Discurso durante a 12ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise crítica do papel da Igreja Católica e da Campanha da Fraternidade 2007, cujo lema é "Amazônia, vida e missão neste chão". Registro dos artigos intitulados "A perda da Amazônia", de autoria de Hélio Jaguaribe, e "Olhos Abertos", de autoria de Mauro Santayana, publicados nos jornais Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil, respectivamente.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Análise crítica do papel da Igreja Católica e da Campanha da Fraternidade 2007, cujo lema é "Amazônia, vida e missão neste chão". Registro dos artigos intitulados "A perda da Amazônia", de autoria de Hélio Jaguaribe, e "Olhos Abertos", de autoria de Mauro Santayana, publicados nos jornais Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil, respectivamente.
Aparteantes
Marcelo Crivella, Mão Santa, Valdir Raupp.
Publicação
Publicação no DSF de 24/02/2007 - Página 2820
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, LEITURA, TRECHO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), DEFESA, PRESERVAÇÃO, FLORESTA AMAZONICA, ACUSAÇÃO, IGREJA CATOLICA, PARTICIPAÇÃO, EXPLORAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, PERIODO, COLONIZAÇÃO, BRASIL, INTERPRETAÇÃO, CAMPANHA, TENTATIVA, RESTAURAÇÃO, PODER, SEITA RELIGIOSA, REGIÃO, ELOGIO, ATUAÇÃO, IGREJA EVANGELICA, COMUNIDADE INDIGENA.
  • COMENTARIO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), QUESTIONAMENTO, INEFICACIA, ATUAÇÃO, IGREJA CATOLICA, NECESSIDADE, MODERNIZAÇÃO, RECUPERAÇÃO, INFLUENCIA, SEITA RELIGIOSA, POPULAÇÃO.
  • ACUSAÇÃO, IGREJA CATOLICA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), LOBBY, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), OBJETIVO, AUSENCIA, ATENDIMENTO, INTERESSE, INDIO, POPULAÇÃO, LOCAL.
  • DEFESA, EXPLORAÇÃO, JAZIDAS, DIAMANTE, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RONDONIA (RO).
  • CONTESTAÇÃO, ALEGAÇÕES, NOCIVIDADE, EFEITO, QUEIMADA, FLORESTA AMAZONICA, ALTERAÇÃO, CLIMA, MUNDO, OPINIÃO, ORADOR, RESPONSABILIDADE, PAIS INDUSTRIALIZADO, MOTIVO, EMISSÃO, TOXICIDADE, GAS, ATMOSFERA.
  • CONTESTAÇÃO, DENUNCIA, AUMENTO, DESMATAMENTO, FLORESTA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ESTADO DE RONDONIA (RO).
  • ESCLARECIMENTOS, POSIÇÃO, ORADOR, REFERENCIA, RELIGIÃO.
  • COMENTARIO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), SITUAÇÃO, ABANDONO, FLORESTA AMAZONICA.
  • REGISTRO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), COMENTARIO, INTERESSE, CAPITAL ESTRANGEIRO, FLORESTA AMAZONICA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu, como vários Senadores, tenho me ocupado ultimamente do tema da segurança. Hoje, porém, abro parênteses para me ater ao tema da Campanha da Fraternidade da Igreja Católica, que foi lançada anteontem em Belém do Pará. Quero fazer aqui uma análise crítica da postura da Igreja Católica nessa questão.

Primeiro, vamos relembrar que, quando Pedro Álvares Cabral chegou aqui, junto com aquela expedição que pretendia chegar às Índias, também tinha o apoio da Igreja Católica - chegou aqui depois de várias expedições que os portugueses fizeram à África, todas expedições exploradoras que buscavam as riquezas da África, buscavam escravizar os africanos.

A Igreja Católica, com a desculpa de evangelizar, de converter os pagãos, colaborava com os exploradores e tinha participação nos lucros que auferiam.

E no Brasil não foi diferente. Aliás, a primeira árvore derrubada no Brasil foi derrubada a mando da Igreja Católica para fazer a cruz ao pé da qual se rezou a primeira missa. Então, o primeiro mau exemplo que se deu foi este: derrubou-se uma árvore, grande por sinal - pelo menos pelo que se vê nas pinturas que retratam aquele evento -, para rezar a primeira missa.

