Discurso durante a 150ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Repúdio à proposta de convocação de Assembléia Nacional Constituinte somente para a reforma política.

Autor
Almeida Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SE)
Nome completo: José Almeida Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA. REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • Repúdio à proposta de convocação de Assembléia Nacional Constituinte somente para a reforma política.
Publicação
Publicação no DSF de 14/09/2006 - Página 28833
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA. REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, NECESSIDADE, CONVOCAÇÃO, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, ELABORAÇÃO, PROJETO, REFORMA POLITICA.
  • COMENTARIO, ANTERIORIDADE, APRESENTAÇÃO, ORADOR, PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO, CONVOCAÇÃO, PLEBISCITO, INSTALAÇÃO, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, OBJETIVO, REFORMA CONSTITUCIONAL, AUSENCIA, DELIBERAÇÃO, SENADO.
  • CRITICA, EXTENSÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), COMENTARIO, NECESSIDADE, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL, GARANTIA, LEGITIMIDADE, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, REDUÇÃO, HIPOTESE, GOLPE DE ESTADO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).

O SR. ALMEIDA LIMA (PMDB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, brasileiros, abro apenas um parêntese, antes mesmo de adentrar no pronunciamento que farei na tarde de hoje, para um breve comentário acerca da fala do nobre Senador Sibá Machado.

Embora discorde diametralmente das palavras de V. Exª, Senador Sibá, devo dizer que o cenário econômico que se desenha para o Brasil após 1º de janeiro, ou até mesmo após o resultado eleitoral de 1º de outubro próximo, é completamente diferente desse que V. Exª pintou aqui da tribuna do Senado Federal. Queira Deus que este cenário não se confirme. Esse é o nosso desejo, pois não integro nenhum grupo de ave agourenta, mas tenha a certeza V. Exª de que o panorama é completamente diverso. Mas teremos oportunidade, ainda este ano, de tratar desse assunto e de debatê-lo democraticamente com V. Exª e com os demais Senadores.

Venho à tribuna exatamente para, mais uma vez, falar de um projeto de decreto legislativo que apresentei a esta Casa no final de 2005, acredito que no mês de setembro, que tem como objetivo convocar plebiscito relativo à instalação de Assembléia Nacional Constituinte.

Esperava que esse projeto fosse deliberado por esta Casa. Não o foi a tempo de iniciarmos esse processo a partir desta eleição que vai ocorrer no próximo dia 1º de outubro. O que não constitui nenhuma novidade, porque nós não temos visto o Parlamento brasileiro - sem fazer aqui nenhum agravo à Instituição, aos Srs. Senadores e aos Srs. Deputados - se preocupar em estabelecer a discussão dos principais problemas do nosso País.

Fomos todos nós surpreendidos com uma declaração do Presidente Lula da Silva por ocasião da visita de alguns juristas a Sua Excelência, entre eles o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, quando ele se referiu a uma Constituinte ou a uma reforma constitucional apenas do capítulo político ou propriamente político, eleitoral e partidário, a partir do próximo pleito. De sua fala, inúmeras críticas surgiram, embora algumas pessoas tivessem defendido sua idéia. Sem dúvida, trata-se de uma proposta - perdoem-me a expressão - a mais esdrúxula possível do ponto de vista institucional, constitucional, da Teoria Geral do Estado, da Filosofia Política, da Ciência Política.

Lamentavelmente, há cerca de 15 dias, assisti a um debate numa emissora de televisão, com a participação do Ministro Tarso Genro, no qual S. Exª, de forma ainda mais aberrante, contrária a qualquer princípio de Teoria do Estado, de Ciência Política, fez mais do que a defesa da tese do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi mais além, tentando mostrar, explicar e justificar a legitimidade de uma Constituinte, embora essa expressão não se possa nem utilizar, porque Constituinte é uma outra instituição que não comporta ao objetivo a que ele se referia, dando uma demonstração de desconhecimento completo da Ciência Política, da Teoria do Estado, da constituição jurídica dos Estados, não só ao longo da história dos séculos, mas a constituição dos mais recentes ou a sua reconstituição. Fiquei abismado.

Ora, para se constituir ou reconstituir o Estado, só um poder tem legitimidade, e esse poder jamais poderia ser o Congresso Nacional, jamais poderia ser a união dos Parlamentares que compõem a Câmara e o Senado. Em hipótese alguma. Esse poder reside exatamente naquele segmento que tem a legitimidade e a soberania, que é o povo.

