Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a ascensão da primeira mulher, Sra. Michelle Bachelet, ao cargo de Presidente do Chile.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Considerações sobre a ascensão da primeira mulher, Sra. Michelle Bachelet, ao cargo de Presidente do Chile.
Aparteantes
Gerson Camata, Marco Maciel, Rodolpho Tourinho.
Publicação
Publicação no DSF de 20/01/2006 - Página 1146
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, VITORIA, CANDIDATO ELEITO, MULHER, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, ANALISE, PROCESSO, DEMOCRACIA, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, RECICLAGEM, PARTIDO POLITICO, SOCIALISMO, AMBITO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, ELOGIO, ESTABILIDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO, REDUÇÃO, POBREZA, INFERIORIDADE, CORRUPÇÃO, SUGESTÃO, CLASSE POLITICA, BRASIL, INTERCAMBIO, EXPERIENCIA.
  • ELOGIO, POLITICA EXTERNA, GOVERNO ESTRANGEIRO, CHILE, ESPECIFICAÇÃO, REFERENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está sendo saudada com muito alegria a ascensão ao poder da Srª Michelle Bachelet, primeira mulher a ocupar o alto posto de Presidente da República no Chile.

Sr. Presidente, ouvi aqui mesmo, no plenário deste Senado, manifestações de Senadoras saudando a vitória daquela política chilena. Para mim, é irrelevante se o novo Presidente do Chile é homem ou mulher. Importante seria que todos os Senadores e toda a classe política brasileira aproveitasse a eleição da Srª Michelle Bachelet para se debruçar sobre a experiência chilena. Ainda hoje, o Senador Roberto Saturnino, Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, sugeriu um debate naquela Comissão a respeito do que se pode chamar de modelo chileno.

Sr. Presidente, V. Exª talvez vá à posse da Srª Michelle. Se V. Exª não conhece, permita-me a ousadia de recomendar-lhe que estenda um pouco mais a sua viagem ao Chile, uma semana. A imprensa dirá que V. Exª está fazendo turismo, certamente, mas isso é inevitável.

Se toda a classe política brasileira, em vez de olhar o próprio umbigo, em vez de olhar pelo retrovisor, se debruçasse pela única experiência exitosa neste mar de corrupção e de instabilidade que é a América Latina... o Chile é uma singularidade, Sr. Presidente. Teve uma ditadura militar violentíssima mais repressiva do que a nossa, mas os militares chilenos tiveram o bom senso, pelo menos a lucidez de entregar o comando da economia a um grupo de economistas da escola de Chicago, ao contrário dos militares brasileiros, que deixaram que se fizessem sucessivas experiências heterodoxas que não deram certo e entregaram a economia brasileira em péssimas condições ao Presidente da redemocratização.

Sr. Presidente, quando os civis voltaram ao poder no Chile, em 1990, temia-se muito que eles sobretudo mudassem a política econômica. Foi quando dois adversários históricos, o Partido Socialista e o Partido Democrata Cristão, se uniram na chamada Concertación e estabeleceram que a política macroeconômica não seria mudada. É como se o PMDB fizesse um acordo nesse sentido com o PT ou com um outro partido.

Imaginem que está no poder, hoje, no Chile, o mesmíssimo Partido Socialista de Salvador Allende - o mesmo Allende, com os meus respeitos, aquela figura mítica que morreu de forma trágica, mas que levou a economia chilena, esta que é a verdade, à beira do caos. E o Partido Socialista chileno fez uma reciclagem, Sr. Presidente. Depois de Patrício Alwin, que era um democrata-cristão, Ricardo Lagos ocupou a Presidência, que transmite agora à Srª Bachelet. E o Chile conseguiu isto com que sonha todo o governante latino-americano: crescimento econômico médio de 6% ao ano, de forma quase ininterrupta, salvo no ano da crise de 99. Seis por cento ao ano, Senador! Inflação que este ano deve chegar a 3%, taxa básica de juros de 4,5%; Banco Central independente. A esquerda não discute lá a autonomia do Banco Central, que aqui é palavrão, Sr. Presidente.

E mais: além do crescimento econômico de 6% ao ano, sistemático, uma redução sistemática da pobreza. Quarenta por cento dos chilenos estavam abaixo da linha de pobreza em 1990. Hoje, essa taxa caiu para 18%. É queda sistemática. Por isso é que eu digo que todo governante latino-americano sonha com isto, Presidente Renan Calheiros: prosperidade constante, 6% de crescimento ao ano; estabilidade macroeconômica - todos os indicadores, corretíssimo; e redução sistemática da pobreza. O Chile é uma ilha de prosperidade numa América Latina conturbada, com taxa de corrupção das mais baixas.

Eu me lembro, Sr. Presidente, de quando estive a primeira vez em Santiago, o guia turístico reuniu o grupo e disse em espanhol: se alguns dos senhores alugar um carro eu alerto para o seguinte: não tentem subornar um guarda, vocês vão receber voz de prisão na hora.