Depois, os portugueses, os franceses, os holandeses e os ingleses seguiram explorando o pau-brasil principalmente, sempre com a colaboração da Igreja Católica, que criava missões para atrair os indígenas e transformá-los em mão-de-obra escrava nas fazendas, nos cultivos dos exploradores.

Não foi diferente na Amazônia.

Toda vez que havia uma incursão dos portugueses na Amazônia, juntamente com eles ou até antes iam os padres, os religiosos a fim de pacificar os índios para receberem os exploradores. Isso sempre foi assim.

Li o documento preliminar da Campanha da Fraternidade deste ano, em cuja figura há uma terra rachada, o que não é comum na Amazônia. Se a Amazônia sofreu uma estiagem depois de décadas, não foi por culpa da Amazônia, mas do aquecimento global provocado pelos países ricos da Europa e pelos Estados Unidos. A Amazônia é vítima desse processo, mas querem colocar a culpa nas queimadas feitas pelas pessoas que lá estão.

Há também a figura de uma vitória-régia e de um índio. Ora, repito o que eu já disse aqui: tenho o maior respeito pelos índios. Sempre fui muito bem votado pelos índios da minha terra. Como médico, desde que lá cheguei formado, atendi a todas as comunidades indígenas indistintamente.

Na Amazônia, temos 200 mil índios e 25 milhões de não-índios. Geralmente nesses 25 milhões há muitas pessoas miscigenadas, que chamamos de caboclos.

São pessoas que não são necessariamente arrozeiros, sojeiros, criadores de gado, não; são ribeirinhos, são pessoas que vivem das suas roças artesanais.

E no documento da Igreja Católica que norteia - repito, o documento preliminar; ainda não li o documento definitivo - o que se vê, na verdade, é a preocupação da Igreja Católica com a perda de seu espaço na Amazônia. Aqui é dito claramente:

“As dioceses e prelazias daquela região, no passado, eram geralmente socorridas por missionários estrangeiros, que as serviam com recursos humanos e materiais vindos de fora do País; hoje, essas forças ficaram drasticamente reduzidas e as igrejas da Amazônia ainda não estão em condições de enfrentar sozinhas a sua imensa tarefa evangelizadora.

Como atender adequadamente as comunidades católicas esparsas pelo vasto território? A ação intensa de grupos religiosos não-católicos [quer dizer, há preocupação com os grupos religiosos não-católicos] está questionando seriamente a capacidade e a agilidade de nossa Igreja Católica em atender devidamente às necessidades religiosas de seus próprios fiéis. Chegou a hora de uma grande ação solidária de toda a Igreja no Brasil para a evangelização da região amazônica. O apoio e o revigoramento daquela Igreja local tornou-se urgente e requer a ajuda de voluntários e missionários das outras regiões do País, além de recursos econômicos e logísticos.”

Senador Valdir Raupp, veja o que está por trás dessa história, daquelas imagens bonitas - bonitas, não; digamos assim, que sensibilizam - mostradas na televisão.

“Vida e missão nesse chão” é o lema da Campanha da Fraternidade.

A Igreja Católica esteve presente no meio dos povos amazônicos desde o início da evangelização do Brasil.

É verdade! Desde a missa rezada por Frei Henrique de Coimbra, ao pé da primeira árvore derrubada, no Brasil, pela Igreja Católica. Repito:

A Igreja Católica esteve presente no meio dos povos amazônicos desde o início da evangelização do Brasil e quer agora aprofundar sua presença e ação no meio deles”.

           Sr. Presidente, sou católico, mas não sou um católico praticante, porque perdi realmente a fé nos objetivos da Igreja Católica. Primeiro, porque li o que a Igreja Católica fez no passado: a Inquisição, as Cruzadas, que até hoje é responsável pelo ódio que os mulçumanos têm. Realmente, isso me deixa perplexo. E parece que, hoje, a Igreja Católica está imbuída de fazer uma inquisição moderna, ou seja, transformar quem mora na Amazônia nos hereges de antigamente. Então, o garimpeiro é um pecador, o madeireiro é um herege, o fazendeiro está excomungado. Quem presta, então, na Amazônia? Só os católicos?

É por isso, Senador Valdir Raupp, que a maioria dos Estados da Amazônia está deixando de ser católica. O meu Estado é o quarto menos católico do Brasil. E daqui a pouco vai ser, talvez, o menos católico.