Para Tarso Genro, Ministro das Relações Institucionais - salvo engano, o nome me parece esse -, cometer a aberração de fazer a defesa não apenas de uma Constituinte... E não podemos chamá-la de Constituinte. Além de denominá-la Constituinte sem a legitimidade, S. Exª ainda se refere à possibilidade de reconstituir o Estado, porque esta é a função de uma Assembléia Nacional Constituinte: constituir ou reconstituir; constituir, quando há uma ruptura institucional, que decorre de um golpe ou de um levante, de uma revolução, da dissolução do Estado, da negação aos termos constitucionais legitimamente estabelecidos pelo povo... Ou uma Assembléia Nacional Constituinte sem a ruptura do Estado. E o mais grave: isso, apenas para cuidar, tão-somente, de forma limitada, de um título ou de um capítulo da Constituição, que é exatamente o da organização político-eleitoral e partidária do Estado.

É lamentável! Um Ministro de Estado, parece-me que até com formação, eu diria, acadêmica, algo que Sua Excelência o Presidente da República não possui - e não quero entrar nesse particular ou ver isso como demérito, embora essa seja a minha consciência -, fazer esse tipo de defesa?

Pois bem, a proposta que apresentamos a esta Casa e que pretendíamos ver discutida pelo povo brasileiro buscava e busca, acima de tudo, a legitimidade do processo. Se não estamos vivenciando um momento de ruptura do Estado, de golpe, de revolução, só podemos reformar a Constituição, elaborando uma nova Constituição, a partir da manifestação da vontade expressa do povo, lá onde reside a soberania.

E como se fazer isso? Como estamos propondo: convocando a população, o povo brasileiro, para, em um plebiscito, dizer primeiro se deseja que uma nova Assembléia Nacional Constituinte seja convocada. Se o povo brasileiro, por maioria, entender que a nossa Constituição - como, de fato, eu pessoalmente entendo - não atende mais aos seus anseios; que as instituições não se apresentam adequadas à vida nacional, não significam instrumentos capazes de impulsionar o desenvolvimento do nosso País; que o objetivo último de todo Estado, que é levar felicidade ao povo, não está sendo cumprido, aí, sim, deverá responder: “Sim, nós, por maioria, nós, o povo brasileiro, consultado diretamente, por meio de um plebiscito, entendemos que a Constituição não corresponde mais aos nossos desejos e, portanto, aprovamos a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte.”

Esse sim, um poder legítimo, porque se origina da vontade do povo, que foi consultado expressa e diretamente nesse sentido. Dessa forma, ela não está convocada, mas se prepara conforme a nossa proposta de decreto legislativo, depois de uma discussão de não menos de dois anos. Por que razão? Porque há necessidade da participação da sociedade brasileira em um processo dessa ordem.

Trata-se, Sr. Presidente, nobre Senador Sibá Machado, da confecção de uma Constituição que não será, como as demais constituições brasileiras, de vida efêmera. Mas é preciso que a população participe desse processo, que ela seja envolvida diretamente, como envolvidos estiveram outros povos quando constituíram seus Estados.

Ouvi hoje, da tribuna desta Casa, o nobre Senador Marco Maciel, em um pronunciamento, falar da Constituição de 1891, a primeira da República, e afirmar que ela se espelhava, em muito, na Constituição americana. Gostaria de discordar em parte: elas têm pontos que se assemelham, mas a nossa jamais teve o perfil da Constituição americana, que é principiológica. Ela dura e encontra-se ainda hoje em vigor, com menos de 30 emendas, depois de mais de dois séculos - 1789, mais de 200 anos. Ou seja, ela ainda existe porque é principiológica; não é uma Constituição detalhista como a nossa, que tem mais de 200 artigos.

O Senador Marco Maciel dizia que é preciso regular, para que a Constituição seja um instrumento que não se altere todos os dias e que possa ser interpretada por um Tribunal Constitucional, para não ser acrescida com mais emendas. Como fazer isso com a Constituição que temos, quando tudo neste País está incluído nela? Não temos uma Constituição que estabelece apenas princípios. Se tivéssemos, aí, sim, ela não serviria como colcha de retalhos, sujeita às emendas que recebe diariamente. Por que razão? Porque ela é detalhista. Aquilo que deve competir à legislação ordinária ou à legislação complementar, ou até mesmo aquilo que deveria competir aos Estados e aos Municípios legislarem é competência da União.

