Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao governo do Presidente Lula pela demarcação de terras indígenas e falta de assistência à saúde dos Yanomami. (como Líder)

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Críticas ao governo do Presidente Lula pela demarcação de terras indígenas e falta de assistência à saúde dos Yanomami. (como Líder)
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 20/01/2006 - Página 1123
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REGISTRO, NOTICIARIO, IMPRENSA, EPIDEMIA, MALARIA, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ESTADO DO AMAZONAS (AM).
  • CRITICA, POLITICA INDIGENISTA, GOVERNO FEDERAL, COMENTARIO, EXISTENCIA, IRREGULARIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), RESPONSAVEL, ASSISTENCIA MEDICA, INDIO.
  • DENUNCIA, IRREGULARIDADE, ATUAÇÃO, SERVIDOR, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), AMEAÇA, POPULAÇÃO, DOMICILIO, LOCALIZAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • PROTESTO, DECRETO EXECUTIVO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os jornais vêm noticiando há alguns dias que a tribo Ianomâmi, que habita parte do Estado de Roraima, aliás, grande parte do Estado de Roraima, e grande parte do Estado do Amazonas, na fronteira desses dois Estados com a Venezuela, que habita uma reserva de 9 milhões de hectares nesses dois Estados, está sofrendo uma epidemia de malária.

Eu resolvi observar se havia alguma reação por parte do Governo, do Ministério da Saúde, da Funasa, antes de fazer esse pronunciamento. Mas, hoje, li novamente nos jornais a mesma matéria.

Eu quero aqui chamar a atenção, Sr. Presidente, porque existem muitos movimentos quando se trata de demarcar terras indígenas, mas pouquíssimos movimentos quando se trata, depois, de dar assistência ao índio, ao ser humano, pouquíssimo movimento no que trata, por exemplo, de dar condições melhores de produção, de saúde, de educação. E esse caso é bem típico. Conhecemos a movimentação espetacular que se fez, nacional e internacionalmente, para demarcar essa reserva indígena Ianomâmi. Na verdade, são várias etnias sob esse rótulo, porque são aldeias que vivem em permanente guerra umas com as outras até por causa de mulher porque as mulheres, lá, engravidam logo após a primeira menstruação, terminam tendo desproporção feto-pélvica com muita incidência. Portanto, casos de morte durante o parto das mulheres é alto. Há uma carência, vamos dizer assim, de mulheres na região. Fora isso, existe uma doença endêmica - não é uma epidemia, é permanente -, a oncocercose. E o que fez o Governo Federal? Primeiro, tirou da Funai a responsabilidade sobre a assistência de saúde aos índios. Depois, passou para a Funasa, que, por sua vez, tercerizou a assistência aos índios para ONGs. No caso dos ianomâmis, antigamente era a CCPY, que é Comissão para a Criação do Parque Yanomami, conduzida por uma estrangeira, a Srª Claudia Andujar, e por outro estrangeiro, o chamado irmão Zaquini.

Pois bem. Agora, mais recentemente, de uns tempos para cá, criou-se uma nova ONG, a Urihi, que cuidava especificamente da saúde dos índios. E o que é que mudou? O que se tem notícia, sim, é que houve desvio de verba pública, aplicação indevida de verba pública por essas ONGs, e os índios, que deveriam ser os beneficiários, estão lá.

Estão aí os jornais dizendo. Não sou eu que estou aqui trazendo a minha opinião pessoal. A minha opinião pessoal é de que a política indigenista no País é mal conduzida, é pessimamente preocupada com a questão do ser humano índio. Só se preocupa, Sr. Presidente, em demarcar imensas reservas indígenas e deixa os índios com imensos sofrimentos, porque não dá assistência adequada.

Eu quero aqui aproveitar o gancho para falar da reserva indígena Raposa Serra do Sol, que foi a 35ª demarcada no meu Estado - já existem mais outras depois dessa. Mas essa, de um milhão e setecentos mil hectares, Sr. Presidente, está lá sendo vítima de verdadeiro terrorismo por parte de funcionários da Funai, por parte de alguns outros agentes públicos, que estão visitando as casas dos moradores das vilas que se localizam dentro dessa reserva, ou melhor, das vilas que essa reserva abrangeu, que são as vilas de Socó, Mutum, Água Fria, Vila Pereira, e estão não só constrangendo os moradores. No caso da Vila Pereira, os moradores não aceitaram a reunião, porque acharam um absurdo discutir, por exemplo, que eles têm que sair de lá mediante uma simples avaliação da Funai, uma avaliação unilateral, que, por exemplo, vai pagar “x” por uma pequena propriedade numa vila como essa, que é uma pequena cidade, e essa pessoa sai de lá e não tem condição de ficar em lugar nenhum.

E o mais grave: querem tirar os produtores de arroz, por exemplo, que respondem por 25% do Produto Interno Bruto do meu Estado e que geram cerca de seis mil empregos, diretos e indiretos. Querem, inclusive, impedir que eles façam o plantio deste ano. Isso é um absurdo, e quero aqui protestar.

