Discurso durante a 127ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Enumeração de questões cruciais para o momento vivido pelo país, que não estão sendo discutidas na campanha eleitoral, nem no Congresso Nacional.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. POLITICA NACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Enumeração de questões cruciais para o momento vivido pelo país, que não estão sendo discutidas na campanha eleitoral, nem no Congresso Nacional.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2006 - Página 26221
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. POLITICA NACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • NECESSIDADE, DEBATE, CAMPANHA ELEITORAL, FUNÇÃO, ESTADO, ATUAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, ALTERNATIVA, PRIVATIZAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, POSSIBILIDADE, CRIAÇÃO, EMPRESA, INCENTIVO, Biodiesel, DECISÃO, CONTINUAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, BOLSA FAMILIA.
  • COMENTARIO, ESTUDO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), JUSTIFICAÇÃO, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, PROGRAMA ASSISTENCIAL, AUSENCIA, CRESCIMENTO, CUSTEIO, BUROCRACIA.
  • IMPORTANCIA, DEBATE, CAMPANHA ELEITORAL, DIRETRIZ, POLITICA EXTERNA, ESPECIFICAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), GRUPO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO.
  • CRITICA, CONGRESSO NACIONAL, IMPRENSA, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, EXCLUSIVIDADE, DISCURSO, ASSUNTO, CORRUPÇÃO, AUSENCIA, DEBATE, PROBLEMAS BRASILEIROS, FAVORECIMENTO, ELEIÇÕES, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, SITUAÇÃO.
  • ANALISE, PERDA, ETICA, SOCIEDADE CIVIL, FALTA, SOLIDARIEDADE, COMUNIDADE.
  • ELOGIO, GOVERNO FEDERAL, BUSCA, JUSTIÇA SOCIAL, CONCLAMAÇÃO, AMPLIAÇÃO, DEBATE.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Ney Suassuna, Srªs e Srs Senadores, há questões diversas que para mim são cruciais para o momento que o Brasil vive e que não estão sendo discutidas na campanha presidencial e tampouco aqui no Congresso Nacional. São temas que definem rumos para o destino desta Nação. Por exemplo, se as empresas estatais devem se aprofundar na sua ação desenvolvimentista ou se elas devem ser privatizadas. Isto é, se se deve retomar a política de privatização. Ou, então, se deve ou não ser criada uma empresa estatal para desenvolver o biocombustível, que se apresenta como a mais promissora perspectiva da economia brasileira de hoje, ou melhor, da própria integração social na medida em que, para a sua produção, certamente se gerarão muitos empregos, centenas de milhares de empregos; se o Estado deve cuidar do desenvolvimento por meio de políticas públicas e definir esse desenvolvimento em termos sociais ou se deve deixar esse cuidado ao mercado, como entidade orientadora de toda a economia do País. Enfim, se o Estado deve continuar, por meio de políticas públicas, a sua ação distributivista, com programas como o Bolsa-Família, crescimento real do salário família, microcrédito, microcrédito assistido, reforma agrária, crédito para agricultura familiar, ou se ele deve se retrair e conter os seus gastos e confiar no mercado, como fazia até antes do Governo Lula, antes do Governo atual.

Sr. Presidente, há um interessante estudo do BNDES, a que tive acesso na semana passada, que mostra objetivamente, com dados da realidade, que o crescimento do gasto público, que tem sido tão criticado na mídia e muitas vezes aqui no Senado e no Congresso, que o crescimento dos gastos governamentais se deve a esses programas sociais e não a um inchaço ou a um custeio exagerado da máquina pública. Ao contrário, o custeio da máquina pública tem se reduzido, em proporção, enquanto que os gastos públicos com esses programas distributivistas têm-se elevado. Essa é uma questão crucial que precisa ser discutida na campanha também para que a população decida.

É o momento de a população decidir se quer continuar com uma política de empresas estatais desenvolvimentistas e uma política de programas sociais com fins distributivistas. Aliás, não só continuar, mas também aprofundar essas ações. O momento é esse. É isso que precisa ser bem definido nas propostas de campanha, ser decidido pela população, ser discutido aqui no Congresso em profundidade, com o cuidado que essas questões merecem, tendo em vista o seu caráter decisivo para os destinos do País.

