Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre as alegações inverídicas da Funai da identificação e indenização das comunidades que ocupam terras localizadas na reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima. (como Líder)

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Considerações sobre as alegações inverídicas da Funai da identificação e indenização das comunidades que ocupam terras localizadas na reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima. (como Líder)
Aparteantes
Augusto Botelho, Juvêncio da Fonseca.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/2006 - Página 9943
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, AUTORIA, DEPARTAMENTO DE POLICIA FEDERAL (DPF), ENDEREÇAMENTO, GOVERNADOR, ESTADO DE RORAIMA (RR), APOIO, SECRETARIA DE SEGURANÇA PUBLICA, RETIRADA, POPULAÇÃO, RESERVA INDIGENA.
  • CRITICA, INEFICACIA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), AUSENCIA, CONCLUSÃO, TRABALHO, IDENTIFICAÇÃO, INDENIZAÇÃO, AGRICULTOR, TERRAS, DESAPROPRIAÇÃO, BENEFICIO, COMUNIDADE INDIGENA.
  • SOLICITAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ANDAMENTO, PROCESSO, IMPETRAÇÃO, ORADOR, AUGUSTO BOTELHO, SENADOR, SUSPENSÃO, EXPULSÃO, POPULAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ATIVIDADE AGRICOLA, PRODUÇÃO, ARROZ, PRODUTOR RURAL, TERRAS, DEMARCAÇÃO, DECRETO FEDERAL.
  • CRITICA, AUTORITARISMO, GOVERNO FEDERAL, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), EXPULSÃO, POPULAÇÃO, REGIÃO.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), INFORMAÇÕES, REFERENCIA, POPULAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Como Líder. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Augusto Botelho, Srªs e Srs. Senadores, poucas vezes pedi a palavra para uma comunicação urgente que tenha tanta urgência como esta que farei hoje.

Há dias usei esta tribuna para denunciar, trazendo inclusive um documento oficial da Fundação Nacional do Índio, que a Funai não havia concluído o levantamento das propriedades dos não-índios dentro da reserva Raposa Serra do Sol e também não tinha promovido a indenização das benfeitorias, todas de boa-fé - lógico -, edificadas ao longo de séculos pelas pessoas que moram naquela região, nas chamadas vilas do Mutum, do Socó, do Surumu, da Água Fria, além de outras localidades de colonos, de pequenos criadores e dos rizicultores do meu Estado, que respondem...

Sr. Presidente, eu gostaria muito de silêncio para que eu pudesse falar. Não estou conseguindo me concentrar.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - É um assunto muito sério para o meu Estado e, conseqüentemente, para o Brasil, porque fica na fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana.

A Funai é o órgão “irresponsável” pela tutela dos índios no Brasil. Leiam a Veja da última semana para ver isso com clareza. Nesse documento passado, a Funai informa claramente que não concluiu os trabalhos de identificação, muito menos a indenização dessas pessoas, que, embora vítimas de um decreto equivocado, errado e negligente do Presidente da República, terão de sair no dia 15 do mês que vem, segundo o decreto, se não for revogado até lá ou modificado pelo próprio Presidente, se tiver juízo.

Ora, a Funai nos dá essa informação, e a Polícia Federal, Sr. Presidente - V. Exª, que é do meu Estado, conhece o problema muito de perto -, manda um ofício ao Governador do Estado, cuja íntegra vou ler e peço que seja transcrito como parte do meu pronunciamento.

Vou esperar que, a partir daqui, o Supremo Tribunal Federal dê andamento à ação impetrada por mim e V. Exª e em que o Governo do Estado entrou como litisconsorte, para que não haja essa expulsão, à la Rússia do tempo da cortina de ferro, de moradores brasileiros, índios, não-índios e mestiços de índios que estão lá. Não se trata de uma reserva indígena qualquer, não. É uma reserva indígena de 1,7 milhão de hectares, onde estão situadas quatro pequenas cidades e que abrange três Municípios do meu Estado, um dos quais é Normandia, que tem como prefeito um índio, que suspendeu as solenidades folclóricas tradicionais no seu Município em protesto contra esse ato arbitrário do Governo Federal; o outro Município é Uiramutã, dirigido por uma neta de índio e que tem vários vereadores índios; o terceiro, Pacaraima, é onde fica outra vila, cujo vice-prefeito é índio e tem vários vereadores índios.

O que diz o documento da Funai?

Serviço Público Federal

MJ - Departamento de Polícia Federal

Superintendência Regional em Roraima

Data: 27 de março - portanto, anteontem -, dirigido a S. Exª o Sr. Ottomar de Souza Pinto, Governador do Estado de Roraima.

Assunto: Solicitação de apoio de pessoal da Secretaria de Segurança Pública para garantia da segurança e ordem na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Senhor Governador,

A Presidência da República, por meio de Decreto, homologou a Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, confirmando critérios estabelecidos pela Portaria 534 - isso é mentira, porque essa portaria não foi publicada no momento em que o Supremo julgou, portanto, não deveria ter servido de base para o decreto do Presidente -, do Ministério da Justiça, sob o fundamento de integração e preservação cultural e ambiental da região - integração, não; deveriam ter escrito desintegração regional -, defendendo questões de interesse nacional, de segurança das fronteiras e do princípio federativo.