Por que razão o Supremo Tribunal Federal se encontra abarrotado de processos e de recursos? Por uma questão simples: o Supremo Tribunal Federal é uma Corte Constitucional. Para o Supremo, só devem ir as questões que dizem respeito à Constituição. Mas, neste País, são todas, porque tudo está na Constituição. Então, existe Recurso Extraordinário, Ação Direta de Inconstitucionalidade, sobretudo, neste País, porque as normas que estão na Constituição hoje são de caráter ordinário para o legislador: para a sua aprovação, não se exige o quorum qualificado de dois terços ou de três quintos, como no caso de mudança da Constituição. Exige-se a maioria simples, em alguns casos, e a maioria absoluta, para leis complementares, porque se trata de leis mais fáceis de serem deliberadas pelo Plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal ou do Congresso Nacional. Isso é completamente diferente.

Então, quero discordar nesse ponto e mostrar que precisamos ter uma Constituição principiológica, enxuta. Mas, para tanto, devemos ter uma Assembléia Nacional Constituinte legítima. Ou seja, Assembléia Constituinte, sim; golpe de Estado, não.

O que o Presidente Lula estava propondo, corroborado pelo seu Ministro Tarso Genro, é golpe de Estado. Por que é golpe de Estado? Porque é um golpe contra as instituições e contra o povo. Deixa de ser golpe de Estado quando é o povo que, livremente, no exercício da sua soberania popular, manifesta-se, querendo uma nova Constituição, por meio de uma consulta popular, um plebiscito, em que se estabelecem as normas, como previsto nessa nossa proposta, para, em dois anos, escolher os constituintes.

Sr. Presidente, Senador Sibá Machado, qual foi o nosso objetivo quando apresentei esse projeto em setembro de 2005? Na próxima eleição, dia 1º de outubro, seria incluída uma consulta popular. Além do voto para Presidente, Senador, Deputado, Governador, haveria uma pergunta: “Você aprova a convocação de Assembléia Nacional Constituinte para a elaboração de nova Constituição para o Brasil?” Número 1: “sim”. Número 2: “não”. Era apenas uma pergunta.

O Congresso Nacional poderia ter deliberado sobre esse projeto. Teríamos tido um ano de discussão de teses constituintes, se o Brasil precisa ou não de uma nova Constituição, mas de forma legítima. Se o povo dissesse: “Não. Está ótimo” - seria a vontade do povo, ponto final, encerrado o assunto. Mas, se o povo dissesse “sim”, haveria uma nova Assembléia Constituinte.

Qual foi minha proposta?

A de eleição dos Constituintes nesta eleição de outubro próximo? Não. Teríamos dois anos. Por que esse plebiscito na eleição de 1º de outubro? Porque não teríamos maiores despesas, nem menores. As despesas de convocação do eleitorado brasileiro já acontecem exatamente para o processo eleitoral. Seria apenas inserir uma questão.

E, para a eleição dos Constituintes, quem seriam os Constituintes? Nós, Senadores e Deputados? Não. Nós somos políticos. Não que eu tenha nada contra político. Mas, se eu estou no exercício de um mandato, eu não posso reconstituir o Estado, normas constitucionais para legislar em causa própria, para tratar dos assuntos que dizem respeito ao meu interesse pessoal e ao meu mandato!

Lá nas eleições municipais de 2008, portanto, dois anos depois, de 1º de outubro a outubro de 2008, o povo brasileiro escolheria uma Assembléia Nacional Constituinte que correspondesse a um terço do número de Senadores e Deputados hoje. Ou seja, um pouco mais de 150 brasileiros para escrever a futura Constituição.

O Congresso Nacional que foi eleito agora estaria aqui, dando continuação à vida nacional, e, paralelamente, uma Assembléia com pouco mais de 150 brasileiros estaria escrevendo uma nova Constituição, independentemente, sem solução de continuidade, sem paralisar as atividades do País. E mais: o Congressista - Senador e Deputado - participaria daquela eleição para Constituinte se renunciasse ao seu mandato.

