Discurso durante a 27ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Ressalvas que devem ser feitas à Emenda 3 da Super Receita. Apelo ao presidente Lula no sentido de que vete a referida emenda.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Ressalvas que devem ser feitas à Emenda 3 da Super Receita. Apelo ao presidente Lula no sentido de que vete a referida emenda.
Aparteantes
Leomar Quintanilha, Marcelo Crivella.
Publicação
Publicação no DSF de 16/03/2007 - Página 5584
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • PROXIMIDADE, PRAZO, SANÇÃO, LEGISLAÇÃO, UNIFICAÇÃO, SECRETARIA, RECEITA FEDERAL, PREVIDENCIA SOCIAL, DEFESA, VETO (VET), ARTIGO, POLEMICA, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, QUESTIONAMENTO, PESSOA JURIDICA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, RELAÇÃO DE EMPREGO, OCULTAÇÃO, VINCULO EMPREGATICIO, OBSTACULO, ATUAÇÃO, AUDITOR, FISCAL DO TRABALHO, ESPECIFICAÇÃO, PREJUIZO, MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE), COMBATE, TRABALHO ESCRAVO, FISCALIZAÇÃO, EMPRESA, TERCEIRIZAÇÃO, MÃO DE OBRA.
  • QUALIDADE, PRESIDENTE, ANUNCIO, CONTINUAÇÃO, DEBATE, SUBCOMISSÃO, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO, RECONHECIMENTO, ORADOR, ELOGIO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE).
  • EXPECTATIVA, INICIATIVA, EXECUTIVO, PROJETO DE LEI, ALTERNATIVA, SOLUÇÃO, SITUAÇÃO, PESSOA JURIDICA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PRESERVAÇÃO, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO.

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Alvaro Dias, Srs. Senadores e Srª Senadoras, o Presidente Lula tem prazo até amanhã, sexta-feira, para sancionar o projeto de lei que criou a Super-Receita. Não pretendo, neste pronunciamento, recolocar todos os questionamentos que o meu Partido e um grande número de Parlamentares apresentaram quanto ao mérito de tal proposição.

Meu pronunciamento desta tarde é para fazer um apelo ao Presidente da República para que vete o texto incorporado na referida legislação pela aprovação da emenda de autoria do nobre Senador Ney Suassuna.

A emenda incluiu um novo parágrafo no art. 6º da Lei nº 10.593, de 6 de dezembro de 2002, cujo teor passo a ler:

§ 4º No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá ser precedida de decisão judicial.

Várias são as ressalvas que devemos fazer ao texto aprovado. A emenda se constitui em dispositivo estranho à matéria do projeto de lei - no caso, a fusão das duas Secretarias. É matéria que enveredou para alteração da legislação trabalhista, introduzindo aspecto no mínimo polêmico.

O texto impede que auditores fiscais do trabalho verifiquem as condições previstas na lei e que comprovem a relação de trabalho, formalizada ou não. Assim fazendo, o texto dificulta o combate às irregularidades trabalhistas, principalmente na área rural, o que poderá acarretar maior incidência de casos de trabalho escravo.

A emenda inverte a lógica do processo, remetendo antecipadamente a responsabilidade de comprovar o vínculo empregatício para a Justiça do Trabalho, que, em condições normais, somente age quando provocada. E enfraquece a fiscalização do trabalho que, ao contrário, realiza um trabalho preventivo, evitando fraudes, ou dando a oportunidade ao empregador para corrigir, de forma rápida e menos burocrática, uma situação irregular.

Queria comentar alguns argumentos levantados pelos defensores da sanção da lei com o texto da emenda e que não se sustentam diante dos fatos reais.

Afirma-se que essa emenda não afeta o combate ao trabalho escravo. Um recurso muito utilizado pelos empregadores para fugir de suas obrigações é a contratação de pessoas jurídicas cujos donos são “gatos” (contratadores de mão-de-obra a serviço de fazendeiros). Quando chega a fiscalização do trabalho, o fazendeiro tenta alegar que não tem nada a ver com aqueles trabalhadores, pois eles estão sob a responsabilidade da empresa do “gato” - muitas vezes aberta pelo próprio fazendeiro para terceirizar as suas responsabilidades trabalhistas. Esse argumento não tem sido aceito pelos grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Em carta enviada ao Presidente Lula pedindo o veto à emenda, os chefes de fiscalização dos grupos móveis do Ministério do Trabalho e Emprego alertam para essa prática. Em determinado trecho do documento podemos ler:

Os auditores fiscais do trabalho não poderão reconhecer o vínculo de emprego existente entre os trabalhadores encontrados em condição análoga à de escravo e o proprietário da fazenda ou empreendimento de onde foram resgatados, bastando, para isso, que exista à frente desses trabalhadores um “gato”, aliciador de mão-de-obra que possua empresa formal e alegue ser o empregador.

Afirmam que as pessoas têm que ter liberdade em se constituir como pessoa jurídica e prestar serviços e que a liberdade de iniciativa deve ser preservada. Ninguém está impedido de abrir empresas prestadoras de serviço, Sr. Presidente. O que não pode acontecer é que essas empresas sirvam para esconder um vínculo entre empregado e patrão. Todos nós sabemos que há muitas pessoas jurídicas criadas para não recolher impostos sobre a folha de pagamento.

