Discurso durante a 29ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Interesse na discussão das conseqüências do anunciado aumento da produção de etanol no Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA. POLITICA ENERGETICA. POLITICA EXTERNA.:
  • Interesse na discussão das conseqüências do anunciado aumento da produção de etanol no Brasil.
Aparteantes
Almeida Lima, Antonio Carlos Magalhães, Heráclito Fortes, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/2007 - Página 5799
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA. POLITICA ENERGETICA. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • REGISTRO, HISTORIA, BRASIL, PREJUIZO, LUCRO, PRODUÇÃO AGRICOLA, FAVORECIMENTO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • ANALISE, POSSIBILIDADE, BRASIL, FORNECIMENTO, FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA, MUNDO, NECESSIDADE, GARANTIA, LUCRO, PRODUÇÃO, ENERGIA, BENEFICIO, PAIS.
  • APREENSÃO, AUMENTO, PRODUÇÃO, CANA DE AÇUCAR, AUSENCIA, MELHORIA, CONDIÇÕES DE TRABALHO, SAFREIRO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • ANUNCIO, PROPOSIÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, DEBATE, POLITICA EXTERNA, BRASIL, REFERENCIA, PRODUÇÃO, ALCOOL.
  • NECESSIDADE, REGULAMENTAÇÃO, PLANTIO, CANA DE AÇUCAR.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, espero usar bem menos de 20 minutos. Quero começar cumprimentando não o Presidente, mas o Senador Antonio Carlos Magalhães e dizendo que todos nós estivemos conectados com os seus dias de repouso e estamos contentes de tê-lo aqui, de volta.

Sr. Presidente, Senadores Pedro Simon e Tião Viana, venho aqui tratar de um assunto do qual creio que muitos de nós vamos ter que tratar muitas vezes nas próximas semanas e meses. Refiro-me a essa grande oportunidade, que o Brasil precisa tomar cuidado para não perder, de se transformar num fornecedor de bioenergia para o mundo.

Vejam que o Brasil já perdeu muitas oportunidades. Já perdemos a oportunidade do açúcar. Há 500 anos Olinda chegou a ser a cidade mais rica do mundo em termos de renda da população livre. Perdemos. O dinheiro ficou em Portugal. Perdemos a oportunidade do ouro, que serviu para financiar a indústria inglesa e a reconstrução de Lisboa, mas não o Brasil.

Nós perdemos a oportunidade de o Brasil se transformar numa grande potência, usando corretamente o dinheiro que o café gerou, durante décadas, para nós. Perdemos. Perdemos a industrialização, que, de fato, fez do País uma potência em economia, mas não um País estável, saudável, eficiente.

Agora, surge uma outra chance. Graças à crise do aquecimento planetário, graças à escassez que fatalmente haverá do petróleo, é possível que, no Brasil, o mundo encontre a fonte de energia que precisa. E aí, como vi há pouco, numa revista, o Presidente Lula vestido de árabe, como se estivéssemos na Arábia Saudita, o Brasil pode virar até uma nova fonte de petróleo. Mas podemos perder essa chance de uma maneira trágica.

Quando vejo a comparação do Brasil com a Arábia Saudita, com todo respeito àquele país, pergunto-me: mas o Brasil quer ser um deserto? O Brasil quer ser um país cheio de dólares para uma minoria? E aí creio que tenhamos de debater muito isso aqui, Senadores. Como não perder essa oportunidade?

Para isso, creio que temos de fazer algumas perguntas. Primeira pergunta: para onde vão os dólares que entrarão graças à exportação de energia do etanol? A gente nunca se perguntou para onde iam os dólares das nossas exportações nos outros setores. Para o consumo suntuário? Para investimentos em indústrias? Para investimentos na saúde, como pensávamos? Para investimentos na educação? Para onde irão os dólares, quando acontecer o que se está falando sobre grandes acordos internacionais para que o Brasil se transforme numa fonte energética?

