Discurso durante a 209ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Resposta à interpelação do Senador Jefferson Péres.

Autor
GUIDO MANTEGA
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MINISTRO DE ESTADO, CONVOCAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Resposta à interpelação do Senador Jefferson Péres.
Publicação
Publicação no DSF de 21/12/2006 - Página 39312
Assunto
Outros > MINISTRO DE ESTADO, CONVOCAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, APOIO, SUGESTÃO, SENADOR, PROVIDENCIA, DIRETRIZ, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, CONCILIAÇÃO, ESTABILIDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO, DEBATE, TAXAS, INFLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL, CONTROLE, GASTOS PUBLICOS, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, REGULAMENTAÇÃO, LEGISLAÇÃO COMERCIAL, SERVIÇO, INFRAESTRUTURA, FLEXIBILIDADE, CAMBIO, INCENTIVO, CONSTRUÇÃO CIVIL.
  • OPOSIÇÃO, EXTINÇÃO, CONSELHO MONETARIO NACIONAL (CMN), APOIO, AUSENCIA, AMPLIAÇÃO, MEMBROS.

O SR. GUIDO MANTEGA (Ministro de Estado da Fazenda) - Muito obrigado, Senador.

     Devo dizer que há grande concordância minha com os pontos de vista que o senhor expressou. Vou comentar os principais. Certamente, o nosso desafio atual é conciliar crescimento com estabilidade, porque o resto já foi tentado no passado; ou crescimento com inflação acelerada, o que acaba dando em problemas, ou, então, estabilidade sem crescimento. Não queremos nenhuma das duas situações. O que queremos - acho que o País amadureceu para isto - é um crescimento maior, assegurada a estabilidade.

     Posso lhe garantir que este Governo não terá uma atitude voluntarista quanto a isso, porque a contenção da inflação, a estabilidade, é uma conquista da sociedade brasileira, é muito boa para a sociedade brasileira, e estamos verificando isso. Então, sem abrir mão da estabilidade, estamos procurando encontrar o caminho do crescimento. Concordo com o senhor quando diz que o Estado deve ser um navio quebra-gelo.

     Essa é uma metáfora muito oportuna. No passado, o Estado era a locomotiva, porque o setor privado não tinha condições, era muito frágil; mas hoje não existe essa situação. Hoje, quem é mais frágil é até o Estado, pois tem menos recursos e problemas fiscais para resolver. Então, cabe ao Estado criar um cenário, um ambiente favorável, para que o setor privado lidere a expansão da economia. É exatamente isso que estamos buscando fazer.

     Certamente, as mudanças institucionais poderão reduzir o custo de transação, conforme o senhor mencionou. Também não pretendemos afrouxar a política monetária, mas apenas flexibilizá-la, porque não há necessidade de se manter uma política severa se a inflação já chegou a um patamar favorável.

     Acredito que a meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, de 4,5%, é adequada para conciliar uma taxa de juros não tão severa e, ao mesmo tempo, permitir um crescimento. É uma taxa, digamos, “meio termo”: não é uma ambição muito grande, como a de uma inflação suíça, de 1,5% a 2%, porque, se buscássemos essa meta, isso acarretaria uma política monetária muito rigorosa e acabaríamos prejudicando o crescimento; e também não é uma inflação exagerada.

     Se observarmos o conjunto dos países emergentes, veremos que o Brasil tem uma situação bastante favorável em termos de inflação.

     Nossa inflação é menor do que a da Rússia, a da Argentina, a de vários países emergentes. Então, eu diria que 4,5% também não é muito diferente de 4%, e ainda temos a margem de flexibilidade. Acredito que ela esteja no patamar adequado. Estamos com 4,5%, porém, o resultado é menor do que 4,5%. Então, está satisfatório esse patamar de meta de inflação.

     Posso garantir ao Senador que o Governo vai continuar trilhando o caminho da responsabilidade fiscal, que também é uma conquista da sociedade brasileira, algo que foi adotado em praticamente todos os países. Não há mais espaço para irresponsabilidade fiscal. No passado, muitos países faziam déficits, gastos maiores do que as receitas, a arrecadação, mas hoje isso não se faz mais. Isso não depende nem de doutrinas, nem de tendências políticas; sejam governos de esquerda, de direita ou de centro, a maioria dos países adota o princípio da responsabilidade fiscal. Portanto, continuaremos trilhando esse caminho, porque essa é a orientação do Presidente Lula.