Afirmam que o único órgão que deve ter poderes para desconsiderar pessoas jurídicas e apontar vínculos empregatícios é a Justiça do Trabalho. Essa afirmação desconsidera o poder de polícia que o Estado tem para fiscalizar e exigir aplicação correta da lei. Além disso, os atos do Executivo são submetidos à análise do Judiciário. Primeiro se faz a fiscalização e, depois, se discute se ela foi correta ou não. A existência da fiscalização do trabalho é exaustivamente tratada em convenções da Organização Internacional do Trabalho, da qual o País é signatário. No Brasil, a Lei nº 10.593, de 2002, prevê que cabe ao auditor fiscal do trabalho “o cumprimento de disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego”.

Afirmam que as chamadas “empresas de uma pessoa só” são entidades que atuam legalmente. Apenas são uma forma de contratar que gera menos encargos. A afirmação é verdadeira apenas nos casos em que essas pessoas jurídicas atuam como empresas. Muitas vezes, porém, essas entidades são criadas com o intuito de mascarar relações trabalhistas. As pessoas que fazem parte delas trabalham apenas para uma empresa, têm que cumprir horários e responder a um chefe. Tudo isso é presente em uma relação de emprego, e não em uma relação entre empresas.

Uma agência de publicidade, por exemplo, Sr. Presidente, pode ter vários clientes e ter contratos de prestação de serviços com eles. Isso está previsto em lei. Um publicitário, contudo, não pode abrir uma pessoa jurídica para trabalhar dentro de uma empresa, estando subordinado às mesmas regras a que estão os funcionários do local.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Senador José Nery, V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Pois não, Senador Leomar Quintanilha.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Tinha receio de terminar o seu tempo, sem que eu pudesse participar do raciocínio que V. Exª desenvolve, nesta Casa, nesta tarde, a respeito do trabalho escravo. Estava atento às afirmações de V. Exª. Gostaria de lembrar, Senador Nery, que a atividade agropastoril, a agricultura e a pecuária, remonta à história do Brasil. O Brasil tem mais de 500 anos. Quando foi descoberto, aqui já se desenvolveu a atividade agrícola e pecuária. E, quanto a essa questão alardeada do trabalho escravo - e eu não estou aqui querendo defender, absolutamente, aqueles que submetem pessoas a condições inadequadas de trabalho e que as submetem à condição análoga à escravidão, absolutamente não -, é imperativo que possamos dar a interpretação ao espírito da lei, para separar exatamente a forma consuetudinária de exploração da atividade pastoril. Os imóveis rurais são distribuídos em classificações interessantes: micro, médio, pequeno e grande. É claro que a pequena propriedade não tem as mesmas condições da grande propriedade, exatamente pelos recursos do seu proprietário. Então, muitas vezes a interpretação de trabalho escravo é equivocada. V. Exª mencionou a história do “gato” que contrata terceiros para trabalhar. Na verdade, isso nada tem a ver com o trabalho escravo. É uma irregularidade que fere a legislação trabalhista. A questão relacionada ao trabalho escravo é aquela que impede o trabalhador de ter liberdade de ir e vir; que o submete a uma condição inadequada de trabalho, à acomodações inadequadas. Estou vendo V. Exª preocupado com o tempo. Vou encerrar, mas espero que possamos discutir novamente a questão, porque essa situação tem trazido muita intranqüilidade ao campo, aos proprietários rurais, que hoje são tidos como os vilões da economia brasileira, quando, ao contrário, dedicam-se à atividade nobre de prover a mesa de elemento essencial à vida: o alimento. Agradeço a V. Exª.

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Senador Leomar Quintanilha, quero agradecer o seu aparte e dizer que essa é uma realidade que conhecemos com profundidade. Vou continuar tratando, neste pronunciamento, do trabalho escravo e da necessidade de sua fiscalização, mas eu gostaria - e tenho certeza de que o faremos - de prosseguir com o tema na Comissão dos Direitos Humanos, na Subcomissão Temporária do Trabalho Escravo, criada nesta Casa como fórum para debater esta importante questão, que, na verdade não é o trabalho nas pequenas propriedades. São as grandes propriedades, os grandes empreendimentos que têm contratado mão-de-obra escrava por intermédio dos “gatos”, empresas com estatuto jurídico de prestadoras de serviços, mas que, na verdade, escondem aí a prática do trabalho escravo.

Continuo, Srªs e Srs. Senadores. Em seguida, quero conceder um aparte ainda, Sr. Presidente, à Senadora Fátima Cleide...

O SR. PRESIDENTE (Alvaro Dias. PSDB - PR) - A Presidência lembra que o tempo de V. Exª se esgotou e nós o estamos prorrogando.

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Queria sua condescendência para concluir.

O SR. PRESIDENTE (Alvaro Dias. PSDB - PR) - Pois não.

