Discurso durante a 23ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Visita do Presidente Bush à América Latina. Críticas à decisão do governo de reduzir a rentabilidade das cadernetas de poupança.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA ENERGETICA. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. BANCOS.:
  • Visita do Presidente Bush à América Latina. Críticas à decisão do governo de reduzir a rentabilidade das cadernetas de poupança.
Aparteantes
Serys Slhessarenko.
Publicação
Publicação no DSF de 10/03/2007 - Página 4813
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA ENERGETICA. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. BANCOS.
Indexação
  • COMENTARIO, INTERESSE, GOVERNO BRASILEIRO, RECEPÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DEBATE, PRECARIEDADE, POLITICA ENERGETICA, AMBITO INTERNACIONAL, NECESSIDADE, REALIZAÇÃO, ACORDO, BRASIL, COMERCIALIZAÇÃO, Biodiesel, ALCOOL.
  • CRITICA, PAIS ESTRANGEIRO, MANUTENÇÃO, POLITICA, SUBSIDIOS, TAXAS, PREJUIZO, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUTO NACIONAL.
  • EXPECTATIVA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CONCLAMAÇÃO, PRESIDENTE, PAIS, MUNDO, VIABILIDADE, DESENVOLVIMENTO, PAIS SUBDESENVOLVIDO.
  • CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, FAVORECIMENTO, BANQUEIRO, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PROTESTO, REDUÇÃO, RENDIMENTO, CADERNETA DE POUPANÇA, PREJUIZO, INTERESSE PUBLICO, CIDADÃO, USUARIO, POUPANÇA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, primeiramente, uma brincadeira.

Vejo que boa parte dos nossos Senadores não considera válido o conceito do saudoso Deputado Maurício Fruet, do PMDB do Paraná. Ele dizia, Senadora Serys: “O discurso, para ser bom, tem que ser como a minissaia: curto e provocante”. Aqui no Senado, verificamos que os discursos são longos e nem sempre muito provocantes. De qualquer maneira, o Senador Valter Pereira exercitou da tribuna o direito de falar sobre seu Partido, o PMDB, que é patrimônio da política brasileira - e o fez muito bem. Com conhecimento histórico da realidade do PMDB, fez uma exposição que nos ensinou bastante. Eu, que fui também um dos construtores desse Partido e nele militei por muitos anos, tenho especial apreço pela sigla e espero que o PMDB possa ainda prestar muitos serviços ao Brasil.

Tenho certeza de que isso ocorrerá. Com a passagem dos anos, com o aprendizado constante, com a reciclagem necessária, o Partido haverá ainda de comandar este País um dia, certamente com muita eficiência, já que é o maior partido do Brasil.

Srªs e Srs. Senadores, o Presidente Bush está entre nós. O Presidente da maior Nação do mundo vem a uma América Latina insatisfeita, certamente sabendo que está perdendo a batalha para conquistar mentes e corações em todo o mundo, sobretudo aqui, entre nós, latino-americanos. Basta constatar que o Presidente Bush apoiou o movimento para derrubar o Presidente Hugo Chávez e foi derrotado, com a vitória do presidente venezuelano.

Esse fato, somado ao que ocorreu no Equador, serve para verificar que a política de Bush está sendo rejeitada de forma plena também na América Latina. Ele deve ter-se apercebido dessa realidade histórica e, por isso, vem em périplo, percorrendo várias nações da América Latina, na tentativa de reverter essa situação de rejeição absoluta à política que empreende.

Se há essa preocupação de natureza política, certamente há também, por parte de Bush, uma preocupação de natureza econômica. Ele deve estar percebendo também que os Estados Unidos se tornam cada vez mais dependentes da política energética e que essa dependência energética traz riscos inevitáveis ao seu país, tanto que já reconheceu o aquecimento global. Sente, também, que a sua política é falha no setor de energia, em que se há de reconhecer a dependência do seu país.