O Sr. Gilvam Borges (PMDB - AP) - Tem muito comunista.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Não, não há comunismo, não. São não-católicos, são evangélicos. Porque as comunidades indígenas, onde estão presentes os evangélicos, são comunidades mais organizadas. Lá não existe bebida alcoólica; as famílias estão integradas; não há suicídios. Agora, onde está a presença ausente da Igreja Católica - porque geralmente só há a igreja, um templo construído, mas a ausência da presença física do padre, ou de qualquer missionário, porque até isso realmente não há mais...

Quero ler só um pedaço de uma matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo pelo ex-Arcebispo de São Paulo, atual Ministro do Papa Bento XVI, Dom Cláudio Hummes, em que ele fez alguns comentários. Vou ler só alguns trechos, em que ele diz - ele apontou alguns pontos que mostram que a Igreja Católica realmente está perdendo seu objetivo e fala isso claramente. Ele deixou claro que não se trata de lutar contra outros grupos religiosos, mas de entender por que os sacerdotes católicos não têm sido capazes de conduzir até Jesus Cristo aqueles que eles batizaram. Vejam bem! E mais na frente, o próprio Arcebispo diz: “diante da calamitosa escalada de violência e ódio que temos presenciado diuturnamente, nos meios de comunicação, quero parafrasear o Papa Bento XVI: ‘devemos reconhecer que a Igreja de hoje tem de responder aos desafios da atualidade com renovada audácia para voltar a propor aos homens e mulheres a mensagem salvadora de Cristo’.

Então, Sr. Presidente, fico realmente pasmo e não tenho receio. Aqui existe uma espécie de receio de se falar contra o que pensa a Igreja Católica. Penso que esse tempo passou - passou mesmo. A Igreja Católica não é porta-voz de Deus. Ninguém pode se arvorar em ser porta-voz de Deus. Penso que ninguém tem esse direito.

Gostaria de dizer, Sr. Presidente, que fico muito preocupado mesmo porque, no meu Estado, por exemplo, a Igreja Católica resolveu comandar um verdadeiro apartheid étnico por demarcação de terras indígenas, inclusive contra os índios. O que foi feito na reserva indígena Raposa Serra do Sol é de estarrecer. A minoria dos índios que moram lá queria uma reserva de forma contínua e a maioria não queria. Estou falando a maioria dos índios, nem falando dos não-índios que moravam lá há séculos. Mas foi imposta dessa forma. 

O próprio Presidente da República disse para o Governador do meu Estado, na minha presença, e na do Senador Augusto Botelho e dos Deputados Federais do meu Estado, que iria demarcar porque não agüentava mais a pressão da Igreja Católica, das ONG’s.

E quando veio dos funerais do Papa, ele realmente demarcou como quis.

Coincidentemente, logo após esse episódio, uma instituição chamada Cafod, que é da Igreja Católica da Inglaterra e do País de Gales, pediu autorização para adentrar essa reserva indígena, para inspecionar e estudar projetos de financiamento de atividades ali dentro. Que coincidência! Que benevolência! A igreja Católica da Inglaterra vai à reserva indígena Raposa Serra do Sol, lá no nordeste do meu Estado, para prestar assistência aos índios - à minoria dos índios, porque a maioria não quer essa demarcação e continua lutando contra ela. Recentemente, inclusive, ocorreram conflitos lá.

Então, é preciso que a Igreja Católica perca essa mania, que já é do passado. E não venha...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Logo em seguida darei o aparte a V. Exª.

Não venha a repetir agora essa Inquisição moderna, essa verdadeira transformação. Ela se mete em tudo.

Nessa questão da violência, é muito cômodo para um grupo de senhores solteiros, que não têm família, portanto não têm filhos que vão ao colégio e se expõem ao risco de serem seqüestrados, não têm mulheres que precisam trabalhar; eles próprios não precisam se expor muito. Quando, por acaso, alguém da Igreja, como o caso lamentável da Irmã Dorothy, é assassinado, a Igreja toda é mobilizada para exigir justiça.

E não vejo essa mobilização no caso do João Hélio, no Rio de Janeiro.

