Discurso durante a 14ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a questão das hidrovias, particularmente importantes na região amazônica e no Amapá.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Considerações sobre a questão das hidrovias, particularmente importantes na região amazônica e no Amapá.
Publicação
Publicação no DSF de 28/02/2007 - Página 3094
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, PROGRAMA, ACELERAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, CRITICA, FALTA, ATENÇÃO, SITUAÇÃO, HIDROVIA, REGIÃO NORTE, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO AMAPA (AP).
  • ANALISE, IMPORTANCIA, RODOVIA, MELHORIA, TRANSPORTE DE CARGA, FAVORECIMENTO, INTEGRAÇÃO, PAIS, BENEFICIO, TURISMO.
  • NECESSIDADE, REGULAMENTAÇÃO, ABERTURA, HIDROVIA, REDUÇÃO, TRIBUTAÇÃO, IMPORTANCIA, INTEGRAÇÃO, MEIOS DE TRANSPORTE.

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este momento, em que iniciamos uma nova legislatura, é particularmente importante para o Legislativo e para o País: com a renovação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, renovam-se também as esperanças do povo brasileiro por dias melhores, esperanças de que o Congresso possa dar o pronto e devido equacionamento às graves questões que tanto afligem a nossa gente. Merecem especial atenção de nossa parte os temas relacionados à segurança pública, à saúde, à educação e ao desemprego.

Sua Excelência, o Presidente da República, recém encaminhou ao Congresso o PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, dando o norte do que pretende fazer em seu segundo mandato. Ele prevê um investimento de quase 504 bilhões de reais no que chama de “infra-estrutura para o desenvolvimento”, assim distribuídos: 275 bilhões para energia, 171 bilhões para saneamento, habitação e metrô e mais 58 bilhões a serem aplicados em rodovias, portos, ferrovias e aeroportos. Além disso, estão previstas também medidas voltadas para o crescimento da economia.

Nesse contexto, gostaria de chamar a atenção desta Casa para um assunto que não tem merecido o devido tratamento por parte do Governo. Refiro-me, Senhor Presidente, à questão das hidrovias, particularmente importantes na região amazônica e no Estado do Amapá. Esse é um tema sobre o qual muito já se falou e que, em 1996, foi objeto, inclusive, de um detalhado estudo pelo então Senador Bernardo Cabral, publicado pelo Senado Federal. O fato é que, lamentavelmente, ainda não avançamos nesse tema. Tanto é verdade que, no mesmo ano de 1996, o Tribunal de Contas da União reconheceu a inoperância e a virtual falência do setor. Neste momento, em que vamos discutir o PAC, em que podemos alterá-lo para o bem do povo brasileiro, creio ser a ocasião mais propícia para que voltemos a discutir a questão das hidrovias em nosso País.

Eu não teria tempo, Srªs e Srs. Senadores, de trazer aqui uma análise aprofundada da matéria, mas trago algumas informações sobre as quais tenho me debruçado nesses últimos tempos, e para as quais convido a uma profunda reflexão desta Casa.

O primeiro ponto a destacar é que o Brasil possui cerca de 40 mil quilômetros de rios navegáveis, distribuídos em nove bacias hidrográficas. Esse é um potencial fantástico para escoar nossas riquezas, haja vista que a “estrada” já está praticamente pronta, é uma obra da natureza. Atualmente, aproveitamos, de forma precária, apenas 26 mil quilômetros de nossa malha hídrica.

Numerosos são os estudos que apontam as vantagens das hidrovias para o transporte de cargas pesadas. Um exemplo gritante desse fato é a comparação das capacidades de carga dos diferentes modais: enquanto uma barcaça transporta mil e quinhentas toneladas, uma carreta leva apenas 26 toneladas; isso significa dizer que uma barcaça consegue carregar o equivalente a 58 carretas. Apesar dessa incontestável superioridade, registre-se que 60% de nossas cargas são transportadas por rodovias e apenas 13% por hidrovias. Mas, além disso, as hidrovias possuem outros diferenciais favoráveis, como um consumo de energia relativamente pequeno, custo operacional menor do que outros meios de transporte e reduzido impacto ambiental para implantação, se comparado com o modal rodoviário, por exemplo.

Eu pergunto, então: por que não incrementar o uso das hidrovias e, dessa forma, contribuir sensivelmente para a redução do “Custo Brasil”?

            Temos que considerar o tema também do ponto de vista estratégico. As hidrovias são fundamentais para a integração nacional, pois sabemos que existem muitos pontos de nosso território somente acessíveis por meio aquaviário. Assim, as hidrovias podem propiciar benefícios adicionais, hoje fora do alcance das populações ribeirinhas, como saúde, educação e cultura. Elas podem servir como um instrumento de promoção da cidadania dessas comunidades.

