Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Gravidade do quadro da habitação no Brasil.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • Gravidade do quadro da habitação no Brasil.
Aparteantes
Leonel Pavan.
Publicação
Publicação no DSF de 02/02/2006 - Página 2699
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, ESTUDO, AUTORIA, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), DEFICIT, HABITAÇÃO, BRASIL, CONCENTRAÇÃO, DEFICIENCIA, UNIDADE HABITACIONAL, FAMILIA, SITUAÇÃO, POBREZA, REGISTRO, PRECARIEDADE, HABITAÇÃO POPULAR.
  • ANALISE, INEFICACIA, SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH), CONCENTRAÇÃO, INVESTIMENTO, CLASSE SOCIAL, SUPERIORIDADE, RENDA, INDISPONIBILIDADE, RECURSOS FINANCEIROS, EXCESSO, BUROCRACIA, COMPLEXIDADE, NATUREZA TECNICA, NATUREZA JURIDICA, CONTRATO.
  • COMENTARIO, RESULTADO, DEBATE, CAMARA DOS DEPUTADOS, RETOMADA, FUNÇÃO, ESTADO, SUBSIDIOS, HABITAÇÃO POPULAR, NECESSIDADE, DESBUROCRATIZAÇÃO, FLEXIBILIDADE, CRITERIOS, FINANCIAMENTO.
  • COMENTARIO, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, CREDITO IMOBILIARIO, SOLIDARIEDADE, HABITAÇÃO POPULAR.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), DIFICULDADE, SITUAÇÃO, MUTUARIO, SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH), QUITAÇÃO, SALDO DEVEDOR, IMOVEL.

            O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de acordo com o art. 6º da Constituição da República Federativa do Brasil, a moradia constituiu-se direito de todo cidadão. Lembro que houve uma proposta de um Senador por Goiás, cuja relatoria foi feita por mim, para que se incluísse, nos direitos individuais, o direito à moradia. No entanto, é grave o quadro da habitação no Brasil.

            Sob demanda do Ministério das Cidades, a Fundação João Pinheiro, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - Pnud e com o Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, elaborou um circunstanciado estudo intitulado “Déficit Habitacional no Brasil”. A segunda edição, publicada em 2005, apresenta dados atualizados sobre o problema.

            Lembro, Srªs e Srs. Senadores, que o Governador Geraldo Alckmin, no ano passado, por concordância dos membros da Comissão de Assuntos Econômicos, conseguiu um empréstimo do BID para a recuperação do que se chama cortiço, que são moradias coletivas na vertical. Ele está fazendo um belo trabalho na recuperação desses cortiços, verdadeiras favelas verticais, onde não há energia elétrica, água, nada, onde a vida é desumana, uma terrível promiscuidade. O Governador teve a cautela e a visão de buscar esse empréstimo, aprovado pelo Senado, que hoje está em execução em algumas cidades do Estado de São Paulo.

            Dois conceitos embasam a metodologia do estudo: o déficit habitacional propriamente dito e a inadequação de moradias. O primeiro é entendido como uma necessidade de construir novas residências, seja para repor o estoque, seja para incrementá-lo. O segundo reflete problemas na qualidade de vida dos moradores não relacionados ao dimensionamento do estoque de habitação e, sim, às especificidades do estoque existente.

            Estima-se que exista hoje um déficit de sete milhões e duzentas mil novas moradias, além de um déficit de “habitabilidade” que ultrapassa os doze milhões de unidades. Da necessidade de moradias urbanas, 55% referem-se a famílias com renda mensal de até dois salários mínimos; 29%, a famílias com renda mensal de dois a cinco salários mínimos; e 16%, a famílias com renda superior a cinco salários mínimos.

            Na área rural, o quadro é ainda mais grave, pois 78% do déficit se concentra nas famílias com renda inferior a três salários mínimos.

            Em outras palavras, são as famílias mais pobres que não têm casa ou as possuem sem condições mínimas de habitabilidade.

            Analisando-se a trajetória da política habitacional no Brasil, chega-se à seguinte conclusão: os recursos inicialmente previstos para melhorar a situação habitacional da população mais carente sempre foram canalizados para os segmentos sociais com maior renda.