Tive informações de que inclusive existe mobilização para que haja a retirada à força, usando a Polícia Federal e o Exército. Quero aqui fazer essa denúncia e ao mesmo tempo um apelo ao Presidente Lula, que já fez essa maldade de demarcar dessa forma essa reserva. Que ele não permita que haja mais esse constrangimento. Estamos na Justiça, e entendo que o Presidente Lula tem que ser mais bem orientado, porque esse Ministro da Justiça dele não orienta bem. Tanto é que ele fez uma traquinagem jurídica com o Supremo Tribunal Federal para haver a demarcação. Estava sub judice - como ainda permanece sub judice -, porque o mérito das ações que contestam essa reserva não foi ainda apreciado.

Por isso, a Funai e outros agentes públicos, do Incra também, estão acelerando as providências, porque em abril vence o prazo do decreto do Presidente Lula, um decreto que considero nulo, e eles querem fazer realmente, como eles chamam, a extrusão, como se houvesse intrusos naquela região.

Quero deixar, portanto, em meu nome e em nome do povo de Roraima, o meu apreço pela coragem daqueles que estão lá resistindo.

E, repito, desde o momento em que o Presidente Lula demarcou aquela terra, foi uma maldade que fez com o meu povo, e eu não posso compactuar com essa maldade.

Concedo um aparte ao Senador Augusto Botelho, se o Presidente o permitir.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Senador Mozarildo, quero só ressaltar a V. Exª, para lembrar ao povo do Brasil, que os indígenas que vivem na Raposa Serra do Sol, em sua maioria, não concordam com a forma utilizada pelo Presidente Lula para essa demarcação. Não concordam por quê? Porque sabem o que aconteceu com os ianomâmis, sabem o que acontece com os habitantes da região de São Marcos, também demarcada: que as pessoas são abandonadas. Recentemente, uma médica me contou uma história, que vou repetir aqui para V. Exª, de uma mãe indígena que está na Raposa Serra do Sol, onde antigamente havia pequenos proprietários rurais que tinham carro e que sempre estavam saindo. Conta ela que ficou o dia todo esperando uma condução, com o filho nos braços, doente, e que, quando chegou em Pacaraima, já estava com o filho morto. Aí a médica perguntou: “Por que a senhora só trouxe agora a sua filha?” Ela disse: “Doutora, antigamente, quando havia os pequenos fazendeiros, eles tinham um carrinho, e a gente podia ir à casa deles que eles levavam a gente para Boa Vista ou para Pacaraima. E a gente salvava o filho. Hoje, estou desde de manhã esperando essa condução e tive de andar três horas para chegar no lugar onde, à noitinha, passou o carro que me trouxe para cá. E a minha filha veio morta nos meus braços.” Por quê? Porque foi feita a promessa de dar assistência aos índios, que não está sendo cumprida. Foi prometido que iria recurso para melhorar a vida deles, e não foi. E olha: já estão morrendo em conseqüência disso. Essa criança morreu em conseqüência do ato impensado do Presidente Lula. Então, já tem uma morte contabilizada na sua estatística, morte de criança índia que não teve tratamento...

(Interrupção do som.)

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Presidente, eu estou falando uma verdade, por isso tenho de continuar. Então, Senador Mozarildo, as pessoas pensam que é o povo que quer isso. Quanto a essas famílias que estão sendo ameaçadas de serem postas para fora de suas casas, quando a Funai for indenizá-las, vai fazê-lo por R$10 mil, R$5 mil, porque são casas humildes, são pessoas pobres que vão ficar miseráveis ao extremo na periferia de Boa Vista. No lugar onde estão, vivem com dignidade, porque têm uma pequena rocinha, um ajuda o outro, vivem em comunidade, mas vão ficar perdidos como outros que moram na periferia de Boa Vista, inclusive indígenas, que não têm a assistência prometida pelo Governo. Muito obrigado.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Obrigado, Senador Augusto Botelho. V. Exª e eu, que somos médicos, sabemos perfeitamente da penúria, porque trabalhamos nessas áreas. Hoje, os jornais nacionais estão falando dessa tese.

Quero, Sr. Presidente, pedir só mais um minuto para encerrar,...

(Interrupção do som.)

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - ...porque esse tema comporta mais tempo, e voltarei à tribuna para abordá-lo com mais precisão, inclusive para falar sobre o recente atrito entre o Presidente da Funai e o Cimi. Na verdade, quem manda na política indigenista do País é o Cimi e as ONGs criadas por ele.

Na verdade, é preciso ter a coragem, não porque o Cimi é da Igreja Católica e nós não podemos falar. Temos que falar, sim. A Igreja Católica também tem no passado algumas coisas tristes como as Cruzadas, a Inquisição. E agora mesmo a revista Época publicou uma matéria muito interessante sobre uma organização católica chamada Opus Dei, que precisa, inclusive, ser analisada.

Eu quero voltar aqui à tribuna para abordar o tema em profundidade, inclusive apelando ao Supremo que julgue o mérito dessa questão antes do mês de abril, porque, depois do mês de abril, já se terá cometido a barbaridade, usando inclusive brasileiros da Polícia Federal e das Forças Armadas para expulsar, de uma área de fronteira...

(Interrupção do som.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/01/2006 - Página 1123