Discurso durante a 70ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A questão das reformas políticas e das reformas institucionais.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • A questão das reformas políticas e das reformas institucionais.
Publicação
Publicação no DSF de 31/05/2006 - Página 18478
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • ANALISE, PROCESSO ELEITORAL, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, EVOLUÇÃO, UTILIZAÇÃO, TECNOLOGIA, INFORMATICA, COMBATE, FRAUDE, REGISTRO, HISTORIA, BRASIL, AUSENCIA, OCORRENCIA, REFORMA POLITICA, TRANSCRIÇÃO, TRECHO, OBRA INTELECTUAL, JURISTA, CIENTISTA POLITICO, IMPORTANCIA, REFORÇO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, AMPLIAÇÃO, REPRESENTAÇÃO, VOTO.
  • CONCLAMAÇÃO, INICIO, DEBATE, REFORMA POLITICA, POSTERIORIDADE, POSSE, CANDIDATO ELEITO, ELEIÇÕES.

O SR. MARCO MARCIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Nobre Presidente desta sessão, ilustre Senador João Alberto, do PMDB do Maranhão, já o conheço de muito tempo, posto que foi Deputado Federal - um competente Deputado Federal, Governador do seu Estado e também no Senado tem uma atuação caracterizada pela defesa dos problemas do seu Estado e do seu povo, o que o faz, certamente, um dos melhores homens públicos do nosso País. Portanto, os cumprimentos a V. Exª pela sua atuação no Senado Federal.

Sr. Presidente, estou falando neste instante por uma gentileza do nobre Senador Cristovam Buarque, que admitiu fazer uma permuta comigo para que eu pudesse falar antes dele.

O tema que vou versar, Sr. Presidente, diz respeito às reformas políticas que, no Brasil, se têm cingindo a sucessivas reformulações de natureza eleitoral. Criamos, talvez, com isso, a síndrome de tomar por políticas simples mudanças pontuais do sistema partidário-eleitoral. E a melhor evidência é que conquanto multiplicando-se ao longo do tempo essas reiteradas reformas se restringiram à mudança do sistema majoritário do adotado no Império em 1821, pelo sistema proporcional, instituído, mais de um século depois, pelo Código Eleitoral de 1932, logo após a Revolução de Trinta. Isso nos leva a indagar em que medida tais mudanças, ajudaram a aprimorar nossas instituições político-representativas. Todo o arcabouço legal nesse terreno, além de normas constitucionais, restringe-se a apenas quatro ordenamentos distintos: o Código Eleitoral de 1965, a Lei Complementar de Inelegibilidades de 1990, a Lei dos Partidos de 1995 e a Lei Eleitoral de 1995, destas duas últimas, aliás, tive o ensejo de participar como Vice-Presidente da República. Com exceção do Código Eleitoral, as demais foram sancionadas na década de noventa do século anterior. As Resoluções do TSE, no entanto, somam mais de 20 mil. Forçoso é reconhecer, porém, que os avanços substantivos do sistema eleitoral brasileiro decorreram mais de políticas adotadas nos últimos anos, do que de mudanças legais. Refiro-me, em especial, à informatização dos processos eleitorais que incontestavelmente, serviu para aumentar a legitimidade do sistema, banir as práticas mais usuais de fraudes e manipulação e, em conseqüência, diminuir sensivelmente os recursos judiciais sobre os pleitos, de tão nefasta memória em nossas plagas. Isso sem contar que tal providência propiciou igualmente a melhora de nossa imagem no exterior, pois o Brasil, segundo maior eleitorado do mundo ocidental, consegue proclamar o resultado final dos pleitos poucas horas após a votação.

Como se vê, as verdadeiras reformas institucionais que o País reclama não dependem somente de mudanças nas leis, mas, também do saneamento das práticas e dos processos correntes.

