Discurso durante a 144ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro de um caso de negligência médica ocorrido em hospital do Rio de Janeiro. Lamento pela situação de extrema violência que assola todo o país.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Registro de um caso de negligência médica ocorrido em hospital do Rio de Janeiro. Lamento pela situação de extrema violência que assola todo o país.
Publicação
Publicação no DSF de 01/09/2006 - Página 27672
Assunto
Outros > SAUDE. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O DIA, CONDENAÇÃO, CONDUTA, NEGLIGENCIA, MEDICO, HOSPITAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RECUSA, ATENDIMENTO, PARTURIENTE, EXPECTATIVA, PROVIDENCIA, INSTITUIÇÃO HOSPITALAR, CONSELHO REGIONAL, MEDICINA.
  • APREENSÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, PAIS, OPINIÃO, ORADOR, EFEITO, DESEQUILIBRIO, SOCIEDADE, DESVALORIZAÇÃO, VIDA HUMANA, DESCARACTERIZAÇÃO, CRITERIOS, CONDUTA, PAZ, ETICA, POVO, BRASIL, NECESSIDADE, RECUPERAÇÃO, VALOR, SOLIDARIEDADE, POPULAÇÃO.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente.

Srªs e Srs. Senadores, Senador Paulo Paim, que hoje preside esta sessão:

Nunca me servirei de minha profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime. Prometo que, ao exercer a arte de curar, me mostrarei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência. Se eu cumprir este juramento, goze eu, a minha vida e arte com boa reputação, e para sempre; se dele me afastar ou se o infringir, que suceda-me o contrário.

Este é um pequeno trecho, Senador Paulo Paim, do juramento de Hipócrates, filósofo grego que viveu 400 anos antes de Cristo, mas que continua considerado por toda a Humanidade, o Pai da Medicina. Por tradição - e, suposta convicção -, ao longo de séculos, suas palavras vêm sendo repetidas, nas cerimônias de formatura em Medicina, por cada um dos milhares de jovens médicos saídos de Faculdades em todo o mundo.

Trata-se de um compromisso que assumem ao conquistarem, por meio de longos anos de estudo, o direito de praticar, junto a seus semelhantes, a sublime arte da cura.

Pois, no último final de semana, a maravilhosa cidade do Rio de Janeiro serviu de palco para umas cenas verdadeiramente chocantes, que atira ao chão o comprometimento médico “com o mais alto respeito à vida humana”. Como diz em outro trecho, o mesmo juramento de Hipócrates. Em tempos tão duros como os atuais, em que a nossa sensibilidade como se embrutece de tanto e tanto enfrentar, eu confesso: diante daquele quadro, de uma violência subliminar, porém, apavorante, eu tremi, me assustei, mais do que isso, eu me indignei!!

Falo do ocorrido no sábado, 26 de agosto, no hospital Rocha Faria, no Rio de Janeiro: um flagrante registrado por um fotógrafo pelo jornal O Dia.

A impressionante foto revela uma moça, já em trabalho de parto, contorcida por dores e jogada no canto de uma escada de hospital, sem atendimento. No outro canto, da mesma escada - aliás, bem estreita -, e no mesmíssimo degrau em que a parturiente se debatia,a foto registra a figura de um médico, de jaleco e crachá, passando por ela, mas se espremendo no outro lado e virando o rosto para, simplesmente, ignorá-la!

Diz a matéria do jornal O Dia na edição de segunda-feira passada explicando a foto clicada por Jadson Marques:

Nem os gritos e a imagem de uma jovem grávida contorcendo-se pela dor do trabalho de parto nas escadas da maternidade foram suficientes para que um cardiologista que passava pelo local se dispusesse a socorrê-la. Cristiane Ferreira, de 20 anos, chegou à unidade, já prestes a ter o bebê, mas não recebeu atendimento médico. Desesperada, sentou-se. O médico passou, olhou para o lado oposto e seguiu seu caminho.

A que extremo chegamos, Srªs e Srs. Senadores?! Que lugar é esse em que vivemos onde um médico - um médico! - é capaz de ultrapassar uma mulher que está tendo um filho como se fosse um buraco que se precisa evitar no meio de uma estrada?! Ele estava no hospital, ou seja, seu ambiente de trabalho; estava de jaleco, ou seja, paramentado como médico... Virar o rosto... ignorar urros por socorro... negar ajuda a quem, obviamente, está dando à luz outra vida, como descreve a reportagem de O Dia, assinada pelas repórteres Maria Ignez Magalhães, Mônica Pereira e Cristina Nascimento. Trata-se do mais total desprezo pelo ser humano! Não há razão que explique; não há explicação que justifique! É imperdoável! O hospital e os Conselhos Estadual e Nacional de Medicina estão apurando o caso. O registro do médico pode ser até cassado, mas o mal está feito e fotografado.