Então, lamento muito que essa seja uma Campanha de fachada para, na verdade, mobilizar, como está dito no documento, recursos e outros mecanismos para aumentar o número de católicos na região. Não acho isso ruim, desde que a Igreja Católica cumpra o papel de evangelizar, de dizer a verdade, de fazer justiça e de fazer o bem para todos, como Jesus sempre pregou: todos são iguais.

Senador Valdir Raupp, concedo-lhe o aparte, pois V. Exª tinha pedido primeiro. Em seguida, ouvirei o Senador Mão Santa, com muito prazer.

O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Nobre Senador Mozarildo Cavalcanti, ontem mesmo fiz um pronunciamento sobre a Campanha da Fraternidade, sobre a Amazônia como um todo, não só pela Campanha da Fraternidade, mas pela preocupação do mundo com aquela região. É louvável não só a Igreja Católica mas também outras entidades estarem preocupadas com a Amazônia. Por outro lado, países como a Inglaterra, como V. Exª se referiu, e tantos outros países da Europa têm uma preocupação enorme com a Amazônia. Só o Estado do Amazonas tem 97% das suas áreas preservadas - e olha que o Estado representa quase 50% do território nacional. Todas as florestas brasileiras - amazônica, mata atlântica em todos os Estados - somam 64% da nossa área territorial preservada com florestas primitivas. A Europa inteira tem apenas 0,3%, não chegando a 0,5% das suas florestas primitivas preservadas. É claro que eles fizeram alguns reflorestamentos. Mesmo a África tem apenas 9% das suas áreas preservadas. É muito bom que trabalhemos para preservar a Amazônia, mas se os outros países não fizerem a sua parte, não pararem de poluir o mundo com o dióxido de carbono, como os Estados Unidos, a Inglaterra e tantos outros, de nada valerá nosso esforço para a preservação da Amazônia. É claro que temos de fazer esse trabalho, mas temos de cobrar dos países e das entidades que querem a todo custo a preservação da Amazônia que façam também seu dever de casa, como estabelecido recentemente no relatório sobre aquecimento global elaborado por entidades que trabalharam anos a fio nessa questão. Admiro toda religião que trabalhe com seriedade. Sou católico não muito praticante, pratico um pouco, mas vejo que a Igreja Católica tem de se voltar apenas à espiritualidade e não se envolver com questões políticas. A Igreja, como qualquer outra entidade e até mesmo como nós políticos, pega a onda do momento: pegou a onda da fome, a onda da paz, a onda disto e daquilo, e agora está pegando a onda da Amazônia, que está sendo discutida no mundo inteiro. V. Exª está sendo muito feliz ao abordar essas questões em seu pronunciamento. Muito obrigado.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Valdir Raupp, que já foi Governador de um Estado da Amazônia, aliás, um Estado sempre citado como um mau exemplo. Muita gente diz que Rondônia é um exemplo de devastação.

Tive oportunidade de ir ao Estado de V. Exª duas vezes. Uma vez foi naquela missão à Reserva Roosevelt - o nome, por sinal, é uma homenagem a um Presidente dos Estados Unidos -, durante a confusão com os índios Cinta Larga, onde há a maior reserva de diamante da melhor qualidade do mundo. V. Exª sabe, o Brasil todo sabe, o Presidente da República sabe que o diamante continua sendo extraído, desviado, e o Brasil não recebe um tostão, porque o Presidente legisla com medidas provisórias quando quer. Sugerimos naquela comissão externa que fosse baixada medida provisória para permitir a exploração do diamante em benefício dos índios, primeiramente, do Estado de V. Exª e desta Nação como um todo, mas nada foi feito. Baixaram a medida provisória para legalizar o diamante que estava em poder dos índios naquele momento, só, e nada mais foi feito. Então, é uma enganação.

Ao contrário do que se diz, o Estado de V. Exª é um exemplo para a Nação de um Estado que cresceu, que produz e que gera bem-estar. E, nesses oito anos em que sou Senador, vejo V. Exª a toda hora na tribuna, brigando por um gasoduto que só agora começa a querer sair do papel.

Realmente, temos de nos levantar e não aceitar esta pecha, como a Igreja fazia durante a Inquisição, de que, ou somos hereges, ou bruxos, ou coisa parecida. Nós não somos. Os culpados pelo que sofremos na Amazônia é o Governo Federal e os países ricos. Está comprovado que contribuímos para o aquecimento global com apenas 6%; os outros 94% são os países ricos queimando combustível fóssil. Agora mesmo dão como bonito uma intenção dos países da Europa de reduzir em 20%, nas próximas décadas, a emissão de gases que provocam o efeito estufa, o aquecimento. Então, nós, da Amazônia, não podemos aceitar essa pecha e ficarmos calados.