            Nunca vi tanta mentira em um parágrafo só de um artigo de um órgão federal.

Com a homologação, fica proibido o ingresso, o trânsito e a permanência de pessoas ou grupos de não-índios dentro do perímetro da reserva, ressalvadas a presença e ação de autoridades federais - ele está pedindo apoio federal -, bem como a de particulares especialmente autorizados.

É um apartheid dentro do Brasil. Nós estamos criando aqui uma área que vai ficar à parte do Brasil.

A retirada de colonos e rizicultores não-índios da área ficou estabelecida para um prazo não superior a um ano a partir da data da homologação (15/04/2005) - em 15/04/06, ele já está dizendo que precisa tirar todo mundo -, por meio de trabalho conjunto entre a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) acerca da identificação, indenização por benfeitorias e assentamentos.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Eu gostaria que V. Exª me concedesse um prazo porque é um assunto da maior gravidade e urgência para o meu Estado.

Então, não foi feita nem a identificação, Sr. Presidente, nem a indenização pelas benfeitorias e muito menos assentamento. Porque assentamento mesmo nunca foi feito em nenhuma reserva indígena no meu Estado. Essa de que estou falando é a 35ª reserva demarcada. Já tinham sido demarcadas 34 outras reservas indígenas.

Restando menos de um mês para o mencionado prazo, cumpre informar que 90% (noventa por cento) da área homologada encontra-se identificada para regular indenização e assentamento, todavia, os ocupantes da parcela restante notoriamente vêm demonstrando flagrante hostilidade e disposição para inviabilizar o processo executado por Funai e Incra.

É outra mentira. Não há 90% das comunidades identificadas nem indenizadas.

A Polícia Federal, por este motivo, foi acionada para garantir a segurança nos locais, que correspondem precisamente à Vila do Surumu e oito fazendas na mesma região.

Essas oito fazendas são de propriedade de colonos do Paraná e do Rio Grande do Sul, produtores de arroz, que respondem por 25% do Produto Interno Bruto do meu Estado. Veja bem, Senador Flexa Ribeiro, são oito fazendas, segundo palavras dele - o que também não é verdade - produtoras de arroz para o consumo interno e também para exportação, para Manaus e para a Venezuela. Essa produção corresponde a 25% do PIB do meu Estado e é responsável por mais de 8 mil empregos diretos e indiretos. Evidentemente, essas pessoas têm o direito legal de recorrer à Justiça para não obedecer a decreto menor do Presidente da República.

Em razão deste trabalho preliminar de segurança e identificação, venho por meio deste solicitar o apoio da Polícia Militar nesta empreitada de 14 (quatorze) dias, auxiliando este órgão na garantia da ordem, disponibilizando, se possível, um pelotão da Companhia Independente de Operações Especiais.

Assina o documento Ivan Herrero Fernandes, Delegado Regional Executivo da Polícia Federal.

Os paradoxos são de toda ordem. Primeiro, quando foi para demarcar, eles não pediram a opinião do Estado, nem levaram em consideração os argumentos do Estado. Sequer a Comissão Externa do Senado foi considerada. A Comissão, que teve como Relator o Senador Delcídio Amaral, foi ao Estado e ofereceu uma alternativa de demarcação que evitaria perfeitamente esse conflito. Já se gastaram lá, numa pseudo-operação preventiva, mais de 200 milhões de reais com Polícia Federal, Exército, para impedir qualquer manifestação contra a demarcação da Raposa Serra do Sol.

Sr. Presidente, me admira que este Governo permita manifestação de todo tipo; estamos vendo aí o MST depredando, invadindo, queimando, e tudo é considerado legítimo porque é um movimento social que se opõe à forma como o Governo vem fazendo a reforma agrária. Em compensação, lá no meu Estado, gastam-se milhões de reais para evitar que algumas famílias que moram lá há séculos possam protestar, quer dizer, usa-se um método ditatorial para manietar, e agora vão-se gastar outros milhões para expulsar das casas aqueles moradores. Não aceito isso. Já entramos, eu e o Senador Augusto Botelho, com uma ação no Supremo para evitar isso porque o mérito da questão não foi resolvido pelo Supremo. Lamentavelmente, o Ministro Carlos Ayres Britto, que foi muito rapidinho quando tratou de derrubar a Portaria 820 e dizer que a 534 estava valendo, sem ser publicada, declarou a perda de objeto das demais ações. Entramos com embargos, estamos lutando e entramos com a ação agora para que essa infâmia não seja cometida contra os moradores daquela região.

Sr. Presidente, tenho aqui justamente o ofício da FUNAI a que fiz referência, desmentindo o ofício do senhor delegado da Polícia Federal: “O resultado final dos trabalhos de campo não foram concluídos com a sintetização das informações já levantadas junto aos interessados, o que deverá estar ocorrendo nesta etapa dos trabalhos (...)”.