Há ainda o aspecto militar. Num país de dimensões continentais como o Brasil, detentor de incontáveis riquezas naturais, nunca é demais termos sempre em mente a célebre frase proferida por Thomas Jefferson: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. Sob essa ótica, a hidrovia também possui inegável relevo: ela permite a mobilização de grandes quantidades de material bélico e de efetivos de tropas, não expõe embarcações ao ataque de alto-mar e não é tão suscetível a sabotagens, como uma rodovia ou uma linha férrea.

Finalmente, gostaria de mencionar a importância do modal hidroviário para o turismo. O inegável apelo paisagístico das regiões interioranas, aliado à forte tendência de crescimento do turismo ecológico, faz das hidrovias um meio de transporte bastante atraente para aqueles que desejam conhecer as belezas dos nossos rios e de suas margens. E, como sabemos, o turismo é um dos setores que mais geram riquezas e empregos em todo o mundo.

Apesar de tudo isso, Senhor Presidente, o Brasil continua “patinando” quando o assunto é hidrovia, o que contribui para naufragar grande parte dos projetos de crescimento para o País. E isso em virtude de diversos fatores.

Começaria por mencionar a ausência de uma legislação específica que regule o setor. Essa situação de verdadeira anomia tem provocado inúmeros conflitos, por exemplo, no que diz respeito à aplicação da legislação ambiental. Um caso típico é o que envolve a Hidrovia do Tocantins-Araguaia, cuja implantação foi interrompida pelo conflito surgido no processo de licenciamento ambiental, no qual ocorreram divergências sobre a consulta ou não aos povos indígenas e ao Congresso Nacional. Da mesma forma, surgem situações em que os órgãos estão proibidos de conceder licenças ambientais, em virtude da falta de regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal, que trata da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A ausência de regulamentação desse dispositivo tem ocasionado grande número de demandas nos tribunais, contestando a competência desse ou daquele órgão para o licenciamento ambiental, o que tem paralisado projetos importantes de hidrovias para o País.

Outro ponto que deve merecer nossa máxima atenção é a elevada carga tributária do setor. Esse, aliás, Sr. Presidente, não é apenas um problema das hidrovias, mas um problema de todo o Brasil e sobre o qual devemos nos debruçar nesta legislatura. Os segmentos produtivos de nossa sociedade encontram-se sufocados por tantos impostos. No caso específico das hidrovias, os diferenciais de ICMS existentes entre os Estados têm como principal conseqüência o incentivo à realização de transportes desnecessários ou excessivos, prejudicando a economia como um todo.

Precisamos enfrentar ainda a questão dos investimentos decrescentes. Enquanto em 1975 destinávamos quase 2% do PIB aos transportes, aí incluídas também as hidrovias, hoje investimos algo em torno de 0,3% do PIB. Por sua vez, em 2005, o governo investiu apenas 30 milhões de reais em hidrovias, sendo que o próprio Ministério dos Transportes estima que sejam necessários entre 50 e 60 milhões de reais anuais, apenas para a manutenção do sistema; outros especialistas, por sua vez, afirmam que a manutenção e a ampliação de nossa rede hidroviária exigiriam investimentos da ordem de 150 milhões de reais por ano. Os recursos existem, Senhor Presidente, porque apenas por meio da CIDE o Governo arrecada cerca de 8 bilhões de reais por ano, e esses recursos não vêm sendo aplicados na infra-estrutura de transportes como deveriam.

Por fim, porém não menos importante, gostaria de mencionar a necessidade de um planejamento mais eficaz e eficiente, que garanta a integração intermodal de nossa malha de transportes e, ao mesmo tempo, o uso múltiplo das águas, já previsto, aliás, na Lei nº 9.433/97. Precisamos fazer com que os modais rodoviário, ferroviário, aeroviário e aquaviário atuem de forma complementar e não competitiva, para que possamos obter a máxima eficiência de nossa matriz de transportes e, ao mesmo tempo, precisamos maximizar o uso de nossos rios, tanto no que diz respeito à navegação, quanto à geração de energia elétrica.

O meu tempo já vai se esgotando, Sr. Presidente, e por isso já vou concluir meu pronunciamento. Com estas breves palavras, apenas procurei trazer de volta à discussão este tema das hidrovias, tão caro para o desenvolvimento nacional, e tão relegado ao abandono por parte dos inúmeros governos que se sucedem. Precisamos retomar as discussões em torno dessa matéria, discussões que envolvam de forma ampla e democrática, tanto o Governo quanto o Congresso. Creio que este é o momento mais adequado para isso, em que iniciamos uma nova legislatura e um novo mandato presidencial.

            Para finalizar, deixo aqui registradas as palavras do acadêmico Vianna Moog, para quem, abro aspas, “os rios sempre conseguiam atingir os seus objetivos porque sabiam contornar os obstáculos que vinham surgindo pela frente”, fecho aspas.

Que o Congresso Nacional seja como um rio, a contornar os obstáculos e a conduzir o povo brasileiro rumo ao mar de prosperidade e de justiça social.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/02/2007 - Página 3094