.853, de 24 de outubro de 1989, regulamentada pelo Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999:

Apoiando pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, consolidando normas de proteção através da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência;

Determina tratamento prioritário e adequado viabilizando medidas na área de educação, da saúde, da formação profissional e do trabalho, de recursos humanos, das edificações e na aplicação de penas aos crimes cometidos contra as pessoas portadoras de necessidades especiais.

3) LEI 8.069, de 13 de julho de 1990:

Assegura a proteção integral à criança e ao adolescente, considerando o direito à vida e à saúde, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer;

Estabelece as medidas sócio-educativas, a proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos.

4) LEI 8.742, de 7 de dezembro de 1993, alterada pela Lei 9.720, de 30 de novembro de 1998, regulamentado pelo Decreto nº 1744, de 8 de dezembro de 1995:

Organiza o Conselho Nacional de Assistência Social na definição de objetivos e princípios norteadores;

Trata do benefício de prestação continuada devido à portadora de deficiência e ao idoso.

5) LEI 8.899, de 29 de junho de 1994, regulamentado pelo Decreto nº 3.691, de 19 de dezembro de 2000:

Concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual

Estabelece assento, acomodação e autorização aos deficientes desde que habilitadas.

6) LEI 10.098, de 19 de dezembro de 2000:

Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.

7) PORTARIA nº 2.854, de 19 de julho de 2000, da Secretaria de Assistência Social:

Apóia à pessoa portadora de deficiência pelo atendimento de reabilitação na comunidade, pelo atendimento domiciliar.

8) LEI nº 7.405, de 12 de novembro de 1985:

Torna obrigatória a colocação do Símbolo Internacional de Acesso em todos os locais e serviços que permitam sua utilização por pessoas portadoras de deficiência em locais que possibilitem o acesso, a circulação e a utilização por pessoas portadoras de deficiência.

9) LEI nº 10.048, de 8 de novembro de 2000:

Prioriza o atendimento às pessoas portadoras de deficiência física pelas empresas públicas de transporte e as concessionárias de transporte coletivo;

Determina a facilitação de uso nos logradouros e sanitários públicos.

10) LEI nº 10.216, de 6 de abril de 2001:

Protege os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

11) LEI nº 7.070, de 20 de dezembro de 1982, alterada pela Lei 8.686, de 20 de julho de 1993:

Autoriza a concessão de pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível aos portadores de deficiência física;

Reajusta a pensão especial aos deficientes físicos portadores da Síndrome de Talidomina.

12) LEI nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, com vigência restaurada pela Lei nº 10.182, de 12 de fevereiro de 2001:

Dispõe sobre a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de automóveis para utilização no transporte autônomo de passageiros por pessoas portadoras de deficiência física sem condições de dirigir automóvel comum.

13) LEI nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996:

Dá entendimento à educação especial a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.

14) LEI nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, regulamentada pelo Decreto 2.264, de 27 de junho de 1997:

Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério para tratar da capacitação dos profissionais em educação em qualquer nível.

15) LEI nº 8.213, de 24 de julho de 1991:

Proporciona ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de (re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive.

16) Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999:

Consolida as normas de proteção visando o acesso ao trabalho e aos concursos públicos.

17) LEI nº 9.867, de 10 de novembro de 1999:

Dispõe sobre a criação e o funcionamento de Cooperativas Sociais, visando à integração social dos cidadãos para inserção no mercado econômico, por meio do trabalho.

18) Portaria nº 818/GM, em 05 de junho de 2001, do Ministério da Saúde:

Normatiza o cadastramento dos serviços de reabilitação física, dos serviços de referência em medicina física e reabilitação e dos leitos de reabilitação em hospital geral e/ou especializado.

19) LEI nº 8.212, de 24 de julho de 1991:

Assegura aos beneficiários da Previdência Social os meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade.

 

Bibliografia

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FUNGHETTO, Suzana Schwerz e SOARES, Marlene da Silva “Formação de professores na perspectiva inclusiva: uma ação pedagógica em classe hospitalar no Setor de Pediatria do Hospital Universitário de Brasília”

FRESQUET, Adriana Mabel. “Psicopedagogia e fracasso escolar”

KELMAN, Celeste Azulay e BRANCO, Ângela Uchoa “Era uma vez ...:narrativa literária em língua de sinais como fator de desenvolvimento”

MARTÍNEZ, Albertina Mitijáns “Criatividade e deficiência: por que parecem distantes?”

SOUZA, Amaralina Miranda de; SOARES, Daniele Lessa e EVANGELISTA, Glaura Borges Morais Gasparino “A Universidade de Brasília e a inclusão do aluno com necessidades educativas especiais”

SOARES, Marcus Vinícius Araújo e RABELO, Mauro Luiz “Atendimento a candidatos com necessidades especiais nos processos seletivos da Universidade de Brasília”

TUNES, Elizabeth “Por que falamos de inclusão?”

VIÉGAS, Conceição “Os desafios da educação profissional da pessoa com deficiência mental”

VIRGOLIM, Ângela Magda Rodrigues “A criação superdotada e a questão da diferença: Um olhar sobre suas necessidades emocionais, sociais e cognitivas”

Outro assunto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

“...Temos enormes potencialidades e enormes desigualdades. Precisamos retomar o hábito de pensar pela nossa cabeça qual o modelo que mais nos convém”.

(Celso Furtado, maio de 1997)

Depois de um período em que o rápido crescimento econômico, embora deixando sem solução a questão social, criou a ilusão de que poderíamos encurtar a distância que nos separava das nações mais desenvolvidas, o Brasil se encontra, desde o início dos anos 80, em uma situação de semi-estagnação e, pior ainda, diante de um ordenamento internacional no qual as macro-tendências dominantes convergem no sentido de aprofundar as assimetrias de riqueza e de poder existentes.

A financeirização da economia mundial, desencadeada nos anos 70, potencializou as forças centrípetas que tendem a concentrar nos seus núcleos mais desenvolvidos a capacidade de acumulação de capital e de inovação tecnológica, ao mesmo tempo em que as políticas neoliberais praticadas internamente, como parte desse mesmo processo global, desaparelharam os países periféricos para a formulação e implementação de políticas de desenvolvimento adequadas às suas realidades sociais.

            As políticas neoliberais não somente restringiram o crescimento e tornaram mais vulneráveis os países em desenvolvimento, mas também levaram ao desmonte dos mecanismos de planejamento estratégico - que possibilitavam organizar e racionalizar os investimentos, políticas e ações do Estado a médio e longo prazo - e expurgaram da sua agenda a temática do desenvolvimento. Além disso, subordinaram, direta ou indiretamente, o desenho das políticas econômicas nacionais aos critérios estabelecidos pelos centros de decisão da grande finança internacional. Os países periféricos ficaram presos em uma armadilha na qual o curto prazo e a “credibilidade” devida a credores e especuladores internos e externos passaram a constituir o eixo da agenda dos governos nacionais.

O Brasil, para retomar seu processo de desenvolvimento, não pode ficar refém dos problemas monetário-financeiros de curto prazo. Como afirmou recentemente o presidente Lula, temos de pensar nosso país com grandeza, com perspectiva de longo prazo e visão nacional. Em 2022 completaremos duzentos anos de vida independente. Podemos transformar a data em um marco na nossa história política e econômica, que assinale a maturidade do processo de construção do nosso projeto de nação e de sociedade.

Isso significa colocar-nos alguns objetivos e metas fundamentais. A primeira delas é reduzir, substancialmente, os atuais índices de pobreza e extrema desigualdade na distribuição da renda e da riqueza e alcançar um grau de homogeneização social próximo ao que prevalece hoje em alguns países europeus de desenvolvimento médio, como a Itália. Lá, os 20% mais pobres da população detêm quase 9% da renda total (contra 2,5% no caso brasileiro) e a participação dos 20% mais ricos é de 36% (contra 63,8% no nosso caso). A classe média - os 60% restantes - tem uma participação de 55%, bastante superior aos 33,8% de sua equivalente brasileira.

Será essencial também fazer uma verdadeira revolução educacional, que permita erradicar o analfabetismo, aumentar o índice de escolaridade dos atuais sete anos para pelo menos onze anos, elevar a qualidade do ensino em todos os níveis, assegurar a universalização do ensino primário e médio e fortalecer a universidade pública, consolidando sua autonomia e sua integração ao esforço de desenvolvimento científico e tecnológico do país.

Um terceiro objetivo estratégico é manter um nível de dinamismo do mercado de trabalho capaz de permitir a redução da taxa de desemprego total da economia dos atuais 20% (metodologia do DIEESE) para um máximo de 5%, paralelamente à diminuição, para algo em torno a 10%, do número de trabalhadores sem carteira em relação ao total de assalariados. Isto implicará a criação de cerca de 35 milhões de postos de trabalho ao longo dos próximos 19 anos.

Tudo isso supõe alcançar taxas elevadas e sustentáveis de crescimento, que nos aproximem dos padrões hoje prevalecentes nas economias de desenvolvimento médio, como a Espanha, que em 2001 tinha uma renda média de US$ 14.300, contra US$ 3.100 do Brasil. Se crescêssemos a um ritmo similar ao do período que vai do pós-guerra até 1979, antes da destruição causada pela crise da dívida externa e pelas políticas neoliberais adotadas a partir de 1990 (cerca de 7% anuais), poderíamos, em 2022, elevar nossa renda média para cerca de US$ 10.500. É uma taxa elevada nas atuais condições da economia mundial, mas dá a dimensão do esforço que será necessário realizar nessa esfera.

Simultaneamente teremos que avançar em diversos outros planos: a modificação da relação entre o Estado e a sociedade, com a democratização crescente de todas as instâncias de representação e decisão política; o equacionamento da dependência estrutural do país em relação ao capital estrangeiro; a criação de uma capacidade endógena de produção e difusão do conhecimento técnico-científico; a incorporação do conceito de sustentabilidade a todas as dimensões da política de desenvolvimento; a redução dos desequilíbrios regionais e integração do território com critério de desenvolvimento nacional; a consolidação da soberania nacional sobre a Amazônia, dentro de uma visão estratégica de desenvolvimento social e ecologicamente sustentável; a redução de pelo menos 80% dos níveis atuais de violência, paralelamente à reforma e humanização do sistema prisional; e a implantação, em todo o país, de um elevado grau de respeito e valorização dos direitos humanos.