O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Rondônia, como V. Exª se referiu, é o único Estado do Brasil que tem o zoneamento aprovado pela Assembléia Legislativa, pelo Conama e pelo Ministério do Meio Ambiente e visa a preservar 70% de sua área territorial. Temos hoje em torno de 27%, 28% apenas desmatados. Por quê? Porque, nas décadas de 70 e de 80, especificamente, houve um chamamento do Governo Federal para que ocupassem a Amazônia, e como Rondônia era um Estado de terras boas foi colonizado pelo Incra, um órgão federal, que chamou brasileiros do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Espírito Santo, de Minas Gerais, do Paraná, de todos os Estados, para ocupar a Amazônia. “Integrar para não entregar”; era a integração para não entregar a Amazônia para organismos internacionais que a estavam cobiçando naquele momento - e cobiçam até hoje. Que culpa temos nós? Estamos fazendo nossa parte, nosso dever de casa, como eu, como Governador, fiz que foi o zoneamento. Investimos lá mais de R$50 milhões para fazer o zoneamento que visa a preservar 70% das áreas de Rondônia. Só eu assinei, Senador Mozarildo, 46 decretos de criação de áreas de reservas florestais, extrativistas e biológicas, parques florestais, em conjunto com o Governo Federal. Então, Rondônia tem um zoneamento que está servindo de modelo para o Acre, para o Pará, para o Mato Grosso, e creio que todos os Estados da Amazônia vão seguir o exemplo de Rondônia. Então V. Exª tem razão - e agradeço até essa solidariedade com Rondônia - ao dizer que nós não somos os predadores, os agressores do meio ambiente; estamos lá procurando, claro, sobreviver com mais de 1,5 milhão de habitantes que tem Rondônia, mas preservando. Que bom se todos os países do mundo tivessem a preservação que tem o Estado de Rondônia, que ficassem com 70% de suas áreas preservadas.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Mas as coisas boas, Senador Valdir Raupp, que acontecem na Amazônia, que os governos fazem na Amazônia, não são contadas. Por exemplo, está provado que o meu Estado é o que menos desmata. Aliás, esse negócio de desmatamento pegou uma pecha que árvore parece até sagrada, não é um ser vivo que nasce, cresce, produz e morre, não se pode aproveitar. Então, V. Exª diz - e sei disso - que foi criado no seu Estado um zoneamento econômico e ecológico, aprovado há muito tempo, e o Estado de V. Exª obedece. O meu Estado, por exemplo, é um Estado diferente da Amazônia. Quase a metade do meu Estado não é composta por floresta, é composta de campos naturais - e isso também não é dito. Houve até um Ministro do Presidente Collor, que foi a Roraima - e eu estava no avião. Quando saímos da Floresta Amazônica e entramos - lá, chamamos de lavrados - nos campos naturais, que correspondem aos cerrados e têm menos árvores do que os cerrados, o Ministro Lutzemberger, famoso e que já morreu, disse ao Presidente Collor: “Olha aí, Presidente, quanta devastação! Queimaram tanto que não existe mais floresta”. Quer dizer, a ignorância de alguns brasileiros “ilustres” sobre a Amazônia faz com que as coisas se estigmatizem.

Estou falando de Rondônia, porque citam esse exemplo. Recentemente, ouvi declarações de atores e de atrizes da Rede Globo que estão filmando a minissérie Amazônia de que, indo para o Acre - portanto, sobrevoando o Estado de V. Exª -, viram devastação enorme naquela região. O que viram, na verdade, foi a ocupação racional do homem para produzir em benefício do homem e em benefício, portanto, do seu Estado e do Brasil.

Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PDMB - PI) - Senador Mozarildo Cavalcanti, estamos ouvindo atentamente V. Exª, que merece minha admiração, a da Amazônia e a do seu Estado. E falo como médico. Entendo que a Medicina é a mais humana das ciências e que o médico é o grande benfeitor da humanidade, e V. Exª simboliza isso. O líder maçônico Gonçalves Ledo - a Maçonaria, essa organização trabalhou pela nossa independência - é um homem de coragem. E V. Exª foi um dos primeiros a denunciar a farra dessas ONGs. Agora, estão despertando até para uma CPI, mas foi V. Exª que apontou. Não tenho visto aqui ninguém com tanta visão de futuro da Amazônia como V. Exª. V. Exª falou de religião. Entendo que qualquer religião é muito boa. Os católicos são membros de uma delas, como eu. Meu nome é Francisco - Paz e Bem! -, um nome católico. Minha mãe era terceira franciscana. Mas há muita coisa certa no que V. Exª diz. Vejo religião como um caminho que leva a um Deus; são laços que nos unem a um Deus. É um código de ética em que todas são boas religiões - todas elas. V. Exª está muito certo, mas vejo que as coisas mudam. Petrônio Portella dizia que só não muda quem abdica do direito de pensar. As coisas mudam, e religião, hoje, no meu entender, é a cristã. A mulçumana tem a sua história, com todo o respeito. Então, surgiram outras, mas vêm todas da mesma. Bendito Lutero, como V. Exª disse, foi quem despertou para as falhas e para os erros. Bendito Lutero! E, aqui mesmo, vou dar um exemplo a V. Exª. Está ali! Um quadro vale mais do que mil palavras. Geraldo Mesquita, fomos convidados para um debate numa emissora de televisão aqui, em Brasília, sobre a criação do Estado do Planalto Central. O Senador Geraldo Mesquita é muito inteligente, é lá da Amazônia, é do Acre - que considero não pelas árvores, pois muitas são as maravilhas da natureza, mas a mais maravilhosa é o ser humano. Adib Jatene é um acreano, símbolo maior da Medicina. A grande Amazônia - que é tudo, que são todos os senhores juntos - representa 47% deste País. Penso que aquilo deveria ser um país. Está aí a Rússia. Na União Soviética antiga, havia até filas para comprar picolés.

E, hoje, a situação melhorou. Quando se aumenta o número de Estados, melhora - está aí o Tocantins. Municípios, eu criei 78 no Piauí. E sonho que aquilo seja um país, porque o Governo está distante. Mas sobre religião, V. Exª me permite, eu não concordo. Essas mudanças existiram aqui mesmo. Fomos à televisão, e o Geraldo Mesquita viu um outdoor com um homem bonito e com uma mulher e perguntou: “Não é aquele que prenderam?”. E responderam: “Não, é outro”. Eu fiquei encantado. É uma Igreja chamada Sara Nossa Terra, que veio da Presbiteriana, porque a Presbiteriana não aceitava os jovens com cabelo comprido, que usasse brinco, e aí surgiu um pastor inteligente e competente, como Lutero: o Bispo Rodovalho, que é físico e que conhece Linus Pauling, Blackwood. Estudei Física. E de tudo que observei sobre violência, o que mais aprendi veio de um jornalista. Participei de um debate, em que se falou de cadeia, de prisão perpétua, de forca, de pena de morte, de cadeira elétrica, de capar, de tanque de guerra, do Código Penal - cada um trouxe suas sugestões. Houve até quem sugerisse que o intra-uterino fosse julgado - cada um com suas idéias. Mas ouvi um jornalista do Jornal do Brasil, que se levantou e que deu a opinião mais sensata - quis Deus estivesse presente o Crivella: “Olha, freqüento os morros, as favelas, essas que são resultado...”. Temos de entender as origens, ó Presidente Luiz Inácio Lula da Silva! O que é uma cidade? Gente. Chegou-se à conclusão de que era bom viver em cidade; um ajudava o outro. Aí apareceram as regras, e o homem transformou essas regras em leis, beneficiando todos. Mas acontece que muitos foram discriminados, foram excluídos, porque essas regras e leis não beneficiavam os que estavam na periferia. Então, eles fizeram as próprias leis, as próprias regras. Por que eles vão obedecer a essas leis se estão desempregados, se não têm esperança, se não têm escola, se não têm saúde? Eles estão fazendo as próprias leis, as próprias regras. Essa é a verdade. Mas sabe o que o repórter disse? Disse: “Vou à favela - eu a freqüento devido ao trabalho - e tenho observado que, onde há igreja, há paz em torno dela”. Então, o mundo precisa das igrejas, seja a Católica, sejam as outras, as cristãs, pois a Católica não é a melhor. Tenho visto que, na história do mundo, erramos porque viemos nessa Católica meio cega, pois os cristãos portugueses chegaram aqui e disseram: “É mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que um rico entrar no reino dos céus”. Aí ninguém queria trabalhar para ser rico. A riqueza vinda do trabalho é digna. Então, surgiu Calvino. Essa é a diferença dos povos da religião cristã, que têm essa visão do trabalho, a visão da riqueza, para fazer o bem e prosperar. Considero o que está havendo muito bom. Não está havendo queda, está aumentando o Cristianismo. As outras fortalecem este que foi o grande político, que foi o primeiro comunista do mundo - todos tinham de participar -, que foi Cristo.

