Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários às afirmações atribuídas ao Presidente da Bolívia, Sr. Evo Morales, em que supostamente disse que "Lamenta muito que o Acre tenha sido comprado em troca de um cavalo".

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Comentários às afirmações atribuídas ao Presidente da Bolívia, Sr. Evo Morales, em que supostamente disse que "Lamenta muito que o Acre tenha sido comprado em troca de um cavalo".
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2006 - Página 16252
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • PROTESTO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, CRITICA, FORMA, AQUISIÇÃO, BRASIL, TERRITORIO, ESTADO DO ACRE (AC).
  • COMENTARIO, SUSPEIÇÃO, MOTIVO, DECISÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, BOLIVIA, NACIONALIZAÇÃO, GAS NATURAL, REPRESALIA, GOVERNO BRASILEIRO, AQUISIÇÃO, ESTADO DO ACRE (AC).

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Caríssimo Sr. Presidente, Senador Mão Santa, prezados companheiros que aqui ainda resistem com suas presenças, contrariando o Senador Cristovam Buarque, vou ferir o affaire Brasil-Bolívia, mas o faço por uma razão: há um fato novo.

Eu venho acompanhando o debate sobre esse assunto nos últimos dias e não havia ainda me pronunciado sobre a questão por considerar que meu discurso, a par do que já vem sendo dito nesta Casa, não acrescentaria muito.

Qual é o fato em si? É o reconhecimento que todos nós somos obrigados a fazer da soberania do povo boliviano e do direito que aquela nação tem de definir os rumos e a vida no seu país. Interesses brasileiros, empresas brasileiras estão envolvidas nesse imbróglio e, como bem diz o Senador Cristovam Buarque, são grandes o suficiente para saírem dessa situação com suas questões resolvidas.

Acontece, Sr. Presidente Mão Santa, que hoje nos deparamos com afirmações atribuídas ao Presidente Evo Morales que, se autênticas, se verdadeiras, mudam completamente o quadro que vem sendo analisado nesta Casa acerca dessa questão. Ressalvo a possibilidade de o que é reproduzido pela mídia não corresponder exatamente à verdade, tenho ainda esperança de ver desmentida a notícia de que o Presidente Evo Morales pronunciou a seguinte frase: “Lamento muito que o Acre tenha sido comprado em troca de um cavalo”.

Ele mexeu com os calos dos acreanos e também dos brasileiros, Senador Mão Santa, e explico por quê. Primeiro, porque isso é uma arrematada mentira. Ele mente deslavadamente ou falta com a verdade por desconhecimento histórico inclusive. Ele não tem direito a uma coisa nem a outra. O presidente de uma nação amiga não tem o direito de mentir e, muito menos, de faltar com a verdade por desconhecimento histórico.

O Acre foi conquistado naquela que, no Acre, consagramos como Revolução Acreana. Ela envolveu milhares de acreanos e nordestinos que, comandados pelo Coronel Plácido de Castro, conquistaram o Estado à bala, Senador Mão Santa. O Acre é o único Estado que fez a opção de ser brasileiro.

Se for verdade que o Presidente Evo Morales fez essa afirmação, ela é lastimável. Não lhe assiste o direito de fazer tal afirmação. Com isso, ele talvez esteja trazendo à luz a sua verdadeira motivação, que seria, na verdade, Senador Heráclito Fortes, pura retaliação ao País.

Acreditava-se, até poucos instantes atrás, que a sua motivação seria a defesa do direito legítimo do povo boliviano de determinar o seu destino fixando a sua soberania. Esse direito é incontestável. Não há Senador, não há brasileiro, não há ninguém que não reconheça o direito do povo boliviano de fixar os limites de sua soberania e de pugnar por eles.

A Bolívia é um país bem menor do que o Brasil, mas historicamente, como nós, Senador Mão Santa, também é um país, nas suas origens, espoliado, colonizado, explorado. Então, é legítimo o direito do povo boliviano de fixar, de querer fixar agora os limites de sua soberania. Isso constava da plataforma de campanha do Presidente Evo Morales e, como dizem aqui e disseram vários Senadores, ele apenas dá cumprimento ao programa de campanha e de governo que ele prometeu seguir.

No entanto, ele afirma que lamenta que o Acre tenha sido comprado em troca de um cavalo, o que é uma rematada mentira. Isso, Senador Mão Santa, dito por um cidadão boliviano que, com todo o direito, tivesse tomado uma carraspana e estivesse inebriado em praça pública, já não seria aceitável, o que dirá dito pelo presidente do país! É inadmissível que algo dessa natureza tenha sido proferido pelo mandatário de uma nação amiga como a nação boliviana.

Portanto, eu queria aqui fazer uma reflexão e por isso me obriguei a vir aqui tratar desse assunto pela primeira vez. Eu não havia ainda me envolvido na discussão desse assunto, acompanhava-o com atenção nesta Casa, mas não havia me envolvido. Mas hoje não poderia deixar passar batido esse assunto, porque a afirmação do Presidente Evo Morales muda completamente o quadro. A motivação do povo boliviano é a afirmação de sua soberania. Se o Presidente Evo Morales disse exatamente o que está escrito aqui, ele revela que a motivação dele, pessoal, é a retaliação, o que é algo absolutamente inadmissível.

Espero, inclusive, que, numa outra declaração, ele possa, quem sabe, Senador Mão Santa, colocar as coisas em outros termos, porque não há possibilidade de admitirmos estes. Conduzir os interesses da Bolívia e do povo boliviano com base em ressentimentos pequenos e na retaliação, Senador Cristovam Buarque, é algo inadmissível, não pode figurar como fazendo parte da índole de um mandatário, de um presidente de um país amigo.

Conheço a índole do povo boliviano pela convivência fronteiriça e sei que é um povo bravo, um povo valente, mas que também é amistoso e fraterno. Sendo assim, sei que a motivação daquele povo jamais será a da retaliação.

Portanto, com essa afirmação, o Presidente Evo Morales corre um sério risco de se isolar, inclusive no seu País, trazendo à luz a verdadeira motivação que o levou a tomar de nacionalização das riquezas do subsolo boliviano, o que admitimos e respeitamos, porque pugnamos da mesma forma em nosso País.

Quero, portanto, lavrar o meu protesto, Senador Mão Santa. Primeiro pela indelicadeza, pela infelicidade das declarações do Presidente da Bolívia, se elas corresponderem à verdade, se ele efetivamente as proferiu. Estou aqui ressalvando a possibilidade de ele não ter dito isso. Ressalvo essa possibilidade.

Mas, se a Imprensa reproduziu com fidelidade as afirmações do Sr. Presidente Evo Morales, quero lavrar meu veemente protesto em meu nome pessoal, em nome do povo acreano, em nome do povo brasileiro, que não pode admitir, de forma alguma, que um fato histórico ocorrido há mais de cem anos, já superado, possa vir à luz agora provocar um ato que fundamenta a motivação do Presidente Morales: pura retaliação.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2006 - Página 16252