Ao longo de 181 anos de vida independente, o movimento popular conseguiu forjar sua identidade e afirmar sua presença na sociedade brasileira. A eleição do presidente Lula é parte desse processo, que abre para o país a oportunidade de discutir um projeto estratégico de Nação. O Bicentenário poderia ser a data de referência para concretizar, nesse projeto, os sonhos que, historicamente, alimentaram a resistência e a luta do povo brasileiro contra a exclusão social, a dominação política e a dependência econômica.

2004, O ANO DA VIRADA

O Brasil sofreu, ao longo dos últimos anos, um processo de fragilização estrutural que nos expôs a sucessivas crises. Na raiz desse processo está a aventura do "populismo cambial" do período 1995/98. Quatro anos de ajuste fiscal recessivo financiado por um aumento sem precedentes da carga tributária (20% de 1999a 2002) e pela compressão da renda dos trabalhadores, via aumento do desemprego e queda dos salários reais, foram insuficientes para reverter os desequilíbrios gerados naquele período. Pelo contrário, como a política monetária ortodoxa esterilizava o esforço fiscal, o endividamento público continuou se expandindo aceleradamente. A relação dívida líquida-PIB, que tinha alcançado 41,7% em 1998, fechou 2002 em 56,5%.

A exacerbação dos desequilíbrios cambial e fiscal ao longo de 2002 fragilizou ainda mais a economia brasileira e "blindou" o modelo de política econômica até então adotado, impondo severas restrições ao novo governo. Este foi obrigado a priorizar, em uma primeira fase, o controle da inflação, que havia batido a casa dos 30% (acumulado em 12 meses) ao final de 2002, e o restabelecimento das linhas de financiamento externo do país, que praticamente tinham sido interrompidas.

As medidas adotadas pelo governo do presidente Lula possibilitaram o refluxo do chamado risco-país, que de um patamar de 2.400 pontos em setembro/outubro do ano passado caiu para menos de 500 pontos na atualidade, e o restabelecimento do crédito externo, com a rolagem das dívidas das empresas alcançando níveis confortáveis e prazos mais longos. O dólar recuou de R$ 3,95 em outubro de 2002 para cerca de R$ 2,90, e a taxa de inflação projetada para 12 meses caiu consistentemente, situando-se atualmente em torno de 6% ao ano.

Os avanços na reversão da crise cambial abriram caminho para a diminuição da taxa básica de juros em nove pontos percentuais de junho até novembro passado, reduzindo-se consequentemente o custo de rolagem da dívida pública. Mas a taxa de 17,5% ainda é muito elevada -equivale a cerca de 11,5% em termos reais-, situando-se muito acima dos padrões aceitáveis para uma economia em desenvolvimento.

O governo adotou também uma série de medidas para a redução dos juros na ponta, incluindo programas de microcrédito e de crédito cooperativo, juros baixos para crédito com garantia salarial, linhas especiais de crédito para os aposentados e financiamento em condições mais favoráveis para os pequenos produtores rurais, para os assentamentos da reforma agrária e para as pequenas e as microempresas.

A forte expansão das exportações -20% até novembro de 2003 ante só 1% de crescimento das importações-, resultante de uma política comercial mais agressiva e centrada na defesa dos interesses nacionais, possibilitou um saldo comercial superior a US$ 22 bilhões, o que permitiu aliviar a pressão sobre as contas externas e gerar um excedente nas transações correntes com o exterior -passamos de um déficit de US$ 8 bilhões em 2002 para um superávit de cerca de US$ 3 bilhões em novembro passado- que está lastreando o aumento das nossas reservas líquidas.

Estabilizado em termos globais o quadro macroeconômico, a grande questão que se coloca para o país é a retomada do crescimento. Crescer e combinar o crescimento com políticas de renda, de emprego e de universalização dos serviços básicos é essencial para viabilizar a superação das fragilidades estruturais que herdamos e avançar na construção de um novo padrão de desenvolvimento com justiça social, que é um compromisso fundamental do governo do presidente Lula.

Não há crescimento econômico sem investimento. E, embora o capital estrangeiro possa ser um complemento importante, o esforço de investimento, em um país como o nosso, tem de ser fundamentalmente endógeno. Alguns passos nessa direção já foram dados: o BNDES reorientou suas atividades para dar suporte à expansão da capacidade produtiva industrial e das exportações; o programa de habitação, financiado pela Caixa Econômica Federal, contribuirá para a revitalização da indústria da construção e do emprego; a reforma tributária permitirá desonerar os bens de capital e os bens de consumo popular e também simplificar e reduzir a cumulatividade do sistema tributário; o governo está definindo regras estáveis e transparentes para os serviços produtivos básicos e está propondo um novo esquema de parceria com o setor privado para alavancar investimentos em infra-estrutura.

Paralelamente, ampliaram-se os alcances da política social com diversas ações e programas, como o Brasil Alfabetizado, o Bolsa-Família, que beneficiará 3,6 milhões de famílias ainda neste ano, e o Luz Para Todos, que até 2008 atingirá 11,5 milhões de famílias.

Apesar das muitas dificuldades que ainda enfrentamos, os avanços realizados permitem projetar para 2004 uma perspectiva bastante positiva. Estamos virando o jogo e reconstruindo o equilíbrio fiscal, agora a partir do crescimento, e não da recessão.

Outro assunto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que depois de

           Depois de mais de uma década de aplicação das receitas neoliberais, especialmente a partir de 1995, piorou extraordinariamente a inserção internacional do Brasil. A remoção das restrições à livre movimentação de capitais, no marco do processo global de financeirização crescente da economia mundial, e, por outro lado, a opção por uma política de estabilização ancorada inicialmente em um regime de câmbio semifixo e em uma abertura comercial unilateral, criaram um desequilíbrio externo estrutural que limita fortemente tanto o espaço de manobra da nossa política econômica quanto nossas possibilidades de aceleração e sustentação do crescimento econômico. Ao elevar as necessidades de financiamento externo a níveis críticos e abrir a economia ao capital financeiro especulativo, as políticas neoliberais transformaram a dependência do capital estrangeiro em um mecanismo de internalização da instabilidade do mercado financeiro globalizado e de subordinação da dinâmica econômica interna às prioridades e interesses dos credores e investidores externos. Em conseqüência, não só agravou-se extraordinariamente nossa crônica dependência externa como também nossa economia tornou-se extremamente vulnerável. 

           Paralelamente, pouco se avançou na modificação da pauta de exportações, historicamente baseada em produtos básicos e semi-elaborados de demanda relativamente pouco dinâmica e sujeitos a variações de preços relativos tendencialmente negativas. Nossa participação no comércio internacional, já baixa anteriormente, caiu ainda mais nesse período.

           Ademais, os Acordos da Rodada Uruguai da Organização Mundial do Comércio - OMC, concluída em dezembro de 1994, resultaram em compromissos assimétricos entre países em desenvolvimento e desenvolvidos no que tange à abertura comercial, já que se avançou muito na redução de barreiras tarifária e não-tarifárias na área industrial de um modo geral, mas não no setor agrícola e em têxteis, áreas nas quais os primeiros são competitivos. Por outro lado, tais acordos consagraram em seus textos uma regulamentação de temas de interesse exclusivo, ou quase que exclusivo, das nações industrializadas, como serviços, propriedade intelectual e investimentos. As conseqüências foram a redução da participação relativa das nações em desenvolvimento no comércio global, à exceção dos “tigres asiáticos”, e a perda relativa da capacidade dos Estados nacionais de implementarem políticas de desenvolvimento, industriais e de ciência e tecnologia. 

           Tudo isso contribuiu a reforçar, sob novas modalidades, o caráter passivo e subordinado da nossa inserção na economia mundial.

           A modificação desse padrão é um requisito essencial para que o país possa ingressar em uma trajetória de efetiva estabilidade econômica e avançar na construção de um novo modelo de desenvolvimento e homogeneização social que seja sustentável do ponto de vista econômico e ecológico.

           A nova política externa implementada pelo governo do presidente Lula constitui um passo inicial nessa direção. Além de revalorizar o papel e a imagem do país no cenário internacional, ela deu uma nova dimensão à política comercial brasileira, mais firme e aguerrida na defesa dos nossos interesses e mais solidária do ponto de vista de nossas relações com os demais países em desenvolvimento, especialmente na América Latina. Em um prazo relativamente curto reativamos o Mercosul, consolidando uma parceria estratégica com a Argentina, e avançamos na estruturação de acordos com diversos países para a realização de investimentos articuladores do espaço econômico regional e para a expansão do intercâmbio comercial e da cooperação técnica e econômica, recolocando na agenda da região o sonho da integração sul-americana. Ao mesmo tempo, ampliamos extraordinariamente nossas relações comerciais e de cooperação com outros parceiros - como a China, a Índia, a África do Sul, a Ucrânia, para citar alguns exemplos - e avançamos significativamente nas negociações com a União Européia.

           No âmbito da Organização Mundial do Comércio conseguimos articular e unificar o posicionamento de diversos países em desenvolvimento em torno a interesses comuns, inclusive no que se refere aos subsídios agrícolas concedidos pelos governos das nações desenvolvidas, que prejudicam fortemente nossas exportações. Por último, e não menos importante, conseguimos colocar as negociações sobre a formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) - que é um aspecto crucial para o futuro do Brasil e dos países latino-americanos em geral - em um marco mais adequado à consideração dos nossos interesses.

           Como está sendo proposta pelo governo dos Estados Unidos, a ALCA é muito mais do que a criação de uma área de livre comércio, envolvendo praticamente todas as dimensões da economia, inclusive abertura dos serviços e das compras governamentais ao capital estrangeiro e a regulamentação dos investimentos e da propriedade intelectual. Ficam de fora apenas o mercado de trabalho e o acesso dos países latino-americanos às tecnologias sensíveis monopolizadas pelo governo e pelas corporações norte-americanas. Em realidade, a ALCA é um projeto de criação de um marco jurídico-normativo abrangente, calcado nos critérios de política e nos padrões legais definidos pelos Estados Unidos, para regular suas relações com os estados nacionais latino-americanos e as relações entre estes e as corporações norte-americanas.