É a divisão. Comunhão quer dizer isso. Aquele ato simbólico do católico significa dividir o pão, e, aqui, não há pão dividido. Existem os excluídos, e esses excluídos têm de ser integrados por este Governo.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Agradeço a V. Exª, Senador Mão Santa, o aparte e concedo, com muito prazer, um aparte ao Senador Marcelo Crivella.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Senador Mozarildo, prometo a V. Exª que me vou ater aos dois minutos regimentais do nosso aparte. Quero apenas parabenizar V. Exª pelo pronunciamento corajoso. A Igreja - e todas são assim - desenvolveu os dogmas. A palavra “dogma” tem sua origem naquilo que não se deve pensar. É um dogma: “aceite como lhe estou ensinando” ou, talvez, “aceite como lhe estou impondo”. V. Exª sabe que, com o avanço da intelectualidade, as pessoas, hoje, sentem dificuldade em raciocinar sobre temas tão importantes, como este a que V. Exª se está referindo. Parabéns a V. Exª! Aliás, ontem, quando eu conversava com o Vice-Presidente, S. Exª me dizia que fez recentemente uma viagem à China e que, lá, a produção de arroz é de 150 milhões de toneladas. Senador Mozarildo, a China produz, por ano, 150 milhões de toneladas de arroz, e nós, aqui, temos dificuldades. Produzimos tudo: arroz, feijão, soja, amendoim, o que for, num total de 100 milhões de toneladas. Então, veja como estamos atrasados! E, desse atraso, vem a fome, e, da fome, vêm todos esses problemas citados pelo Senador Mão Santa. Às vezes, há, sim, tradições religiosas impedindo o desenvolvimento. Quero parabenizar V. Exª pelo pronunciamento corajoso, lúcido, que merece o aplauso de nós todos.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Senador Marcelo Crivella, acolho com muito prazer o aparte de V. Exª. Quero dizer que recebi da Igreja Universal, em Roraima, apoio irrestrito. Não só por isso eu diria que me sinto feliz com o aparte de V. Exª, mas me sinto, hoje, um homem ecumênico - aliás, até pela minha formação, pelo fato de ser maçom. Na Maçonaria, acolhemos todas as religiões. Aliás, para entrar na Maçonaria, só há um impedimento: ser ateu. Quem não acredita em Deus não pode ser maçom. Como a pessoa chama Deus não interessa, se é por Alá ou por outro tipo de nome. Isso não interessa. Para mim, é esse o caminho. Todas as religiões, para mim, são importantes.

O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges. PMDB - AP) - Senador Mozarildo, quero comunicar ao Plenário que a hora prevista de encerramento desta sessão é às 11 horas e 30 minutos, mas vamos garantir a palavra a todos os inscritos.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Até às 13 horas!

O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges. PMDB - AP) - V. Exª vai ficar comigo, estou falando dos oradores! V. Exª vai ficar comigo.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - São quatro horas de sessão.

O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges. PMDB - AP) - Vamos ficar juntos V. Exª e eu.

Quero perguntar a V. Exª, Senador Mozarildo, qual o tempo de que V. Exª necessita para concluir o pronunciamento.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - De um pouco mais de tempo, Sr. Presidente. V. Exª, como amazônida...

O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges. PMDB - AP) - De cinco minutos?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Creio que, com cinco minutos, dá para encerrar.

Senador Crivella, com relação à questão da religião, espero que os homens da Igreja Católica, da CNBB, entendam que minha crítica é feita à forma como eles estão procedendo. Não estou criticando a fé católica. Respeito muito os católicos, mas o procedimento da Igreja Católica está sendo criticado até por D. Cláudio Hummes. Li uma declaração dele na Folha de S.Paulo.

