Discurso durante a 14ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Comemoração pelo transcurso, no dia 29 de janeiro último, do Dia Mundial de Combate à Hanseníase.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Comemoração pelo transcurso, no dia 29 de janeiro último, do Dia Mundial de Combate à Hanseníase.
Publicação
Publicação no DSF de 02/02/2006 - Página 2896
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • REGISTRO, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, HANSENIASE, APRESENTAÇÃO, DADOS, INCIDENCIA, DOENÇA GRAVE, BRASIL, COMENTARIO, VINCULAÇÃO, POBREZA, COMPROMISSO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), TRATAMENTO, DOENTE.

            O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste domingo, 29 de janeiro, foi comemorado o “Dia Mundial de Combate à Hanseníase”. Essa data foi criada pela Organização das Nações Unidas, e a esperança de seus idealizadores era a de que ela se tornasse desnecessária, o mais rápido possível. Pois, essa mesma esperança ainda persiste, já que a data tem mais de meio século de história, e o mundo continua convivendo com essa doença típica de povos subdesenvolvidos e que ainda causa, em muitos países, o mais cruel dos preconceitos, o da segregação, que se traduz na desnecessária proibição do convívio social.

            Aliás, a hanseníase vem de longe na história. Desde o seu primórdio, até muito recente, chamada de lepra, ela ocupa, inclusive, um dos capítulos da Bíblia Sagrada, no chamado milagre do leproso, quando Lázaro foi, segundo as sagradas escrituras, “purificado”, ou “limpo”, de suas chagas. Lázaro tornou-se, depois, um santo, a quem se evoca, religiosamente, para a cura de males de pele.

            Como milagres não acontecem todos os dias, a doença persistiu ao longo da história. A própria igreja católica chegou a considerar o mal como uma punição de Deus às pessoas impuras e pecadoras. Eram separadas do convívio humano. O doente recebia um par de luvas e um sino, para que anunciasse a sua chegada nos lugares públicos.

            Mas, essa história não se molda, apenas, na antiguidade. Até alguns anos atrás, os doentes eram obrigados a se agruparem em colônias, para quebrar o ciclo de contaminação. Quem nunca viu falar dos famosos “leprosários”, de onde se contavam histórias horripilantes, de pessoas mutiladas e deformadas pela “lepra”? Quem nunca ouviu a expressão “lazarento”, pronunciada em tom do mais pesado palavrão?

            Pois bem, a hanseníase dos nossos tempos já não é mais um palavrão. Ela tem cura. Os doentes já não são isolados, nem usam luvas ou sinos para o convívio social. Mas, ao contrário do que aspiravam os idealizadores do seu dia, ela ainda mantém números preocupantes. Embora o número das tais colônias tenha diminuído, de 101 no total, para em torno de 30, a doença ainda não foi, totalmente, erradicada. Em algumas regiões, ainda causa danos irreparáveis.

            O Conselho Nacional de Secretários de Saúde, reunido em meados do último semestre, traçou um quadro nada animador sobre a hanseníase no Brasil, bem como das colônias ainda existentes. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, edição de 15.08.2005, levantamento realizado nestas instituições, demonstra “uma total falta de assistência aos moradores das colônias, principalmente no norte e no nordeste. Asilos que cuidam de quem possui a doença, não têm médicos nem enfermeiros suficientes. Em algumas colônias, os idosos estão em estado de completo abandono”.

            As estatísticas mostram que a maior incidência da hanseníase continua nos países menos desenvolvidos. O Brasil não foge à regra. Embora o número de casos tenha diminuído, ano a ano, principalmente nos últimos tempos, a doença ainda preocupa e, parece, está muito longe de ser erradicada. Portanto, pelo menos para países como o Brasil, o dia 29 de janeiro ainda será mais lembrado do que comemorado.

            Em 2004, 49 mil novos casos foram registrados, no País. No ano passado, 38 mil. Um número menor, mas não menos preocupante. Um novo caso da doença a cada quinze minutos!

            Mas, o que mais preocupa, nestes números, é a sua incidência espacial. Tal e qual no caso mundial, a hanseníase é uma doença de regiões mais pobres. No Brasil, ela é uma doença tipicamente nortista. Por exemplo, na região norte, os novos casos, nos últimos dois anos, a cada dez mil habitantes, equivalem a sete vezes os das regiões sul e sudeste. Na Amazônia, segundo esse mesmo índice, são, pelo menos, cinco novos casos por ano, quando a Organização Mundial da Saúde recomenda que este número, para ser controlável, não deve passar de um. Para se ter uma idéia, segundo o que prega a ONU, nas regiões sul e sudeste, a hanseníase seria considerada, praticamente, erradicada, enquanto na região norte ela estaria em um patamar longe do devido controle.