           No caso dos investimentos, que muito mais do que o comércio constitui o eixo central da ALCA, a proposta pretende ressuscitar o malfadado Acordo Multilateral de Investimentos (AMI), que colocava os estados nacionais a reboque das corporações multinacionais. A proposta da ALCA reproduz o capítulo 11 do NAFTA - o acordo já existente entre os EUA, o Canadá e o México - que, entre outras coisas, permite às corporações processarem, em foros de sua livre escolha, os países que adotem medidas por elas consideradas lesivas aos seus interesses, nestes incluídos os lucros potenciais de futuros investimentos, que elas considerem prejudicados direta ou indiretamente por tais medidas.

           Também no campo estritamente comercial a proposta, nos termos em que está colocada pelo governo norte-americano, é extremamente desequilibrada. Os EUA se recusam sequer a discutir os aspectos relacionados com os subsídios e direitos antidumping, bem como outros instrumentos relevantes do seu arsenal de barreiras não-tarifárias. E falam em liberdade de comércio de uma perspectiva unilateral e em simbiose com um processo global de desregulamentação das economias latino-americanas que vai muito mais longe do que as normas estabelecidas pela Organização Mundial de Comércio.

           O Brasil tem todo o interesse em ampliar seu intercâmbio comercial com os Estados Unidos e tem defendido com vigor a liberalização das práticas de comércio, tanto no âmbito das negociações da ALCA quanto na OMC. Estamos conscientes da importância do comércio para o desenvolvimento. Mas sabemos, por experiência própria, que tão importante quanto expansão do comércio é a distribuição dos seus benefícios. Se essa distribuição é desigual ou produz efeitos divergentes sobre as economias envolvidas, o aumento do intercâmbio comercial pouco contribuirá ao desenvolvimento da parte menos favorecida, tendendo-se a ampliar a brecha de renda e capacidade produtiva entre elas. Por outro lado, não podemos, em nome de ganhos setoriais pontuais na esfera comercial, fazer concessões em outras áreas sensíveis, que hipotequem nossa possibilidade de definir e materializar um projeto nacional de desenvolvimento ajustado aos nossos interesses e necessidades.

           Os textos incluídos nesta publicação tocam vários aspectos dos processos de negociação em curso, tanto no âmbito da OMC quanto da ALCA. O endurecimento da posição brasileira em ambos fóruns reflete a decisão do governo do presidente Lula de defender, com responsabilidade, competência e determinação, os interesses nacionais, tal como fazem os Estados Unidos. Para o Brasil, a ALCA não é uma questão de prazos ou de eventuais vantagens nesse ou naquele setor. O que está jogo são os interesses estratégicos nacionais, é a preservação da nossa capacidade e autonomia para construir nosso próprio futuro como nação, é também a possibilidade histórica de materializar o sonho da integração solidária da América do Sul. Esse é o núcleo do problema e em torno a ele é que definimos o posicionamento brasileiro nas negociações.

           AS RELAÇÕES COMERCIAIS BRASIL/EUA*1

           “Atualmente, poucos ... defendem a hipocrisia de fingir que se está ajudando países em desenvolvimento ao forçá-los a abrir seus mercados para as mercadorias das nações industrializadas e desenvolvidas, ao mesmo tempo que essas nações protegem seus próprios mercados. Tais políticas tornam os ricos mais ricos e os pobres mais pobres - e cada vez mais furiosos.”

           Joseph E. Stiglitz

           A viagem do presidente eleito Lula aos EUA foi um grande êxito. O mais importante é que a visita produziu resultados concretos, entre os quais a proposta do Presidente Bush para a realização de um encontro de cúpula entre os dois países, com a participação dos respectivos ministérios e coordenado pelos Presidentes da República.

           Além de todas as questões políticas envolvidas nas relações bilaterais, o desafio maior da diplomacia brasileira é obter resultados rápidos e significativos na esfera comercial. Os EUA representam 31% do PIB mundial, compram duas vezes mais do que a União Européia e quatro vezes mais do que o Japão. É fundamental que o Brasil dispute com competência este mercado.

           Os EUA já são o principal parceiro comercial do Brasil. No ano passado, as transações com aquele país responderam por cerca de 25% do nosso intercâmbio comercial com o exterior, uma elevação de cinco pontos em relação a 1994. Não obstante, o volume de comércio entre os dois países é ainda baixo, situando-se em torno a US$ 30 bilhões anuais. Existem condições para duplicar este volume nos próximos 4 anos e atingir uma marca próxima aos US$ 100 bilhões ao final da presente década.

           É muito difícil, no entanto, que isto possa realizar-se sem uma modificação substantiva do atual padrão de relacionamento comercial entre ambos países.

           Esta modificação supõe, em primeiro lugar, a recolocação da temática da liberalização comercial - recorrente nos discursos e nas posições negociadoras norte-americanas - em uma nova perspectiva onde a questão central, menos que a liberalização em si mesma, passe a ser a distribuição dos benefícios da expansão do comércio por ela induzida.

           Para que essa distribuição seja eqüitativa, é preciso que a liberalização comercial seja uma estrada de duas mãos e não uma política praticada por somente uma das partes envolvidas. Por outro lado, é fundamental que a liberdade de comércio promova, tendencialmente, a convergência das economias participantes e não o aumento da brecha de renda e produtividade entre elas. Isto implica, entre outras coisas, a criação de mecanismos compensatórios das assimetrias existentes entre os dois países em matéria capacidade econômica e tecnológica e de produtividade sistêmica, que permitam equalizar as condições de concorrência.

           A experiência brasileira nos anos recentes é ilustrativa dos problemas gerados por uma abertura comercial unilateral e não programada. No período 1995/1998, por exemplo, quando a redução das tarifas de importação e sobrevalorização da taxa de câmbio aumentaram de maneira acentuada e intempestiva a exposição da economia brasileira à concorrência externa, as exportações brasileiras para os EUA aumentaram em 10,3%, enquanto que as importações provenientes daquele país se expandiram em 111,3%. Em conseqüência, nossa balança comercial bilateral, que era superavitária desde 1981, acumulou nesses quatro anos um déficit de quase US$ 13 bilhões. Somente a partir de 2000, na esteira da desvalorização do real, o saldo voltou a ficar positivo. No conjunto do período 1995/2001, o aumento do fluxo de comércio com os EUA (de US$ 15,7 bilhões para US$ 27,4 bilhões) produziu um déficit acumulado de US$ 12,2 bilhões; nossas exportações cresceram 60,6% contra 92,1% das importações.

           Ao contrário do Brasil, os EUA mantiveram e/ou agravaram nesse período as restrições tarifárias e não tarifárias impostas aos produtos brasileiros. Alguns casos são emblemáticos. O Brasil foi o maior exportador de etanol para os EUA até meados da década de 80, tendo seu acesso àquele mercado sido reduzido por uma série de medidas protecionistas, incluindo um subsídio de 54 centavos de dólar por galão, previsto para terminar em 2000, mas que foi estendido até 2007. Somado ao imposto de importação (2,5%), isto representa uma carga de 50% sobre o preço do produto importado. O suco de laranja tem uma trajetória parecida: em 1992, o Brasil respondia por 90% do total de importações norte-americanas, tendo perdido fortemente participação no mercado em função de vantagens concedidas a outros países e à imposição de uma tarifa ao suco concentrado reconstituído equivalente a 56% ad valorem. Processo similar se verificou com o açúcar, cujas importações acima da quota estão sujeitas a uma tarifa de US$ 338,70 por tonelada: a introdução do sistema de quotas em 1982 e, posteriormente, diminuições na quota brasileira, reduziram nossas exportações para menos de 15% da quantidade anteriormente comercializada.

           Nos EUA, 35 produtos têm tarifas entre 70% e 350% e 29 têm tarifas entre 50% e 70%. No nosso caso, em função de acordos comerciais globais, não podemos impor tarifas superiores a 35% no caso de produtos industriais e a 55% no caso de produtos agrícolas. Os EUA conservam inalterados os picos tarifários para diversos produtos relevantes da nossa pauta de exportações, como os calçados e os têxteis. Isto, as restrições quantitativas e outras barreiras não tarifárias - subsídios, medidas antidumping e compensatórias, e normas e regulamentos técnicos diversos, inclusive sanitários e fitosanitários, que além de complexos estão sujeitos a modificações não previsíveis - reduzem significativamente o acesso e a competitividade de nossos produtos no mercado local. São cerca de 80 os produtos brasileiros afetados por estes tipos de barreiras.

           O aumento do volume de comércio bilateral exige uma agenda positiva e contrapartidas. As políticas comerciais adotadas até agora pelos EUA e seu projeto de formação da ALCA, nos termos em que está colocado, vão na contramão deste propósito. Por isso é essencial abrir uma nova fase nas negociações bilaterais, que torne possível encontrar espaços de convergência para uma expansão e liberalização do comércio mutuamente benéfica.

           A OUTRA BATALHA NA OMC*2

           O comércio internacional é um dos fatores potencialmente determinantes da expansão da economia mundial. Por isso é importante o estabelecimento de normas justas e transparentes que regulem as relações comerciais e permitam aos países desenhar suas estratégias de exportação e importação dentro de um quadro previsível e favoreçam a apropriação interna do avanço de suas atividades produtivas.

           A Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em 1994 em substituição ao antigo Acordo Geral de Comércio e Tarifas (GATT), tinha o propósito de universalizar as normas reguladoras do comércio, tendo em vista as novas condições geradas pelo processo de globalização da economia mundial. No entanto, inspirada na ideologia neoliberal, prevaleceram na criação deste novo marco institucional os interesses e os critérios das grandes corporações e dos países mais desenvolvidos. Em conseqüência, em muitos casos as regras estabelecidas são claramente desfavoráveis aos países em desenvolvimento, precisamente aqueles que mais necessitariam aproveitar os benefícios da expansão do comércio internacional.

           A maior evidência desta distorção é o tratamento diferenciado dado aos bens industriais e aos serviços vis à vis os produtos agrícolas. No primeiro caso, em que os maiores exportadores eram os países desenvolvidos, a liberalização do comércio avançou substancialmente. No caso da agricultura, onde predominam os interesses dos países em desenvolvimento, praticamente não foram alteradas as medidas protecionistas existentes, praticadas principalmente pelos Estados Unidos e pela União Européia.