Mais do que isso, algumas dessas alterações depois, não têm sido mais do que um recurso que, tal como indica a origem etimológica do termo, dizem mais respeito as aspectos formais dessas mudanças, do que à sua substância que interessa mais à sociedade brasileira do que ao conjunto do “estamento político”. Examinando-se volume coligido em 1874, por Antonio Pereira Pinto, intitulado “Reforma Eleitoral”, somos levados a constatar - e a lamentar - que a mais efetiva das mudanças, ocorrida em 65 anos de duração da Monarquia se cingiu à Lei Saraiva de 1881. Ao transformar em diretas as eleições de dois graus adotadas em 1822, o que pareceu um avanço, terminou se transformando num retrocesso, na medida em que aumentaram as exigências para comprovação da renda dos eleitores, reduzindo-se, como decorrência o Colégio Eleitoral. Uma vez que não há alternativas aos sistemas eleitorais, que as modalidades majoritária ou proporcional, e que esta última além de se encontrar consagrada em todas as constituições democráticas do País, desde 1934, é adotada - embora no Brasil por listas abertas lamentavelmente - na maior parte do mundo, por ensejar menores inconvenientes que o sistema majoritário - este, aqui, conhecido pela apelido de “distrital”. Talvez seja hora de refletir conjuntamente a propósito dos passos a serem dados tão pronto esteja encerrado o pleito deste ano.

É importante ter presente serem as reformas de que necessitamos para vencer o agudo déficit de governabilidade que, por sua vez, limita o nosso processo de desenvolvimento, se alojam além do mero campo político, para se situarem no território das instituições.

Mais do que meus argumentos, parecem-me úteis as lições de Norberto Bobbio, contidos no seu livro “Entre Duas Repúblicas” em que o Mestre analisou, ao fim da Segunda Grande Guerra, a conjuntura que vivia seu País quando se discutia o futuro da Itália, e os rumos de sua Constituição de 1946 que, lá como aqui, tinha o objetivo de devolver às nações, a democracia tão cruelmente banida, lá pelo fascismo, aqui pelo Estado Novo. A transcrição de trechos iniciais do livro, sob o título “Homens e Instituições” justifica-se por si mesma, e por sua enorme atualidade e aplicar-se a nossa realidade: “Há ainda quem diga a política é questão dos homens. Tais pessoas formavam, durante o fascismo, alinhamento dos iludidos, porque admitiam que tudo seria dado certo se, no lugar desses homens, corruptos e prepotentes, houvesse outros homens, honestos e íntegros. Essas pessoas são, hoje, as mesmas que vão aumentar a fila dos desiludidos, porque descobrem que nem todos os governantes são Péricles e, nem todos os membros dos Comitês da Libertação Nacional são Catão. Esse conceito, melhor dizendo, esse pré-conceito, baseia-se na divisão abstrata e moralista dos homens, de todos os homens, em bons e maus, e na falsa e ingênua opinião de que a política seja a simples arte de colocar os bons no lugar dos maus”. Infere-se, portanto, de suas palavras, que a questão desloca-se do âmbito das pessoas - isto é, com suas virtudes e defeitos - para corretamente se situar no edifício de autênticas instituições. Observa, mais adiante, Bobbio: “para quem insistir em dizer que é questão de homens, responderemos com absoluta segurança, que é de instituições. Os homens em sua maioria, são aquilo que são; as boas instituições revelam as qualidades positivas, as más, as negativas. Uma instituição onde os homens se corrompem e antepõem o próprio interesse no interesse público, não resta dúvida, é uma má instituição. Ora, recriminar a malvadeza dos governantes, quando as instituições não são boas, é, no mínimo, tão absurdo quanto esperar que os governantes se tornem providencialmente sábios sem que as más instituições sejam removidas”.

