Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento contrário à adoção de medida provisória destinada ao pagamento de vale-transporte em dinheiro.

Autor
Sérgio Zambiasi (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Sérgio Pedro Zambiasi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Posicionamento contrário à adoção de medida provisória destinada ao pagamento de vale-transporte em dinheiro.
Aparteantes
Heráclito Fortes, Romeu Tuma, Sibá Machado, Valmir Amaral.
Publicação
Publicação no DSF de 23/02/2006 - Página 6174
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, DISCURSO, SENADOR, OPOSIÇÃO, ARTIGO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUTORIZAÇÃO, INCORPORAÇÃO, SALARIO, VALOR, VALE-TRANSPORTE, JUSTIFICAÇÃO, PREJUIZO, TRABALHADOR.
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, GRUPO PARLAMENTAR, TRANSPORTE COLETIVO, LUTA, REDUÇÃO, TARIFAS, DIVULGAÇÃO, NOTA OFICIAL, DEFESA, PRESERVAÇÃO, DIREITOS, TRABALHADOR, REGISTRO, DADOS, PERCENTAGEM, USUARIO, VALE-TRANSPORTE, APREENSÃO, FRAUDE, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, EMPREGADO DOMESTICO, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, OBRIGATORIEDADE, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), CATEGORIA PROFISSIONAL.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS. Pela Liderança do PTB. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, venho à tribuna somar-me às manifestações feitas nesta manhã pelo Senador Paulo Paim, pelo Senador Pedro Simon, pelo Senador Heráclito Fortes e por outros, manifestando no mínimo estranheza à proposta que está embutida na Medida Provisória nº 280, que trata da legislação tributária federal e que acabou também recebendo o art. 4º, que fala do vale-transporte, autorizando o seu pagamento em dinheiro.

Acho que, no mínimo, é inoportuno colocar esta questão numa medida provisória. Se a questão é discutir o pagamento do vale-transporte em dinheiro, então esse tema deve vir para cá como um projeto de lei a ser debatido nas comissões afins, para que se possa tomar, enfim, a melhor medida.

Mas não tenho dúvida de que, da forma como foi apresentada, por meio de medida provisória, a questão do pagamento do vale-transporte em dinheiro, o que aparentemente hoje pode representar um benefício para o trabalhador, pode resultar num sério prejuízo à grande massa trabalhadora.

Faço parte da Frente Parlamentar do Transporte Público e estamos trabalhando para reduzir os preços, os valores das tarifas do transporte público urbano. Entendo que essa medida pode trazer sérios prejuízos a todas as negociações encaminhadas até agora, objetivando alcançar um patamar adequado para que o trabalhador não seja ainda mais sacrificado na sua ida e vinda do trabalho ou das suas opções, inclusive de lazer.

Torno pública uma nota divulgada pela Frente Parlamentar do Transporte Público, que alerta para esse problema e esclarece que o vale-transporte é um direito do trabalhador que completou 20 anos. Ele tem-se caracterizado como um mecanismo eficaz de redução da pressão social e principalmente de redistribuição de renda, uma vez que se tornou um subsídio direto do sistema produtivo formal às classes de menor poder aquisitivo da população brasileira.

Uma pesquisa realizada pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, em 2005, demonstra que cerca de 50% dos passageiros pagantes utilizam o vale-transporte, cabendo destacar que aqui em Brasília o índice de utilização do vale-transporte chega a 65,12%. Porto Alegre é a quarta cidade do País em utilização do vale-transporte por trabalhadores, chegando a 54,7%. Outro dado a ser observado é que 50% das cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes já implementaram bilhetagem eletrônica, cujo maior incentivo é o lançamento do vale-transporte eletrônico. As vantagens para o gerenciamento do vale-transporte são muitas: a eliminação do comércio paralelo de vales, fraudes, falsificações na comercialização e o controle efetivo do benefício por parte das empresas compradoras.

Além disso, observa-se que todos os integrantes deste processo foram e continuam sendo beneficiados, ou seja, o empregador, o trabalhador e o serviço de transporte público. Para o trabalhador, é ter a garantia do transporte diário independente do valor do preço da passagem, pois o gasto está limitado a 6% de seu salário, com seu deslocamento diário até o local de trabalho, não comprometendo, assim, seu orçamento.