           O debate sobre a questão da liberalização do comércio de produtos agrícolas tem absorvido grande parte da atenção da opinião pública tanto no Brasil como em um grande número de outros países em desenvolvimento. No entanto, esta questão, embora extremamente importante, não deve ofuscar aspectos igualmente fundamentais para o futuro destes países que até agora têm permanecido um pouco à margem do debate. Este é o caso, por exemplo, da revisão de alguns pontos do Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio (TRIMs), e do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, que se revelaram prejudiciais aos interesses dos países em desenvolvimento.

           No Acordo sobre TRIMs, os países signatários estão proibidos de executar qualquer política pública que exija do investidor externo o cumprimento de metas de exportação ou a utilização de componentes de origem local. Essa proibição impede que o Brasil conte com instrumentos relevantes no processo de superação de sua vulnerabilidade externa - especificamente no que se refere à possibilidade de direcionamento do processo de substituição de importações para setores específicos, quer por sua tendência comercial deficitária, quer pela sua importância em termos de incorporação de progresso técnico-científico ao nosso parque industrial.

           Ao contrário do que afirma o pensamento dominante na OMC, não são as políticas voltadas para o desenvolvimento mas sim o poder das grandes corporações o que hoje constitui a maior ameaça à livre concorrência. Um exemplo disso foi o desmonte, no marco do processo de privatização, do incipiente, mas promissor, parque industrial de telecomunicações do país. Na ausência de políticas públicas coordenadas de investimento e desenvolvimento industrial, as decisões das firmas que aqui vieram se instalar para a produção de equipamentos e telefones celulares foram no sentido de comprar seus componentes em filiais no exterior - independentemente do fato de que o Brasil já possuía tecnologia e capacidade instalada no setor. Desnecessário dizer que um dos déficits comerciais mais significativos que experimentamos nos últimos anos concentrou-se justamente no setor de material elétrico e comunicações, apesar do espetacular aumento das exportações de telefones celulares a partir da desvalorização do real, em 1999.

           O Acordo de Subsídios, por sua vez, representou a eliminação dos subsídios específicos a diversos setores industriais, especialmente os vinculados a exportações - com algumas exceções que permitem algum espaço de manobra para políticas públicas regionais e de ciência e tecnologia. Nesse sentido, a leitura combinada dos Acordos sobre Agricultura e Subsídios revela a natureza invertida do “tratamento especial e diferenciado” consolidado nas atuais regras da OMC: aos países desenvolvidos é permitida a realização de políticas de apoio ao setor em que são menos competitivos - no caso, a agricultura -, restando aos países da periferia choramingar por brechas nos acordos que os permitam desenhar políticas de desenvolvimento para os setores industriais.

           O processo de revisão desses dois acordos é tão importante quanto qualquer negociação relacionada à abertura de mercados agrícolas. O Brasil vem liderando em Genebra a apresentação de propostas para a superação dos óbices na OMC para a consecução de uma nova política industrial que possa utilizar instrumentos hoje proibidos por esses acordos. Estamos propondo uma flexibilização de seus termos que permita aos países em desenvolvimento eliminar discriminações relativas às políticas de crédito, utilizar políticas de investimento a fim de atingir objetivos específicos de desenvolvimento tecnológico, promover condições eqüitativas de concorrência no mercado doméstico, e assegurar, mediante aumento das exportações, condições sustentáveis para fazer face a situações de déficits estruturais no balanço de pagamentos.

           A revisão desses acordos pode facilitar em muito o processo de retomada do desenvolvimento no país, dando maior flexibilidade para que o Estado brasileiro execute as políticas públicas necessárias à redução da nossa vulnerabilidade externa e ao fortalecimento da economia nacional. 

           ALÉM DA ALCA*3

           O recente compromisso conjunto Brasil/EUA de manter o início de 2005 como data para a conclusão das negociações da ALCA, não significa, de modo algum, que o governo brasileiro tenha abandonado as suas justificadas reservas em relação à proposta do bloco econômico em seu atual formato, as quais foram fortalecidas após a oferta norte-americana divulgada em fevereiro. Com efeito, a oferta do United States Trade Representative (USTR), além de manter a proteção aos “setores sensíveis”, introduziu injustificável assimetria nas modalidades de desgravação tarifária com a nítida intenção de discriminar o Mercosul, particularmente o Brasil, no processo negociador.

           Assim, a proposta norte-americana relativa aos produtos industriais prevê desgravação tarifária imediata para 91% da pauta importadora provinda dos países do CARICOM, 66% para as nações da América Central, 61% para os países andinos e apenas 58% para o Mercosul. No que tange aos produtos agrícolas, a assimetria é ainda mais acentuada, pois a oferta prevê desgravação tarifária imediata para 85% da pauta de importações norte-americanas oriunda dos países do CARICOM, 65% para a América Central, 68% para os países andinos e somente 50% para o Mercosul.

            Não bastasse tal assimetria das ofertas, que tende a “bilateralizar” ou “regionalizar” as negociações na ALCA, o texto do USTR tornou patente que o governo norte-americano não pretende abrir mão da proteção aos “setores sensíveis”. De fato, a proposta apresentada prevê que, para o Mercosul, 35% dos produtos industrializados e 44% dos produtos agrícolas só terão importação desgravada em cinco, dez ou mais anos. Ou seja, em relação a muitos bens a proteção tarifária e não-tarifária poderá ser mantida indefinidamente. Tal idéia é condizente com os termos da Trade Promotion Authority (TPA), a qual determina que, em relação a mais de 300 “produtos sensíveis”, o Congresso norte-americano deverá discutir e aprovar, a posteriori, quaisquer propostas de abertura do mercado. Na prática, isto significará a manutenção de barreiras em setores “estratégicos”. Ressalte-se que muitos produtos de grande interesse do Brasil, como suco de laranja, calçados, aço, carnes, etc., estão na lista da TPA.

           Ademais, a proposta norte-americana não avançou na discussão de temas que são prioritários para o Mercosul e o Brasil, como os subsídios agrícolas e os direitos antidumping, que representam as principais barreiras às nossas exportações. O Governo dos EUA quer que tais assuntos sejam discutidos no âmbito da OMC, onde, normalmente, os interesses dos países desenvolvidos tendem a confluir e confrontar as reivindicações das nações em desenvolvimento. Por outro lado, temas de grande interesse norte-americano, como compras governamentais, serviços e investimentos estão sobejamente contemplados na proposta.

           A resposta do Mercosul à proposta assimétrica e protecionista norte-americana foi racional e estratégica. O novo governo brasileiro, secundado pelos os dos demais países do bloco, acertadamente não apresentou oferta relativa a serviços, compras governamentais e investimentos, optando por remeter a discussão ao seu foro apropriado: a OMC. No que se refere à desgravação tarifária, a maior parte (77,74%) da lista de bens da Nomenclatura Comum do Mercosul teve proteção assegurada por até 10 ou mais anos.

           Criou-se, dessa forma, impasse incontornável nas negociações da ALCA, que não será resolvido simplesmente mediante o compromisso com o prazo de 2005. Tal impasse não interessa ao Brasil porque a necessidade de superar a vulnerabilidade externa da nossa economia passa necessariamente pela geração de superávits comerciais alentados. Assim, a maior aproximação aos EUA, o principal parceiro comercial do Brasil, seria útil para o objetivo de expandir nossas exportações. Deve-se ter em mente que o gigantesco mercado norte-americano compra duas vezes mais do que o da União Européia e quatro vezes mais que o do Japão. Nosso potencial de intercâmbio comercial ainda é pouco explorado, embora já tenhamos superávit de cerca de US$ 5 bilhões. Com o Canadá, por exemplo, economia de escala semelhante à brasileira, os EUA têm um comércio de US$ 500 bilhões, ao passo que com o Brasil este intercâmbio não passou, em 2002, de US$ 25, 5 bilhões. O impasse também não parece interessar aos EUA, pois a integração comercial com o Mercosul, particularmente com o Brasil, principal economia da América do Sul, lhes seria de grande utilidade, principalmente na atual conjuntura recessiva. Afinal, todo mundo sabe que a ALCA não existirá, de fato, sem o Brasil.

           Como solução para o impasse, o novo governo brasileiro, em conjunto com os governos da Argentina, Paraguai e Uruguai, vem apresentando a proposta de negociar um acordo de livre comércio Mercosul-EUA, no formato 4+1, a exemplo do que o governo norte-americano fez recentemente com o Chile. Em encontro recente que mantivemos com Robert Zoellick, representante do United States Trade Representative (USTR), defendemos essa fórmula negociadora com especial ênfase. Aliás, vimos defendendo esta proposta há muito tempo, pois temos consciência de que, em várias áreas, as economias brasileira e norte-americana são concorrenciais, o que resulta em inevitáveis atritos que só podem ser bem equacionados em negociações mais estreitas e focadas.Embora tal proposta não possa ser encarada como uma solução milagrosa que teria o condão de desatar instantaneamente o nó górdio do protecionismo norte-americano, ela tem, ao nosso ver, vantagens significativas em relação ao formato tradicional da ALCA.

QUADRO III - O INTERCÂMBIO COMERCIAL BRASIL/EUA

            Os efeitos de uma liberação comercial assimétrica são claramente perceptíveis na experiência brasileira pós-Real. Nosso saldo comercial positivo com os Estados Unidos sofre uma acentuada inflexão com a intensificação da abertura da economia a partir de 1995 (alicerçada na sobrevalorização da taxa de câmbio, que atua como um redução tarifária indiscriminada e elevada). E só vai se recuperar com a desvalorização do Real em 1999 e o posterior ajuste recessivo da economia, particularmente no triênio 2001/2003.

Em primeiro lugar, a fórmula 4+1 confere maior flexibilidade e agilidade às negociações, já que o número de países envolvidos é bem menor e os interesses, nessas circunstâncias, tendem a confluir com maior celeridade. Em segundo, o formato sugerido pelo governo brasileiro poderia retirar da pauta imediata de negociação temas espinhosos relativamente aos quais Brasil e EUA dificilmente obterão consenso no curto e médio prazos, focando as negociações no acesso aos mercados. Em terceiro, o esquema 4+1, ao simplificar as negociações comerciais, tende a colocar as relações bilaterais Brasil-EUA num patamar mais maduro e pragmático, com evidentes benefícios para ambos os países. Por último, a fórmula proposta pelo Brasil fortalece política e diplomaticamente o Mercosul, estratégico para a região.