Vejam que são dois órgãos oficiais do mesmo Governo Federal que não se entendem, que na verdade prestam um desserviço ao Governo Lula e ao País. O Governo Lula se deixa levar por pressões de ONGs e não ouve o povo do Estado, não ouve os Senadores do Estado - pelo menos falo por mim e pelo Senador Augusto -, que estamos exaustivamente aqui denunciando essas medidas. Recentemente, quando a Vila do Surumu, que é uma das vilas que está dentro da reserva, completava 61 anos formais de existência, o delegado da Funai em Roraima mandou um ofício suspendendo as festividades.

Para concluir, Sr. Presidente, quero pedir providências do Senado para que se respeite o relatório da Comissão Externa do Senado, que não acatou isto aqui. Ao Senador Juvêncio, que é o Relator de um projeto de decreto legislativo de minha autoria, que visa derrubar esse decreto do Presidente da República; que votemos rápido.

Apelo para a tolerância de V. Exª, Sr. Presidente, para ouvir o aparte do Senador Augusto Botelho, que é parte diretamente interessada nesta questão.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Senador Mozarildo, faço um aparte a V. Exª só para deixar bem claro e lembrar que essas 600 famílias que vão ser retiradas do Mutum, Socó, Água Fria e Vila Pereira são pessoas pobres. As casas dessas pessoas, quando forem avaliadas - casas de taipa -, não vão valer três mil, quatro mil reais ou cinco mil; e essas famílias estão ali há duas, três gerações; vivem em comunidade. Eles moram ali, fazem uma roça pertinho e vivem dessa roça; têm sua criação de carneiro, de galinha. São núcleos municipais já instalados e existentes. Os antropólogos falsificam os laudos e não os citam. Quer dizer, esse decreto do Presidente foi baseado em um laudo antropológico falso. Espero que o Presidente seja iluminado e não cometa uma injustiça, porque serão 600 famílias sem terras em Roraima; famílias sem terra, sem casas, sem empregos, sem coisa nenhuma.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Sem saúde e sem paz.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Sem saúde e sem paz. Há ainda o perigo de uma reação, porque o pessoal já sabe que das 35 áreas indígenas demarcadas no Estado nenhuma família foi reassentada, e as que receberam indenização conseguiram isso quinze, vinte, trinta anos depois. O valor pago foi irrisório, não era nem um décimo do que valia a terra quando dela saíram. Muito obrigado.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Ouço o Senador Juvêncio da Fonseca, com a permissão do nosso Presidente.

O Sr. Juvêncio da Fonseca (PSDB - MS) - Senador Mozarildo, o trabalho de V. Exª nesta Casa é constante em defesa do seu Estado, em defesa da sua gente, em defesa do índio, em defesa da boa demarcação das terras indígenas. Eu estou com o projeto de V. Exª para relatar já há algum tempo. Se nós não chegamos ainda ao final do parecer é porque estamos em busca de uma documentação que complete os documentos que estão apostos ao projeto. V. Exª já satisfez parcialmente essa documentação, e está na hora de fechar para que possamos dar um parecer substancioso. O que aconteceu na Raposa Serra do Sol é uma injustiça muito grande contra a etnia indígena que está lá e contra os brancos que habitam aquela região, principalmente aqueles que produzem na área do Estado de V. Exª.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Juvêncio, pois acompanhou inclusive o trabalho da Comissão Externa do Senado e é o Relator desse projeto de decreto legislativo que visa a suspender o malfadado decreto do Presidente da República. O que se quer, para resumir, para as pessoas que estão no Sul, no Sudeste, no litoral do Brasil e que não conseguem compreender muito bem essa questão indígena, é tirar 320 mil hectares de 1,7 milhão de hectares. A reserva vai continuar com 1,4 milhão de hectares. Cabem vários Estados de Sergipe e Alagoas dentro. Ninguém está querendo o contrário. E o que é mais importante e alarmante, Senador Paim, é que os índios que moram lá não querem esse tipo de demarcação porque é um apartheid, pois vão-se tirar parentes deles, que são casados com não-índios. Para citar um exemplo, o Secretário do Índio de Roraima, um índio macuxi, é casado com uma não-índia. Isso é o simbolismo do Brasil real.

Entretanto, os “ongueiros” querem fabricar um Brasil, irreal - aliás, a revista Veja desta semana coloca muito bem -, como se Pedro Álvares Cabral tivesse acabado de chegar à Bahia. E não é verdade. Nós temos índios que são doutores, que têm mestrado, índios que sabem o que querem. Agora, tem gente querendo impor aos índios o que eles não querem. O que eles querem é dignidade humana, saúde, educação e oportunidade de trabalho.

Muito obrigado.

Sr. Presidente, só para concluir, peço que sejam transcritos, na íntegra, os documentos aqui citados.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

- Ofício da Superintendência Regional da Polícia Federal em Roraima;

-Ofício da Funai


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/2006 - Página 9943