Discurso durante a 79ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta para a politização do Poder Judiciário.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Alerta para a politização do Poder Judiciário.
Publicação
Republicação no DSF de 23/06/2006 - Página 21355
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • ANALISE, ATUALIDADE, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO PENAL, ARBITRIO, PRESUNÇÃO, CONDUTA, DEFINIÇÃO, CRIME.
  • COMENTARIO, ARBITRIO, MULTA, APREENSÃO, VEICULOS, MOTORISTA, TAXI, MUNICIPIO, GUAJARA-MIRIM (RO), ESTADO DE RONDONIA (RO), TRANSPORTE, MERCADORIA, FRONTEIRA, INJUSTIÇA, LEGISLAÇÃO, REGISTRO, MOBILIZAÇÃO, COMUNIDADE.
  • APREENSÃO, NATUREZA POLITICA, ATUAÇÃO, JUDICIARIO, PREJUIZO, DEMOCRACIA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, OFICIO, SINDICATO, CONDUTOR AUTONOMO, ESTADO DE RONDONIA (RO).

*********************************************************************************

DISCURSO PROFERIDO PELO SR. SENADOR AMIR LANDO NA SESSÃO DO DIA 12 DE JUNHO DE 2006, QUE, RETIRADO PARA REVISÃO PELO ORADOR, ORA SE PUBLICA.

*********************************************************************************

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não diria que vivemos o fim dos tempos, nem estamos desvendando os sete selos do Apocalipse. Vivemos, sobretudo, um tempo que, certamente, haveremos de chorá-lo, como choramos a Idade Média, o Santo Ofício, a Revolução Francesa. Depois do momento de Hitler, tivemos que chorar o Holocausto e tantas outras circunstâncias em que o homem foi o grande sicário do homem, em que o homem não respeitou os direitos e garantias individuais, em que a lei foi brandida, sim, com mão-de-ferro, tendo um viés da responsabilidade objetiva.

            Ora, Sr. Presidente, eu aprendi, nas primeiras lições de Direito Penal, que o crime se compõe de duas faces: o elemento objetivo ou material e o elemento subjetivo, elemento intencional do agente criminoso.

Aqui, não há mais a mínima consideração sobre o que motivou ou impulsionou o eventual agente à prática criminosa. Há uma presunção absoluta e objetiva da conduta tipificada: estamos criminalizando tudo. Tudo está sendo criminalizado.

Quem leu algumas exposições, sobretudo da legislação da Idade Média, vai encontrar algo muito parecido. Encontrará, em primeiro lugar, sanções que não têm um caráter definitivo, mas elástico. Mas, o pior de tudo são os preceitos, ou seja, a definição dos crimes. Esses, então, pegavam algo como uma lauda, ou lauda e meia, escritas a mão. E, aqui, hoje, pegamos uma legislação ambiental, da mesma forma extensa, que capitula tudo e nada ao mesmo tempo, dependendo do aplicador da lei.

Hoje, o arbítrio absoluto está em quem aplica a lei. Ele tem um poder imenso, como tinham os componentes do Santo Ofício. Nós sabemos que Torquemada era aquele inquiridor-mor, perigoso, rigoroso, implacável, e ai de quem caísse no seu âmbito de competência. Quando se mistura política com religião, com outros ingredientes, com o ódio e com os desafetos, tudo isso pode levar à condenação e à morte.