Nesse sentido, o novo Governo brasileiro já vem tomando medidas efetivas para reerguer Mercosul e assumir, com responsabilidade, a sua liderança na América do Sul. Essa nova política externa para o hemisfério está criando as condições geopolíticas necessárias para imprimir mudanças qualitativas nas relações bilaterais Brasil/EUA, colocando-as num patamar de maior simetria e reciprocidade. A proposta do 4+1 se coaduna perfeitamente com esta nova realidade e, apesar da negativa inicial do governo norte-americano, é a que reúne as melhores condições para produzir resultados positivos para todos.

O PAPEL DO LEGISLATIVO NAS NEGOCIAÇÕES DA ALCA*4

Em primeiro lugar, agradeço o honroso convite para participar deste Seminário, absolutamente relevante e decisivo para refletirmos sobre o papel dos parlamentos no processo de negociação sobre a Área de Livre Comércio das Américas.

Preliminarmente, peço desculpas pelo atraso, mas, como Líder do Governo, não poderia me ausentar de uma reunião extremamente importante na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal que, como se sabe, está votando, ao mesmo tempo, e em muito pouco tempo, as reformas tributária e previdenciária. Hoje, tivemos uma discussão relevante em torno da reforma tributária.

Saúdo todos os membros da Mesa nas pessoas da nobre Presidenta Laura Carneiro e do Presidente do Parlatino, Deputado Ney Lopes, Parlamentares extremamente atuantes, que têm dado uma grande contribuição nas discussões sobre política internacional.

Começo esta reflexão falando um pouco sobre a estratégia de negociação e metas em torno da ALCA antes de discutir o papel e os desafios dos parlamentos frente a essa dinâmica.

Estamos vivendo um processo de globalização impulsionado por um novo padrão científico e tecnológico, por novas formas de concorrência e por novas escalas de produção e competitividade. A globalização, que está associada à liberalização dos fluxos financeiros, à regionalização dos mercados, uma dimensão associada a esse processo, impulsionou a constituição de macromercados.

Talvez a experiência mais exitosa dos pontos de vista diplomático, político, institucional e cultural tenha sido a União Européia. Em certa medida, também o foram MERCOSUL, o NAFTA e outros acordos dessa natureza, de formação de macromercados.

No caso da União Européia, trata-se de uma dimensão política e institucional muito mais exitosa e ousada, com uma dimensão particularmente marcante por se tratar um continente que viveu duas guerras e que saiu da II Guerra Mundial com a disposição da uma unidade diplomática, econômica, coordenação macroeconômica, legislação trabalhista e previdenciária. Tudo isso foi sendo construído a partir de parâmetros comuns -- Corte de Justiça, Conselho de Ministros, Parlamento Europeu --, quer dizer, uma institucionalidade democrática de coordenação multilateral. Esse processo acaba culminando, inclusive, em um banco central e uma moeda única, o que colocou a Europa em outro padrão, em outro patamar nas relações econômicas, políticas e diplomáticas internacionais.

Portanto, as negociações para a constituição de blocos regionais, as negociações comerciais, são absolutamente vitais para a América Latina, para a América do Sul, para todos os países.

Do ponto de vista interno, esse processo de globalização impôs às nossas economias a exigência de competitividade e mecanismos para agregar mais valor à pauta de exportações, mais valor adicionado. Do ponto de vista internacional, estamos totalmente envolvidos, e devemos estar engajados, com a abertura de novos mercados, com a luta por regras mais justas para o comércio internacional, especialmente para os países pobres e em desenvolvimento, e com a garantia de um espaço a fim de que as políticas nacionais, as políticas públicas orientem o modelo de desenvolvimento. Portanto, as negociações comerciais dizem respeito, sim, ao grau de liberdade para uma política nacional de desenvolvimento e têm de estar associadas à luta por regras mais justas para o comércio internacional, além da abertura de novos mercados.

No caso do Brasil, com o novo Governo, em primeiro lugar procuramos aprofundar, consolidar e ampliar o MERCOSUL. A primeira viagem do Presidente Lula, ainda antes da posse, e estive com ele, foi à Argentina, mostrando, naquele momento, a solidariedade, a parceria estratégica e o compromisso definitivo de consolidar, ampliar e aprofundar o MERCOSUL. Temos pactuado, no âmbito do MERCOSUL, uma estratégia comum de negociação em todas as outras agendas que temos, tanto na relação com a União Européia quanto com a ALCA e a OMC.

Em segundo lugar, buscamos novas relações comerciais, especialmente com países em desenvolvimento. Talvez a experiência mais exitosa dessa estratégia tenha sido o G-22 nas negociações do âmbito da OMC.

Havia um compromisso dos países desenvolvidos de tratar da abertura para a agricultura, portanto, dos subsídios agrícolas, que hoje são da ordem de 360 bilhões de dólares por ano, que prejudicam a competitividade das economias em desenvolvimento, especialmente na África e América Latina, num setor muito sensível. Esses subsídios oneram, impedem e dificultam a nossa participação no comércio internacional, além das políticas antidumping e das barreiras não-tarifárias. Essa agenda seria tratada na Rodada Doha. Esse era o compromisso da Rodada do Uruguai, compromisso esse que não foi cumprido na última negociação.

Tivemos, de fato, um certo impasse na negociação da OMC, e foi fundamental que os países em desenvolvimento tivessem se unido. Chamo a atenção de todos para a importância da construção de uma aliança com países como China e Índia, que são importadores de alimentos, que estiveram junto com a África do Sul, Brasil e América do Sul, de forma muito coesa até aquele momento, nessa discussão da OMC. Isso faz parte da nossa política.

Em terceiro lugar, estamos buscando a negociação com a ALCA, a OMC e a União Européia, as 3 grandes frentes de negociação que temos até este momento.

Quero me reportar depois à incidência que a negociação da OMC tem na negociação da ALCA. O impasse da OMC contamina o processo de negociação da ALCA. Recebi aqui, há cerca de mês e meio atrás, o Ministro Zoellick, quando ele expôs a estratégia americana de jogar para a OMC os subsídios agrícolas, lei antidumping, portanto, parte da agenda que era prioritária na nossa negociação. Ainda brinquei e disse que eles negociam há muito mais tempo e têm muito mais competência negocial do que nós. Os países em desenvolvimento, durante muito tempo, usaram as barreiras tarifárias para proteger seus mercados, enquanto os Estados Unidos e outros países tinham mecanismos muito mais sofisticados, como lei antidumping, subsídios e outros instrumentos. Portanto, estamos exatamente aprendendo com eles. Se eles estão colocando na OMC os temas mais sensíveis para a economia americana, nós estamos fazendo exatamente o mesmo, quer dizer, colocamos serviços, compras governamentais, patentes, propriedade intelectual e investimentos. Chamo a atenção de V.Exas. para o fato de que esses 4 temas vão muito além do livre comércio e dizem respeito à capacidade de regulação dos Estados nacionais. Estamos tratando, da mesma forma, esses temas na OMC.

 

           QUADRO I - OMC - Debate sobre agricultura

           
           Posição dos EUA                        Posição do Brasil            
           Acesso aos mercados: fórmula suíça

           Subsídios: cortes significativos dos subsídios das caixas amarela e azul, mas não os da caixa verde

           A Farm Bill aumentou subsídios em US$ 80 bilhões, isto cria obstáculos para a redução dos subsídios agrícolas mais praticados nos EUA e concentrados na Caixa Verde

           A TPA prevê que deverá ser observado um período razoável para a adaptação à abertura de mercado para “produtos sensíveis à importação”. O Executivo deverá consultar o Congresso antes de iniciar as negociações sobre os produtos agrícolas sensíveis à importação. A TPA estipula, ademais, que os programas de apoio à pequena agricultura e às comunidades rurais deverão ser preservados.

           Manutenção das barreiras sanitárias e fitossanitárias

           
           Acesso aos mercados: fórmula suíça (cortes tarifários horizontais até um teto de 25%)

           Subsídios: corte drástico e rápido de todas as formas de subsídios, inclusive os da “Caixa Verde”

           Regras mais transparentes e rigorosas para a aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias

           Não-prorrogação da Cláusula de Paz (que impede a aplicação de direitos antidumping, salvaguardas e medidas compensatórias na agricultura)

           

           Se os Estados Unidos, que têm uma economia 11 vezes maior que o segundo país da região da negociação da ALCA, colocam temas sensíveis para serem negociados no âmbito da OMC, os demais, que têm uma economia mais exposta, menos competitiva, menor escala, menos capacidade, portanto, de realizar seus interesses nesse processo de negociação, têm todo o direito de colocar, da mesma forma, sua agenda mais sensível na OMC. Isso foi o que tivemos até o momento. O impasse na negociação da OMC é que gera uma certa tensão no processo de negociação da ALCA.

           Por que tivemos um impasse nas negociações da OMC e o que está em jogo nesse processo de negociação da ALCA?

           Quero deixar bem claro qual é a agenda e o que está sendo discutido, porque é muito importante olharmos a experiência, a trajetória e o desempenho nas negociações do governo americano, que é muito competente na sua estratégia não só como governo, mas como instituição democrática, inclusive o parlamento.

           O Parlamento americano participa, desde 1931, da fase anterior à negociação. Ele define os parâmetros da negociação dos acordos multilaterais desde o antigo fast track. Em 1974, foi ampliada a capacidade do parlamento, que passou a tratar não só dos problemas tarifários; ele participa durante o processo de negociação e, ao final desse processo, estabelece as leis nacionais que vão ser implementadas. Parte dessa estratégia de negociação internacional foi construída exatamente pelo parlamento americano na discussão do TPA.

           O que os Estados Unidos estabeleceram como agenda prioritária na negociação? Qual a sua posição relativa aos temas dos investimentos? Qual é a pauta? Primeiro, a criação de um acordo geral de investimentos na OMC e repetição do Capítulo de Investimentos do NAFTA na ALCA.