E, ao final da elaboração da Constituição e aprovada em referendo - vou referir-me daqui a pouco -, aquele cidadão que dela participou como Constituinte poderia ter o direito de participar da eleição seguinte? Não, ele estaria impedido. Então, em 2008, quando se votasse para Prefeito e Vereador, cada Estado... Refiro-me a Sergipe, onde há 8 Deputados Federais e 3 Senadores, totalizando 11; ampliar-se-ia para 12, um número divisível - teríamos 1/3, apenas 4. Esses 4 seriam eleitos pelo povo, por eleição majoritária, e não proporcional, independentemente de estarem filiados a partido político. O candidato buscaria uma legenda sem estar filiado, porque, se você pretende constituir o Estado, você não pode amarrar o cidadão Constituinte às instituições, no caso, político-partidárias preexistentes. Ele tem de estar livre e não atrelado a programa de partido A ou de partido B. Se o que se quer é uma Assembléia Nacional Constituinte legítima, é essa a fórmula, e não a que foi apontada por Sua Excelência o Presidente da República, corroborada pelo Ministro Tarso Genro em uma entrevista a que assisti.

Ora, eleita a Constituinte, um número reduzido, as atividades do País continuariam em 2010. Ou seja, um processo de planejamento, um processo parcimonioso, um processo de avaliação; não uma constituinte vinculada a um governo ou para um governo, mas para o Brasil, uma Constituição para o Brasil. Pessoas que não poderiam estar exercendo outro mandato político e que não poderiam candidatar-se na eleição seguinte estariam inelegíveis, sem interesses imediatistas nem pessoais, mas pensando exclusivamente no País, nos brasileiros, estariam em assembléia constituinte elaborando um novo texto constitucional, com um período suficiente para discussão, para que a sociedade pudesse desse processo participar de forma consciente e sentir a importância de estabelecer uma Constituição nesse nível.

Tenham certeza, brasileiros que nos ouvem neste instante, de que a Nação americana é uma grande nação porque foi constituída dentro de parâmetros institucionais completamente diferentes daqueles que foram a referência para o nosso País, para o Brasil. Os artigos federalistas de Hamilton e de Madison eram objeto de discussão durante meses, anos na imprensa americana, com a participação popular, completamente diferente, estabelecendo instituições adequadas para o gigantismo territorial daquele país, daquela federação. Olha que o Brasil possui uma extensão territorial idêntica à americana! Chega a ser até maior se você exclui as terras americanas não contíguas, como o Estado do Alaska. Quando você inclui, o Brasil é pouco menor. Ora, como é que temos hoje no País uma Constituição para uma República unitária, embora se chame federativa? É um equívoco, é um erro!

Portanto, Sr. Presidente, brasileiros que nos ouvem, que nos assistem neste instante, ao final da elaboração dessa Carta, o texto seria devolvido ao povo em forma de referendo. Após um período de conhecimento, de ampla divulgação, os constituintes que receberam a delegação do povo apresentariam ao povo, por meio de um referendo, o texto que foi elaborado, para que o povo dissesse se aprovava ou não.

O que aconteceu nos países da Europa com a União Européia? A França, por exemplo, no ano passado, disse “não” aos termos constitucionais da unificação da Europa. O povo francês disse “não”. Votou contra, por meio de um plebiscito, de uma consulta popular, que, no nosso caso, seria um referendo para aprovar o texto ou não.

Aí, sim, trata-se de uma Assembléia Nacional Constituinte soberana, porque quem lhe deu a soberania foi o povo, com toda autoridade para reformar tudo o que desejasse em termos de Constituição. Até se desejasse mudar o nosso País de República para Monarquia, com o que eu, particularmente, não concordo; ou de um Estado Unitário, como está hoje caracterizado, para um Estado Federado. Enfim, ser possível tratar de vários e vários temas, com legitimidade para alterá-los. Por que razão? Porque decorreria de uma Assembléia Nacional Constituinte legítima, pois o seu nascedouro surgiu exatamente de uma consulta popular.

Portanto, Sr. Presidente, mais uma vez, vim à tribuna para tratar desse assunto, pois embora esteja vencida a primeira parte, que seria a consulta para esta próxima eleição, é uma idéia que não morre e continua viva, sobretudo para se contrapor à proposta de golpe de Estado, em forma de Constituinte, defendida pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e corroborada por um dos seus ministros.

Desse modo, essa é a defesa que quero fazer de respeito ao povo, de respeito à soberania popular, de respeito à possibilidade que o povo tem de constituir o Estado nos moldes e dentro dos parâmetros legítimos em que deseja, e não uma Constituição imposta e que venha a ser promulgada como decorrência de manobras políticas e ilegítimas, como foram defendidas.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/09/2006 - Página 28833