Apesar dos benefícios gerados pelo vale-transporte, o texto do art. 4º da Medida Provisória nº 280, de 2006, resultará em efeitos negativos para os trabalhadores e para as cidades brasileiras: o trabalhador poderá utilizar o vale-transporte em dinheiro para o custeio de outras necessidades, uma vez que o mercado de trabalho está calcado na manutenção dos postos de emprego e não mais em reajustes salariais; o trabalhador sem recursos suficientes para pagar a tarifa poderá optar por outros meios de deslocamentos, como, por exemplo, ir a pé ao trabalho, o que conseqüentemente poderá prejudicá-lo no serviço; o INSS terá perda de receita, pois, com o benefício sendo pago em dinheiro, o empregador poderá congelar o salário do trabalhador, e os reajustes futuros poderão ser contabilizados num valor destinado ao vale-transporte, uma vez que o teto de isenção da contribuição social é de R$160,00; desestruturação dos sistemas de transporte público das cidades, em face da redução da demanda de trabalhadores usuários que passarão a utilizar outros meios de deslocamento, como por exemplo o transporte ilegal. A redução da demanda de passageiros poderá gerar reflexos negativos na tarifa; com os trabalhadores realizando o pagamento das tarifas do transporte público em dinheiro nos terminais ou no interior dos veículos - e aqui chamo atenção para este aspecto - haverá um estímulo no aumento do número de assaltos, seja nos terminais, seja no próprio ônibus.

Pois não, Senador Valmir Amaral.

O Sr. Valmir Amaral (PTB - DF) - Caro amigo, Senador Sérgio Zambiasi, quero parabenizá-lo por defender hoje uma matéria tão importante para o Brasil. A minha família mexe com empresa de ônibus, então, acompanho a situação. Sei que mais de 50% dos passageiros utilizam o vale-transporte. Em Brasília, o Governo concede 70% de desconto para o vale-transporte estudantil, portanto, ele custa somente 30% do valor da tarifa. Penso que o vale-transporte foi um ganho do trabalhador. O sistema de transporte do País está caótico e essa medida vai piorar ou simplesmente acabar com o que ainda existe. Parabéns por defender esta bandeira. Conte comigo. V. Exª, que representa tão bem o seu Estado, o Rio Grande do Sul, tem inteira razão e, por eu ter bastante experiência neste assunto, quero parabenizá-lo.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Muito obrigado Senador Valmir Amaral.

Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador, peguei o pára-quedas no ar. Peço desculpas porque estávamos na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania onde pudemos votar alguns projetos importantes que fazem modificações e alterações jurídicas, principalmente nesse período mais difícil, com uma grande contribuição do novo jurista desta Casa, o Senador Sibá Machado. S. Exª está participando ativamente das discussões com o Senador Demóstenes Torres e outros especialistas da Casa. Mas V. Exª, hoje, dá uma demonstração da importância da Bancada do Rio Grande do Sul na discussão do tema do vale-transporte. É isto que V. Exª faz.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Perfeito. É a estranheza de uma alteração desse quilate numa medida provisória.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - O Senador Paulo Paim abriu os trabalhos desta Casa com este tema. Aliás, dois temas importantes estão sendo tratados hoje: a relatoria de V. Exª no Acordo Internacional do Vinho - V. Exª que é grande defensor da produção do vinho no seu Rio Grande do Sul, Estado que hoje é conhecido internacionalmente e que tem conquistado prêmios em vários países pela qualidade do vinho e da uva, e já tive a oportunidade de cumprimentá-lo por isso - e o vale-transporte. Sabemos que, normalmente, alguns usuários - e V. Exª, Senador Valmir Amaral, tem experiência no assunto, portanto, o seu aparte tecnicamente é muito melhor, tem mais objetividade -, vendem o vale-transporte com deságio - e sobre isso fizemos vários enquetes com muitos trabalhadores. Por quê? Para completar o salário-mínimo, Senadora Heloísa Helena. Ninguém vende o vale-transporte para gastar em farras. Vende porque quer aumentar os grãos que leva para a mesa. Sempre tive um princípio: não se pode abrir mão de direitos adquiridos por luta de classe, coletiva ou não. É claro que se pode lutar para conquistar novos direitos, mas, às vezes, há dificuldades por uma série de intercorrências que limitam a oportunidade das concessões. Então, antes de se tirar um direito, é preciso pensar bem, porque o temporal vem, e um raio pode pegar na cabeça daquele que o fizer, como castigo. Então, que Deus o abençoe! Continue nessa luta, mostrando que o Rio Grande do Sul está bastante atento a todos esses fatos que servem não só para a economia, mas para a preservação da cidadania.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Obrigado, Senador Romeu Tuma.

