Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa de uma "política energética séria" em relação ao etanol e ao biodiesel.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL. POLITICA ENERGETICA.:
  • Defesa de uma "política energética séria" em relação ao etanol e ao biodiesel.
Aparteantes
João Tenório, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/2007 - Página 4079
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, RUSSIA, CHINA, INDIA, CRITICA, GOVERNO BRASILEIRO, FALTA, APROVEITAMENTO, RIQUEZAS, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • REGISTRO, HISTORIA, BRASIL, INICIO, PRODUÇÃO, ALCOOL, ATUAÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), CRIAÇÃO, Biodiesel, ALTERNATIVA, CRISE, PETROLEO, MUNDO, SALVAMENTO, POLITICA ENERGETICA, PAIS.
  • CRITICA, ANTERIORIDADE, GOVERNO, AUSENCIA, GARANTIA, ABASTECIMENTO, ALCOOL, VEICULO AUTOMOTOR, PREJUIZO, PRODUÇÃO, COMBUSTIVEL.
  • NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, DEFINIÇÃO, POLITICA ENERGETICA, PRODUÇÃO, ALCOOL, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, RIQUEZAS, PROMOÇÃO, ATRAÇÃO, INVESTIMENTO, EMPRESA PRIVADA, AMBITO INTERNACIONAL, BENEFICIO, ECONOMIA NACIONAL.
  • ELOGIO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), INICIATIVA, PESQUISA, ALTERAÇÃO, UTILIZAÇÃO, FONTE, PRODUÇÃO, Biodiesel, BENEFICIO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, AMPLIAÇÃO, RENDA, EXPLORAÇÃO, ATIVIDADE AGRICOLA.
  • NECESSIDADE, GOVERNO, EFICACIA, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, CAPACIDADE TECNICA, REALIZAÇÃO, ZONEAMENTO AGROECOLOGICO, AMPLIAÇÃO, PRODUÇÃO, Biodiesel, UTILIZAÇÃO, TRANSPORTE COLETIVO, MAQUINA AGRICOLA, NAVIO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o escritor e pacifista austríaco Stefan Zweig, crítico feroz dos regimes do nazi-fascismo, depois de peregrinar por alguns países se fixou no Brasil, onde morreu tragicamente nos idos de 1942. Esse intelectual publicou, um ano antes de falecer, a obra Brasil - País do Futuro. Desde então, a síndrome de nação do futuro alimenta o imaginário popular. O civismo de muitas gerações se nutriu desse jargão ufanista. No crepúsculo dos sonhos surgiu um alento. Em 2003, em forma de acrônimo, criado pelo grupo Goldman Sachs, surgiu o termo BRIC - utilizado para designar o Brasil, a Rússia, a Índia, e a China, os quatro países de maior potencial de crescimento econômico projetando-se às próximas décadas.

A China, com o seu crescimento ciclópico, acompanhada de Rússia e Índia, vem seguindo o vaticínio lançado pelo mencionado banco de investimento norte-americano. Lamentavelmente, o Brasil, estagnado economicamente há mais de duas décadas, caminha a passos largos para se alijado do BRIC. Como promover desenvolvimento com a maior taxa real de juros do mundo agregada a uma carga tributária de 39% do PIB? Somente para efeito comparativo, o Chile tem um a carga tributária de 18% do PIB.

Em que pese à incapacidade de gerar desenvolvimento sustentável, nosso País é dotado pela natureza de fatores inesgotáveis para enfrentar desafios e gerar riqueza. Há cinco séculos, desde 1549, quando Tomé de Souza implantou o primeiro Governo-Geral na Bahia, a então nascente colônia portuguesa gerou o primeiro ciclo econômico virtuoso, expressado na agricultura da cana-de-açúcar, riqueza transferida para o reino e para os financistas dos Países Baixos, que controlavam o mercado mundial naquela especiaria.

Cinco séculos depois, a cana-de-açúcar volta a ter importância estratégica para a economia nacional. O Brasil é o maior produtor mundial de etanol, proveniente da cana-de-açúcar, com nível de eficiência superior até seis vezes ao etanol gerado pelo milho, trigo e outros bens primários que os Estados Unidos, de forma pioneira, expandiram, a partir de política interna de privilégios e subsídios oferecidos aos agricultores norte-americanos.

O etanol brasileiro nasceu na década de 70, empreendendo autêntica revolução energética no cotidiano dos brasileiros. A criatividade e a competência técnica dos nossos patrícios geraram a tecnologia tupiniquim em meio à adversa conjuntura mundial que alçou o petróleo ao epicentro da crise.

A Opep, o grande cartel dos produtores mundiais de petróleo, no início da década de 70, sob o comando das nações árabes, desafiou as economias ocidentais, elevando em mais de dez vezes o preço do barril do ouro negro. O choque do petróleo, que se repetiria em 1978, levou a um momento de recessão nas grandes economias do mundo. No segundo choque do petróleo, o preço do barril atingiu novo recorde.