Quero mesmo falar sobre a Amazônia. É por isso que trouxe à colação a CNBB, já que esta adotou como tema da Campanha da Fraternidade deste ano a Amazônia, assunto sobre o qual quero discutir em profundidade.

Senador Gilvam Borges, Srªs e Srs. Senadores, quero referir-me - e peço que seja transcrito na íntegra - ao artigo do eminente sociólogo Helio Jaguaribe, cujo título é “A perda da Amazônia”, publicado na Folha de S.Paulo. Não lerei o artigo, porque ele é relativamente extenso. Diz: “Nada é comparável ao absoluto abandono a que está sujeita a Amazônia. O que ocorre nessa área, 59% do território [a área é de mais de 60%], é inacreditável”. Vou ler mais um trecho:

Enquanto a Igreja Católica atua como ingênua protetora dos indígenas, facilitando indiretamente indesejáveis penetrações estrangeiras, igrejas protestantes, nas quais pastores improvisados são, concomitantemente, empresários por conta própria, a serviço de grandes companhias, atuam diretamente com finalidades mercantis e propósitos alienantes.

Quero dizer que, no meu Estado, isso não acontece com os pastores protestantes, com os pastores evangélicos. Conheço muito bem o trabalho das igrejas evangélicas nas comunidades indígenas e sei que o que se dá é o contrário: onde existem evangélicos, as comunidades indígenas vivem melhor.

Quero também fazer alusão à matéria publicada no Jornal do Brasil, no dia 21 de fevereiro, de autoria do Sr. Mauro Santayana, cujo título é “Olhos Abertos”. Eis o resumo do artigo: “É bom dispensar o serviço daqueles que querem nos ajudar na Amazônia”. Lerei um parágrafo, Senador Gilvam:

O interesse de alguns leitores pela coluna de segunda-feira passada (O que é nosso) confirma que o problema da Amazônia, objeto de excelente série de reportagens deste Jornal do Brasil, está mobilizando a opinião pública nacional. A maior parcela do sistema amazônico é nossa. Mas, desde a Independência, temos nos confrontado com a cobiça estrangeira - principalmente dos Estados Unidos - sobre os imensos recursos da área.

O mesmo jornalista Mauro Santayana publicou, no dia 19 de fevereiro - portanto, antes -, outro artigo, discorrendo sobre o seguinte:

É hora de se voltar a pensar no Brasil, de defender o que é nosso.

Depois do erro cometido pelo Governo, com a aprovação da lei que permite a exploração da Amazônia, mediante a concessão de terras a empresas privadas - entre elas estrangeiras, desde que sediadas no Brasil -, informa-se que o Presidente Lula irá enviar ao Congresso projeto de emenda constitucional que regulamentará a propriedade fundiária por estrangeiros.

A medida virá com atraso. Há vastíssimas glebas de propriedade de empresas de fora, principalmente na região amazônica. Ainda assim, poderemos interromper o processo de invasão manhosa e silenciosa do território nacional, muitas vezes mediante grilagem das áreas.

Sr. Presidente, encerro, dizendo que, do que vi na televisão por parte do Presidente da CNBB, achei interessante a crítica que ele fez ao Governo, dizendo que o Governo tem sido omisso em relação à Amazônia. Ele o disse claramente. E isso é interessante, porque a Ministra do Meio Ambiente estava presente e, com grande parte da entrevista, concordou.

Então, é preciso, sim, que mudemos, e que o Presidente Lula não entenda essas críticas construtivas como críticas à pessoa dele, como críticas à capacidade dele de governar, mas, sim, como críticas para que ele acerte, para que ele faça aquilo que prometeu na campanha da sua primeira eleição. Que ele passe a analisar o que se pode fazer na Amazônia, para que a Amazônia continue brasileira! O que queremos é que a Amazônia continue brasileira, para ser útil aos brasileiros e, principalmente, para resolver os inúmeros problemas do País, principalmente os financeiros.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno)

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Matérias referidas:

“Campanha da Fraternidade 2007 - Fraternidade e Amazônia”;

“A perda da Amazônia”, de Helio Jaguaribe.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/02/2007 - Página 2820