A dor do parto e do descaso estão registradas. E se, graças a Deus, o direito à vida acabou vencendo - porque Camille, o bebezinho que chegava, nasceu e, graças a Deus, sobreviveu -, de todo jeito a atitude daquele doutor escreveu uma das páginas, sem dúvida, mais lamentáveis de toda a história da Medicina.

Então, pergunto: o que está na raiz dessa violência contra a vida humana? Srªs e Srs. Senadores, somos os escolhidos pela sociedade brasileira para representá-la e, portanto, defendê-la. Temos a obrigação de compreender o que se passa, de mergulhar fundo em direção ao âmago de todas as angústias e aflições, para lá diagnosticarmos razões e encontrarmos soluções.

O desvio de conduta daquele médico, reconheçamos, não é o único sintoma do caos que atravessamos neste momento. O povo brasileiro, historicamente reconhecido como um dos mais cordiais do mundo, tem testemunhado e protagonizado muito mais: a violência, em seus mais variados e tenebrosos matizes, que assola o nosso dia-a-dia.

Há semanas, num bairro nobre de São Paulo, um pai de família - ao que tudo indica, infelicitado por dívidas impagáveis - assassinou os três filhos e se matou em seguida. No Rio de Janeiro, anteontem, o vigia de uma clínica veterinária esquartejou uma mulher porque, ao que apurou a Polícia, Senador Paulo Paim, ela o chamou de “magricela”. Aqui mesmo em Brasília, nesses dias, um empresário matou a pauladas o namorado da ex-mulher e fez com que ela e a filha de 15 anos limpassem os sinais de sangue. Sem contar os ataques do crime organizado que voltaram a vitimar o Estado e tantos outros infelizes exemplos do Brasil atual que poderíamos acrescentar, com o perdão da palavra, a essa desgraçada lista.

Nada disso combina com a natureza do povo brasileiro, Senador Paulo Paim. Mas o que seriam então? Atos marginais? Não apenas. Loucuras individuais? O rótulo é insuficiente. Delírios e desvios pontuais? Antes fosse só isso!

É urgente, urgentíssimo, reconhecer: a nossa sociedade, como um todo, está doente. Carece de princípios, valores, critérios, rumos, esperança e fé.

Perdemos o sentido da conduta. Há variadas dúvidas, mas respostas autênticas não são apresentadas. Há suspeitas gritantes, mas responsabilidades indefinidas. Há centenas de promessas e projetos, a maioria, porém, não cumprida. Há dramas estruturais, mas as soluções ficam sempre para depois. Há muitos crimes e faltam castigos. E é nessa incerteza geral que cada ato, em cada circunstância ou momento, de cada um de nós - mesmo os mais inocentes originalmente -, corre o risco de se desvirtuar.

O povo brasileiro é disposto, é alegre, sabe plantar para colher, estudar para progredir, está sempre pronto a abrir o coração e a casa aos que vêm do bem. Aquele mesmo médico, lá no hospital Rocha Faria, que ignorou a dor da mulher prostrada a seus pés, dentro do seu próprio ambiente de trabalho, no passado, recebeu o título de benemérito do Estado, conferido pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.

Somos, até por índole, bem-intencionados; temos, em maioria, excelentes intenções. Há muita gente boa em todos os segmentos sociais, inclusive na política.

Grande parte de cada uma das instituições brasileiras é formada por profissionais competentes, capazes de aperfeiçoar o presente e garantir um futuro melhor. Precisamos apenas reencontrar os nossos próprios passos, puxar o fio de uma meada que se perdeu em nós que se apresentam difíceis, mas não são impossíveis de desatar.

Cabe a nós representantes do povo brasileiro dar o exemplo. Urgem propósitos e atos imediatos para a redescoberta do sentido da conduta nacional. Esta é a missão. Mais do que isso: é o nosso dever.

Muito obrigada, Presidente, pela oportunidade.

Era o que eu tinha a dizer.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/09/2006 - Página 27672