            Descendo, ainda mais, o foco, em termos espaciais, preocupa, sobremaneira, a situação de Rondônia. Somente no último ano, foram quase 1.300 novos casos, segundo dados ainda preliminares. Isso, sem contar que se trata de números oficiais, sem contar os que, na imensidão da fronteira, sobrevivem, ou morrem, sem o devido registro. Isso significa que, os, aproximadamente, quatro novos casos, em média, por dia, em Rondônia, podem estar escamoteados por uma realidade ainda mais cruel. Pode-se dizer, também, que todos os municípios de Rondônia possuem incidência de hanseníase.

            É bem verdade que o Ministério da Saúde tem demonstrado maior preocupação, ultimamente, com essa situação. O Governo Federal praticamente dobrou os recursos do Programa Nacional de Erradicação da Hanseníase, no último ano. Entretanto, o diagnóstico da doença mostra que os R$ 13 milhões de 2005 ainda são insuficientes para erradicar a doença, conforme o discurso oficial.

            Estou levantando essa questão, não só para lembrar o dia em que se propaga a campanha pela erradicação dessa doença que acompanha a história universal, desde a antiguidade. A minha preocupação segue o passo do que venho debatendo, durante os últimos anos, sobre a questão da saúde pública no Brasil, em especial na Amazônia e no Estado de Rondônia. Tenho dito que as estatísticas, no Brasil, por se tratar de um país de enormes disparidades regionais, têm, no cálculo das médias, o poder de escamotear a verdadeira situação das regiões mais pobres. É que os problemas, nessas regiões, são os mesmos do País como um todo. Mas, lá, eles assumem uma importância maior, pelas condições muito mais precárias de vida das populações locais.

            Portanto, a questão da regionalização assume importância crucial na distribuição dos recursos públicos, notadamente no caso da saúde. Não há como persistir regiões que conformam um verdadeiro país de segunda classe, com doenças típicas de subdesenvolvimento e que deveriam estar erradicadas há muito tempo. A hanseníase é um desses casos. Trata-se de uma doença contagiosa, mas que tem cura. Portanto, as ações podem ser tanto curativas, como preventivas! E, isso, principalmente nas regiões mais deprimidas, é papel do Estado! Os governos, em todos os níveis, devem estabelecer parcerias no sentido de erradicar, de uma vez por todas, esses tipos de males, que assolam, principalmente, as populações mais pobres. Não há como ostentar avanços, em quaisquer que sejam as áreas, se ainda conviver com doenças curáveis através de campanhas públicas. Quanto valeria, em termos da qualidade de vida de milhares de brasileiros, a erradicação da hanseníase? Não seriam os tais R$13 milhões muito pouco para aspiração de tamanha importância para o País?

            Por isso tudo, eu acredito haver uma necessidade urgente de se debater novos critérios para a alocação de recursos públicos, no Brasil. Quais são as verdadeiras prioridades e que mereceriam aportes maiores, segundo o desejo da população brasileira? Por exemplo, será que essa mesma população, conhecendo o que se despende em outros gastos do setor público, muito mais onerosos, manteria os R$13 milhões para erradicar, de uma vez por todas, a hanseníase?

            O Presidente Lula, no programa de rádio desta semana “Café com o Presidente”, afirmou que o Governo está engajado e comprometido com o movimento para diminuir a hanseníase no Brasil. Segundo ele, “é um compromisso do Ministério da Saúde, assumido com as organizações que cuidam da hanseníase”. O presidente prometeu discutir, na próxima semana, com um grupo interministerial, políticas públicas para cuidar das pessoas que são portadoras da doença.

            A população brasileira tem que participar, ativamente, dessa campanha e cobrar dos órgãos públicos o cumprimento de ações que, efetivamente, erradique essa moléstia que, se não cuidada, provoca, não apenas, seqüelas físicas e óbitos. Ela afeta, de forma brutal, a auto-estima do portador e, por extensão da família e da comunidade.

            Vale lembrar que a hanseníase se manifesta, no seu início, através de manchas brancas e avermelhadas na pele, em ambos os casos caracterizadas pela dormência. Isto é, tais áreas permanecem insensíveis ao toque do paciente. Espera-se, portanto, que, na ação pública, os governos, em todos os níveis, não sejam acometidos de uma espécie de “hanseníase política”: aquela que provoca, também, um outro tipo de insensibilidade: a indiferença aos reclamos da população, que já demonstra sinais de que não quer permanecer, assim, tão paciente.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/02/2006 - Página 2896