Pronunciamento de Amir Lando em 30/01/2006
Discurso durante a 10ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Posicionamento sobre as mudanças na tramitação das Medidas Provisórias.
- Autor
- Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
- Nome completo: Amir Francisco Lando
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
MEDIDA PROVISORIA (MPV).:
- Posicionamento sobre as mudanças na tramitação das Medidas Provisórias.
- Aparteantes
- Paulo Paim.
- Publicação
- Publicação no DSF de 08/02/2006 - Página 3545
- Assunto
- Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV).
- Indexação
-
- REITERAÇÃO, OPINIÃO, INCOMPATIBILIDADE, MEDIDA PROVISORIA (MPV), SISTEMA DE GOVERNO, PRESIDENCIALISMO, INCONSTITUCIONALIDADE, REEDIÇÃO, PERDA, EFICACIA, CONCLUSÃO, PRAZO, ANALISE, HISTORIA, PERIODO, RENUNCIA, CONGRESSO NACIONAL, FUNÇÃO LEGISLATIVA, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS.
- ANALISE, PROPOSTA, ALTERAÇÃO, TRAMITAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), INSUFICIENCIA, RETOMADA, COMPETENCIA LEGISLATIVA, CONGRESSO NACIONAL.
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DISCURSO PROFERIDO PELO SR. SENADOR AMIR LANDO NA SESSÃO DO DIA 30 DE JANEIRO DE 2006, QUE, RETIRADO PARA REVISÃO PELO ORADOR, ORA SE PUBLICA.
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O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes. PSDB - AP) - Concedo a palavra ao nobre Senador Amir Lando por permuta com o Senador Garibaldi Alves Filho.
V. Exª terá dez minutos para o seu pronunciamento e, se necessário, cinco minutos de acréscimo.
O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no vácuo desta segunda-feira - vindo depois do feriado de domingo, as segundas-feiras são tristes -, queria abordar um tema que está, mais uma vez, nas páginas dos jornais: as mudanças na tramitação das medidas provisórias.
Sr. Presidente, talvez fosse eu um dos críticos mais contumazes das medidas provisórias - isso ainda nos anos de 1990, logo após a promulgação da Constituição de 1988. Mostrei, desde aquela época, que o instrumento legislativo conferido ao Poder Executivo era incompatível com o regime presidencialista, já que tinha ele matriz clara e definida, seja na doutrina, seja sobretudo no Direito Comparado. As medidas provisórias são instrumentos mais apropriados aos regimes parlamentaristas.
Todavia, Sr. Presidente, a lume do texto original do art. 62 da Constituição de 1988, mostrei que as medidas provisórias não eram suscetíveis de reedição. O texto era claro, insofismável, e aqui neste plenário travamos discussões sobre o tema. Lembro-me muito bem do saudoso, sábio e sempre respeitado Senador Mário Covas. Aqui, estabelecemos discussões mostrando que o texto original, ao exigir a convocação do Congresso Nacional em recesso logo após a edição da medida provisória, queria era dar um tratamento urgente à apreciação dessas medidas. Por quê? Porque estabelecia, também em seu parágrafo único, que a vigência da medida provisória era de trinta dias, findos os quais, se ela não tivesse sido convertida em lei, teria cessados todos os seus efeitos. Essa é uma observação, em linguagem coloquial, que gostaria de deixar registrada.
O Constituinte teve a preocupação de estipular um prazo de vigência e, inclusive, cominar a não-observância desse prazo com a perda de eficácia da medida, devendo o Congresso, imediatamente, dispor sobre as conseqüências jurídicas decorrentes da aplicação da medida provisória não transformada em lei. Ora, pelo arcabouço lógico do dispositivo constitucional, era óbvio que não caberia reedição. Se assim não fosse, por que chamar o Congresso em recesso? Por que tomar todas essas providências urgentes se não carecia urgência já que ela poderia ser repetida? O texto não admitia a reedição, e a jurisprudência, em um primeiro momento, caminhou nesse sentido. Infelizmente, houve complacência por parte do Congresso Nacional, ao sequer examinar as condicionantes de relevância e urgência - só se admitia que o Congresso fosse chamado se houvesse alguma coisa de urgente e de relevante.
