Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce, cujos elevados lucros não têm trazido nenhum benefício ao país.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • Críticas ao processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce, cujos elevados lucros não têm trazido nenhum benefício ao país.
Publicação
Publicação no DSF de 15/02/2006 - Página 4726
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • DENUNCIA, PREJUIZO, ESTADO DO PARA (PA), PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).
  • REGISTRO, DADOS, CRESCIMENTO, LUCRO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), INFERIORIDADE, REPASSE, COMPENSAÇÃO FINANCEIRA, EXPLORAÇÃO, MINERAL, ROYALTIES.
  • CRITICA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, GOVERNO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANALISE, SITUAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), OCORRENCIA, DESEMPREGO, AUMENTO, LUCRO, MOTIVO, LEGISLAÇÃO, ISENÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), PREJUIZO, ESTADOS, POPULAÇÃO.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente.

Srªs e Srs. Senadores que aqui se encontram e que nos ouvem, na semana passada, tive oportunidade de falar nesta tribuna sobre o crescimento da exportação no Estado do Pará, trazendo números comparativos de anos passados.

Elogiei o desempenho do Governo Federal durante esses três anos e dois meses de mandato do Presidente Lula não por simples lealdade partidária, mas por mérito, porque somos testemunhas de seu comprometimento com o desenvolvimento econômico ao tempo em que se preocupa com a erradicação de condições sociais adversas. Naquele momento, entretanto, apenas toquei um tema sobre o qual hoje quero me debruçar com mais detalhe: a Companhia Vale do Rio Doce e seu processo de desestatização, ocorrido no Governo passado, que trouxe para o País, especialmente para o meu Estado, uma série de malefícios raramente contabilizados por aqueles que fazem a defesa inconteste dos números absolutos e do desenvolvimento puramente econômico, que cresce dando as costas para o social.

A Vale do Rio Doce é hoje uma empresa privada de enorme rentabilidade. De janeiro a setembro de 2005, já havia lucrado R$7,8 bilhões, uma quantia 58% superior ao mesmo período de 2004. Em 2005, a empresa ficou - vejam bem, de janeiro a setembro apenas - em 2º lugar no ranking brasileiro, exportando 21% a mais do que no ano anterior, atrás somente da estatal Petrobras.

É lastimável que um lucro tão elevado, produzido pela exploração de recursos não-renováveis da natureza, que promove desequilíbrios sociais consideráveis, não tenha sido aproveitado para corrigir os problemas que a própria atividade econômica gera, além de outros estruturais existentes em nosso Estado.

Digo isso porque, em 2005, segundo dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a União recebeu das empresas mineradoras somente 5% de seu lucro, na forma de Compensação Financeira por Exploração Mineral - CFEM.

A CFEM, como era antigamente chamada, representa os royalties que são pagos pelas mineradoras à União, mas principalmente aos Municípios e ao Estado, que, nessa divisão, ficam com a maior parte do bolo daquilo que é transferido de royalties. Para informar à sociedade: 65% desses recursos vão para o Município, para o local onde existe a exploração mineral; 23% vão para o Estado, onde se localiza também a mina; 2% vão para as pesquisas e apenas 10% para a União.

Em 2005, a União só recebeu R$406 milhões, que foram recolhidos. O Pará recebeu apenas R$120 milhões. Dito de outra forma: o Pará recebeu, em 2005, 1,54% dos lucros pela exportação dos minérios no que se refere à Compensação Financeira pela Exploração Mineral. Muito pouco para quem está tendo suas reservas não-renováveis dilapidadas.

Não podemos aqui deixar de falar sobre os feitos do governo federal tucano, que, segundo o balanço das privatizações feito pelo BNDES, de 1991 a 2001 - aliás, privatizações feitas, muitas delas, com recursos públicos; só neste País, sob o governo tucano, é que se privatizou financiado com o dinheiro público -, foram privatizadas 68 empresas públicas federais, 75% de todo o patrimônio nacional. Dentre as estatais vendidas, a Vale era um desses patrimônios. Ela foi construída durante décadas, às custas do trabalho de toda a nossa sociedade. E aqui podemos relembrar algumas justificativas emblemáticas dadas pelo Governo FHC para dilapidar o patrimônio nacional: “a privatização diminuirá o déficit fiscal”; “com a privatização, o governo liberará mais recursos e terá maior capacidade gerencial para a área social”; “com os recursos das privatizações, o governo brasileiro reduzirá a dívida do país”. Esta é realmente uma das pérolas ditas pelo governo “tucano-pefelê” anterior, que quer voltar a governar este País. E é hilária porque nunca um governo aumentou tanto a dívida do nosso País. Na verdade, nada melhor do que o tempo para provar o quanto a retórica tucana se distanciou da prática.

Lembro-me de que, à época, em defesa da estatal, a Professora Maria da Conceição Tavares chamava a atenção para algo extremamente sério e sempre atual. Ela dizia que a Companhia Vale do Rio Doce era uma empresa que carregava uma atribuição estratégica, considerada um “dos poucos sistemas globais que o País ainda possuía”, com capacidade autônoma de atrair investimentos e financiamentos externos, de realizar parcerias estratégicas e de manter uma inserção competitiva num mercado internacional altamente seletivo e com a presença de poucas empresas nesse ramo. Esse patrimônio foi transferido, e alguns ainda afirmam que o progresso estupendo da Vale decorre da sua privatização.