           A proposta deles é trazer para a ALCA o Capítulo 11 do NAFTA, que trata de investimentos, e basicamente estabelece a redução ou eliminação das exceções de tratamento nacional na questão dos investimentos; livre transferência de investimentos; não distinção entre investimento direto e de portfolio -- portanto, o Estado nacional não pode mais separar investimento de portfolio do investimento direto em termos de políticas públicas; proteção pré e pós estabelecimento das empresas; redução da eliminação dos requisitos de desempenho, metas e nacionalização -- esse tipo de exigência teria que desaparecer do Capítulo de Investimentos; e o tema mais sensível é o problema da arbitragem investidor-Estado, quer dizer, toda a estrutura jurídica do país perde a capacidade de regulação, de normatização na questão de investimento -- uma empresa estrangeira tem o direito de escolher uma arbitragem internacional em qualquer conflito que tenha com o Estado nacional, a exemplo do que tem ocorrido no NAFTA, objeto de uma grande discussão --; e impedir a transferência forçada de tecnologia. Essa é a agenda para o tema de investimentos.

           QUADRO II - O CAPITULO 11 DO NAFTA

           “O NAFTA foi o primeiro acordo de comércio internacional do mundo que permitiu a um interesse privado, normalmente uma empresa ou um setor da indústria, evitar seu próprio governo e, embora não seja signatário do acordo, contestar diretamente as leis, políticas e práticas de outro governo NAFTA se estas leis, políticas e práticas infringem os ‘direitos’ estabelecidos da empresa em questão. 0 Capítulo 11 concede à empresa o direito de intentar uma ação para compensação de lucros perdidos atuais e futuros devido a ações do governo, não importa quanto legais possam ser estas ações ou qual o objetivo por que foram iniciadas.

           O Capítulo 11 foi utilizado com êxito pela Ethyl. Corp., sediada em Virgínia, para forçar o governo canadense a revogar a legislação que proíbe a venda transfronteiras do seu produto, MMT, um aditivo da gasolina que tem sido proibido em muitos países e que o Primeiro-Ministro canadense Jean Chretien outrora chamou ‘uma neurotoxina perigosa’. S.D. Myers, uma empresa de eliminação de desperdícios de PCB, utilizou também com sucesso uma ameaça do Capítulo 11 para forçar o Canadá a revogar a proibição das exportações de PCB - uma proibição que o Canadá empreendeu de acordo com a Convenção de Basel e que proíbe o movimento transfronteiras de desperdícios perigosos - intentando com sucesso uma ação contra o governo canadense no valor de $50 milhões (americanos) em danos perdidos quando a breve proibição esteve em vigor.

           Sun Belt Water Inc., de Santa Bárbara, Califórnia, uma companhia de exportação de água, está processando o governo canadense em $14 bilhões porque a Colômbia Britânica proibiu a exportação de água a granel em 1993, deste modo bloqueando as oportunidades da companhia se meter no negócio de exportação de água naquela província.”

           “Em 1996, a Metalclad Corporation, uma empresa de eliminação de desperdícios dos E.U., acusou o governo do México de violar o Capítulo 11 quando o estado de San Luis Potosi recusou a autorização para reabertura de instalações de processamento de desperdícios. O governador estadual ordenou o encerramento do local depois de uma auditoria geológica ter revelado que as instalações contaminavam o fornecimento de água local. Depois, o governador declarou o local parte de uma zona ecológica com 600.000 acres. A Metalclad reclamou que tal decisão era considerada um ato de exploração e procurou obter indenização. Em agosto de 2000, um tribunal do NAFTA decidiu a favor da companhia e ordenou ao governo mexicano o pagamento da indenização de $16.7 milhões de dólares americanos.”

           (Tomado de Barlow, Maude - A ALCA e a ameaça aos programas sociais, à sustentabilidade ambiental e à justiça social nas Américas)

           Qual é a contrapartida que o Brasil oferece a essa discussão? Primeiro, queremos negociar essa agenda complexa, que vai muito além do livre comércio no âmbito da OMC. Segundo, propomos, em vez da arbitragem investidor-Estado, arbitragem Estado-Estado -- não empresa-Estado, mas Estado-Estado. Terceiro, distinguir o investimento direto dos investimentos de portfolio. Isso faz parte da política monetária de regulação do sistema financeiro, especialmente em economias vulneráveis do ponto de vista das suas contas externas. Quarto, admitir exceções à regra do tratamento nacional. Estabelecer exceções de salvaguardas em relação à livre transferência, de modo a proteger a economia em eventuais ataques especulativos. Quer dizer, hoje, com 38 paraísos fiscais e liberdade absoluta do fluxo de capital financeiro, em situações de ataque especulativo, situação que o Brasil, a Argentina e vários países latino-americanos já viveram, os bancos centrais e o Estado nacional devem manter instrumentos de defesa da sua moeda, o que seria impedido se forem aceitas as pré-condições apresentadas pelo governo americano. Admitir requisitos de desempenho, metas e nacionalização e preservar a capacidade do Estado de promover políticas de desenvolvimento para proteger o interesse público. Então, temos uma contraproposta, e estamos propondo que essa discussão se faça no âmbito da OMC pela complexidade, abrangência e incidência, que vai muito além, insisto, de um acordo de livre comércio.

           O segundo tema é o antidumping. Qual é a proposta americana para a negociação do antidumping? Primeiro, negociar antidumping, que é uma agenda sensível aos países em desenvolvimento da América Latina. Quero lembrar que, no caso brasileiro, de 2001 a 2002, tivemos 2 bilhões de dólares de prejuízo em relação ao antidumping na lei americana; só na siderurgia, foram 1 bilhão e 400 milhões de dólares. Portanto, esse tema para nós é sensível, e não está em negociação. A proposta é que a negociação seja feita na OMC, mas esta não avançou.

           A primeira exigência americana para discussão do antidumping no âmbito da OMC é preservar a capacidade dos Estados Unidos de aplicar rigorosamente suas normas comerciais, incluindo suas leis antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas, e evitar acordos que diminuam a efetividade da disciplina doméstica sobre o comércio injusto, especialmente o dumping e subsídios, ou que diminuam a efetividade da regra sobre salvaguardas. Isso está na Seção nº 2.101-B, do TPA, aprovado pelo Congresso americano.

           Portanto, o Congresso americano, antes da negociação, estabelece limites claros para o Executivo negociar, entre eles essas condições para o antidumping, o que restringe muito a agenda da ALCA no que se refere à negociação de tema tão sensível para nossas economias.

           Além disso, os painéis e os órgãos de apelação da OMC devem aplicar corretamente o padrão de revisão contido no art. 17.6 do Acordo Antidumping da OMC, pelo qual concede-se maior deferência às autoridades nacionais na avaliação da necessidade de se aplicar as medidas antidumping.

           Finalmente, qualquer acordo que possa afetar as normas internas de defesa comercial terá que ser submetido à Comissão de Ways and Means da Câmara e à Comissão de Finanças do Senado. Para qualquer mudança nessa matéria, o Congresso americano reivindica o direito de dar a palavra final. Portanto, eles estabelecem antes os parâmetros e definem as áreas sensíveis submetidas a uma aprovação ou não final do Congresso americano.

           Qual é a posição brasileira sobre antidumping? Primeiro, negociar o antidumping no âmbito da OMC, mas também na Alca. Segundo, restringir a aplicação de medidas antidumping, mediante a introdução de regras mais claras e rigorosas no acordo da OMC; que não haja abuso na utilização desses instrumentos. Terceiro, tornar mais difícil estabelecer medidas antidumping contra países em desenvolvimento. Esse ponto já está no art. 15 do acordo da OMC.

           Qual é a terceira área sensível? A posição sobre serviços. Qual é a posição dos Estados Unidos sobre serviços e qual o conflito que temos nessa negociação? A posição é reduzir ou eliminar barreiras no comércio internacional de serviços, incluindo aspectos de regulamentação e outras barreiras que neguem tratamento nacional e acesso ao mercado ou injustificadamente restrinjam o estabelecimento ou operação dos fornecedores de serviço -- Seção nº 2.102, do TPA; eliminar regulamentações domésticas restritivas à atuação dos prestadores de serviço norte-americanos; abrir espaço para as empresas norte-americanas na área de serviços; pressionar pela liberação de todos os setores e serviços, especialmente telecomunicações, serviços financeiros, entregas rápidas, energia, serviços jurídicos, serviços de informática e serviços ambientais; manter o comércio eletrônico livre de barreiras. Essa é a agenda que eles propõem na área de serviços.

           Qual é a nossa agenda? Liberalização progressiva, e não imediata; possibilidade de promoção de políticas nacionais no setor -- portanto, excepcionalizar cláusulas de tratamento nacional; flexibilidade para adotar compromissos diferenciados no que tange a setores e modos de transação; não incluir na negociação setores estratégicos, como telecomunicações, energia e serviços financeiros; não incluir áreas em que o marco regulatório esteja em curso, serviço postal e audiovisual, por exemplo; reproduzir na ALCA os compromissos do Brasil na OMC. Nós estamos negociando nesses dois planos.

           Finalmente, em relação à propriedade intelectual, último ponto da agenda, qual é a proposta dos Estados Unidos? Implementar, de forma rápida e completa, as regras de propriedade intelectual previstas em acordos; assegurar que os dispositivos sobre propriedade intelectual, inscritos em acordos bilaterais ou multilaterais, sejam semelhantes aos existentes na legislação interna norte-americana, mesmo padrão para o direito intelectual; fortalecer a proteção de tecnologias novas; garantir que os meios de proteção da propriedade intelectual acompanhem o desenvolvimento tecnológico; evitar exceções e pressionar os demais países para que implementem legislação doméstica sobre propriedade intelectual que tome como modelo a lei americana -- quer dizer, a lei americana serviria como padrão para as leis de propriedade intelectual.

           Qual é a contraproposta do Brasil? Conciliar o direito de propriedade intelectual com a transferência de tecnologia; manter a flexibilidade do direito de propriedade intelectual em relação às necessidades de saúde pública -- à exemplo do tratamento da AIDS (a quebra de patentes é um tema extremamente importante para os países em desenvolvimento, especialmente para a produção de medicamentos essenciais à defesa da vida) -; distinguir entre países desenvolvidos e em desenvolvimento em acordo sobre propriedade intelectual; não permitir o patenteamento de formas de vida, o que é uma grande polêmica; proteger o conhecimento das comunidades tradicionais; negociar o tema predominantemente na OMC.