Sr. Presidente, lembro-me muito bem de ter lido, há muito tempo - isso está no fundo da minha memória - sobre um caso chamado “o Barbeiro de Milão”. Um belo dia, alguém passou e viu que havia fumaça no fundo do seu quintal e que, ali, havia um ungüento escuro e meloso. Estava ele fabricando sabão, nada mais que sabão. Mas, aquilo foi o suficiente para se levantar a suspeita de que ele estava fabricando o ungüento da peste. Como grassava a peste, ele foi levado preso sob suspeita. Alguém viu, em alguns muros, algo como uma pincelada de uma tintura, parecida com ungüento e sabão. Naquela época, não havia, evidentemente, a tecnologia que se tem hoje para fabricar sabão. A soda cáustica não estava disponível pura e acabada. Era um processo muito mais primário, que envolvia vários dias de cozimento, cinzas etc., que poderia produzir o sabão. Então, a partir disso, houve a denúncia de um vizinho que, com ele, mantinha uma disputa. Dessa denúncia, ocorreu a prisão do barbeiro. E aí jamais pôde ele sair. Ele assim dizia: “Eu estava fazendo sabão, não há nada!”. Todavia, teve de confessar o crime e delatar vários nomes previamente estabelecidos pelos inquisidores, para que os inimigos fossem levados à fogueira. Toda a espécie de tortura, uma tortura brutal... É até asqueroso lembrar essa leitura, a forma brutal como foi tratado o barbeiro, assim como os seus “comparsas”, que foram incluídos no processo por indicação dos inquisidores, que queriam eliminá-los. Nessa ocasião, não havia o devido processo legal: havia, isto sim, a tortura.

Nós passamos também pela tortura aqui, no Brasil. Todos nós lamentamos a tortura fática, mas há também a tortura que vem da aplicação incorreta da lei e de leis que estamos fazendo e que são torturantes.

Sr. Presidente, leio aqui um caso concreto, ocorrido em Guajará-Mirim, em que os condutores de passageiros são examinados pela polícia que, encontrando algum produto, não produto criminoso do narcotráfico, mas eventual objeto de contrabando ou descaminho, culpam, imediatamente, igualmente, o condutor, lhe tomam o carro e lhe aplicam multa pesada.

Pelo Tratado de Petrópolis, esse comércio de fronteira foi assegurado com uma tolerância de convívio e de sobrevivência daquelas comunidades, perdidas nos confins deste País, isoladas na solidão da floresta, hoje, aos poucos, conectadas pelas estradas e pelas vias de acesso. Mas, isso é um fato histórico.

O taxista, que é um dos condutores mais comuns de pessoas, é multado em R$15 mil, conforme manda a lei, lê que nós próprios aprovamos, e que é recente. Mais do que isto: o taxista tem o veículo apreendido, apesar dele ser o seu ganha-pão, o instrumento de subsistência de sua família.

Sr. Presidente, esqueceu-se a lei, ao estabelecer essa responsabilidade objetiva, ao menos de conferir aos taxistas o poder de polícia, para examinar as mercadorias dos usuários. A lei deveria ser coerente, concedendo aos taxistas esse poder, segundo o qual os condutores de passageiros teriam o direito de examinar toda a mercadoria: as malas, os pacotes de quem usa esse serviço. Evidente que esses transeuntes passam pela Alfândega e tomam um táxi, para se dirigir a algum lugar da cidade. No meio do caminho, aparece a polícia, numa batida, examina e constata alguma irregularidade. Apreende o veículo e autua o condutor com uma multa de R$15 mil. Trata-se de uma comunidade pobre, isolada nos confins da Amazônia, de vasta solidão. Um Monza, que não vale mais que R$7 mil, foi apreendido, e ao taxista foi aplicada a tal multa de R$15 mil. Ficou o taxista sem o ganha-pão. Como ele, vários outros veículos estão sendo apreendidos.

Ora, Sr. Presidente, há uma incoerência nisso tudo. Há uma falta de lógica, há uma tentativa de criminalizar qualquer conduta. Vejam, por exemplo, o art. 41 da Lei nº 9.840. Tudo é possível ser criminalizado. Tudo! No Senado, temos imunidade, mas se fosse levada em conta a objetividade desta Lei, poder-se-ia dizer que eu estaria, aqui, querendo cooptar votos.

Então, será que é esse o caminho da convivência pacífica na sociedade? Será que se pode praticar uma violência, em nome da lei? Os inquisidores do Santo Ofício assim o faziam, e se achavam no dever de serem rigorosos. Será que estamos repetindo esses capítulos obscuros da História? Será que estamos repetindo essa noite da Idade Média, que durou mil anos? No final desse processo, quantas vítimas cairão inocentemente, sob castigo, pelo crime que, muitas vezes, é motivado por uma questão pessoal, pela inveja, como fez Davi, que, querendo se apropriar da mulher amada, mandou o general para o front, e ele lá pereceu. Desta forma, Davi pôde ficar com a mulher dele.