Mas não se trata apenas do dólar. E os canavieiros? Como ficarão os canavieiros depois que o Brasil se transformar em um canavial imenso para produzir álcool? Será que vai melhorar a vida dos bóias-frias? Não tem melhorado, não.

O Proálcool, sem dúvida alguma, foi um dos grandes exemplos que o Brasil deu, graças ao regime militar. A gente precisa fazer justiça às coisas. Foi naquela época que surgiu o Proálcool, foi naquela época que o Brasil começou uma revolução. Mas a situação dos bóias-frias não melhorou, continuou o mesmo valor de seu salário mínimo e sua comida continuou fria.

Como vamos, se o Brasil se transformar em uma fonte energética, cuidar dos nossos homens canavieiros que deixam suas mulheres para irem trabalhar como bóias-frias? Não é só isso. E a nossa terra? Como é que vai ficar a terra? Qual será a conseqüência de transformarmos o Brasil em um canavial? Como vão ficar as florestas? Vamos permitir desbastar florestas para plantar cana para mover automóveis nos Estados Unidos em troca de dólares, sem a gente discutir inclusive o uso do dólar?

E os rios? Sou de uma região açucareira. Sou pernambucano e nasci no meio de engenhos que existiam ao redor de minha Recife, onde os rios são poluídos pelo que se joga neles. Hoje, recupera-se quase tudo, mas ainda se joga fora o que não se sabe como aproveitar. E isso polui os rios.

E, finalmente - e, depois, quero passar às intervenções -, o Brasil. Como fica o Brasil depois de se transformar na fonte energética do mundo? Vai ficar melhor na saúde, na educação, no emprego, na qualidade de vida, na distribuição de renda, ou vai ser uma Arábia Saudita, como a gente viu, um desses dias, numa foto-caricatura do Presidente Lula?

A Arábia Saudita fez um grande esforço, porque já era um deserto, e conseguiu transformar o deserto, graças ao petróleo, em um país com um nível de riqueza razoável. Mas a Arábia Saudita era um deserto. O perigo é que o nosso se transforme num deserto se a gente não tomar as devidas precauções.

Aproveito a presença do Senador Heráclito Fortes para dizer que penso em propor uma audiência pública na Comissão que o senhor preside, Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, para analisarmos o etanol e as relações internacionais que virão do projeto etanol. Como serão as relações do Brasil não somente com os Estados Unidos, mas também com a França, com o Japão, com todos os países que começam a comprar terra, a fazer investimentos, que são bem-vindos, desde que nós saibamos como aproveitar bem essa oportunidade para não perdermos, mais uma vez, uma oportunidade histórica no Brasil.

Passo a palavra ao Senador Antonio Carlos Magalhães. O seu regresso é bem-vindo!

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - V. Exª, como sempre, faz um discurso muito apropriado para o momento em que vivemos. Primeiro V. Exª fez justiça ao Presidente Ernesto Geisel, a quem se deve o Programa do Proálcool.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - É verdade. Foi o Presidente Geisel.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Toda vez que se fizer um gesto desse, como faz V. Exª, o orador cresce, o adversário de ontem passa a ser maior. De maneira que V. Exª vai muito bem e ainda entrou num ponto básico: São Paulo, que é o grande Estado do Brasil, a grande potência, está sendo transformado num canavial. Todos os agricultores de São Paulo estão plantando cana. Abandonaram a pecuária e até o café e a laranja. Estive com um grande professor, um amigo que foi me visitar, que estava apavorado com isso e disse que a situação é de tal gravidade que também se viu obrigado a plantar cana, mesmo sendo contrário, inclusive por causa desse ponto que V. Exª aborda, que é como ficarão os hoje plantadores de cana, os operários, não os donos das fazendas. De maneira que V. Exª vem muito bem e em boa hora e acho que é um tema que vai dar a importância que o discurso de V. Exª merece, e mais ainda: que as Comissões desta Casa devem tomar conhecimento, como V. Exª deseja.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador.