O presidente norte-americano vem ao Brasil e será cobrado pelo Presidente Lula relativamente às taxas alfandegárias e não-alfandegárias, aos subsídios à agricultura norte-americana e, no caso do biocombustível, à taxa de US$0.50 sobre o álcool brasileiro. Para ter menos dependência do Oriente Médio, o Presidente dos Estados Unidos poderia mudar essa situação, mas mantém, de forma irredutível, a taxa de US$0.50 sobre o álcool brasileiro que importa e subsidia o álcool americano do milho, que é, sobretudo, ineficiente.

Portanto, é uma lógica difícil de ser compreendida. Também é difícil, pelo menos para mim, compreender essa equação lógica das grandes nações. Por que sufocar tanto os países emergentes? A concorrência que se estabelece é absolutamente desleal. Um país, como o nosso, que exporta, o faz com enorme desvantagem. Pode-se competir, Senadora Serys Slhessarenko, com qualquer outra nação em matéria de produtividade agrícola e de evolução tecnológica também. Temos instrumentos preciosos que realizam descobertas. O Congresso Nacional, com a participação dos cientistas brasileiros, acabou por formular para o País uma política avançada, por meio do Projeto de Biossegurança. Podemos competir nesse campo, mas no momento da exportação somos asfixiados por uma política desumana das grandes nações, que não entendem a necessidade de permitir a sobrevivência dos povos mais humildes.

É difícil entender. Existe uma ambição econômica desmedida de vários países. Isso já se disse inúmeras vezes. Aliás, de quando em vez vejo alguém citando um autor diferente para esta afirmativa: “uma nação não tem amigos, tem interesses”. Senador Mão Santa, se isso é uma verdade e tem lógica, também é verdade e tem lógica o fato de que o subdesenvolvimento não pode interessar às grandes nações; elas devem, ao contrário, sentir que os países emergentes podem se constituir em grandes mercados, inclusive para atender aos seus interesses econômicos. Portanto, é incompreensível a manutenção de uma política rigorosa de subsídios, de taxações, com essas barreiras alfandegárias e não-alfandegárias, que submetem, por exemplo, o produtor brasileiro quase sempre a uma situação trágica no momento de comercializar os seus produtos.

Com prazer, concedo à Senadora Serys Slhessarenko o aparte que solicita.

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - Senador Alvaro Dias, o seu pronunciamento é da maior relevância. É algo extremamente atual, palpitante, e da maior importância. Estive, nos dias 14 e 15, como já anunciei aqui, em Washington, a convite do G-8+5 -- esses são os cinco países emergentes aos quais V. Exª se refere. A situação, realmente, é dramática, é séria, e as questões que V. Exª está levantando são da maior relevância. Ou paramos para pensar nesse problema, planejamos e nos entendemos a respeito da preservação do planeta, ou, daqui a pouco, não vai sobrar para ninguém. Alguns países acham que por serem muito desenvolvidos podem poluir, os países emergentes não se preocupam muito com a poluição e os subdesenvolvidos nem tomam conhecimento dela. A nossa defesa lá em Washington foi no sentido da responsabilidade diferenciada. Todos devem ter responsabilidade. Foi abordada essa questão, que V. Exª está expondo muito bem, que o Brasil tem uma margem grande de contribuição a dar ao planeta no sentido dos chamados combustíveis verdes, que compreendem o biodiesel, o etanol, o álcool, o HBio etc. Precisamos negociar isso a nível macro, porque não podemos oferecer determinadas possibilidades - e temos de fazer isso, pois somos co-participantes nessa história - e outros não nos oferecerem nada. Então, temos de nos preocupar muito com essa questão. V. Exª entende do assunto e se interessa por ele. É preciso que o Parlamento brasileiro comece a discutir a situação pós-2012. O que vai acontecer após o término do Protocolo de Kyoto, em 2011? Como nós vamos discutir o comércio e o crédito de carbono? Como vamos discutir o desmatamento evitado e outras questões que são extremamente importantes? É fundamental tratar do combustível verde, de que V. Exª fala. Parabéns pelo seu pronunciamento! Nós vamos continuar essa discussão - temos de continuá-la - no Congresso brasileiro, porque os Congressos de outros países estão se mobilizando, inclusive o dos Estados Unidos. A Califórnia tem uma das leis mais draconianas em defesa do meio ambiente, eu diria, apesar de a política nacional dos Estados Unidos ser “contra” - entre aspas, porque são o maior poluidor do mundo, seguidos da China. Apesar disso, a Califórnia - destaco esse estado americano entre os demais que têm legislação nesse sentido - hoje tem leis contundentes em defesa do meio ambiente. Então, mesmo contrários à vontade nacional dos Estados Unidos, alguns estados americanos estão preocupados com esse problema e estão trabalhando em busca de uma solução para ele. Nós aqui temos de trabalhar muito nesse sentido. Obrigada.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senadora Serys Slhessarenko.