O Brasil foi fortemente afetado, considerando que 70% do petróleo eram importados. Nesse contexto, o Governo brasileiro alterou a nossa matriz energética. Nascia, então, o Proálcool, programa concebido para abastecer a frota nacional de veículos, tendo como carro-chefe revolucionário combustível, oriundo da cana-de-açúcar. Num determinado momento, como devem recordar-se, mais de 80% dos motores automotivos foi adaptado para o consumo do novo combustível.

Infelizmente, nas décadas seguintes, o programa foi sendo gradativamente desativado, a partir de sucessivos equívocos perpetrados pelos mais diferentes atores envolvidos na questão.

Todavia, foi a ausência de diretriz governamental na definição de garantia de abastecimento para os veículos que levou milhões de brasileiros a rejeitar o carro a álcool. Os grandes produtores, por sua vez, adequavam as suas usinas à conjuntura dos preços internacionais, ou seja: se a cotação da tonelada de açúcar exportado era maior, por que produzir álcool? Foi o tiro de misericórdia no Proálcool.

Em boa hora, reflexo da atual consciência ambiental, o etanol, por ser um combustível limpo e antipoluidor, ganhou importância mundial, “surfando” na onda da busca de combustíveis alternativos ditada pela estratégia global de desenvolvimento.

O Brasil, nesse cenário, desfruta de posição privilegiada. Contudo, se não definir o quanto antes política energética séria e enérgica na defesa dessa riqueza nacional poderá ser atropelado. Não se trata de nenhuma tese conspiratória, mas de constatação, baseada em dados da realidade. Na guerra da energia que já começa a ser travada e se alargará pelos próximos anos, o Brasil precisa ser ator ativo e não mero figurante.

Brasil e Cuba, desde os tempos coloniais, foram os maiores produtores mundiais de cana-de-açúcar. Ainda hoje, a base da economia cubana é a produção canavieira. Pragmaticamente, os Estados Unidos, fiéis ao ensinamento de John Foster Dulles, para quem “uma nação não tem amigos, tem interesses”, já traçaram com inquestionável competência a seguinte estratégia: assegurar uma transição democrática na ilha caribenha, com objetivo muito claro: fazer forte inversão de capitais na modernização da agricultura canavieira e em modernas usinas objetivando a produção de etanol, oriundo da cana-de-açúcar. Sendo assim, a segurança energética dos consumidores norte-americanos estaria assegurada num patamar de máximo conforto e, não tenham dúvida, se expandiria pelo Caribe e América Central. Vale ressaltar que a Jamaica, o Haiti, a República Dominicana, Honduras, El Salvador, Guatemala, Nicarágua e Costa Rica possuem áreas agricultáveis com enorme potencial para a geração do etanol.

No Brasil, os investimentos internacionais já são expressivos. O grupo francês Louis Dreifus, por exemplo, já é o segundo maior processador de cana-de-açúcar no País, controlando unidades agroindustriais em São Paulo, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Paraíba e acaba de comprar em Pernambuco o grupo Tavares de Mello, que inclui quatro usinas em operação e uma construção. Outros investidores europeus e norte americano estão adquirindo ativos e ampliando presença no setor sucro-alcooleiro.

O Brasil é o maior produtor mundial de etanol e pioneiro na geração da tecnologia traduzida no Pró-Álcool. No passado, também já fomos os maiores produtores mundiais de borracha. Eis um cenário que não pode se repetir.

Outra frente, na qual despontamos na vanguarda da pesquisa de combustíveis alternativos, é o biodiesel. Nesse caso, há de se ressaltar o notável trabalho da Petrobrás. Há décadas, traçou objetiva estratégia: não ser apenas uma petroleira, mas uma sólida empresa de energia. Ao longo de anos vem estudando e pesquisando outras fontes produtoras e geradoras de energia, a partir da agricultura. O biodiesel brasileiro tem aí a sua origem. Essa estratégia impediu que o Brasil fosse atropelado, ante a descoberta de diversas fontes de produção de biodiesel.

Hoje, a produção mundial de biodiesel tem a Europa liderando o ranking. A Alemanha responde por 50% da produção européia. Talvez esses dados tragam surpresa para muitos brasileiros, em face da propaganda “carnavalesca” que induz ao pensamento de que o biodiesel é uma bolação nacional. Na Espanha, na região da Andaluzia, já se produz biodiesel a partir do caroço da azeitona.

Nesse caso, a grande vantagem brasileira não decorre apenas da extensão territorial, mas da diversidade de fontes alternantes na geração do biodiesel. Da soja ao dendê, da mamona ao milho, do girassol ao algodão e a outras infinidades de oleaginosas adaptadas às várias regiões brasileiras, nossa realidade é prodigiosa e favorece a geração de fontes energéticas adaptáveis ao biodiesel. Somado ao componente estratégico e de riqueza econômica, a função social é valorizada, levando em conta que os pequenos e os médios produtores rurais têm a oportunidade de geração de renda, explorando atividade agrícola que conhecem em profundidade.