O grau de corrupção é baixíssimo, de alto a baixo. A taxa de mortalidade infantil é igual ao dos países mais desenvolvidos do mundo. O Chile está a caminho de se tornar, realmente, um país de primeiro mundo.

Sem nenhum preconceito, a Srª Michelle Bachelet acaba de dizer, quando perguntaram a ela sobre o Mercosul: “Da mesma forma como temos que discutir o ingresso na Alca, se for do interesse do Chile, ingressaremos na Alca.”

O Chile tem 22 acordos bilaterais no mundo. O Brasil só tem dois.

O Chile não tem preconceito. As tarifas aduaneiras são de 10% apenas, uniformizadas em 10%. É um país de economia aberta, estável, próspero, uma classe política enormemente lúcida, madura, que não discute mais coisas ultrapassadas. E a classe política não brasileira não se mira no Chile. Tem gente se espelhando na Venezuela, nessa figura caricata de Chávez; tem gente que ainda se inspira em Cuba, Sr. Presidente!

Senador Tourinho, acho que a ascensão da Srª Bachelet e um contato maior, um intercâmbio com o Chile, vão fazer com que a nossa classe política dê um salto de qualidade, coloque o debate no País num novo nível e o País possa realmente entrar numa fase semelhante à que experimenta o Chile, Senador Renan Calheiros, há pelo menos dezesseis anos.

Senador Marco Maciel, ouço V. Exª, com muito prazer.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - Nobre Senador Jefferson Péres, quero cumprimentar a manifestação de V. Exª sobre as recentes eleições realizadas no Chile. E devo, preliminarmente, observar que o Chile, diferentemente do Brasil, fez primeiro a abertura econômica, depois é que fez a abertura política. Desejo também registrar que foi exitoso o processo tanto da abertura econômica quanto da abertura política. E mais, soube se livrar de velhos preconceitos e viver compatível com as realidades do presente, isto é, que são realidades marcadas por um intenso intercâmbio decorrente de um processo de mundialização da economia, deflagrado em grande parte pelo desenvolvimento das tecnologias das comunicações, inclusive das chamadas comunicações virtuais. E V. Exª exemplifica com o caso da Alca. O Chile não tem nenhuma dificuldade em ter boa interlocução com o Mercosul, como membro associado, e, de outra parte, também, discutir a questão da Alca com os Estados Unidos. Há uma frase de Kennedy que acho que vale a pena citar por oportuno. Kennedy disse, certa feita: “Não devemos negociar por medo, mas também não devemos ter medo de negociar”. Acho que não custa nada discutir questões, quer de ampliação do Mercosul, quer aquelas relativas à transformação da América do Sul numa comunidade de nações, projeto, aliás, iniciado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, que é aquele que discute a questão da integração hemisférica, isto é, a integração da América do Sul, América Central e Caribe com a América do Norte. Se nós vivemos tempos de globalização, e tempos de integração que daí decorrem, não podemos excluir essa variável. Aliás, bom exemplo dá a própria Europa, que conseguiu vencer dificuldades muito maiores do que as nossas, porque, no concerto europeu, havia países que tinham rivalidades históricas, mais que centenárias, como entre a França e a Alemanha, e havia também o fenômeno do Muro de Berlim, que afetou duramente a relação da Europa Ocidental com a chamada Europa do Leste. Então, encerrando o meu aparte e até pedindo desculpas pela interrupção, quero cumprimentar V. Exª e dizer que talvez devamos tirar lições desse processo que se passa no Chile, para que possamos nos inserir melhor na sociedade internacional. Não é por outra razão, concluindo, que o Chile, hoje, se destaca na América do Sul como um país que já conseguiu o grau de investimento, investment grade, como um país que recebe o reconhecimento de toda a comunidade internacional. Obrigado a V. Exª.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Senador Marco Maciel, V. Exª tem razão, os chilenos fizeram primeiro a Perestroika, só depois fizeram a Glasnost, para usar a terminologia hoje universalizada. Mas os civis tiveram o bom senso de continuar a Perestroika, não mudaram em nada. Tiveram a coragem. E eles têm um relacionamento, uma política externa muito madura. Também V. Exª tem razão.

O lema de política externa de qualquer país, Senador Marco Maciel, deve ser, principalmente em relação aos Estados Unidos, nem concordância automática nem discordância sistemática. Eles defendem os interesses deles; e nós, os nossos. Sentamos à mesa e conversamos cordialmente. Uma discordância sem guerra. Mas aqui a classe política, até mesmo políticos de direita, ainda sofrem da doença infantil do antiamericanismo. É o sarampo da América Latina. Só que sarampo eu tive uma vez, na infância, nunca mais. Mas tem gente que pegou sarampo e nunca mais se curou; sofre até hoje, Senador Marco Maciel.

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - V. Exª me permite?

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Senador Gerson Camata, ouço-o com muito prazer.