No debate dessa matéria, todos nós devemos nos irmanar - Governo e oposição, enfim, todos os partidos - em defesa do nosso patrimônio maior. Boa parte do território brasileiro, como a Amazônia, o Pantanal e Foz do Iguaçu, é considerada patrimônio da humanidade. Exigem demais do nosso País. O Brasil oferece realmente uma contribuição incomensurável ao planeta no que diz respeito à preservação ambiental. Fica a impressão de que só temos obrigações e não temos direitos. Isso não vale para as grandes nações no momento de se discutirem os interesses comerciais. Agora, na questão do biodiesel e do etanol é o mesmo drama: o Brasil tem de enfrentar barreiras alfandegárias e taxações inexplicáveis quando exporta.

Lamentavelmente, não acredito que a presença de Bush mude esse destino. Não acredito. O Presidente Bush não tem demonstrado possuir uma autoridade internacional suficiente para alterar a lógica dessa relação entre países ricos, emergentes e pobres. Não se vale do poderio da nação que representa para articular uma política com vistas a estabelecer a justiça na relação entre os povos, contribuindo, dessa forma, para a paz no mundo, ao contrário de plantar a violência com determinadas invasões que ferem a autonomia dos povos.

Seria muito bom que o Presidente Bush, nesta sua passagem pela América Latina, mudasse sua postura e passasse também a contabilizar algumas vitórias em matéria de política externa, porque tem somado derrotas, como aquelas que citei há pouco, inclusive na América Latina.

Em relação à questão econômica, ocorre o mesmo. Imagino que, em curto prazo, pode ser vantajoso para as grandes nações estabelecer o rigor dessa política de restrições, mas certamente, em médio e longo prazo, não será bom para os países ricos, muito menos para a humanidade.

Enfim, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que a visita do Presidente Bush possa, no mínimo, suscitar esse debate de forma competente e, sobretudo, convocar à responsabilidade as autoridades das grandes nações relativamente ao papel que devem desempenhar na construção da paz no mundo, que começa pela possibilidade de os países pobres emergirem.

Sr. Presidente, o tema que pretendia abordar hoje era outro. Nestes minutos que me restam, irei abordá-lo, reduzindo-o evidentemente.

Em síntese, devo dizer que o Governo Lula vai-se consagrando como o governo dos banqueiros. Faz sua opção preferencial, de forma nítida, pelos bancos, ao contrário do que se possa imaginar, em razão do Bolsa-Família. É contraditório o Governo, Senador Mão Santa, porque o Bolsa-Família passa a impressão de que a opção do Governo é pelos pobres, mas e a “bolsa juros”? Fica evidente que há uma opção pelos bancos.

Ontem, a Folha de S.Paulo publicou editorial sob o título “Governo em conserva”, que diz tudo, mostra a faceta do Governo Lula conservadora, que vai se acentuando. A inaptidão para grandes projetos - não raro associada à indolência - e a opção pelos ajustes acomodatícios ao status quo se revelaram agora, mais uma vez, quando o Governo reduziu a rentabilidade da caderneta de poupança. O Governo reduziu a rentabilidade da caderneta de poupança! Por quê, Senador Mão Santa? Para fazer com que os banqueiros ganhem mais e que os trabalhadores que depositam na caderneta de poupança ganhem menos?

A decisão do Governo de ceifar a rentabilidade da caderneta de poupança demonstra essa opção preferencial pelos bancos, não há dúvida.

O editorial da Folha destaca:

A aplicação tradicional e popular ganha atratividade com a queda dos juros na economia. A caderneta - ao contrário do ocorrido com os investimentos em renda fixa e, em especial, os fundos DI, indexados à taxa Selic - não perdeu rentabilidade.

