Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Conclama os políticos e líderes religiosos do Ocidente e do Oriente Médio a dialogarem em busca de um entendimento para acabar com os distúrbios provocados pela publicação, em jornais europeus, de charges satirizando o profeta Maomé, fundador da religião islâmica. (como Líder)

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Conclama os políticos e líderes religiosos do Ocidente e do Oriente Médio a dialogarem em busca de um entendimento para acabar com os distúrbios provocados pela publicação, em jornais europeus, de charges satirizando o profeta Maomé, fundador da religião islâmica. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 15/02/2006 - Página 4737
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, CRISE, PAISES ARABES, EUROPA, MOTIVO, RELIGIÃO, ACUSAÇÃO, OFENSA, IMPRENSA, ANALISE, AUTORITARISMO, FALTA, MODERNIZAÇÃO, SOCIEDADE, CONCLAMAÇÃO, LIDER, ORIENTE MEDIO, MUNDO, DIALOGO, ENTENDIMENTO.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM. Pela Liderança do PDT. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, fujo um pouco das questões nacionais para abordar uma questão que preocupa, ou deveria preocupar, a todos nós, que é a crise desencadeada nos países islâmicos em razão das charges que caricaturaram o profeta Maomé.

Sei que muitos cidadãos, inclusive do povo, estranham quando se aborda um tema internacional, porque a idéia é a de que o País tem tantos problemas, tantas mazelas, e este Senador sobe à tribuna para tratar do que acontece lá fora.

            Em primeiro lugar, o que acontece lá fora tem repercussão aqui, Senadora Heloísa Helena, queiramos ou não. Em segundo lugar, estamos em um mundo com rápido processo de globalização, e mais e mais nos transformamos naquilo que McLuhan chamava de “aldeia global”. Não podemos ficar indiferentes, Senador Tião Viana, ao que acontece no resto do mundo. O que está ocorrendo nos países muçulmanos dá a impressão de que a profecia de Samuel Huntington, de que haveria um choque de civilizações, está para se positivar. Não me parece que haja incompatibilidade insanável entre a cristandade e o Islã. Civilizações muito diferentes, Senador Mão Santa, podem conviver pacificamente. Os exemplos são muitos. Agora mesmo, China e Índia, que são praticamente duas civilizações, inserem-se pacificamente na ordem mundial, sem nenhum problema maior.

O que nos separa tanto dos países muçulmanos, como mostra a crise atual, provocada por uma simples charge publicada em um jornal dinamarquês? Em primeiro lugar, é preciso não partir de um exagero, de um excesso, praticado pelo cartunista dinamarquês, para justificar ou tentar justificar covardemente a violência da reação no mundo islâmico. Eu, se fosse chargista, não mexeria com o tema religião em respeito às crenças alheias. Não se deve brincar com isso, seja qual for o ramo religioso. Mas o cartunista usou do seu direito de livre expressão. Por que uma reação tão despropositada, tão desproporcional à ofensa? Já ouvi alguns tentando justificá-la, citando exemplos do que aconteceu aqui no Brasil.

Outro dia, ouvi um suposto analista dizer: “Quando um pastor evangélico chutou uma imagem de Nossa Senhora, suscitou reações também dos católicos”. Modus in rebus, Senador Ramez Tebet, como se diz em Direito. Houve reação de indignação verbal, mas não vi ninguém depredar a igreja do Pastor. O Pastor não foi agredido. Eu diria que foi uma reação compreensível de quem se sentiu ofendido com aquele gesto gratuito do Pastor evangélico. Mas, devido a uma simples charge, sair às ruas depredando embaixadas, queimando carros, agredindo, ameaçando até matar, Senador Tião Viana, é, realmente, uma reação insana.

É claro que essa reação parte de fanáticos, mais do que tolerados, eu diria mobilizados, induzidos por governos autoritários, como os da Síria e do Irã, que tentam lançar mão da velha tática de buscar inimigos externos a fim de desviar a população dos problemas internos e, ao mesmo tempo, justificar o autoritarismo. É como se dissessem para aquela massa de pessoas inflamadas pela religiosidade: “Está vendo em que dá a liberdade de expressão? Dá nisso, na ofensa às suas crenças mais caras”. É uma justificativa de ditaduras.

O que há de errado com a religião muçulmana? Nada, Senador Tião Viana. É uma religião respeitável, com valores que temos que respeitar. O que há de errado é com as sociedades muçulmanas. O que há de errado com elas é que não conheceram a reforma nem o iluminismo. Até hoje, não souberam, em primeiro lugar, separar religião de Estado, lá não existe Estado laico; em segundo lugar, não cultuam as liberdades fundamentais de expressão, de reunião e de associação. São sociedades que vivem como na Idade Média ainda. O problema não é a religião muçulmana, são as sociedades, que precisam dar um salto de modernidade.

Em vez de hostilizá-los também, todos nós - refiro-me aos políticos e líderes religiosos do Ocidente - temos que tentar abrir um diálogo com aquelas sociedades na busca de um entendimento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/02/2006 - Página 4737