            Srªs e Srs. Senadores, é preciso dizer que a situação melhorou após a criação do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, em meados dos anos 60. A Lei 4.380/64, ao criar o Sistema, objetivou dar sustentação, viabilidade ao mercado de intermediação financeira, oferecendo condições mais realistas aos investidores. A principal “ferramenta” foi a instituição de mecanismo de correção monetária, visando enfrentar o problema dos créditos de longo prazo numa economia inflacionária. Contudo, nos tempos do extinto Banco Nacional de Habitação, cerca de 70% das unidades construídas, ao longo dos 22 anos de existência do Banco, foram destinadas às famílias com renda mensal acima de cinco salários mínimos.

            Além da falta de foco dos programas, persistiram, ao longo dos anos, problemas como: indisponibilidade de recursos; intensa burocracia; elevado grau de exigência para conseguir o financiamento; e complexidade de aspectos técnicos e jurídicos dos contratos de financiamento.

            No final do ano passado, a Câmara dos Deputados realizou dois importantes painéis sobre o assunto, cujos títulos foram: “A Problemática do Financiamento Público para a Habitação” e “Financiamento Público para a Habitação Popular: a Retomada do Papel do Estado”. Entre painelistas e debatedores, estiveram representados diversos setores como Municípios, ONGs, associações de moradores, conselhos comunitários, Cohabs, Ministério das Cidades, Caixa Econômica Federal, BNDES, Fórum Nacional de Secretários de Estado de Habitação e Confederação Brasileira de Cooperativas Habitacionais.

            Não por acaso, entre as medidas sugeridas destacam-se as propostas visando o estabelecimento de subsídios à habitação popular e a desburocratização e flexibilização das atuais regras de financiamento.

            O governo anunciou recentemente que o Programa de Crédito Solidário, que financia a moradia popular sem juros para as famílias organizadas em cooperativas, terá R$350 milhões do Fundo de Desenvolvimento Social, em 2006.

            Esse ainda é um exemplo muito tímido do que pode ser feito para contemplar a primeira das sugestões do painel da Câmara dos Deputados. Contudo, outras distorções afligem aqueles que tiveram acesso às linhas de financiamento imobiliário pelo SFH.

            Quero crer que o Poder Público, além de subsidiar a habitação popular, considerada um bem meritório, não deve descuidar do segmento de mercado do setor habitacional, seja porque responde por parcela expressiva da atividade econômica e por número correspondente de empregos, seja porque tais distorções atingem hoje uma vasta porção dos mutuários, configurando um verdadeiro problema social.

            O jornal Correio Braziliense publicou reportagem, em 22 de janeiro, sobre o drama de 50 mil famílias que enfrentam um pesadelo cotidiano: como pagar os débitos referentes à aquisição da casa própria, sonho de uma parcela significativa da sociedade brasileira? O grande vilão, aqui, recebe o nome de saldo devedor. Contudo, seria mais justo - e preciso - chamá-lo de saldo remanescente.

            Os gabinetes das Srªs e dos Srs. Senadores certamente recebem inúmeras queixas a respeito dos financiamentos imobiliários concedidos pelo SFH. V. Exªs têm conhecimento, portanto, do drama dessas famílias que se deparam com a angústia de não poder arcar com os custos de contratos que geram prestações crescentes e não amortizam o principal, restando saldos devedores impagáveis. Cerca de cinco mil famílias, Senador Mão Santa, perderam seus imóveis nos últimos quatro anos. Quase 80% do total de contratos com dívidas exorbitantes já estão em fase de execução judicial. Amanhã, Sr. Presidente, essas famílias podem estar ao relento!

            Eu gostaria de comentar, brevemente, a utilização da Tabela Price nesses financiamentos. Uma já longa polêmica tem tido curso sobre sua utilização. Economistas, contadores, matemáticos e advogados debatem sobre a conceituação do anatocismo e sua incidência com o uso da Tabela Price.

            O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - V. Exª me permite um aparte, Senador Romeu Tuma?

            O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Pois não, Senador Leonel Pavan, se a Presidência permitir, ouço V. Exª com muito prazer.