Essas condutas verificam-se na vida real. Um desafeto pode ser levado ao patíbulo e condenado em um processo em que as provas pouco importam. É como acontecia na Revolução Francesa. Já repeti, muitas vezes, que Fouquier-Tinville, o inquiridor-mor da Revolução, dizia que não era preciso processo, que não eram necessárias provas. Só eram importantes, para ele, a acusação e a condenação. O devido processo legal pouco importava, assim como pouco importa, ainda hoje.

Temos que chamar a atenção para a politização do Poder Judiciário, que, quando entende que precisa eliminar, no processo, alguma pessoa da sociedade, algum indivíduo, algum cidadão, pode fazê-lo aplicando os rigores da lei. É tenebroso esse tempo. É um tempo anuviado, movido pelo ódio, pela parcialidade e, sobretudo, quero dizer, Sr. Presidente, movido por princípios que não condizem com a democracia.

A democracia é a convivência da tolerância, é o comando das leis, onde o indivíduo não tem espaço para aplicar e cunhar as suas idiossincrasias. A democracia é, sobretudo, o governo das leis objetivas, que não podem estabelecer um corte na verificação profunda do conteúdo dos fatos. Hoje, isso não interessa. Em princípio, essa responsabilidade objetiva é o que importa, basta que alguém tenha conduzido um passageiro que, na sua intimidade, carregava um produto que não tenha origem fidedigna. Não estou falando, aqui, evidentemente, de narcotráfico ou de tráfico de armas; estou falando de mercadorias comuns e ingênuas, como sutiãs, como bonecos de pelúcia etc. Estou falando de algo que não tem nada a ver com violência, mas, talvez, tenha a ver com a pureza dos brinquedos das crianças ou a proteção da intimidade das mulheres. Isso é o que está acontecendo em Guajará-Mirim.

Há o caso, por exemplo, do Sr. Belarmino Martins de Araújo. Há um abaixo-assinado de todos os taxistas, que estão impedidos de trabalhar porque, a qualquer momento, podem sofrer uma punição impagável. Aqui, são citados outros três veículos - não vou nem citar o nome dos condutores. Há o caso, inclusive, de uma pessoa idosa, quase chegando aos 80 anos, que conduzia uma caminhonete, e ela foi apreendida. Felizmente, foi solta depois da minha intervenção.

O que quero dizer, Sr. Presidente, é que todo abuso é lamentável, todo rigor que não olhe, sobretudo, se o taxista tinha ou não conhecimento de que estava transportando produto de contrabando, de descaminho.

Mas, como verificar isso se alguém chega com uma mala ou uma sacola e entra no veículo? Esqueceu o legislador de conferir ao taxista o poder de polícia, para examinar o que porta o usuário do táxi. E, aí, responde ele objetivamente e sofre sanções.

Eu ia abordar outro tema, Sr. Presidente, muito importante, que trata da Reserva Biológica do Jarú. Amanhã eu o farei para mostrar, também, a violência que se pratica em nome da lei, em nome das autoridades, onde animais são sacrificados com tiro à queima-roupa. Quero invocar, e invocarei amanhã, sobretudo, a Lei de Proteção aos Animais, não para defender o líder Prestes, como o fez o grande jurista brasileiro, Sobral Pinto, mas para pedir a condenação de agentes do Estado que usam e abusam da força e da violência contra humildes trabalhadores rurais que não tinham onde morar, que adquiriram áreas para isso, estavam lá dentro e, de repente, aquela área foi transformada em reserva biológica.

Amanhã, abordarei esse tema. Sei que há pessoas nos ouvindo, e também a elas eu digo que amanhã vou abordar esse assunto com profundidade, para mostrar que é um tempo de violência, é um tempo obscuro, é um tempo de ódio, é um tempo de idiossincrasias, é um tempo em que a lei é brandida de acordo com a vontade do agente público que detém autoridade, seja ele do Poder Judiciário, seja do Executivo, seja do Legislativo.

E, antes de encerrar, Sr. Presidente, peço que conste dos Anais do Senado o ofício dirigido a mim pelo Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos e Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens no Estado de Rondônia - Sincavir.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/06/2006 - Página 21355