É evidente que, na gestão financeira, na gestão administrativa e até na gestão tributária, o Poder Executivo tem emergências, tem necessidade de corrigir rumos de maneira prática, eficiente e rápida. Além disso não se poderia ir, já que a nossa tradição constitucional se referia sempre aos decretos-lei, que versavam sobre matéria tributária, sobre matéria administrativa e sobre gestão financeira. Não passava daí a competência de dispor de uma faculdade legislativa que é tipicamente congressual, de uma faculdade legislativa porque, como disse Rui, só o Congresso legisla, essa é a tradição do Poder Legislativo. Aliás, ele assim é chamado porque ele é que dita, ele é que edifica as leis.
Ora, Sr. Presidente, nós, o Congresso Nacional, o Poder Legislativo foi complacente e deixou o Poder Executivo edificar um Parlamento, um “Palácio Legislativo” dentro do Poder Executivo desde 1988. Todos os que estavam aqui na oposição sempre libelaram contra as medidas provisórias. No entanto, assumindo o Poder Executivo, as medidas provisórias eram instrumento de salvação da gestão administrativa e - por que não dizer essa palavra misteriosa? - da governabilidade.
Assim se foi ampliando a competência material das medidas provisórias, sobre todas as matérias vimos serem editadas medidas provisórias. Aí, mais uma vez, o Poder Legislativo colocou freios e contrapesos, estabeleceu alguns limites, resguardou aquilo que era tido como reserva legal.
Por exemplo, o Direito Penal é uma reserva legal; o Direito Tributário é um reserva legal: só a lei pode criar tributos, só a lei pode instituir penas e definir crimes. Ora, se só a lei poderia preceituar e sancionar em termos de Direito Penal, só o Poder Legislativo poderia fazê-lo. Conseqüentemente, Sr. Presidente, alguns limites foram postos em termos de competência material. ou seja, quais as matérias que seriam passíveis de medida provisória? Porque é evidente que a própria Constituição estabelecia situações urgentes, situações necessárias a corrigir os rumos da gestão. A relevância estava ligada muito à urgência e, também, à necessidade de estabelecer correções na gestão, seja administrativa, financeira ou tributária do Estado. E é por isso que, nessas matérias, embora pudesse a medida provisória, por exemplo, editar e criar tributos, só a vigência começaria a partir da transmutação em lei. E é por isso que andamos corretos neste ponto.
Mas, aí, Sr. Presidente, havia uma pena, havia uma ameaça explícita no texto original. Se não convertida em lei, só o Congresso, ele apenas poderia regular as conseqüências jurídicas decorrentes da aplicação da medida provisória não transformada em lei.
E aí, mais uma vez o Congresso genuflexo, mais uma vez o Congresso renunciando a sua competência, abdicando daquilo que era próprio da sua essência, passa para o decurso de prazo, passa para o poder de manobra do Poder Executivo, porque sabemos que uma vez não apreciada a conseqüência jurídica dos atos praticados sobre a vigência de uma medida provisória não transformada em lei, ela passa por um período de maturação. E se o Congresso não se manifestar, automaticamente aquilo fica tido como certo, verdadeiro e imutável. Isso é, mais uma vez, uma renúncia.
A Constituição estabelecia que era só o Congresso. Agora não, a inação, o poder de manobra do Poder Executivo faz com que as conseqüências jurídicas se consolidem definitivamente pelo decurso de prazo.
Esta é a realidade. Por isso, mais uma vez, contestei as mudanças introduzidas que ampliaram consideravelmente a competência material de o Poder Executivo legislar sobre medidas provisórias.
Sr. Presidente, após a Constituição de 1988, poderíamos dizer, com todas as letras - até confessar à nação em forma de mea culpa - que o Congresso não soube zelar por sua competência. E quem não zela por sua competência não merece tê-la, porque não faz jus à sua dignidade. Por isso, o Congresso sempre foi complacente com o Poder Executivo. Não cito este ou aquele chefe do Poder Executivo, falo de todos. Mais uma vez, vemos que o Congresso ampliou essa competência, admitindo a prorrogação, a renovação.