            É importante destacar que, auferindo remuneração no patamar de 6% ao ano mais a variação da TR (apurada a partir do rendimento dos CDBs), isenção de Imposto de Renda e garantia do Governo, a poupança já e vantajosa em relação a alguns fundos do mercado.

E o editorial da Folha de S.Paulo foi ao cerne da questão:

Aos bancos não interessa manter atrativa a poupança - fator que ajudou o saldo das aplicações, hoje em R$190 bilhões, a aumentar R$6,5 bilhões apenas em 2006. De cada R$100,00 em depósitos nas cadernetas, as instituições são obrigadas a destinar R$65,00 para o crédito imobiliário, nas regras do Sistema Financeiro da Habitação. Trata-se de uma restrição que impede os bancos de aumentarem ainda mais seus lucros multibilionários.

E prossegue o editorial:

As instituições financeiras estavam sendo pressionadas - algo decerto incômodo para seus interesses - a baixar as escorchantes taxas de administração que cobram em seus fundos de investimento. Pequenos aplicadores amargam tarifas de até 5% para que os bancos, com os recursos do poupador, administrem títulos pós-fixados do Tesouro, papéis cujo custo de gestão bancária é irrisório.

O interesse dos bancos, no entanto, não se confunde com o interesse público, que deveria nortear as ações do Governo em relação à poupança.

Infelizmente, a gestão do Presidente Lula abandonou o interesse público e elegeu um projeto de poder como a sua grande meta administrativa e gerencial.

Diz ainda o editorial:

A caderneta, nas regras atuais, é de fato um anacronismo herdado de uma época em que prevaleciam a inflação alta e um mercado financeiro simplório e fechado. Não é exagero dizer que foi ludibriado o cidadão que manteve seus recursos aplicados na caderneta desde o advento do Plano Real.

Por conta de um modelo anacrônico, desenhado para garantir recursos à habitação - mas que não conseguiu tirar do rés-do-chão o crédito imobiliário no País -, foi mantido um sistema que pune os pequenos poupadores. Enquanto isso, a título de juros, o setor público transfere 7% do PIB por ano aos credores de sua dívida, estes mais bem informados e aquinhoados.

Eu aqui, Sr. Presidente, salientaria uma das facetas mais perversas do modelo econômico ainda vigente.

E conclui o editorial:

O contexto de juros cadentes seria propício para emancipar do atraso o sistema de poupança popular no Brasil - e, com ele, o modelo de crédito à habitação. Pequenos investidores e trabalhadores, que também vêem seus recursos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço minguarem ao longo dos anos, merecem partilhar os ganhos e também os riscos dessa revolução financeira por que passa o País.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Alvaro Dias, V. Exª não concluiu seu pronunciamento, mas fique à vontade pois, na história deste Senado, Paulo Brossard discursava por duas horas e meia; Petrônio Portella, o melhor dos Presidentes desta Casa, que era piauiense, limitava seu discurso a uma hora. Como sou do Piauí, V. Exª tem uma hora, já que se apresenta como um Senador contundente, firme, duro e elegante.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Mas não vou castigá-los a tal ponto. Vou concluir já o meu pronunciamento. Encerra o editorial: “Mas o Governo preferiu uma mudança pontual na TR, reduzindo seu peso na correção da caderneta. Os bancos agradecem”. Evidentemente, os bancos agradecem.

Os bancos, os banqueiros, realmente, muito penhoradamente, agradecem por mais esse gesto de generosidade do Governo Lula.

Os governistas podem tentar buscar argumentos, mas, na verdade, essa medida adotada pelo Governo apenas beneficia os banqueiros. Está claro que a “modulagem” do mercado de fundos está sendo feita para beneficiar os bancos. Não há dúvida disso.

Os grandes perdedores são conhecidos: os titulares de 75 milhões de contas de poupança e de 514 milhões de contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Foi selada a “opção preferencial pelos bancos”.

Muito obrigado, Sr. Presidente. Como vê, não precisei de uma hora.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/03/2007 - Página 4813