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Tive a honra de ser escolhido, Sr. Presidente, para coordenar, presidir a Subcomissão do Combate ao Trabalho Escravo nesta Casa no âmbito da Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo Senador Paulo Paim.

Mesmo sendo Oposição ao Governo Lula, seria desonesto de minha parte não reconhecer os avanços que ocorreram no atual Governo no combate ao trabalho escravo. A atuação dos Grupos Móveis do Ministério do Trabalho é digna de elogios.

Sou Senador pelo Estado do Pará, infelizmente campeão de casos de trabalho escravo em nosso País. Vou trabalhar diuturnamente para reverter essa situação.

Por isso não acredito que o Presidente Lula pretenda sancionar a lei que criou a Super-Receita, deixando no seu teor uma emenda que minará o trabalho de fiscalização do Estado brasileiro e provocará um aumento dos casos de trabalho escravo.

Contudo, considero oportuno que o Executivo envie ao Congresso Nacional, em forma de projeto de lei, a sua proposta de solução para os casos dos prestadores de serviço. Certamente este Senado terá a maior boa vontade de analisar tal proposição de maneira rápida e eficaz. Considero, ainda, que esse deva ser - e espero que seja - o posicionamento, o sentimento, da maioria dos membros desta Casa.

Concedo, então, Sr. Presidente, com a sua aquiescência em relação ao tempo, um aparte à Senadora Fátima Cleide, do Estado de Rondônia.

A Srª Fátima Cleide (Bloco/PT - RO) - Serei muito breve, Sr. Presidente. Apenas para parabenizar o Senador José Nery, que tão brilhantemente expõe a defesa do veto presidencial à Emenda nº 3 que trata do projeto da Super-Receita. Quero dizer que compartilho da sua concepção. E isso é graças também à grande mobilização que existe hoje junto àqueles que trabalham na fiscalização dos direitos trabalhista. Então, meu parabéns, Senador José Nery. Não tive oportunidade de dizer publicamente ainda do orgulho de tê-lo como amazônida representando o Estado do Pará e de desejar a V. Exª muito sucesso no Senado Federal.

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Muito obrigado a V. Exª, Senadora Fátima Cleide. Agradeço a solidariedade de V. Exª ao posicionamento que estamos expressando em Relação à Emenda nº 3.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Se a Presidência permitir, ouço o aparte de V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Alvaro Dias. PSDB - PR) - Senador Marcelo Crivella, peço que V. Exª seja bastante sucinto.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Senador José Nery, V. Exª, hoje, debuta na tribuna desta Casa e eu não poderia deixar de manifestar a alegria do meu Partido em vê-lo aqui. V. Exª ocupa o lugar de uma Senadora que nos encantava a todos: Senadora Heloísa Helena, uma guerreira. V. Exª, hoje, também está lutando por direitos e idéias que defende como as melhores para o Brasil. Pessoalmente, eu sou contrário. Acho que a Emenda nº 3 não deve ser vetada. Mas, Senador, essas são coisas com as quais iremos conviver no debate democrático, na discussão que ocorre nesta Casa. Quero apenas ressaltar que o meu Partido dá as boas-vindas a V. Exª. É uma honra estarmos juntos aqui a um Senador que representa o P-SOL lá no Pará. Parabéns a V. Exª.

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Senador Marcelo Crivella, muito obrigado pelas palavras receptivas de V. Exª à minha ascensão a esta cadeira no Senado Federal, representando o povo e o Estado do Pará. E quero dizer que, certamente, um dos maiores valores do Parlamento é o debate das idéias e o estabelecimento de compromissos que atendam aos direitos das maiorias.

Sr. Presidente, quero, finalmente, encerrar o meu pronunciamento, reafirmando a opinião manifestada aqui em relação ao veto da Emenda nº 3, para que depois não se diga que estamos propugnando ou trabalhando contrariamente aos interesses dos prestadores de serviço.

Considero apenas inadequada a forma como foi tratada a questão no âmbito da votação do projeto que criou a Super-Receita. Porém, defendo o veto do Presidente da República, que tem até o dia de amanhã para se posicionar quanto a essa questão.

Defendo, igualmente, que o Executivo envie projeto de lei a esta Casa para tratar adequadamente da questão dos prestadores de serviço. Creio que essa é a melhor forma de não prejudicar o que se considera a relação de trabalho mais fragilizada no País: 120 anos depois de proclamado formalmente o fim da escravatura, Senador Eduardo Azeredo, ainda encontrarmos nos rincões do nosso País cidadãos submetidos a condição de trabalho análoga à de escravo.

Sr. Presidente, o que não aceitamos é a permanência da redação da Emenda nº 3, pois criará enorme dificuldade para o trabalho do combate à fraude e, em especial, do combate ao trabalho escravo em nosso País.

Peço, então, ao Presidente Lula que vete o teor da Emenda nº 3, que fortaleça o combate ao trabalho escravo em nosso País e que, por meio de um projeto de lei específico, ofereça uma alternativa para tratar adequadamente as milhares de pequenas empresas, as empresas individuais que são prestadoras de serviço em nosso País.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/03/2007 - Página 5584