Vejam V. Exªs como o texto atual não é perfeito. Antes mesmo de ser reeditada, a medida provisória poderia ser alterada, ser retirada e mandada outra. Com o texto modificado, poderíamos ter uma dilação de prazo. Já na segunda reedição, antes de concluir o prazo de vigência, o Poder Executivo poderia retirar a medida e editar outra envolvendo, sobretudo, a matéria da anterior em parte, com algumas modificações, poderia o Congresso Nacional estar numa situação realmente de inanição, tudo isso porque o texto permite. O que o texto, evidente, não admite é a reedição da mesma medida no mesmo período legislativo, mas poderá fazê-lo com esse truque.
Por isso, Sr. Presidente, temos de disciplinar esta matéria de maneira diferente. Vejo que há mais uma tentativa, há um freio, há um filtro importante nas medidas propostas agora, qual seja, que elas só passarão a ter vigência a partir da análise e da votação da urgência e da relevância. É um filtro, mas é um filtro que ainda me parece insuficiente, porque nós, por esse buraco na Constituição, estamos abrindo mão da capacidade legislativa para o Poder Executivo. Esse filtro não vai segurar as barbaridades, as monstruosidades, as usurpações que ocorrem constantemente e o Poder Legislativo se vê tangido como boi que é tangido para o matadouro e que entra no corredor da morte, porque estamos, com as medidas provisórias, no corredor da morte do Poder Legislativo. Ou as medidas provisórias ou o Poder Legislativo! Este, no meu entender, é o dilema que vive o Congresso Nacional.
Não podemos conviver com as medidas provisórias. Poderíamos, sim, se for o caso, reeditar até a possibilidade dos decretos-leis com prazo de vigência até a apreciação pelo Congresso. Fora daí, não apreciado em determinado tempo, teríamos a nulificação das disposições, porque aí limitaríamos as matérias. Elas têm que ser limitadas. Só são urgentes e relevantes questões pertinentes à administração e à gestão financeira e tributária, sempre - é claro - na necessidade de que o Congresso aprecie, em matéria tributária, a proposta, e analise e vote, edificando-a ou não à condição de lei, porque essa é uma reserva legal.
Ouço V. Exª, nobre Senador Paulo Paim.
O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Amir Lando, de forma muito rápida, fiz questão do aparte para cumprimentar V. Exª pela coragem e ousadia de trazer ao debate aqui, no plenário do Senado, nesta tarde, essa sua visão, que assino embaixo. Fomos Constituintes e eu estava convencido de que ia passar, no plebiscito, o sistema parlamentarista, mas passou o presidencialismo e ficou o instituto da medida provisória. Quero cumprimentar V. Exª porque encaminhei uma emenda constitucional, no ano passado, simplesmente acabando com o instituto da medida provisória e apontando o caminho que V. Exª aponta na tribuna, neste momento, que poderia ser até o decreto-lei, quando, efetivamente, tivermos uma situação de urgência e relevância, o que não é o caso do que acontece com o instituto da medida provisória desde a promulgação da nova Constituição. Parabéns a V. Exª.
O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Sr. Presidente, concluo, mas, realmente, é um tema...
(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)
O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Concluo, Sr. Presidente, mas realmente é um tema que mereceria maior reflexão desta Casa e do Congresso Nacional porque o Congresso está deixando cortar na própria carne a sua competência. E, como eu disse, somos pautados pelo Poder Executivo, que nos vai conduzindo por fios invisíveis, como se o Congresso fosse marionete. E a cena e, sobretudo, o cenário e as ações são pautados pelo Executivo. Esta é a realidade: ou o Congresso reage a esse pêndulo impróprio, indevido e, sobretudo, letal contra o Poder Legislativo ou vamos continuar aqui, num arremedo de Congresso Nacional, sendo traçado nosso destino e nossas ações pelo Poder Executivo.
Independência, harmonia, sim! Autonomia, sim! Soberania popular, sim! Mas o Congresso Nacional, o Poder Legislativo deve voltar a ser o Poder que legisla porque só o Congresso faz as leis.
Muito obrigado.