Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o dia 17 de abril de 1996, quando ocorreu a chacina de Eldorado do Carajás, no Pará. Manifestação de solidariedade ao MST.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. REFORMA AGRARIA.:
  • Reflexão sobre o dia 17 de abril de 1996, quando ocorreu a chacina de Eldorado do Carajás, no Pará. Manifestação de solidariedade ao MST.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/2007 - Página 9920
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, HOMICIDIO, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, ESTADO DO PARA (PA), NECESSIDADE, DEBATE, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, IMPUNIDADE, CRIMINOSO, PROTESTO, PODERES CONSTITUCIONAIS, DEMORA, REFORMA AGRARIA, PERSEGUIÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA.
  • SOLIDARIEDADE, SEM-TERRA, EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, AUSENCIA, VIOLENCIA, OBJETIVO, APOIO, POPULAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Tião Viana, Srªs e Srs. Senadores, faço aqui uma reflexão aqui sobre o dia 17 de abril de 1996, porque, há onze anos, ocorreu um fato da maior gravidade em Eldorado do Carajás.

Para refletir sobre esse episódio, gostaria de ler e comentar o artigo que Plínio de Arruda Sampaio, Fábio Comparato e José Afonso da Silva, três eminentes brasileiros, publicam hoje - “Uma justiça de classe” -, na página 3, Tendências e Debates da Folha de S.Paulo:

Um sistema de justiça penal incapaz de produzir uma sentença definitiva após onze anos de tramitação sem dúvida padece de defeitos estruturais graves. Independentemente da competência e da respeitabilidade de muitos de seus integrantes, esse sistema precisa ser inteiramente reformado.

Veja-se o caso do processo-crime movido pelo Ministério Público contra os dois oficiais responsáveis pelo massacre de trabalhadores sem terra, em Eldorado do Carajás, Estado do Pará. O crime foi cometido há onze anos - no dia 17 de abril de 1996.

Nesse período, a Justiça não decidiu se os réus - autores da ordem de disparo contra as vítimas - atuaram no estrito cumprimento do dever; ou extrapolaram suas funções; ou obedeceram ordens de autoridades superiores (às quais, diga-se de passagem, nem sequer foram denunciadas pelo Ministério Público).

Será necessário tanto tempo para a Justiça decidir essas questões, mesmo tratando-se de um crime fotografado, filmado e presenciado por centenas de pessoas? De um crime que deixou 19 mortos, 69 mutilados e centenas de feridos?

Dos 144 réus, dois - o comandante e o subcomandante do massacre - foram condenados pelo Tribunal do Júri a 228 e 154 anos de reclusão. Pura pirotecnia para aplacar a opinião pública! Até hoje, o processo criminal perambula pelos tribunais do país e os condenados continuam livres.

No cível, a mesma coisa: até agora as ações de indenização por perdas sofridas pelas vítimas não produziram resultado algum.

A população rural - enorme segmento da população brasileira - não consegue ser ouvida por nenhuma instância do Estado: o Executivo não avança na reforma agrária; o Legislativo só se lembra dela para tentar criminalizar suas entidades representativas; e o Judiciário, tão rápido na concessão de ordens de despejo, não prende os que assassinam suas lideranças nem resolve em tempo razoável os processos de desapropriação e de discriminação de terras públicas.

A trágica ironia é que os mesmos sem-terra estão legalmente assentados no mesmo imóvel que estavam ocupando quando foram despejados à bala para cumprimento de uma ordem de despejo. Em outras palavras: o Estado reconheceu que o imóvel não cumpria a função social da propriedade e, portanto, enquadrava-se perfeitamente nos casos em que o governo federal está autorizado a desapropriá-lo para fins de reforma agrária, como prescreve a Constituição.

Se, em vez de decretar um despejo a toque de caixa, a Justiça e o Executivo tivessem agido nos termos da lei, dezenove vidas teriam sido poupadas e 69 pessoas não teriam sido mutiladas.

As classes dominantes recusam-se a compatibilizar o ritmo da reforma agrária com a urgência das medidas necessárias para deter o processo de empobrecimento que está levando as populações rurais ao desespero. O Judiciário, que poderia contribuir para minorar o problema, só faz agravá-lo. Em um país que se pretende democrático, não cabe uma justiça de classe: atenta e prestativa às camadas ricas da população; míope para ver o direito dos pobres; e surda para os seus clamores.

Muitas cartas indignadas chegam às redações dos jornais reclamando da selvageria dos sem-terra quando eles ocupam edifícios do Incra, fecham estradas, depredam postos de pedágio, ocupam terras.

            Os que assim reclamam - se não são interessados ou hipócritas - deviam atentar para o óbvio: todos esses atos não passam de gestos destinados a chamar a atenção da sociedade para o drama dos sem-terra.

            Afinal, o que querem as pessoas investidas no poder do Estado brasileiro? Uma nova Colômbia?

Caro Sr. Presidente Tião Viana, gostaria de aqui fazer uma reflexão com uma palavra sincera aos companheiros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, a quem manifesto minha solidariedade.

            Tenho sido testemunha de muitas ações do MST. Ele consegue obter maior apoio da opinião pública para a causa tão justa da realização da reforma agrária, da transformação da estrutura do sistema fundiário brasileiro, que é tão desigual, quando age de forma criativa e não-violenta. Por vezes, alguns exageros são cometidos em algumas de suas ações cujo propósito é protestar contra o fato de a reforma agrária não andar na rapidez que desejariam, diante do fato de 140 mil trabalhadores hoje estarem aguardando, acampados, os seus assentamentos nas áreas que deveriam ser, em princípio, desapropriadas para fins de realização da reforma agrária. Algumas vezes, exageros são cometidos quando protestam para que possam ser ouvidos e atendidos pelas autoridades ou, às vezes, quando resolvem ocupar propriedades, muitas vezes destruindo seja partes da propriedade, seja parte dos edifícios, seja mesmo parte das cercas, às vezes atentando contra os animais e assim por diante. Muitas dessas ações acabam resultando em reações que não são as mais favoráveis à causa tão justa do movimento.

Quando integrantes do MST, vindos dos mais diversos lugares do Brasil, chegaram a Brasília por ocasião de um dos aniversários da tragédia de 17 de abril de 1996 e conclamaram o povo a marchar com eles, a população desceu dos edifícios para saudá-los, abraçá-los e solidarizar-se com sua luta.

            Essa ação foi de natureza pacífica e fez com que mais pessoas abraçassem a causa e dissessem às autoridades de então como era importante que acelerassem as ações para a realização da reforma agrária.

Deixo essa reflexão diante do artigo tão preciso e assertivo de Plínio de Arruda Sampaio, Fábio Konder Comparato e José Afonso da Silva, que, por seu conhecimento jurídico e por serem pessoas que vêm abraçando as causas da justiça e da cidadania no Brasil, falam aqui com autoridade ao se manifestarem em relação ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo e, especialmente neste caso, ao Poder Judiciário.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/2007 - Página 9920