Discurso durante a 11ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao Juscelino Kubitschek de Oliveira, pela passagem dos 50 anos de sua posse como Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil.

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao Juscelino Kubitschek de Oliveira, pela passagem dos 50 anos de sua posse como Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 01/02/2006 - Página 2543
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, JUSCELINO KUBITSCHEK, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, BALANÇO, REALIZAÇÃO, PERIODO, GOVERNO FEDERAL, LEITURA, NOTICIARIO, IMPRENSA, PRONUNCIAMENTO, EX SENADOR, CONSTRUÇÃO, CAPITAL FEDERAL, ATUAÇÃO, CHEFE DE ESTADO.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Renan Calheiros, saúdo V. Exª, que vem administrando com tanta competência esta Casa, também o ilustre ex-Senador, ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, nossos demais representantes. Governador Joaquim Roriz, é um prazer tê-lo nesta Casa, sobretudo por governar esta cidade, que é objeto desta nossa reflexão. Sr. Marconi Perillo, Governador do Estado de Goiás, pelo qual JK foi eleito Senador e teve o seu mandato cassado, é uma grande honra. Saúdo também a família, D. Falcão e todos os demais presentes.

E eu começaria dizendo que é uma honra vir a esta tribuna em uma data como essa estando o plenário repleto de figuras ilustres, Senadores, Senadoras, demais convidados, autoridades, porque nada como o tempo para que possamos fazer um balanço sereno e definitivo da História.

Juscelino Kubitschek - já foi aqui detalhadamente retratada a trajetória do menino que cedo perdeu o pai, um lutador, um homem que inovou na política, um Prefeito ousado de Belo Horizonte, um Governador de Estado destacado, - chegou à Presidência da República em um momento extremamente delicado, em um momento de crise política, em um momento em que

 os embates políticos, na realidade, já vinham se dando de forma muita intensa, desde a saída, pelo suicídio, de Getúlio Vargas da Presidência da República.

O enfrentamento político-ideológico no ano de 1954 permaneceria submerso na vida pública nacional. E, quando Juscelino Kubitschek toma posse em 31 de janeiro de 1956 - portanto, há cinqüenta anos -, o Governo anterior, do Presidente Café Filho, tinha deixado uma profunda insatisfação na área militar, descrita aqui pelo Senador Antonio Carlos Magalhães, ameaças concretas de intervenção militar na posse de Juscelino Kubitschek. Nós vivíamos uma situação de censura da imprensa. Não havia liberdade de imprensa. Tínhamos no País, a partir do impeachment de Café Filho, um estado de sítio.

Juscelino Kubitschek toma posse - e essa é uma das dimensões fundamentais de um grande estadista - e imediatamente revoga a censura, retira a condição de estado de sítio e vai, posteriormente, demonstrar essa profunda vocação democrática, que sabia conviver com a diferença, com a crítica, com a diversidade, com o pluralismo das idéias, ao longo de todo o seu Governo, e, com muita generosidade, no caso do Levante de Jacareacanga, não apenas concede anistia, como promove os revoltosos e pacifica o País.

Portanto, num País que tem uma história tão profundamente marcada pelo autoritarismo, viver a plenitude do Estado de Direito foi uma das dimensões mais importantes da grande obra política de Juscelino Kubitschek.

Mas não foi a única. Vivíamos, naquele ano de 1956, um processo de reconstrução da Europa do pós-guerra, com o Plano Marshall. Os investimentos americanos iam, em abundância, para a reconstituição civil, arquitetônica, industrial, da base produtiva da Europa, que tinha sido duramente castigada pela Segunda Guerra Mundial.

No entanto, Juscelino Kubitschek herda uma base industrial bastante consistente, construída ao longo do Governo de Getúlio Vargas. Já tínhamos aqui a indústria da química pesada, a Álcalis; a Fábrica Nacional de Vagões; a Fábrica Nacional de Motores; a Vale do Rio Doce, que hoje ainda é a maior exportadora brasileira na produção de minérios; a maior siderúrgica nacional, que, à época, era a CSN; o BNDES construído, que hoje tem um aporte de recursos maior do que é o Banco Mundial e que alanvacaria o financiamento ao desenvolvimento; a Petrobras, que nasceu com tanto ceticismo e hoje é a maior empresa brasileira, está entre as cinqüenta maiores empresas do mundo. Tínhamos já a estrutura sindical, uma CLT, um salário mínimo, o Instituto Brasileiro de Café, o Instituto do Açúcar e do Álcool. Toda essa base do Estado brasileiro e uma base industrial sólida tinham sido construídas a partir da crise de 1929, basicamente durante a gestão de Getúlio Vargas.