Com relação à questão dos vinhos, esse acordo internacional é de alta importância para o Brasil, não apenas para o Rio Grande do Sul. Hoje, 90% da produção vitivinícola, é verdade, estão no Rio Grande, mas também a Bahia, Pernambuco e outros Estados estão nessa linha. Aliás, nesta semana, em Caxias do Sul, haverá a Festa da Uva, um dos mais bonitos encontros...

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Zambiasi, estou aguardando para apartear V. Exª.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Convide-nos!

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Todos somos convidados a lá estarmos. O Presidente Lula lá esteve na sexta-feira passada e anunciou financiamentos importantes nesse sentido.

Com relação ao vale-transporte, trata-se de direito intocável do trabalhador brasileiro. De forma absolutamente estranha, vem uma alteração embutida numa medida provisória que trata da legislação tributária federal relativa ao Imposto de Renda.

Senador Heráclito Fortes, concedo-lhe o aparte.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Sérgio Zambiasi, começo a ficar tranqüilo com relação a essa questão do vale-transporte, porque vi que o Rio Grande do Sul se levantou. Quando isso acontece é porque o motivo é forte, e a voz ecoa; o minuano leva a repercussão dessa voz Brasil afora. V. Exª falou da presença do Presidente Lula lá, no Rio Grande. Não fiquem assustados se a Liderança do Governo fizer um discurso, aqui, dizendo que foi Lula quem inventou a uva! Estamos vivendo esses factóides, mas paciência... Cumprimento V. Exª pela oportunidade do pronunciamento com relação à manutenção e à defesa do vale-transporte, uma conquista do trabalhador brasileiro, idealizada pelo então Senador Affonso Camargo, do Paraná. Por justiça, faço este registro: Affonso Camargo foi um batalhador, enfrentou várias barreiras na época da implantação desse benefício e travou uma luta fantástica, dura, mas saiu vitorioso. Não podemos jogá-la por terra. Para mim, soará muito mal se, no governo de um trabalhador, esse direito, essa conquista for por água abaixo, deixando o trabalhador, no futuro, sem defesa legal alguma. O trabalhador vai viver apenas à mercê da bondade e da misericórdia dos patrões. Muito obrigado.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Obrigado pela sua manifestação, Senador Heráclito Fortes. Concordo com V. Exª. Esse tema tem uma importância que transcende, realmente, uma simples manifestação desta tribuna, exigindo, obviamente, um posicionamento do Congresso Nacional.

Eu falava com relação ao problema da segurança no transporte público - a segurança nos ônibus, nos terminais, nas paradas de ônibus. Na medida em que o trabalhador tem de sair de casa com dinheiro vivo na mão, ele fica mais ainda à mercê da própria insegurança, seja ao sair de casa, seja na parada do ônibus, seja dentro do ônibus, Senadora Heloísa Helena.

Há um levantamento interessante de que, na cidade de São Paulo, a implantação do Bilhete Único reduziu os assaltos a ônibus de 12 mil por mês - já um número absolutamente assustador - para 2 mil por mês. O Bilhete Único desestimulou os assaltos. À medida que o trabalhador passa a andar com dinheiro vivo na mão, ele se torna uma vítima em potencial. Ora, um ônibus pode levar até 80 passageiros; é um prato cheio para os assaltantes nesse processo de insegurança em que o País vive. Portanto, é mais uma razão para o Congresso reagir a essa inovação na medida provisória, que, aparentemente, pode trazer algum benefício ao trabalhador, por acrescentar ao seu salário dinheiro vivo, mas que, no fundo, pode significar grande prejuízo para o País. Haverá mais veículos nas ruas, mais problemas no trânsito, mais insegurança no trânsito.