            O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Nobre Senador Romeu Tuma, o pronunciamento de V. Exª é realmente brilhante e vem esclarecer muitas coisas a respeito do setor habitacional. V. Exª, que tem sido o Senador da segurança e da ética, faz, hoje, um pronunciamento que não foge da sua linha de trabalho nesta Casa e que se refere à segurança habitacional justamente para a classe mais sofrida do País, a classe que, infelizmente, muitas vezes não tem voz e não consegue ser atendida. Permita-me apenas uma explicação, além do seu tempo, pois V. Exª dispõe de mais dois minutos...

(Interrupção do som.)

            O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Prefiro ouvi-lo a ter o meu tempo. Ouço V. Exª com muita honra e prazer porque V. Exª participa de uma discussão a respeito da qual tenho recebido dezenas de pessoas com lágrimas nos olhos pela possibilidade de ficarem na rua por não poderem pagar a prestação, mesmo tendo completado todo o pagamento da dívida inicial, às vezes até o dobro.

            O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Nobre Senador, eu estava fazendo as contas,...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - ...recentemente, sobre a questão do salário família, a ajuda que o Lula oferece a quase 10 milhões de famílias. Fiz as contas rapidamente: R$60,00 por família dá um resultado de aproximadamente R$10 bilhões em um ano. Dez bilhões de reais! Uma casa boa, para famílias carentes, pobres, que moram embaixo da ponte, custa cerca de R$20 mil. Daria para construir aproximadamente cinco milhões de moradias em um ano. Não sou contra a ajuda que oferece o Presidente, mas esta, muitas vezes, vai para a bebida, para o fumo, para outras coisas, sendo que poderia atender a cinco milhões de famílias com casas, com residências.

(Interrupção do som.)

            O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Cinco milhões de famílias poderiam ser atendidas com esses recursos por ano. Além disso, não existe uma distribuição justa quando a Caixa Econômica Federal financia as casas. Nós, em Santa Catarina, aplicamos na poupança em torno de 4% a 5% da aplicação do Brasil, e o retorno para investimentos em habitação é de menos de 1%. Falta, portanto, por parte do Governo e da Caixa Econômica Federal, uma avaliação melhor, uma contrapartida em relação àquele que mais aplica na poupança. No que diz respeito ao Programa Bolsa-Família, o Governo deveria construir casas para as pessoas ao invés de dar os recursos, que, muitas vezes, podem ser desviados.

            O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Agradeço a intervenção de V. Exª...

            O SR. PRESIDENTE (João Alberto Souza. PMDB - MA) - Conclua, por gentileza, Sr. Senador.

            O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - ...em benefício dos menos favorecidos.

            Sr. Presidente, para não tomar mais tempo, solicito que o restante do meu pronunciamento seja transcrito por completo.

            Agradeço a tolerância de V. Exª.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR ROMEU TUMA.

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            O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de acordo com o art. 6o da Constituição da República Federativa do Brasil, a moradia constitui-se em direito de todo cidadão. No entanto, é grave o quadro da habitação no Brasil. Sob demanda do Ministério das Cidades, a Fundação João Pinheiro, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), elaborou um circunstanciado estudo intitulado Déficit Habitacional no Brasil. A segunda edição, publicada em 2005, apresenta dados atualizados sobre o problema.

            Dois conceitos embasam a metodologia do estudo: o déficit habitacional propriamente dito e a inadequação de moradias. O primeiro é entendido como a necessidade de construir novas residências, seja para repor o estoque, seja para incrementá-lo. O segundo reflete problemas na qualidade de vida dos moradores, não relacionados ao dimensionamento do estoque de habitações e sim às especificidades do estoque existente.

            Estima-se que exista hoje um déficit de 7 milhões e duzentas mil novas moradias, além de um déficit de “habitabilidade” que ultrapassa os 12 milhões de unidades. Da necessidade de moradias urbanas, 55% referem-se a famílias com renda mensal de até dois salários mínimos, 29% a famílias com renda mensal de dois a cinco salários mínimos e 16% a famílias com renda superior a cinco salários mínimos. Na área rural, o quadro é ainda mais grave, pois 78% do déficit se concentra nas famílias com renda inferior a três salários mínimos.