A desestatização trouxe, entretanto, muitos problemas. Um deles, esquecido pelos oposicionistas de plantão, foi seu impacto na classe trabalhadora. Em 1996, a Vale tinha 15.483 trabalhadores e, em 2000, esse quadro havia sido reduzido para 11.442. Mais de 4.000 trabalhadores ficaram desempregados, como resultado da privatização de somente uma estatal brasileira. O Governo FHC não conseguiu gerar empregos na mesma proporção em que ocorreram demissões, deixando milhares de trabalhadores sem poder exercer suas profissões e suas famílias, desamparadas. Os tucanos festejaram as privatizações, mas trataram os milhares de desempregados das estatais com indiferença.

Os que consideram a privatização positiva esquecem-se também de que um dos fatores que tiveram impacto positivo sobre a operação da empresa foi exatamente a Lei Kandir ou o fim da cobrança de ICMS sobre as exportações de produtos semi-elaborados ou primários - maior parte dos produtos de exportação da Companhia Vale do Rio Doce do Estado do Pará -, e não simplesmente a desestatização. Mas esse foi o fator que mais fez crescer o lucro da companhia.

A Lei Kandir, que passou a vigorar em 1997, foi aprovada em 1996, no Governo tucano, com o aval de Governadores e Parlamentares tucanos e seus aliados, e causou enorme desfalque aos cofres públicos. A Vale do Rio Doce deixou de recolher o imposto que o País mais arrecada, e os Estados brasileiros colheram o prejuízo.

Como sempre na prática brasileira, a sociedade paga o que o empresariado acumula. A isenção de ICMS sobre as exportações gerou uma “economia” à empresa de cerca de R$38 milhões, segundo a Folha de S.Paulo do dia 7 de abril de 1998. No Pará, em 1996, a Vale do Rio Doce recolheu 6,4 milhões em ICMS, representando 10,42% do total arrecadado pelo Estado. Em maio de 1997, após a aprovação da Lei Kandir, a empresa recolheu a pífia quantia de R$336 mil, pouco mais de 0,5% do total arrecadado pelo Estado.

Segundo declaração do próprio Governador do Estado, à época, ao Jornal O Globo, edição de 22 de março de 1999, esse valor equivale à quantia recolhida por um supermercado da cidade de Belém. Hoje o Governador tucano do Pará, que foi um dos maiores defensores da Lei Kandir, chora sobre o leite derramado. E, diga-se de passagem, com razão, ainda que tardia. Em um momento de escassez de recursos para investimentos nas mais diversas áreas e em um Estado da Federação...

(Interrupção do som.)

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA ) - ...que acusa índices sociais medíocres, o que poderia ter sido feito, ao longo dos anos, com os milhões que hoje fazem parte do balanço da Vale do Rio Doce? Quantas escolas construídas, professores mais bem remunerados, alunos com melhor material e com mais horas de atividade? Quantos centros de saúde construídos, aparelhados, em funcionamento? Quanto investido em habitação, saneamento e infra-estrutura para o bem-estar da população? O Governo tucano há dez anos promete construir dez hospitais regionais - o primeiro será inaugurado agora, inclusive com aporte de recursos do Governo Federal.

Mais uma vez, como de regra, expropria-se de todos para dar-se a alguns. Velha cartilha, repetição das oligarquias atrasadas, mas repassada com brilho novo, com verniz tucano.

A privatização da Companhia Vale do Rio Doce não significou somente o desmembramento da empresa lucrativa e eficiente do Estado. Representou que o Estado brasileiro estava abrindo mão de um instrumento essencial que deveria continuar sob seu controle e que possibilitaria a inserção do Brasil no mercado internacional com uma outra visão: a do desenvolvimento sustentável.

Infelizmente não terei tempo para concluir meu discurso, mas peço, Sr. Presidente, que meu discurso seja dado como lido na sua totalidade.

Termino dizendo que foi muito bom o fato de um juiz haver questionado o valor pelo qual foi privatizada a Vale do Rio Doce - pouco mais de R$3 bilhões, Senador Roberto Saturnino.

(Interrupção do som.)

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Peço dois minutos para concluir, Sr. Presidente.

Esse valor corresponde ao lucro da Companhia Vale do Rio Doce em menos de um semestre, o que mostra o escândalo de um Governo que privatizou 75% das empresas estatais brasileiras e que ainda o fez financiando-as com o dinheiro público do BNDES. E o povo brasileiro bem se lembra de quem ganhou com aquelas privatizações, de quantas campanhas foram financiadas.

Concluo dando um esclarecimento para toda a sociedade, pois muito se falou do jantar do PT, em relação à AABB. Quero dizer que a AABB, de acordo com um dos artigos de seu Regimento Interno, tem permissão para alugar a sua sede para qualquer pessoa, mediante contrato e pagamento de taxa. Portanto, aquela entidade não fez nada, absolutamente nada que não estivesse na legalidade do seu estatuto.

Era o que eu queria esclarecer à sociedade.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DA SRª SENADORA ANA JÚLIA CAREPA.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/02/2006 - Página 4726