Senador Sibá Machado, concedo-lhe o aparte.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Sérgio Zambiasi, estou ouvindo atentamente a preocupação de V. Exª. Não ouvi o Senador Paulo Paim hoje. Sei que matérias que dizem respeito a benefícios dos trabalhadores no Brasil sempre serão motivo de muita atenção desta Casa e do Congresso Nacional. Quero falar de outra medida que está sendo discutida e que trata das empregadas domésticas. Hoje, pelos dados que vi, há em torno de sete milhões de empregadas em todo o Brasil, e menos de dois milhões deverão ter sua carteira profissional devidamente assinada. Com isso, a previdência e os direitos trabalhistas estão sendo cumpridos. Sobre mexer na participação, na isenção de Imposto de Renda para a transferência de custos previdenciários, confesso a V. Exª que, no primeiro momento, o Governo pode perder receita. O debate foi feito nesta semana na Câmara dos Deputados, e eu estava lendo uma matéria sobre a posição do Deputado Francisco Dornelles, que diz tratar-se de tema no qual não se pode, abruptamente, dar uma pancada sem uma análise mais acurada. Nesse caso, também entendo que o assunto mereça certo cuidado, porque a transferência de um valor como esse... Hoje, uma parcela é descontada do trabalhador, e outra, do empregador, para o pagamento do vale-transporte, que, muitas vezes, é dado em tíquete e que, em outras vezes, é dado como compensação financeira mesmo, na própria folha de pagamentos. Isso gera, na cabeça do trabalhador, de certa forma, a receita normal do seu salário. Então, com o acréscimo do vale-transporte, isso passa a ser visto como receita, bem assim o salário-família. O que se leva em consideração, hoje, é a renda dentro da família. Talvez, a nomenclatura possa criar certa ambigüidade de entendimento, mas o trabalhador considera receita versus despesa. Dentro de suas despesas, há alimentação, vestuário, diversão, farmácia, transporte. Solidarizo-me com V. Exª nesse ponto, que merece ser discutido pelo Senador Federal com muita tranqüilidade, para que a matéria não seja mal interpretada e, em vez de contribuir, venha a revelar-se uma grande contradição aos anseios da classe trabalhadora brasileira.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Muito obrigado por sua manifestação, Senador Sibá Machado.

Com relação às empregadas domésticas, eu acrescentaria que hoje elas ainda, infelizmente, são consideradas trabalhadores de segunda. Penso que deveria vir acompanhada a obrigatoriedade do Fundo de Garantia. Essas trabalhadoras ainda não têm 30 dias de férias, normais, como os outros trabalhadores, mas 20 dias, e, quanto ao Fundo de Garantia, ficou autorizado que o patrão pague se quiser, por acordo entre patrão e empregado. É uma discriminação realmente gravíssima.

Nesse sentido, apresentei, ao lado de outros Colegas, projeto que está tramitando nas Comissões da Casa, com o fim de tornar obrigatório o Fundo de Garantia, para, no mínimo, dar melhores condições, inclusive, de simetria entre essas trabalhadoras e esses trabalhadores - existem homens que também são trabalhadores domésticos - com os demais trabalhadores brasileiros.

Apenas para complementar minha manifestação com relação à questão do vale-transporte, utilizo-me de informações finais. Eu diria que, até o momento, o vale-transporte foi um direito intocável do trabalhador brasileiro, que ficava longe de qualquer negociação trabalhista. A partir da Medida Provisória nº 280, o pagamento em dinheiro do vale-transporte vai, sem dúvida, juntar-se ao salário - o Senador Sibá Machado falou muito bem - nas mesas de negociações entre patrões e empregados e até mesmo por ocasião das contratações. Isso é muito grave, é muito sério, porque será barganha do patrão na negociação com o trabalhador.

Essa medida provisória abre, ainda, a possibilidade de pesadas fraudes à previdência social na medida em que o limite de R$160,00, estabelecido como valor teto para o auxílio transporte - já concluo, Sr. Presidente -, sem pagamento de encargos sociais, será usado fatalmente como margem para complementações e aumentos salariais disfarçados, o que é muito sério também.

Esperamos que o Congresso Nacional possa rever e corrigir urgentemente esse grave engano cometido pelo Poder Executivo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/02/2006 - Página 6174