Prossigo citando o filósofo-jurista e cientista político Noberto Bobbio: “Nunca, como hoje, ficou tão claro que o problema da renovação política, com a qual estamos comprometidos, é problema de renovação das instituições...” “Mas quais?” - pergunta, mais adiante, Bobbio - para responder com “instituições democráticas”. São aquelas “que chamam o maior número possível de cidadãos à responsabilidade do poder, sem amarrá-los; que ampliando o sufrágio, a participação, o controle impede alguns poucos de transformar o Estado em fortaleza de privilégios e de tirar do poder todas as vantagens, descartando todas as responsabilidades. E eis que retornamos, assim, à oposição entre homens e instituições, a qual nos dá a exata medida da diferença essencial que separa um regime totalitário de um regime democrático...”, isto é, segundo Bobbio, “augurando o de um regime democrático, fazemos votos para que seja constituído um sistema político em que, ao contrário, as instituições sejam tão duradouras e de difícil revogação quanto forem substituíveis e mutáveis os indivíduos um sistema político em que um decreto ordinário seja suficiente para destruir homens de governo que realizam mal o seu trabalho mas que, para mudar uma instituição, ocorra, não uma guerra mundial ou uma revolução, mas uma reviravolta completa na situação política do país”. E encerra, referindo-se aos trabalhos que então se desenvolviam para elaborar a Carta Constitucional Italiana de 1946: “A Constituinte terá, portanto, o dever de substituir uma vez por todas o poder dos homens pelo governo das instituições democráticas”.

Reportando-se ao texto “Instituições democráticas”, ainda adverte Bobbio: “Há quem reduza a democracia à mera formalidade, definindo como regime democrático aquele em que a classe política é eleita pelos cidadãos, ao contrário do que ocorre nos regimes totalitários, nos quais a própria classe política se impõe com a força. Percebe-se que em tal regime, ao qual podemos dar o nome de democracia formal e não real, a democracia torna-se mais perfeita, à medida que é ampliado o sufrágio: de fato, o programa máximo dessa democracia é o sufrágio universal.

Democracia hoje quer dizer”, enfatiza, uma vez mais, Bobbio, “antes de tudo, dar o Estado aos cidadãos, preencher o máximo possível o vazio entre o indivíduo e o Estado, trazer, em síntese o Estado para o nível dos homens, levando o cidadão ao governo, à administração, não somente nas prefeituras, mas também nas fábricas, nas profissões, nas escolas, etc., dando à maior parte dos indivíduos de maneira direta, e não apenas indireta, os deveres e responsabilidades do cidadão”. Além disso, acrescenta o cientista italiano, com pertinência, não constituir a democracia em simples formas de escolha de governantes, para observar que a “democracia tem um método que a distingue substancialmente, de todas as outras formas de governo. Esse objetivo é a educação dos cidadãos à liberdade. Só o homem livre é responsável; o homem, porém, não nasce livre a não ser na abstração dos iIuministas: ele torna-se livre em um ambiente social onde as condições econômicas, políticas e culturais sejam tais que o conduzam, mesmo a contragosto, a adquirir a consciência do próprio valor do homem e, assim, das próprias possibilidades e dos próprios limites no mundo dos outros homens.

Impõem-se, em conseqüência, instituições democráticas capazes de oferecer ao indivíduo “o exercício da liberdade, mas a consolidar e a desenvolver nesse indivíduo o próprio sentido da liberdade”, isto é, “para que a massa informe e inerte de vítimas e dos súcubos da vontade da potência se articule em uma multiplicidade de pessoas conscientes do próprio valor e dos próprios limites, não mais sujeitando-se ao arbítrio daqueles que detêm um poder sem controle”.

