Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Exaltação da Campanha da Fraternidade deste ano, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, que tem como tema "Fraternidade e Pessoas com Deficiência" e o lema "Levanta-te e vem para o meio".

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • Exaltação da Campanha da Fraternidade deste ano, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, que tem como tema "Fraternidade e Pessoas com Deficiência" e o lema "Levanta-te e vem para o meio".
Publicação
Publicação no DSF de 09/03/2006 - Página 7284
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • ELOGIO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), APOIO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, APRESENTAÇÃO, DADOS, INCIDENCIA, POPULAÇÃO, PROTESTO, DISCRIMINAÇÃO, MERCADO DE TRABALHO, SOCIEDADE.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs.e Srs. Senadores, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB promove, anualmente, a chamada Campanha da Fraternidade, quando coloca em debate um tema considerado de grande relevância nacional. Foi assim, por exemplo, em 1996, com “Fraternidade e Política”; em 1997, com “A Fraternidade e os Encarcerados”; em 1998, com “Fraternidade e Educação”, e assim por diante. Dignidade humana, idosos, drogas também são temas que já foram, igualmente, debatidos através da campanha, sempre com o objetivo de despertar, na população e nos formuladores de políticas públicas, uma tomada de consciência sobre cada um dos temas escolhidos.

            No ano passado, a questão discutida foi “Solidariedade e Paz”. Nada mais apropriado num tempo e num mundo de conflitos sangrentos, quando e onde o crime, nos conflitos, na favela e nas esquinas, parece ter sido banalizado, em nome do poder, do dinheiro e do nada. A perda dos princípios mais básicos da vida humana tornou os homens menos racionais, a ponto do número de mortos e feridos pela violência ter se transformado em motivo de ostentação pelos pseudovencedores das guerras, declaradas ou não.

É evidente que, a cada ano, o tema escolhido é aquele que, naquele momento, mais salta aos olhos. Neste ano, infelizmente, poderia ser repetido qualquer dos assuntos anteriores. Afinal, ainda persistem os problemas dos idosos, dos encarcerados, dos povos indígenas, da educação, da fome, da miséria, da violência e de tantos outros. A diferença é, que, hoje, tem-se mais consciência coletiva sobre essas questões, fruto, principalmente, destas mesmas discussões que a Igreja traz à tona, nas Campanhas da Fraternidade.

Neste ano, o tema é “Fraternidade e Pessoas com Deficiência” e o lema “Levanta-te e vem para o meio”, baseado na citação bíblica do evangelho em que Jesus cura o homem que tinha uma das mãos mirrada. Como das vezes anteriores, o tema e o lema vão além da rima, porque tocam numa das questões mais importantes da vida dos povos, em todos os tempos. Hoje, para se ter uma idéia, segundo a ONU, são 500 milhões as pessoas com algum tipo de deficiência, em todo o mundo. Quase três vezes a população brasileira. Quinze argentinas, ou mais de cem uruguais. No Brasil, são 25 milhões, quase 15% da população!

Esses números são, na verdade, parte da questão. Em primeiro lugar, porque são subestimados. Nem todas as pessoas com algum tipo de deficiência, manifestam-nas, por razões diversas, por exemplo para se livrarem da discriminação, principalmente na busca pelo emprego. Outro ponto a ser avaliado é que a deficiência envolve, indiretamente, outros membros da família. Apenas considerando-se os dados oficiais e, imaginando-se que cada pessoa com deficiência envolva, em média, mais um membro do núcleo familiar, são 50 milhões os brasileiros ligados, direta ou indiretamente, à questão.

As pessoas com deficiência já receberam diferentes tipos de denominação, ao longo do tempo. Já foram chamados de “inválidos”, “incapacitados”, “incapazes”, “defeituosos”, “excepcionais”, “especiais”, entre outros. Observe-se que, na maioria das vezes, tais denominações ligam o ser humano à sua capacidade de trabalho. “Inválido” significa “que não vale”, “nulo”, ou “sem valor”. Da mesma forma, “incapacitado”, ou “incapaz”, quer dizer “inábil”, “impossibilitado”, ou, simplesmente, “indivíduo sem capacidade”. Afinal, “sem valor” ou “incapazes” para que? Certamente, para produzir bens, mercadorias ou serviços.

É assim a vida numa economia de mercado: o ser humano é definido segundo a sua capacidade de produção. Ele é normal, somente, se possuir habilidades para gerar mercadorias e serviços. Se não produz, “não rende”. Na contabilidade do mercado, ele é, simplesmente, um “passivo”. Aliás, quantas serão as pessoas deficientes em razão, exatamente, da falta de escrúpulo desse mesmo mercado, quando não lhes oferece condições mínimas de trabalho? Os leucopênicos da siderurgia, os decepados da cana de açúcar, os “inválidos” da construção civil? E é sobre isso que, certamente, a CNBB quer que reflitamos. Que mundo é esse em que o valor da vida é medido em termos de produção, de produtividade e de valor de mercado? Estou certo de que a CNBB deseja que a inclusão das pessoas com deficiência vá além da solidariedade e da benevolência, por mais sublimes que sejam esses sentimentos.