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Ilustre Senador Jefferson Péres, eu tenho acompanhado os pronunciamentos de V. Exª e vejo que são sempre produtos de reflexão - de pensar, de ler - e de acompanhamento dos fatos que nos cercam e que são hoje universais. A pequena vila em que se transformou este mundo! E V. Exª coloca oportunamente um exemplo para o Brasil que é o Chile. Não vamos buscar o exemplo no Primeiro Mundo: nos Estados Unidos é assim, na Inglaterra foi assim. Eu acho que está sendo assim ali do lado. E quando nós vimos agora eleita a Presidenta do Chile, uma mulher de esquerda, e que se proclama até agnóstica, a primeira coisa que ela disse V. Exª ressaltou aí: estamos abertos a negociar tudo que for do interesse do Chile. Eu estava em Santiago há um ano, quando se realizou a Cúpula do Pacífico. Todos os Presidentes de em volta do Oceano Pacífico lá estavam, inclusive o Presidente Bush. E há até uma coisa muito interessante. Ele se hospedou num porta-aviões no litoral do Chile e, na hora da conferência, o helicóptero o trazia, ele pousava no hotel, descia, fazia o discurso dele e voltava para o porta-aviões. Havia alguma ameaça à segurança do presidente. E a fala de V. Exª nos conduz a pensar um pouco no isolamento para o qual o Brasil está indo. O Uruguai está ameaçando negociar uma Alca unilateralmente com os Estados Unidos, fora do Mercosul. No Paraguai, já há força americana aquartelada. A Argentina está escapando do Mercosul, porque ela entende que Mercosul é o Brasil fazer concessões a ela, como se o Brasil fosse um paisinho do Mercosul, o patrocinador do Mercosul. E o Brasil se isolando com esse chavismo mal-engendrado, um tipo de política que a gente não entende bem, de enfrentamento, de confrontamento. Acho que o Brasil deveria ser um pouco mais aberto. E, como V. Exª diz, imitar um exemplo daqui bem pertinho e que está dando muito certo. E é um prazer hoje em dia até visitar o Chile, ver como o Chile trabalha e as mudanças profundas que em 20 anos aquele país está experimentando. Cumprimento V. Exª e digo que o pronunciamento de V. Exª é um momento de reflexão que deveria ser muito mais do Itamaraty que aqui do Senado, mas é sempre um farol pelo qual se devem guiar os que lideram a política externa brasileira.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Muito obrigado, Senador Gerson Camata. É exatamente isso que eu gostaria que acontecesse doravante, que a eleição da Srª Bachelet leve a classe política brasileira de todas as tendências a estudar um pouco mais com seriedade a notável exitosa experiência chilena.

Senador Rodolpho Tourinho.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Senador Jefferson Péres, quero cumprimentar V. Exª. Acho muito oportuno não só o senhor falar sobre o momento do Chile, mas sobretudo analisar a história do Chile e a experiência exitosa desse país. Neste momento acho que não vale quem ocupa...qual o gênero que ocupa. O importante não é isso. Entendo também oportuna essa análise corajosa de V. Exª das relações dos Estados Unidos, que, a rigor, hoje, são relações com o mundo, depois de todo um processo de globalização. E entendo que temos que aproveitar aquilo que for bom da globalização, dentro daquilo que também foi colocado por V. Exª, e negociar aquilo quer for preciso, necessário e possível. De forma que entendo, sobretudo neste momento, nessa onda um pouco populista em demasia que varre parte do território sul-americano, que as coisas devem ser feitas dentro desse padrão dentro desse paradigma que V. Exª colocou. Quero cumprimentá-lo pelo seu discurso.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Senador Renan, vou encerrar, pedindo que V. Exª vá pessoalmente à posse da Srª Michelle Bachelet e aproveite para ver não apenas uma das mais belas paisagens da América Latina, dos lagos andinos chilenos, mas também Santiago, uma cidade que nem parece da América Latina, pela ordem, pela beleza, pela disciplina.

O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Antes de V. Exª encerrar, permita-me uma rápida interrupção. A maneira como V. Exª qualifica o debate neste Senado é algo impressionante. Eu, como Presidente do Senado e também como militante de um outro Partido, não posso dizer. Mas, se nós tivéssemos a honra e a satisfação de V. Exª levar este debate qualificado e pertinente para a discussão da sucessão presidencial, eu não tenho, absolutamente, nenhuma dúvida de que o País ganhará muito com isto. Parabéns a V. Exª.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Muito obrigado. É muito bom ouvir isso de V. Exª, Senador Renan Calheiros. A propósito do que disse V. Exª, qualquer Parlamento tem três grandes funções, Sr. Presidente. A primeira é legislar, a segunda é fiscalizar mas tem a terceira, que é ser um grande fórum de debates. E isso o Congresso não tem sido. V. Exª, até o final da sua gestão, poderá tomar providências nesse sentido, porque eu fico muito pesaroso, Sr. Presidente com o que chamo - e isso não é culpa de ninguém, mas é culpa de todos - de mediocrização da vida política brasileira, em não ver mais no Congresso Nacional os grandes debates que eu vi no passado. Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/01/2006 - Página 1146