     Para que isso seja factível, temos que conter o crescimento dos gastos correntes, não diminuí-los. Não se trata de usar a tesoura, como o senhor mencionou. Não se trata de diminuir, por exemplo, o salário do funcionalismo. Trata-se apenas de impedir que ele cresça desmesuradamente; impedir que gastos correntes, de várias naturezas, cresçam de forma excessiva de modo a comprometer esse equilíbrio fiscal. É exatamente isso que queremos e até criar regras para que isso esteja consolidado ao longo do tempo.

     Quanto à reforma tributária sou um pouco mais otimista que V. Exª. Acredito que é possível fazer um acordo ou mobilizar os Governadores e o Parlamento em torno de uma reforma tributária que modernize o nosso sistema tributário. Ainda temos um sistema tributário arcaico, irracional, feito com o único objetivo de equilibrar as contas públicas e aumentar a arrecadação. Na medida em que havia necessidade, os governos, vários governos, foram aumentando tributos, muitas vezes tributos que atrapalham os investimentos, que atrapalham a produção. Hoje nós temos, nos Estados, uma miríade de alíquotas que atrapalham os produtores. Então, de um Estado para outro, o investidor encontra um regime fiscal diferente, o que lhe traz uma série de aborrecimentos e dificuldades.

     Creio que seja possível. Não é uma tarefa fácil, reconheço. É uma tarefa ambiciosa, mas temos que tentar. Se conseguirmos evoluir, por exemplo, para um sistema tributário baseado no IVA nacional, teremos uma melhoria do sistema tributário. Em primeiro lugar, simplifica-se a questão para o contribuinte e para o investidor. Fica muito mais simples, porque ele terá que preencher menos guias. Aliás, a nota fiscal eletrônica que pretendemos implantar - já está sendo implantada - vai transformar todas as operações feitas em papel em operações eletrônicas. Isso vai facilitar muito a vida de todos os contribuintes, de todos os investidores e de todos os produtores.

     O Super Simples, que V. Exªs aprovaram, já será um passo nessa direção. Os pequenos empresários terão que preencher uma guia única referente a oito tributos, federais, estaduais e municipais. Isso já é um avanço. Queremos avançar ainda mais nessa direção com a nota fiscal eletrônica e convencendo os Governadores e Parlamentares a fazerem uma reforma tributária, o que vamos tentar no próximo ano.

     Em relação à Previdência, trata-se de uma questão muito delicada e difícil de administrar. O que pretendemos é estabelecer um fórum de discussão, para que as questões da Previdência sejam discutidas pela sociedade. Então, não cabe, por exemplo, ao Governo, unilateralmente, propor uma reforma ou coisa parecida, mas gostaríamos de abrir uma discussão para examinar as questões, os problemas que a Previdência tem no presente e terá no futuro, ou seja, uma discussão aberta com a participação dos trabalhadores, com uma intensa participação do Congresso, dos empresários e do próprio Governo.

     Certamente é importante que continuemos a avançar no marco regulatório, que, como o senhor muito bem disse, aumenta a segurança jurídica da sociedade. Acredito que demos passos importantes nessa direção. No último período, novas leis e regras foram aprovadas e implementadas, como, por exemplo, o patrimônio de afetação, no caso do setor imobiliário; como a Lei de Recuperação das Empresas e outras medidas que dão muito mais segurança ao sistema brasileiro, à recuperação de créditos e assim por diante.

     Hoje existe um modelo energético no País. Além disso, os senhores aprovaram uma lei de saneamento. Então, temos um marco para o saneamento. Isso é muito importante, porque é um setor que possui um grande potencial de investimentos, e é fundamental para a população brasileira. Agora, os senhores têm aqui a lei do gás, a ser examinada. Portanto, temos que continuar avançando nessas medidas.

     Também concordo que as agências reguladoras têm que ser aperfeiçoadas. Há uma lei em tramitação no Congresso para fazer esse aperfeiçoamento. E também precisamos destravar as parcerias público-privadas, que foram aprovadas, mas que ainda existe pouco resultado em relação a isso.