           Portanto, o impasse na OMC se deve à complexidade na discussão sobre investimento, patentes, serviços, portanto, setores absolutamente fundamentais para um projeto de desenvolvimento. Essa é uma matéria que vai além, evidentemente, da questão do livre comércio e diz respeito à regulação dos Estados nacionais.

           No âmbito da negociação, qual é o foco da ALCA possível, não da ALCA inatingível? Porque a agenda que não foi possível no âmbito da OMC não o será na ALCA. Da mesma forma que o Congresso americano estabeleceu 300 produtos sensíveis para serem subordinadas a uma decisão da OMC, nós temos também preocupação com setores sensíveis. Mas podemos avançar exatamente em relação ao acesso ao mercado de bens. Nesse acesso, limitadamente, os serviços poderiam ser incluídos no processo de negociação.

           Estamos negociando quatro mais um, e lembro que a estratégia de segmentar a negociação foi feita na oferta americana. Na oferta à ALCA, os americanos estipularam, para os produtos industriais e de consumo importados pelos Estados Unidos, a abertura de 91% para o CARICON, 66% para a América Central, 61% para os países andinos e 58% para o MERCOSUL. No caso do MERCOSUL, 42% dos nossos produtos industriais ficariam fora da oferta de mercado. No caso da agricultura, 85% seriam para o CARICON, 65% para a América Central; 68% para os países andinos e 50% para o MERCOSUL, ou seja, metade dos produtos agrícolas ficariam de fora. E os produtos sensíveis, onde temos grande interesse de negociação, como o etanol brasileiro, que sofre todo tipo de restrições desde os anos 80; o suco de laranja, que sofre barreiras tarifárias extremamente severas desde 1992; o açúcar brasileiro, que experimenta uma cota extremamente restritiva, e vários outros produtos da nossa pauta de exportação agrícola e industrial, como a siderurgia, produtos têxteis, calçados, que sofrem barreiras tarifárias e não-tarifárias extremamente severas, ficariam de fora da meta inicial.

           Portanto, na negociação comercial, vai-se avançar mais rápido exatamente se a negociação for 4 mais 1, porque teremos mais flexibilidade, mais foco e mais objetividade na negociação dos diversos segmentos que forem apresentados na mesa de negociação.

           Fizemos uma contrapartida no Mercosul para as negociações de bens e serviços. Portanto, estamos propondo que, no caso da ALCA, avancemos na solução de controvérsias, no tratamento especial para diferenciar os países em desenvolvimento -- quer dizer, recuperar parte da dimensão que a União Européia construiu com os fundos de compensação e estímulo aos países mais pobres, como Portugal, Espanha e Grécia, propusemos também trazer essa agenda para o âmbito da negociação da ALCA; discutir os fundos de compensação, que fazem parte dessa dimensão; as regras fitossanitárias e as facilidades de comércio. A proposta é basicamente acesso ao comércio mediante essa agenda, onde poderemos, de fato, avançar no processo de negociação.

           Concluo fazendo um comentário sobre o papel do Legislativo. No caso dos Estados Unidos, antes da negociação, eles têm a TPA, o antigo fast track, que dita regras, normas, parâmetros para o processo de negociação, que deve ser seguido pelo Executivo. Durante a negociação, eles convocam periodicamente os negociadores para prestar esclarecimentos e acompanham com muito rigor o processo negocial. Após a negociação, todas as leis, para poderem se adequar ao acordo multilateral do país, têm que ser aprovadas pelo Congresso americano. Portanto, o Congresso tem uma participação absolutamente decisiva em toda estratégia de negociação, antes, durante e depois.

           No caso do Brasil e de boa parte dos países da América Latina, recebemos uma influência muito grande do Estado absolutista do século XVIII, quando a representação da Nação, para não haver dualidade, era feita pelo monarca, o Executivo. Com a separação dos Poderes, essa função de representar a Nação ficou delegada exclusivamente ao Poder Executivo. O Poder Legislativo tem hoje um papel totalmente subalterno, acessório e, no máximo, ratifica os acordos que foram aprovados.

           Vou citar uma estatística do caso brasileiro: de 1946 a 1981, houve 693 acordos internacionais; 688 foram aprovados sem modificações, 3 com reservas, mas foram aprovados, apenas 1 foi aprovado com emendas e 1 foi rejeitado a pedido do Executivo. Essa é a história do Parlamento. Da Constituição brasileira de 1988 para cá, tivemos pequenas alterações em 13 acordos que foram firmados.

           Não podemos mais ter uma atitude passiva num processo de globalização com uma agenda tão complexa, que vai muito além do problema do comércio. Estamos tratando de qual é o espaço de liberdade de regulação do Estado nacional para se ter uma política de desenvolvimento. São países que têm um atraso tecnológico, problemas sociais, de exclusão social, de crescimento sustentado da economia, de estabilidade econômica, institucional e política. Portanto, o Estado tem de ter espaço para construir seu modelo de desenvolvimento, superar as restrições de um capitalismo tardio, sobretudo de um passado escravista e colonial que ainda pesa tanto sobre a nossa história econômica.

           Diante disso, os parlamentos têm de ter uma atitude pró-ativa, e essa é a disposição do novo Governo. Queremos o Congresso Nacional debatendo, sim, as negociações internacionais. Elaborei uma emenda constitucional que propõe exatamente alterar o procedimento legislativo, estabelecendo uma participação ativa do Congresso para definir parâmetros de negociação, para aprovar os negociadores.

           Vejam os senhores que o Senado Federal aprova embaixadores, mas não aprova os negociadores. Ora, hoje, na economia moderna, os negociadores dos acordos multilaterais são muito mais importantes, do ponto de vista diplomático, do que as embaixadas. No entanto, o Senado não tem nenhum papel tanto em argüir quanto em aprovar os negociadores.

           Ao final do processo, também damos mais ênfase ao papel do Parlamento. Quer dizer, a indústria, a agricultura brasileira, a academia, a intelectualidade, os movimentos sociais precisam ter uma participação ativa nesse processo de negociação, e o Parlamento é a grande porta de entrada da sociedade civil.

           Por isso, espero que este encontro não seja apenas uma troca de intervenções em diversas línguas, culturas e realidades, mas que consigamos fortalecer o Parlamento nesse processo absolutamente decisivo. É preciso ter claro, e termino com esta afirmação, que os prazos da ALCA nós estamos buscando cumprir, mas eles não podem se opor e se impor aos conteúdos, ao resultado. Essa é uma negociação extremamente decisiva para quem tem um projeto de Nação e de integração regional.

           Estaremos junto com o MERCOSUL em todas as etapas desse processo. Além disso, temos tido consultas muito construtivas com a região andina nesse processo de negociação, com as demais regiões e subgrupos do nosso continente, do nosso Hemisfério. Esperamos que essa negociação seja exitosa, como disse o Presidente Lula, mas temos condições, temos expectativas e só entraremos nesse acordo se essas condições forem asseguradas, não só para o Brasil, mas para os 34 países. Contem com o Governo brasileiro como um aliado estratégico, especialmente para as economias menos desenvolvidas, para que discutamos uma integração solidária e não um processo de integração impositivo, que pode aumentar ainda mais as assimetrias e os desequilíbrios que já são tão grandes neste continente.

           SOBRE CANCÚN, QUADRÚPEDES E BÍPEDES*5

           As vacas européias e norte-americanas, esses simpáticos e abnegados quadrúpedes, recebem dos governos da União Européia e dos Estados Unidos cerca de US$ 2 por dia para sua subsistência. Por outro lado, há ao redor de 1,2 bilhão de "bípedes implumes", como Platão definia o ser humano, que sobrevivem nos países em desenvolvimento com US$ 1 ou menos por dia. Essa notável desigualdade nos rendimentos de quadrúpedes e bípedes não se deve, como poderiam pensar os mais afoitos, ao maior número de membros dos primeiros, o que equalizaria a renda "per membru" de uns e outros, mas, sim, à escandalosa política de subsídios à agricultura que os países desenvolvidos praticam.

           Com efeito, o protecionismo dos países desenvolvidos, especialmente na área agrícola, causa prejuízos enormes à população das nações em desenvolvimento. Alicerçadas em picos tarifários, barreiras sanitárias e fitossanitárias, cotas e em cerca de US$ 360 bilhões por ano de subsídios de todo tipo, as políticas agrícolas dos países desenvolvidos criam obstáculos muitas vezes intransponíveis para as exportações de commodities agrícolas, as quais são vitais para as economias de muitos países em desenvolvimento, notadamente os mais pobres. Mesmo para o Brasil, país que tem a décima economia mundial e pauta exportadora bastante diversificada, as exportações do chamado agronegócio são essenciais para a realização dos superávits comerciais necessários à superação da nossa vulnerabilidade externa. A esse respeito, basta assinalar que, entre 1993 e 2002, o agro-negócio brasileiro gerou, apesar de tais obstáculos protecionistas e da sobrevalorização cambial, cerca de US$ 147 bilhões de superávit comercial.

           Dada a alta produtividade de nossa agricultura e de boa parte de nossa indústria, a performance comercial do Brasil poderia ser bem melhor, caso as barreiras protecionistas das nações mais ricas fossem derrubadas. Assim sendo, a superação do protecionismo dos países desenvolvidos, especialmente na área da agricultura, e a construção de uma ordem internacional menos assimétrica são estratégicas para o desenvolvimento do Brasil. Entendemos perfeitamente que, por causa de sua multifuncionalidade e da necessidade de promover a segurança alimentar, a agricultura tenha de ter tratamento diferenciado. Contudo o excesso de protecionismo e de subsídios praticado pelos países mais abastados, justificado com alguns argumentos estapafúrdios, como o da necessidade de se assegurar o "bem-estar animal", acaba por prejudicar de forma mais intensa justamente a população rural de baixa renda das nações em desenvolvimento, as quais, além de enfrentarem a concorrência desleal das exportações subsidiadas, têm de conviver com a concentração fundiária e de renda. Foi por esses motivos que o governo brasileiro, realizando o que alguns analistas definiram como "golpe de mestre", criou e liderou, com êxito, o G21 na reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio) em Cancún.