Tais considerações, verdadeiramente luminares, do fecundo pensador e formulador que foi Bobbio, leva-nos às reformas que o Brasil pede, a Nação reclama, e a consciência coletiva demanda. Uma constituição, emendada quase 60 vezes em menos de 18 anos, ao sabor das mais variadas conveniências, não conseguiu criar, em que pese avanços na busca do Estado de Direito, costumes democráticos, e como parece ser a evidência dos fatos mais recentes verificados na história política brasileira, não edificou a democracia real, não construiu uma obra do tempo, a democracia efetiva sem a qual a idéia democrática não viceja na mente do corpo social. Daí a necessidade de trocar o hábito de reformas que na realidade não transformam, pelo de lutar por mudanças institucionais, capazes de dotar a Nação de uma Democracia tão almejada, todavia ainda tão distante de nós. A que praticamos, a cada dois anos, como agora, através de eleições, para legitimar a investidura do poder político, pode ser um instrumento, mas não um objetivo que una todos os brasileiros em torno desse que deve ser o ideal comum a todo o País. 

Mas, afinal, o que vem a ser uma instituição, se almejamos reformas institucionais? Com lecionou o professor Karl Deutsch, em seu livro Política e Governo, “uma instituição é coleção, ordenada e mais ou menos formada de funções e hábitos humanos - isto é, de expectativas encadeadas de comportamento - que redunda numa organização ou prática estável, cuja ação pode ser prevista com certa margem de segurança. Os governos, as universidades, os hospitais, os tribunais, as comissões de planejamento e firmas comerciais são organização desse tipo; as votações, o crescimento, a propriedade e a lei representam algumas dessas práticas. Institucionalizar uma prática, um processo ou serviço é mudá-los, de uma atividade informal e insuficientemente organizada para outra altamente organizada e formal”. Não basta, porém, considerarmos as instituições sob o ponto de vista político e jurídico, mas, ao contrário, “é indispensável levarmos em conta também o seu aspecto social, já que tudo que é social é coercitivo e sob essa ótica, a instituição é uma coerção socialmente eficaz”.

As reformas institucionais, portanto, são as que dizem respeito, de um lado, à eficiência das instituições sociais e de outro, à utilidade e eficácia das instituições públicas. Sem coerção social, a ciência política se transforma em simples exercício imoderado e imprevisível de poder. Assim temos aprendido ao longo de nossa evolução histórica. Por isso, a maioria de nossas mudanças políticas e de nossas reformas sociais e econômicas tem sido resultado da imposição e não do consenso. As reformas institucionais que tenham a virtude de atender às aspirações da sociedade, mais do que a conveniência dos partidos, das ideologias e dos grupos de interesse que gravitam em torno da política, por legítimas que sejam seus objetivos, têm que considerar mais, acima de tudo os seus efeitos, a consideração dos seus conceitos. E a primeira e mais antiga - repita-se - das instituições do mundo civilizado é o Estado, em todas as suas formas e as suas modalidades. Não porque seja a mais importante das instituições humanas, mas pelos atributos que a ele vêm associados: o poder, o monopólio do uso da força, a repressão e, como testemunham ainda os nossos tempos, o recurso à violência. Hoje, já não há limites para a ação do Estado, seja para beneficiar, proteger ou prejudicar. Os limites para moderar a ação do poder político, são todos antigos, de quase três séculos. Talvez o mais eficaz e seguramente o mais velho deles, é o da separação dos poderes. Mais tem sido, também, insuficiente para conter os abusos a que, ao longo do tempo, se habituou o exercício imoderado da autoridade e proporcionou ao mundo os mais dramáticos espetáculos de violência: as guerras, os conflitos armados e as formas não menos destrutivas do homem e de seus ideais; a miséria, a fome, a marginalização, a discriminação, a pobreza, a indigência, o abandono, sem esquecer a indiferença.

Concluo, Sr. Presidente, as minhas palavras dizendo que, para reformar o Estado é preciso, tão logo se inicie a próxima legislatura e sejam investidos em suas funções os titulares do Executivo, eleitos em outubro próximo, revermos o conceito em que se fundamenta sua própria legitimidade, sua utilidade, suas finalidades e os limites de sua atuação. Essa deve ser a nossa missão, por constituir, penso, uma aspiração de toda a sociedade brasileira.

Agradeço a V.Exª, Sr. Presidente, o tempo que me concedeu.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/05/2006 - Página 18478