Outra questão é a política externa, se ela deve continuar nos termos das prioridades do Governo atual, que se volta para o Mercosul, que aposta no Mercosul, na integração sul-americana e na parceria com outros países que compõem o chamado G-20, ou se ela deve voltar à política tradicional, buscar implementar a Alca e atender prioritariamente aos mercados tradicionais dos Estados Unidos e da Europa, reconhecendo, ou melhor, decretando a falência do Mercosul.

Essas questões é que são importantes. Eu listaria outras mais, Sr. Presidente, incluindo-se nesse rol, por exemplo, investimento maior para as Forças Armadas brasileiras com todas as razões que sustentam a necessidade desse aumento.

Mas, o que me parece é que o Congresso não quer discutir questões que não figuram na lista de preocupações que alimentam os discursos nesta tribuna. O Congresso reflete a mídia; hoje é inteiramente pautado por ela e focaliza quase que só a questão da corrupção. Não que a corrupção não tenha importância. Tem, mas é preciso tratar de outras questões. A corrupção está sendo tratada nas Comissões Parlamentares de Inquérito. Tudo bem que vez por outra o tema seja abordado aqui no Senado porque se trata de uma questão muito importante, mas não lhe pode ser dado um enfoque tão importante, capaz de obstruir a discussão e o debate sobre essas outras matérias que vão definir o destino do Brasil, da população, do povo brasileiro.

Mas, claro, é mais fácil discutir a corrupção porque dá mídia e, dando mídia, dá votos. Também interessa à mídia discutir a corrupção porque o escândalo dá manchete e aumenta a venda de jornal, ao passo que a discussão dessas outras matérias relativas ao destino do Brasil não suscita o mesmo interesse pelos jornais na medida em que não diz respeito ao que o cidadão comum considera o seu interesse imediato. Que não haja desvio de recursos públicos, convenhamos, é muito importante, mas não a ponto de obliterar a discussão de outras matérias que também são decisivas ou mais decisivas porque são polêmicas, ao passo que a questão da corrupção não é polêmica. Todo mundo, em princípio, é contra a corrupção. Todo mundo, em princípio, é a favor da honestidade nos gastos públicos. O que divide as opiniões, que polemiza, enfim, que apresenta o contencioso político são as questões a que me refiro e que não têm merecido a devida atenção no Congresso Nacional e nem mesmo no debate dos candidatos à Presidência da República, se bem que esses debates, na verdade, só vão ocorrer, com mais profundidade, a partir de 15 de agosto. O fato é que o Congresso Nacional se tornou menos político e mais eleitoral, isto é, busca mais as matérias que refletem na mídia e produzem resultados eleitorais.

A coluna de ontem, da jornalista Tereza Cruvinel, do jornal O Globo, levantou um ponto muito interessante. Ela aponta para esse fato, mostrando que há uma despolitização do Congresso em geral, que acaba ficando reduzida a uma instância de fiscalização e de levantamento de investigação de denúncias que nunca param de aparecer, enquanto esquece as questões essenciais sob o ponto de vista político porque, como eu disse, definem o destino do País.

Na verdade, o Congresso assim procede porque a sociedade também está se desligando progressivamente dos temas políticos devidos. Esse individualismo exacerbado, a necessidade de se tornar competitivo para ter uma posição no mercado e, tendo uma posição no mercado, elevar-se na escala social, está tomando conta dos cidadãos de modo geral. Esse fenômeno não ocorre só no Brasil; no mundo inteiro há essa exacerbação do individualismo e esse esquecimento das questões comuns, dos problemas da comunidade e da Nação, daquilo que define a vida de todos e não a vida de cada um isoladamente.

Isto também é uma questão ética: a preocupação com a coletividade e não apenas a preocupação exclusiva com o indivíduo. A justiça fundamenta todo o procedimento e o pensamento ético desde que o homem é homem, desde que o homem começou a viver em sociedade e começou a meditar sobre as questões filosóficas fundamentais da justiça, da ética.

Esse esquecimento e essa busca incessante só do individualismo e só da competitividade relega a um plano inferior esse outro debate, que acaba esmaecendo e acaba quase que desaparecendo do cenário político do País. E a justiça passa a não importar tanto; o que importa é a competitividade. Quem não tem competitividade que viva de esmola. Então, o comando da política e da ação pública, da ação do Poder Público se resumiria a isto: deixar que o mercado tome todas as decisões relativas à economia e promova quem tem competitividade. Para aqueles que não têm competitividade ou não podem tê-la por uma razão ou por outra, aí sim, o Estado cuidaria de políticas de assistencialismo para não deixar que eles morressem à míngua.