Senador Almeida Lima, V. Exª pediu um aparte?

O Sr. Almeida Lima (PMDB - SE) - Senador Cristovam Buarque, eu quero me congratular com V. Exª pelo seu pronunciamento dizendo que, sem dúvida, é importante nos preocuparmos com essa questão que, para alguns, já parece ser a “galinha dos ovos de ouro”, mais uma oportunidade que o Brasil poderá ter para o seu desenvolvimento. Nesse aspecto, trago apenas dois pontos. O primeiro deles diz respeito à visita do Presidente Bush ao Brasil, que não deve ser encarada apenas como o bom gesto do “leão do Norte” quanto ao desejo de preservação ambiental na substituição, em 20%, dos derivados do petróleo pelo etanol. É preciso que o Brasil se preocupe não apenas com essa questão, mas também com a geopolítica. Entendo que não deva haver preocupação quanto - como disse outro dia um articulista do meu Estado - à “alagoanização” do Brasil, transformando o País num canavial. Vi, ouvi e li uma entrevista do ex-Ministro da Agricultura Roberto Rodrigues e senti propriedade em suas palavras quando mostra que não há nenhum perigo quanto ao desmatamento, desde que o Governo tome as devidas providências, pois há excesso de áreas agricultáveis apropriadas para o plantio de cana sem que haja diminuição também daquela destinada a outras atividades agropecuárias. Portanto, acho que a nossa preocupação maior deve ser quanto à preparação, ao aprofundamento, ao melhoramento da nossa tecnologia e, acima de tudo, a preocupação política e diplomática para que os grandes, a exemplo dos Estados Unidos da América, não queiram transformar o Brasil e a América Latina no novo Oriente Médio diante desta nova matriz energética que é o etanol. Portanto, encaminho por aí a minha preocupação, e não esta outra quanto à ecologia ou mesmo à diminuição de área para a agricultura e para a pecuária. Obrigado, Senador.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu quero dizer ao Senador Almeida Lima que não estou aqui me manifestando contra, mas alertando e pedindo que a gente se preocupe, porque há, sim, terra suficiente para produzir mais álcool sem a necessidade de derrubar florestas, mas tudo vai depender de haver ou não regras sobre onde será permitido plantar. Senão, não tenham dúvida de que haverá, sim, substituição de comida por cana, porque será mais rentável. E o proprietário de terra tem a obrigação de ser racional, e tem a obrigação de resolver o problema da empresa dele, produzindo o que for mais eficiente, desde que legal. Ele só não pode produzir drogas, que é ilegal. O resto ele tem direito de produzir. Então a gente precisa definir regras cuidadosas.

O Sr. Almeida Lima (PMDB - SE) - Nesse aspecto, Senador, concordo com V. Exª. Agora, o que precisamos exatamente é que o Governo, nesse aprofundamento tecnológico, se preocupe também com o zoneamento rural. Na medida em que ele trabalha o zoneamento rural, ele não vai investir, não vai subsidiar, não vai operar com os recursos públicos em áreas que não estão devidamente zoneadas para o plantio da cana-de-açúcar.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Isso! É preciso exatamente trabalhar o zoneamento para que, como disse o Senador Antonio Carlos Magalhães, não transformemos o Brasil como São Paulo foi transformada: em um canavial. É uma oportunidade. Só um país muito tolo não aproveitaria essa oportunidade. Mas só um país tolo aproveita mal e perde a oportunidade.