     Sou contra a ampliação do Conselho Monetário Nacional - concordo com o senhor -, porém não defenderei a sua extinção, porque ele examina muitas questões técnicas, como, por exemplo, a necessidade de aumentar o recurso financeiro para a cultura cacaueira. São questões técnicas que podem ser instruídas no Conselho. É nossa rotina. O Conselho tem grandes questões, poucas e pequenas questões. As pequenas questões são de uma rotina técnica que tem necessidade de continuar. E é bom que haja um diálogo entre o Banco Central, o Ministério da Fazenda e o Ministério do Planejamento, para que essas questões sejam implementadas no dia-a-dia. As grandes questões, como a definição das metas de inflação, evidentemente são levadas à apreciação do Presidente da República, pois são matérias da maior importância para o País, assim como a mudança da Taxa de Juros de Longo Prazo.

     Então, eu não extinguiria, porém seguiria sua sugestão de não ampliar o Conselho Monetário, de modo que ele não se torne um fórum de debates, porque, aí sim, a coisa fica complicada. Que seja um fórum técnico, apenas, para implementar as medidas do Governo.

     Também defendo a plena vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. Acho que foi um avanço da sociedade brasileira que deve ser mantido e não há intenção de o Governo afrouxar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Acho que as contas públicas avançaram muito a partir da promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal.

     O mesmo posso dizer do câmbio flexível. É o melhor regime de câmbio, a meu ver, que existe hoje, mesmo porque a maioria dos países o adota. Se somente um país o adotasse, aí seria complicado. Como no passado: já tivemos um período em que todos os países, ou a maioria deles, adotavam o câmbio determinado pelo Estado, o câmbio rígido, na época keynesiana. Mas, de uns tempos para cá, o melhor regime é o de câmbio flexível, onde o mercado estabelece o patamar cambial a partir das reais condições de oferta e demanda de moedas. Portanto, acredito que temos a ganhar com esse regime, embora isso, em alguns momentos, cause efeitos talvez perversos para alguns setores. É claro que nem todos ficam satisfeitos quando há uma valorização cambial, mas também é o preço que pagamos por termos mais reservas, por termos mais moeda forte no País e mais estabilidade.

     Finalmente, em relação à construção civil, concordo com V. Exª que a construção civil é um dos pólos dinâmicos, um dos motores do crescimento econômico de um país. O senhor mencionou os Estados Unidos, eu mencionaria a Espanha e a Itália. Todos os países desenvolvidos têm na construção civil uma das suas locomotivas de crescimento, tanto que o crédito destinado à construção civil na Espanha, por exemplo, é quase 40% de todo o crédito do país. Nos Estados Unidos, também o setor é fundamental. Até ouvimos falar em bolha imobiliária naquele país, de tanto que ela é importante. E assim por diante.

     Hoje, o Brasil tem uma participação pequena da construção civil no PIB. Já foi maior, houve um retrocesso. Agora, estamos num período de expansão. A participação da construção civil no crédito brasileiro é de apenas 2% de todo o crédito, o que é muito pouco. Então, só para fazer uma comparação, no México é 11%. No mínimo, podemos alcançar o México em termos de construção civil. Existem as condições, as possibilidades e V. Exª tem razão: agora, o nosso desafio é regulamentar a questão do financiamento de lotes urbanizados. Fazer a regulamentação fundiária é fundamental, V. Exª pegou bem a questão, e continuar aumentando os prazos dos financiamentos.

     Esse aumento de prazos já está se dando de forma relativamente espontânea à medida que o País possui um quadro de maior estabilidade. Então, como temos uma inflação mais baixa, há uma segurança jurídica e econômica no País e o próprio setor financeiro já está dando financiamento de 15, 20 anos. Quinze ou 20 anos já alcançamos. V. Exª fala em 30 anos. Em alguns países, esse crédito é de até 50 anos. Havendo um crédito de 30, 40 anos, isso reduz muito o valor da parcela e dá oportunidade para que mesmo as famílias menos favorecidas tenham acesso a uma casa própria. Esse é o nosso objetivo e pretendemos alcançá-lo.

     Espero ter respondido uma boa parte das questões que o senhor colocou.

     Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/12/2006 - Página 39312