Então, a política se resumiria a deixar que o mercado aja e a atender os marginalizados, os não competitivos, com alguma esmola, com algum tipo de benefício que signifique a sobrevivência de toda essa gente.

Nessas circunstâncias, realmente a política não é necessária, porque a política tem que tratar é dessas questões decisivas que marcam a Nação, que marcam o modelo de desenvolvimento, que marcam a preocupação do Poder Público com o desenvolvimento não só do mercado, que exige atenção para esses problemas, inclusive para esse problema da Justiça, que é fundamental porque é básico e diz respeito à ética.

Ética não é só o combate à corrupção, não; ética é a implementação da justiça, é a implementação de políticas que atendam às necessidades de todos os cidadãos, é claro que permitindo que uns subam na escala social em relação a outros, porque é da natureza humana certa diferenciação. Porém não se pode deixar que essa diferenciação atinja altos níveis. A diferenciação abismal que existe hoje no Brasil caracteriza a falta de ética, a grande falta de justiça.

Isso o Governo atual vem procurando enfrentar, com todas as dificuldades, porque ainda sujeito àquela mão-de-ferro do mercado, porque ainda sujeito a todas as ameaças que o mercado financeiro sempre faz à medida que o Governo não atenda às suas mínimas exigências. A ameaça é sempre a desestabilização. O Governo tem de considerar a possibilidade de desestabilização, porque ela existe, mas dentro dos limites, que são estreitos, mas que deixam alguma margem para agir.

O Governo Lula vem atuando no sentido de reduzir essas desigualdades, essas injustiças. Pela primeira vez na história política deste País, nós vamos observar redução das diferenças econômico-sociais, uma melhoria na distribuição de renda. Isso é um avanço mínimo, mas consistente, que deve continuar por décadas - vinte, trinta, quarenta anos -, até que o Brasil se apresente numa condição mínima em termos de justiça social.

Isso está acontecendo. É importante discutir na campanha se essa política deve continuar ou se devemos voltar ao passado, de modo que o mercado, na sua integridade, aja como entidade decisória absoluta nas questões econômicas, retirando-se o Poder Público dessas políticas de busca pela justiça.

O Congresso Nacional deve participar desse debate. Isso é evidente. É obrigação dele participar desse debate e não ficar apenas como instância fiscalizadora. O Congresso é o grande fórum de debates do País. O debate é uma de suas funções, senão a principal função, da qual derivam as outras, como, por exemplo, a atividade legiferante, a atividade de elaboração de leis. A principal função do Parlamento é debater todas essas questões e não ficar somente como agência fiscalizadora constituindo CPIs infindáveis para, enfim, criar escândalos e manchetes e, transformar-se, por conseguinte, em campo exclusivamente eleitoral na busca de sucesso perante a opinião pública.

Várias vezes vim a esta tribuna, e hoje aqui venho, uma vez mais, para chamar a atenção sobre a importância de questões que não estão sendo relegadas a um plano como se fossem questões inferiores, como se não merecessem a atenção maior do Congresso, porque sobre elas é que se decide o destino da Nação brasileira, que hoje está vivendo um período histórico muito importante, porque tem um Governo que, pela primeira vez, tomou um rumo diferente do anterior, que era o do liberalismo puro, deixando que o mercado resolvesse todas as decisões econômicas do País.

Sr. Presidente, estou preocupado com isso. Por isso, estou voltando hoje à tribuna, voltarei amanhã, depois de amanhã, porque penso que essa é uma tarefa da qual não podemos abdicar, não podemos nos demitir dessa discussão fundamental sobre os destinos do País e as políticas que melhor servirão ao destino que a população majoritariamente quer. Então, é preciso trazer a população para esse debate e até forçar que a mídia também entre, a fim de que apareçam as posições diferentes. Hoje em dia temos uma mídia quase unânime, com raríssimas exceções, na linha do mercado, na linha, enfim, da ausência da redução do Estado ao mínimo para cuidar da polícia, da justiça e, no máximo, da educação, mas não executar políticas de desenvolvimento. Isso precisa ser seriamente, profundamente e detalhadamente discutido, e, para isso, venho mais uma vez a esta tribuna e voltarei outras vezes para bater nesse mesmo ponto.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2006 - Página 26221