            Em outras palavras, são as famílias mais pobres que não têm casa, ou as possuem sem condições mínimas de habitabilidade. Analisando-se a trajetória da política habitacional no Brasil, chega-se à seguinte conclusão: os recursos inicialmente previstos para melhorar a situação habitacional da população mais carente sempre foram canalizados para segmentos sociais com maior renda.

            Srªs e Srs. Senadores, é preciso dizer que a situação melhorou após a criação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), em meados dos anos 60. A Lei 4.380/64, ao criar o SFH, objetivou dar sustentação e viabilidade ao mercado de intermediação financeira, oferecendo condições mais realistas aos investidores. A principal “ferramenta” foi a instituição de mecanismos de correção monetária, visando enfrentar o problema dos créditos de longo prazo em uma economia inflacionária. Contudo, nos tempos do extinto Banco Nacional de Habitação, cerca de 70% das unidades construídas, ao longo dos 22 anos de existência do banco, foram destinadas às famílias com renda mensal acima de cinco salários mínimos.

            Além da falta de foco dos programas, persistiram, ao longo dos anos, problemas como: indisponibilidade de recursos; intensa burocracia; elevado grau de exigência para conseguir o financiamento; e complexidade de aspectos técnicos e jurídicos dos contratos de financiamento.

            No final do ano passado, a Câmara dos Deputados realizou dois importantes painéis sobre o assunto, cujos títulos foram: “A Problemática do Financiamento Público para Habitação”; e “Financiamento Público para a Habitação Popular: a Retomada do Papel do Estado”. Entre painelistas e debatedores, estiveram representados diversos setores, como municípios, ONGs, Associações de Moradores, Conselhos Comunitários, COHABs, o Ministério das Cidades, a Caixa Econômica Federal, o BNDES, o Fórum Nacional de Secretários de Estado de Habitação, e a Confederação Brasileira de Cooperativas Habitacionais.

            Não por acaso, dentre as medidas sugeridas, destacam-se propostas visando o estabelecimento de subsídios à habitação popular e a desburocratização e flexibilização das atuais regras de financiamento. O Governo anunciou, recentemente, que o Programa de Crédito Solidário, que financia moradia popular sem juros para famílias organizadas em cooperativas, terá 350 milhões de reais do Fundo de Desenvolvimento Social em 2006. Este é um exemplo, ainda muito tímido, do que pode ser feito para contemplar a primeira das sugestões do Painel da Câmara dos Deputados.

            Contudo, outras distorções afligem aqueles que tiveram acesso às linhas de financiamento imobiliário pelo SFH. Quero crer que o Poder Público, além de subsidiar a habitação popular, considerada um “bem meritório”, não deve descuidar do segmento de mercado do setor habitacional, seja porque este responde por parcela expressiva da atividade econômica e por número correspondente de empregos, seja porque tais distorções atingem hoje uma vasta porção dos mutuários, configurando um verdadeiro problema social.

            O jornal Correio Braziliense publicou reportagem, em 22 de janeiro, sobre o drama de 50 mil famílias que enfrentam um pesadelo cotidiano: como pagar os débitos referentes à aquisição da casa própria, sonho de uma parcela significativa da sociedade brasileira? O grande vilão, aqui, recebe o nome de saldo devedor. Contudo, seria mais justo -- e preciso -- chamá-lo de saldo remanescente.

            Os Gabinetes das Srªs e dos Srs. Senadores certamente recebem inúmeras queixas a respeito dos financiamentos imobiliários concedidos pelo SFH. Vossas Excelências têm conhecimento, portanto, do drama dessas famílias que se deparam com a angústia de não poder arcar com os custos de contratos que geram prestações crescentes e não amortizam o principal, restando saldos devedores impagáveis. Cerca de cinco mil famílias perderam seus imóveis nos últimos quatro anos. Quase 80% do total de contratos com dívidas exorbitantes já estão em fase de execução judicial. Amanhã, Senhor Presidente, essas famílias podem estar ao relento!

            Gostaria de comentar, brevemente, a utilização da Tabela Price nesses financiamentos. Uma já longa polêmica tem tido curso sobre sua utilização. Economistas, contadores, matemáticos e advogados debatem sobre a conceituação do anatocismo e sua incidência com o uso da Tabela Price.