Juscelino consegue partir dessa base industrial e construir um pacote de investimentos modernizantes, que vão permitir ao Brasil, definitivamente, instalar a indústria pesada, a indústria que traz o setor de bens de capital, de máquinas e de equipamentos, a indústria que vai trazer a indústria automotiva, que já era naquela época conhecida como a indústria da indústria, porque a indústria automotiva era a indústria que mais relações interindustriais tinha. Atrás de um automóvel, não havia apenas a indústria siderúrgica, metalúrgica, mas também a indústria eletroeletrônica, de borracha, de tinta, de vidro, toda a parte de pós-venda, de combustível, de refino, de postos, de estradas. Portanto, era uma indústria que arrastava todo o processo industrial. Era de tal importância a dimensão da indústria automotiva naquele momento da história - e está aí o Brasil hoje com 2,5 milhões de veículos, um dos poucos países em desenvolvimento que tem uma plataforma tão diversificada e tão importante na indústria automotiva - que o coração de Brasília era a rodoviária, porque aquele era o coração do País, do processo industrializante que vai ser desenhado por Juscelino Kubitschek.

Mas não é apenas a indústria automotiva. Toda a indústria de base vai ser impulsionada durante o seu Governo. Eram cinco metas: energia elétrica, nuclear, carvão, produção de petróleo e refino de petróleo. Se é verdade que a energia nuclear, o carvão e a produção de petróleo avançaram pouco, o refino avançou, e, quanto à energia elétrica, com Furnas e Três Marias, a produção energética do Brasil aumentou em 80%, que é o que sustentaria o investimento industrial e a expansão de muitos e muitos anos posteriores.

Na estrutura de transporte, foram dezoito mil quilômetros de estrada. Juscelino foi um homem que chegou longe e enxergou o futuro, interiorizou o desenvolvimento do Brasil, olhou para o Centro-Oeste - uma das regiões hoje de maior expansão da agroindústria brasileira - e, a partir de Brasília, criou toda uma estrutura rodoviária de integração da Nação, porque o nosso desenvolvimento estava totalmente concentrado no litoral. Essa visão de nação, essa visão de uma grande nação, essa visão da integração nacional foi viável e hoje é uma realidade exatamente pela perspicácia de um estadista que quebrou todos os paradigmas da época para construir Brasília e construir, portanto, esse impulso à industrialização e ao desenvolvimento a que assistimos durante meio século.

Vou ler só algumas passagens para verificar o quanto, no momento da história, as injustiças são fortes e como às vezes os homens públicos enxergam tão pouco, pelas divergências políticas e ideológicas e pela incapacidade de entender o sentido mais profundo da história.

Vou ler algumas passagens do que dizia em Brasília, à época, a Oposição a Juscelino Kubitschek.

Aqui um discurso, no Senado Federal, do Senador Antonio Mangabeira:

E note-se: Brasília, Furnas, Três Marias, Rio-Acre, Belém-Brasília, tudo se acha em andamento, e não raro em mau andamento, como só poderia acontecer com as obras que se projetam e se executam de modo precipitado e irrefletido. Se me dissessem que se projetou e construiu, em três a quatro anos, uma nova capital por uma republiqueta e que para lá se mudou o respectivo Governo, ainda eu poderia admitir. Mas crer que tal se fizesse ou que tal fosse possível a um país do vulto do Brasil, com a expressão, com o significado - quero presumir - que têm os seus Poderes públicos e a importância e a amplitude dos seus vários serviços civis e militares, não é só zombar da Nação. É querer levá-la ao ridículo.

Hoje tenho a acrescentar que, se o futuro ou futuros governos não tomarem a peito o problema da crise federativa da República, Brasília, dada a maneira que se vai construindo, não será de estranhar que venha a ser, para a dolorosa surpresa dos que a consideram destinada a obra da integração, um elemento antes contundente à desagregação nacional.

E Antonio Mangabeira era um Senador importante, um homem que deu grandes contribuições intelectuais e políticas ao Brasil.

Mas não era apenas no âmbito do Senado. Havia as matérias nos jornais - “Negociata nas importações de peças de automóveis”. Na realidade, o que estava se construindo aqui era toda a base industrial automotiva, que impulsiona o desenvolvimento do Brasil até hoje.

“O que vai para Brasília está faltando ao Brasil” - isso é do Correio da Manhã.

Eu poderia ler inúmeros pronunciamentos, revistas, publicações, mostrando o nível de hostilidade e de oposição que havia a um estadista que estava definitivamente mudando a história do Brasil e que precisava de apoio e de sustentação política.