           Embora a referida reunião tenha acabado num impasse técnico, o saldo político-diplomático foi muito positivo para o Brasil e para os demais países em desenvolvimento. Ao contrário do que aconteceu na Rodada Uruguai, quando os países em desenvolvimento, atuando de forma descoordenada, acabaram por ratificar acordos desequilibrados e assimétricos que os levaram a abrir as suas frágeis economias para os produtos e serviços das nações desenvolvidas sem que, entretanto, tivessem obtido contrapartidas nas áreas em que possuíam maior competitividade (agricultura e têxteis), desta vez os governos de tais países cerraram fileiras na defesa dos seus justos interesses. Com isso, evitou-se o pior, que seria a consolidação, por décadas, do protecionismo agrícola e da injusta ordem comercial global.

           Temendo talvez pelo futuro de seus vetustos quadrúpedes, os EUA e a União Européia reagiram furiosamente à justificada insurreição da malta bípede. Acusaram-nos de estarmos revivendo a clivagem "ideológica" entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, típica das décadas de 60 e 70, e obstaculizando o progresso do "livre comércio", com prejuízos para todos. Ora, tal clivagem foi introduzida por eles já na Rodada Uruguai, da qual os países em desenvolvimento saíram apenas com promessas vãs. Agora, na Rodada Doha, ironicamente denominada também "Rodada do Desenvolvimento", tenta-se fazer a mesma coisa. Os governos das nações industrializadas querem arrancar concessões nos "temas de Cingapura", como regras draconianas para proteção dos investimentos, a exemplo do que foi tentado no finado MAI (Acordo Multilateral de Investimento), transparência e ulterior abertura do mercado de compras governamentais, política de concorrência etc., mas não admitem progressos significativos nos assuntos vitais para os países em desenvolvimento, como agricultura, antidumping e tratamento especial e diferenciado. Por isso Cancún fracassou.

           Contrastando com o que afirmam alguns, acreditamos que o impasse gerado em Cancún possa vir a abrir perspectivas positivas para nossas negociações comerciais. Em primeiro lugar, o Brasil surge de Cancún como o grande líder dos países em desenvolvimento, o que deverá facilitar articulações diplomáticas que visem à defesa de nossos interesses. Em segundo, a paralisação temporária da discussão, na OMC, de temas polêmicos, como investimentos, compras governamentais, antidumping e subsídios agrícolas, gera condições concretas para que, na Alca, possam se acelerar as negociações no "trilho" do acordo 4+1 entre o Mercosul e os EUA, as quais não dependem do debate de tais assuntos. Em terceiro e mais importante, a nova atitude mais atuante e propositiva dos países em desenvolvimento na OMC, cristalizada na ação do G21, deverá, a longo prazo, fortalecer o sistema multilateral de comércio, pois nenhuma instituição será politicamente equilibrada e verdadeiramente multilateral enquanto refletir preponderantemente os interesses de algumas poucas nações desenvolvidas.

           A luta será dura, e o Brasil, o Mercosul e o G21 devem preparar-se para árduas negociações. Mas cremos firmemente que, ao final do processo, chegaremos a uma ordem internacional mais justa, na qual, ao menos, o bem-estar dos bípedes do Terceiro Mundo receba tanta atenção quanto o dos quadrúpedes do Primeiro Mundo.

           O QUE ESTÁ EM JOGO NA ALCA*6

           Dada a sua complexidade e amplo alcance, a ALCA não pode ser negociada com base em bravatas nacionalistas, que só nos levariam a um aintiamericanismo estéril, e nem a partir de dogmas neoliberais, que nos conduziriam à miragem frustrante de um livre-cambismo arcaico e à destruição de relevantes instrumentos para a implementação das políticas necessárias ao desenvolvimento nacional. Por esta razão, o novo governo brasileiro vem conduzindo as negociações com pragmatismo sereno e racional, solidamente calçado em legítimas aspirações geopolíticas e nos interesses maiores do País.

           Devemos deixar claro, de antemão, que é de todo interesse do Brasil aumentar o volume do seu comércio com os demais países do continente, especialmente com os EUA, maior economia do planeta e maior importador do mundo. Para cumprir tal objetivo, estamos dispostos a negociar uma ALCA realista e flexível até a exaustão. O problema é que, na forma proposta pelo governo norte-americano, a ALCA é um projeto bem mais ambicioso, que envolve temas que vão muito além da mera abertura comercial, como compras governamentais, propriedade intelectual, investimentos e serviços, assuntos que merecem forte empenho da administração dos EUA.

           No que se refere às compras governamentais, o objetivo último e fundamental é o de abrir esse importante setor econômico à concorrência internacional. Desse modo, grandes empresas, em especial norte-americanas, poderiam aqui participar de concorrências promovidas pelo setor público em seus diversos níveis (federal, estadual e municipal) para fornecer bens e serviços. O governo brasileiro, com toda razão, resiste a este objetivo, pois sabe que as compras governamentais são de grande importância para aumentar a demanda interna e estimular empresas locais e nacionais. Além disso, a suposta reciprocidade nesta área não se concretizaria, uma vez que empresas brasileiras não teriam condições de concorrer com firmas norte-americanas para fornecer bens e serviços na área militar e espacial, a qual representa o grosso das compras governamentais nos EUA.

           Em relação à propriedade intelectual, a finalidade do governo norte-americano, prevista explicitamente na Trade Promotion Authority (TPA), é a de tornar as legislações internas sobre o tema o mais próximas possível da lei de patentes dos EUA, a qual é bastante abrangente e rígida. Obviamente, isto desperta resistências no governo brasileiro, já que a manutenção de um mínimo de flexibilidade na lei de propriedade intelectual é de grande relevância para a continuidade de ações governamentais de enorme alcance, como o programa de combate à AIDS, por exemplo, o qual necessita da possibilidade de quebrar patentes para funcionar a contento. Já ganhamos essa batalha na OMC, não faz sentido perde-la na ALCA.

           No que tange aos serviços, o objetivo do governo dos EUA, também previsto explicitamente na TPA, é o de abrir ao máximo este importante setor para os fornecedores norte-americanos, os quais são, é óbvio, extremamente competitivos. Pois bem, o Brasil tem claros interesses defensivos neste campo. Temos de resistir a fazer novas concessões, além das que já fizemos na OMC, em áreas de nítido sentido estratégico, como serviços financeiros, por exemplo, bem como não admitir a abertura em outras que ainda não foram regulamentadas internamente, como serviços audiovisuais e meios de comunicação de massa. Tal proteção é vital, entre outras razões, para reduzir a nossa vulnerabilidade externa, preservar a nossa identidade cultural e assegurar o mercado interno de serviços preponderantemente para empresas constituídas no Brasil.

           O tema investimentos, por seu turno, representa o “coração” de uma futura ALCA ambiciosa. Trata-se, neste caso, de construir um MAI (o famigerado e malogrado Acordo Multilateral de Investimentos) para o continente americano, a exemplo do que já foi feito no âmbito do NAFTA. Um acordo desse tipo daria aos investidores estrangeiros vários privilégios, como o de exigir do País reparações financeiras, caso as suas expectativas de lucro sejam diminuídas ou frustradas por ações governamentais, e o de poder acionar o Estado em tribunais internacionais, passando ao largo dos tribunais locais, na eventualidade de surgirem quaisquer conflitos relativos aos seus investimentos. O governo brasileiro, de maneira correta, resiste a tais objetivos, pois quer preservar a sua prerrogativa de definir políticas de investimentos, de gestão de recursos naturais, de meio ambiente, de defesa comercial e de outras que condicionam nosso desenvolvimento econômico e social.

           Como é evidente, o Brasil não pode abrir mão desses instrumentos essenciais para o seu desenvolvimento, como não o fizeram no passado os EUA e todos os outros países que hoje formam parte do seleto grupo das nações desenvolvidas. A ALCA tem de ser negociada de forma a permitir autonomia política e jurídica suficiente para garantir a nossa capacidade de implementar um projeto nacional de desenvolvimento. É vital também preservar nesse processo a parceria estratégica com nossos sócios do Mercosul, de modo a assegurar maior equilíbrio nas negociações e na representação dos interesses geopolíticos do continente.

           Por outro lado, mesmo no campo estrito do acesso aos mercados, a renitência do Governo dos EUA em fazer quaisquer concessões no que refere a subsídios agrícolas e antidumping tornou remota para nós, em princípio, a obtenção de vantagens comerciais significativas na ALCA. Recorde-se que esses temas são pendências históricas da Rodada Uruguai da OMC, não devidamente contemplados na atual Rodada de Doha, conforme fora prometido. A estratégia do governo dos EUA é a de deslocar o debate desses temas para a OMC, onde normalmente os interesses dos países desenvolvidos confluem. Tal fato legitima e justifica inteiramente a atitude do Brasil e do Mercosul de também deslocar para a OMC a negociação substancial de investimentos, propriedade intelectual, serviços e compras governamentais, fiando-nos na força do recém criado G+.

           É preciso considerar que o Brasil tem economia bastante diversificada, peso geopolítico e comércio exterior equilibrado, ao contrário de alguns países do continente, que já fazem parte de uma espécie de ALCA informal. Por conseguinte, temos muito a perder e pouco a ganhar, caso sucumbamos às pressões por uma ALCA do alcance proposto pelo governo dos EUA. Afinal, o que está em jogo na ALCA, muito mais do que um mero “perde e ganha” na área comercial, é a capacidade do Estado nacional brasileiro de definir e implementar políticas de desenvolvimento, industriais e de ciência e tecnologia. Políticas essas que definirão que país nós seremos. O que está em jogo é, pois, o nosso futuro como nação, e ele não pode ser definido em Miami.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ALOIZIO MERCADANTE EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Anexo”.


1* Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 15/12/2002


2* Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 09/03/2003


3* Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 29/06/2003


4* Intervenção no Seminário sobre o Papel do Legislativo na ALCA, realizada em 21/10/2003


5* Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 22/09/03


6* Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 16/11/03



Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/2005 - Página 44905