            Parece-me, aqui, haver um equívoco sério, de vez que a Tabela incorpora a teoria dos juros compostos e, ainda mais significativo, tem realmente ensejado uma série de problemas nos contratos, em prejuízo dos mutuários. Estes, em número cada vez maior, recorrem ao Poder Judiciário, que, em geral, tem-se mostrado sensível à argumentação dos demandantes. Nesses casos, faz-se uma perícia nos montantes pagos e uma revisão nos valores, aplicando-se uma taxa linear de juros. Afinal, entendimento do Supremo Tribunal Federal expresso na Súmula nº 121 assegura que “é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.

            Assim, embora se advogue que a Tabela Price facilita os cálculos dos planos de pagamento de longo prazo, mutuamente contratados e aceitos pelas partes, a verdade mais chã mostra que muitos homens e mulheres de boa-fé têm assinado contratos, fiando-se em uma percepção errônea induzida pela aplicação da Tabela Price. Ora, sabemos que o cidadão comum faz o cálculo baseado na capacidade de pagamento imediata, que é o que ele tem condições de prever. Desdobramentos ulteriores, ensejados pela dinâmica das questões econômicas ou por tecnicismos aritméticos ou jurídicos embutidos nos contratos, decididamente escapam à sua capacidade de previsão.

            Todos sabem que sou um defensor ardoroso da letra da lei e do cumprimento dos contratos. Todavia, há um princípio básico a orientá-los: eles têm de ser justos! Quero dizer, Senhoras e Senhores Senadores, que não uso a expressão “boa-fé” gratuitamente. A aplicação positiva de tal princípio foi introduzida no direito pátrio pelo Código do Consumidor. Essa legislação, todos sabemos, é considerada de vanguarda e assegura, nos contratos, a prevalência do respeito, da ética e da preservação da dignidade humana, legitimando a expectativa do outro contratante. Sobretudo nos contratos habitacionais, há uma relação de desigualdade entre as partes da relação negocial, com maior parcela de força a residir no pólo do agente financeiro. Este é um elemento que precisamos considerar e trabalhar, em favor da recomposição das condições paritárias.

            Outro ponto a merecer consideração diz respeito à adoção da Taxa Referencial, a chamada TR, como indexador dos contratos habitacionais. A TR é um índice destinado ao mercado tomador de aplicações financeiras, e seu impacto nos contratos sob regência do SFH produz efeitos indesejáveis.

            Historicamente, o reajuste dos contratos esteve atrelado à variação inflacionária medida por índice oficial. Buscava-se, com isso, refletir adequadamente as variações no poder aquisitivo da moeda nacional. A edição da Lei 8.177/91, contudo, instituiu a TR como mecanismo apto a reajustar o saldo devedor dos contratos de financiamento habitacional, o que efetivamente tem configurado a ocorrência do anatocismo, ou a capitalização de juros sobre juros.

            Em nosso entendimento, a referida Lei não deve ser aplicada aos contratos de financiamento habitacional, pois ela afronta dispositivo contido na Lei 4.380/64, que institui o Sistema Financeiro da Habitação e é, portanto, a única a reger os contratos celebrados em seu âmbito.

            Aliás, é sempre oportuno frisar que o Supremo Tribunal Federal já exarou entendimento sobre o uso da TR como indexadora dos contratos habitacionais. Refiro-me ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 493-0/DF, publicada em 04/09/1992: “A taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da capacitação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda”.

            Srªs e Srs. Senadores, meu partido tem-se caracterizado por uma postura sensata e responsável. Mantemos vigília sobre as ações de Governo, criticando-o quando necessário, mas sem nos furtar ao aplauso quando merecido. Semana retrasada, o Governo Federal deu mostras de que pretende ampliar o montante destinado à habitação. O Ministro Márcio Fortes falou em 18 bilhões e setecentos milhões de reais. São boas novas, é preciso reconhecer. Mas não se queira, com isso, ignorar os problemas dos contratos em vigor. Aqui, também, é requerida a atenção do Sr. Ministro - e estamos vigilantes!

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/02/2006 - Página 2699