O jornal A Nação publicou:

Começa talvez aí o calvário de Juscelino Kubitschek. Nossa administração central sempre foi ineficiente. A desorganização inevitável do primeiro ano de funcionamento da nova capital multiplicará por dez essa ineficiência federal.

A objeção era brutal.

O Jornal do Brasil também. Matérias à época mostravam o nível de embate e de descontentamento. Mas vou ler pelo menos uma, para ver o nível de agressão de que Juscelino Kubitschek foi objeto naquela época. Vou ler o pronunciamento do Senador Mem de Sá, que dizia o seguinte:

Peca, pela injustiça e improcedência - ao contrário de minhas críticas, que eram todas, invariavelmente, procedentes e justas e só pecaram por serem muito leves -, esse desgraçado e malfadado Governo, que foi a desgraça do povo e recebeu nas urnas o repúdio da opinião nacional. Merecia muito mais do que isso, merecia ser apedrejado (Discurso da Tribuna do Senado Federal).

Por que digo isso? Digo isso porque, se olharmos para a história hoje, está aqui Brasília, estão aí os dezoito mil quilômetros de estrada de rodagem, estão aí os três mil quilômetros de estradas de ferro, que foram fundamentais ao País; está aí a produção siderúrgica, que dobrou durante aquele período. Alumínio, metais não-ferrosos, cimento, papel e celulose, borracha, exportação de ferro, a indústria naval.

Eu me lembro de Ignácio Rangel, que foi um grande economista e participou da elaboração do plano de metas, contando o desafio que foi impulsionar a indústria naval, trazer os equipamentos, botar os estaleiros a funcionar, os navios que eram produzidos no mar, impulsionando um desafio que até hoje permanece, que é o Brasil ter uma frota própria. A educação, 4,3% de investimentos. A UnB, que é uma grande universidade, que impulsionou e mudou esta cidade, um pensamento inovador no Brasil, está aí a Universidade de Brasília. A Sudene, com Celso Furtado, durante seis anos, dirigindo-a. Rendo aqui as minhas homenagens a esse grande economista e brasileiro, que há um ano e dois meses faleceu, e que pensou, pela primeira vez, com grandeza, a integração do Nordeste ao desenvolvimento. A integração não era só Brasília; a integração era um projeto de Nação, de diminuir as desigualdades nacionais.

Juscelino Kubitscheck, hoje, por todas as forças políticas desta Casa, por qualquer analista sério e responsável, obrigatoriamente é colocado no lugar dos grandes estadistas desta Nação. E é colocado nesse lugar que construiu pelo êxito da sua obra, pelo reconhecimento de sua trajetória, pela grandeza de seu espírito público, pela sua formação de democrata.

Mas, ainda assim, Juscelino Kubitscheck jamais pôde voltar à vida pública. Teve seu mandato cassado, passou boa parte da sua vida posterior no exílio e não voltou a disputar as eleições, porque, seguramente, ele venceria de novo nas urnas.

Alguns poderiam dizer que tivemos uma grave crise fiscal. É verdade. Ou que tivemos um endividamento externo relevante. É verdade. Mas isso não pode diminuir o tamanho da obra e da importância. Ao final do Governo de Juscelino, o símbolo do seu opositor era uma vassoura. Isso mostra que, talvez, olhando para esse momento da história, possamos aprender, em todos os momentos, não apenas no momento em que vivemos, mas também nos momentos que virão, a olhar com um pouco mais de sobriedade, com menos paixão ideológica, a olhar com um olhar que possa, realmente, observar com mais atenção o sentido da história desta Nação, da construção desta Nação, dos passos que cada governo pode e deve dar. E, com esse olhar, seguramente Juscelino Kubitschek entra no rol dos grandes estadistas deste País.

Esta homenagem de hoje, que é de todas as forças políticas do País que o reconhecem nesta condição, ficará registrada para sempre.

Espero que aprendamos com Juscelino e que também aprendamos com aqueles que não conseguiram entender o momento da história, que não tiveram grandeza do seu reconhecimento e cujo sectarismo e intransigência dificultaram a convivência e a contribuição que Juscelino poderia ter dado após a sua experiência de Presidente da República.

Sr. Presidente, a trajetória de JK, a grandeza da sua obra e a sua atitude democrática seguramente são uma referência obrigatória para todo e qualquer brasileiro que queira contribuir com a vida pública nacional.

Parabéns e obrigado, Juscelino Kubitschek! (Palmas.)

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/02/2006 - Página 2543