Muitas das deficiências poderiam ser evitadas na sua origem. É que, muitas delas, são conseqüência, exatamente, do modelo econômico excludente imposto pelas economias de mercado. Parcela significativa da deficiência decorre, principalmente, da falta de condições mínimas de vida das populações mais carentes. Desnutrição, falta de saneamento básico, de saúde e de educação são, ali, as causas principais do nanismo, da cegueira, do retardo mental e de tantas outras deficiências que poderiam ser evitadas se essas populações recebessem um mínimo de seus direitos como verdadeiros cidadãos.

Não é à toa que a deficiência atinge, em maior escala, as regiões mais pobres do planeta. No Brasil, os percentuais são maiores no Norte e no Nordeste, atingindo, em áreas nordestinas, quase 20% da população. Isso, em termos oficiais e quando essas mesmas pessoas conseguem ultrapassar a barreira da mortalidade infantil. Não é por acaso, do outro lado, que os menores percentuais encontram-se no sul e no sudeste.

Se o Estado, mesmo que numa economia puramente de mercado, cumprisse, efetivamente, o seu papel, essa realidade poderia, com certeza, ser diferente. Se as políticas públicas fossem democráticas e os recursos escassos fossem canalizados para a maioria, quem sabe não haveria, nem mesmo, necessidade de campanhas da fraternidade tratando de temas como a educação, a saúde, as condições de vida, os povos indígenas, os encarcerados, e muitos outros. Ao contrário, as políticas públicas têm sido, ao longo dos anos, planejadas para a minoria e compensatórias para a maioria. Como políticos responsáveis pelas prioridades orçamentárias, é bom que nos tornemos parceiros da CNBB nessa discussão. Afinal, os temas abordados nas diferentes campanhas devem ser tratados, apenas, no campo da fraternidade? Todos esses temas são questão, apenas, de solidariedade? Ou são um direito, enquanto cidadania?

Não há que se criar um espaço institucional específico para as pessoas com deficiência. Isso, por si só, já seria uma discriminação maior. Assim como o são as instâncias criadas, especialmente, para os negros, as mulheres ou qualquer outra chamada “minoria”. A título de “prioridade”, escamoteiam a verdade da discriminação. Por que um espaço específico separado do contexto maior? Por que não no conjunto das políticas públicas? Afinal, o Tesouro Nacional, os Ministérios do Planejamento, da Fazenda, da Agricultura, do Meio Ambiente, da Saúde, da Educação, ou outro qualquer, são para todos, menos para esses “especiais”, que possuem espaços institucionais próprios? Algo assim como “dirija-se à sua secretaria especial ou ao seu ministério exclusivo”? Todos esses cidadãos têm direitos iguais, sem necessidade de “guetos”. Ora, se a política de trânsito despende recursos, por exemplo, no alargamento de ruas para as populações ditas “normais”, por que a rampa na calçada para as pessoas com deficiência é uma “ação especial”? São diferentes os direitos? Se os jardins centrais são dizimados, pela maior velocidade dos automóveis, por que a vaga especial “para deficientes” é, apenas, um ato de benevolência? Quem é, na verdade, o “especial”?

Infelizmente, a concorrência do dia-a-dia, pela vaga no vestibular ou no emprego, pela busca da “perfeição” física ou, simplesmente, pela sobrevivência, tem nos tornado, cada vez mais, excludentes. Cada vez mais individuais e menos coletivos. Contentamo-nos, na nossa mesquinharia diária, com o conforto das orações e das esmolas. Estamos livres do fogo eterno, porque temos pena dos “necessitados especiais”. Somos misericordiosos, porque ofertamos migalhas, o que nos sobra. Somos bons políticos, porque distribuímos cestas básicas. Somos cristãos, porque vamos à igreja. Isso é muito pouco, e é o que nos ensina a Campanha da Fraternidade.

Portanto, as campanhas da CNBB são, para mim, não apenas movimentos para aumentos de vagas para idosos, pessoas deficientes, negros, índios ou quaisquer outros, no estacionamento do supermercado, na universidade ou no desenho institucional. É muito mais que isso. É um chamamento à razão. É uma ampla reflexão sobre os destinos da humanidade. É uma volta ao projeto de Deus, na criação do homem à sua imagem e semelhança. É para que renasça a esperança de que raie um dia em que não haja necessidade de campanhas de fraternidade, com temas específicos, a cada ano. Em que não haja “especiais”, para o bem ou para o mal. Que sejam todos “iguais em tudo na vida”.

            “Levanta-te e vem para o meio”. Poderia ser “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos”. É a lei de Deus. Um pecado, para quem dispõe em contrário. “Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei”. Poderia ser: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. É a lei dos homens. Um crime, para quem dispõe em contrário.

Que se revoguem, portanto, todas as disposições, e as atitudes, em contrário.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/03/2006 - Página 7284