Lamento que não esteja aqui o Senador Paulo Paim. Porque, de todos nós, na verdade, o Paulo Paim tem uma obsessão manifesta permanentemente em defesa do trabalhador. Em um projeto como esse, às vezes, terminamos perdendo a perspectiva específica do trabalhador e caindo na perspectiva do Brasil como um todo, defendendo mais dólares. O Paim, lamentavelmente, não está aqui como o representante mais nítido e claro dos trabalhadores no Senado Federal. Como S. Exª não está, passo a palavra ao Senador Heráclito Fortes que a pediu para fazer um aparte.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Cristovam Buarque, como Presidente da Comissão, acato a sugestão de V. Exª. Solicito apenas a formalização, para que possamos realizar o mais rapidamente possível oitivas para tratarmos de assunto dessa importância, dessa oportunidade. Congratulo-me com V. Exª por estar sempre atento a questões importantes para o nosso País. Muito obrigado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito bem, Senador.

Sr. Presidente, vamos aproveitar a oportunidade que a natureza, a história e Deus nos deram. Agora, vamos tomar cuidado para não desperdiçá-la outra vez, olhando com cuidado para saber como vão ficar os nossos plantadores de cana, como vão ficar as nossas florestas, como vai ficar a produção de comida, para aonde vão os dólares e como é que fica, no final, o Brasil.

Concedo um aparte, com o maior prazer, ao Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Além de tudo o que V. Exª analisou, tem um aspecto que é uma especulação: o Governo americano tem a preocupação não de comprar o álcool ou o sucedâneo do álcool no Brasil, mas tem a preocupação de comprar as usinas que forem instaladas. Quer dizer, as usinas ficarão nas mãos do capital estrangeiro. Isso é o máximo realmente. Fazemos um imenso canavial para o capital estrangeiro instalar-se no Brasil. Seja qual for a fórmula, a indústria tem que ser brasileira ou até com capital estrangeiro, mas dentro da generalidade e não nas mãos do Governo americano. Quando fui Ministro da Agricultura - faz tempo -, pela primeira vez, falou-se na possibilidade do álcool como combustível. Recebi a visita do Embaixador dos Estados Unidos, que vinha acompanhado de uma delegação do Congresso americano. Ele estava eufórico e dizia ter uma grande notícia, segundo a qual, depois de muito tempo, de muita luta, o Congresso americano concordara em fazer o adicionamento do álcool na gasolina nos Estados Unidos; que isso significava que teriam que comprar milhões de litros; que queriam dialogar com o Brasil; que o Brasil, que já era produtor, fosse o fornecedor deles. Queriam fazer uma proposta: trocar o álcool brasileiro pelo milho americano. Aí eu não me contive. Fiz uma coisa que não deveria ter feito. “Mas, Embaixador, quem sabe, nós ficamos com o nosso álcool e o senhor fica com o milho de vocês. Vocês plantem o álcool de que vocês precisam e nós plantamos o milho de que precisamos”. Trocar milho por álcool! Milho, que serve para praticamente toda a capacidade de uma agricultura, trocar por álcool! Então, veja que as perspectivas de maus negócios realmente existem. Lula tem razão, é uma grande perspectiva. Não é problema propriamente do álcool, mas da soja e de vários produtos com que podem fazer isso. Então, não é problema de uma monocultura, é problema de uma diversificação. Agora, é uma chance que deve e precisa ser aproveitada. O americano quer uma coisa só: livrar-se do petróleo para não ficar escravo dele. Mas que, em torno disso, tenhamos uma fórmula.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Exatamente.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Nós, que não somos escravos do petróleo, que somos autoprodutores de petróleo, produzimos nosso petróleo e hoje temos condições de produzir para exportar o sucedâneo do petróleo. Meus cumprimentos pelo importante pronunciamento de V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador.

Quero dizer que não sou contra que venha capital estrangeiro, desde que, nas regras que a gente defina, esse capital leve seu lucro e deixe seu retorno aqui, como o senhor bem percebe.

Sr. Presidente, era isso que eu tinha a dizer. E não tenho dúvida de que esse assunto não vai se esgotar. Acho que esse é um dos assuntos mais importantes, para que o Senado tome as rédeas de como o Brasil não deve perder mais uma oportunidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/2007 - Página 5799