A grande diferença entre o etanol e o biodiesel não é apenas conceitual. Enquanto o etanol é unicamente destinado aos veículos leves - vale dizer os automóveis -, ele se traduz em um combustível solitário. Já o biodiesel tem a vocação coletiva como a Europa vem demonstrando. Sua utilização se alarga nas áreas dos transportes coletivos, sendo utilizado em caminhões, ônibus e locomotivas. Mais ainda: navios, máquinas agrícolas e até geração de energia em pequenas usinas podem se valer do biodiesel.

Em se tratando de combustível ecológico gerado a partir de plantas oleaginosas, e considerando que as áreas de terra semi-árida são de baixo valor, faz-se necessário implantar amplo programa de zoneamento agrícola, objetivando fomentar a produção do biodiesel. As terras nobres dotadas de alta fertilidade, por seu turno, devem se destinar à produção de culturas alimentares.

Concedo o aparte ao Senador Sibá Machado e, depois, concluirei o pronunciamento.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Alvaro Dias, também quero parabenizar V. Exª, que enriquece ainda mais a tarde de hoje com esse assunto. V. Exª é o terceiro orador da tarde de hoje que trata dessa matéria, e entendo que as informações que cada um trouxe se complementam. V. Exª traz um olhar sobre a história, sobre a forma como se deu a consolidação do biocombustível em nosso País. A esse propósito queria fazer aqui referência a duas pessoas. Primeiro, a Expedito Parente, engenheiro químico da Universidade Federal do Ceará, que me contou a sua história: durante trinta anos travou uma incansável luta para fazer valer as suas experiências, os seus experimentos. É em nome dele que quero saudar todos aqueles cientistas que trabalharam com biodiesel a partir do etanol. Gostaria também de fazer referência a uma outra pessoa que, mesmo não tendo sido lembrada até hoje, insiste em um outro caminho: o Professor Camilo Machado, engenheiro químico da Universidade de Goiás. Na última vez em que o vi, ele já estava com 84 anos, por isso não sei exatamente como ele está hoje. Ele insiste numa nova rota: o craqueamento. Ele descobriu um catalisador que pode produzir, a partir de óleos vegetais, subprodutos equivalentes aos subprodutos do petróleo, como a Petrobras obtém em suas usinas e refinarias. Portanto, quero aqui lembrar essas duas pessoas e, ao inserir seus nomes no pronunciamento de V. Exª, agradeço-lhe muito por enriquecer ainda mais, na tarde de hoje, as informações sobre biocombustíveis no Brasil. Parabéns!

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Eu é que agradeço a V. Exª, Senador Sibá Machado.

Nas próximas décadas, se o programa do biodiesel for implantado com eficiência e competência técnica, poderá transformar-se em um poderoso instrumento de desenvolvimento sustentável.

Concedo a palavra a V. Exª, Senador João Tenório.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - Eu pediria a V. Exª que fosse breve.

O Sr. João Tenório (PSDB - AL) - Senador Alvaro Dias, é oportuníssimo o seu pronunciamento sobre tema tão atual. Existe um verdadeiro frisson hoje no mundo, particularmente no Brasil, sobre o assunto. Gostaria de dar uma informação a esse respeito: a Comissão de Agricultura, na última quarta-feira, aprovou uma proposta nossa de criação de uma subcomissão para tratar de biocombustíveis de modo geral, particularmente levando em consideração a conveniência de um zoneamento de produção que seja ordenado por uma legislação bem definida para evitar, de fato, que haja, como se costuma dizer...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - Desculpe-me, Senador, V. Exª já pode falar.

O Sr. João Tenório (PSDB - AL) - (...) produzir, digamos assim, mamona numa região inadequada; plantando-se oleaginosas em regiões melhores. Enfim, propor um ordenamento, um zoneamento a essa produção agrícola que gerará tantos benefícios ao País. Era esse o registro. Parabenizo V. Exª pela oportunidade de seu pronunciamento.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador João Tenório. V. Exª dará uma contribuição valiosa ao debate dessa questão no Senado Federal pela competência e pela vivência que tem nessa área empresarial.

Nas próximas décadas - repito -, se o programa do biodiesel for implantado com eficiência e competência técnica, poderá se transformar em um poderoso instrumento de desenvolvimento sustentável. Seria perfeitamente factível antever um cenário de longo prazo no qual ele deve suplantar a importância do próprio etanol.

O fato objetivo é que são dois vetores novos no cenário energético mundial, onde a situação brasileira é, sob qualquer ângulo, extremamente privilegiada. É imperativo estratégico e, acima de tudo patriótico, não desperdiçarmos mais essa excepcional oportunidade que se apresenta ao Brasil de ser uma referência no novo mercado de energia que se abre no mundo. Não podemos recorrentemente incidir nos erros do passado, muito menos reverberar o título do livro de Stefan Zweig e permanecer ostentando a alcunha de “país do futuro”. Vamos, no presente, construir bases sólidas de desenvolvimento objetivando um futuro de justiça social para o povo brasileiro.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/2007 - Página 4079