Discurso durante a 50ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Justificação pela apresentação da Proposta de Emenda à Constituição 31, de 2007, que institui o parlamentarismo no Brasil.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA DE GOVERNO.:
  • Justificação pela apresentação da Proposta de Emenda à Constituição 31, de 2007, que institui o parlamentarismo no Brasil.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Eduardo Suplicy, Marco Maciel, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/2007 - Página 10171
Assunto
Outros > SISTEMA DE GOVERNO.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, SENADOR, SUBSCRIÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, ESTABELECIMENTO, ALTERAÇÃO, SISTEMA DE GOVERNO, PRESIDENCIALISMO, IMPLEMENTAÇÃO, PARLAMENTARISMO, JUSTIFICAÇÃO, DEFESA, REGISTRO, DADOS, HISTORIA, BRASIL, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, EUROPA, EFICACIA, ADOÇÃO, PARLAMENTO, CRIAÇÃO, UNIÃO EUROPEIA.
  • DEFESA, BRASIL, ADOÇÃO, PARLAMENTARISMO, GARANTIA, ESTABILIDADE, PODERES CONSTITUCIONAIS, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, DEBATE, APERFEIÇOAMENTO, SISTEMA DE GOVERNO.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes mesmo de abordar a questão que me traz à tribuna, quero manifestar os meus agradecimentos às ilustres e aos nobres colegas que comigo subscreveram, para que pudesse ter curso regimental, a Proposta de Emenda à Constituição nº 31, de 2007, que dispõe sobre a adoção do sistema parlamentarista de governo.

Aos eminentes defensores do presidencialismo, aos quais reitero a melhor expressão de meu apreço, pode parecer dispensável e até inoportuna esta minha iniciativa em face de duas circunstâncias. A primeira é que se encontram em tramitação, na Câmara, pelo menos duas propostas de igual objetivo, uma das quais há cerca de 12 anos: a PEC nº 20, de 1995, do ex-Deputado Eduardo Jorge, do PT de São Paulo; e a outra, de nº 282, de 2004, de autoria do ex-Deputado e Presidente do PTB, Roberto Jefferson. A segunda circunstância é de que se trata da única matéria levada por duas vezes ao escrutínio popular: uma, em 6 de janeiro de 1963; e outra, em 21 de abril de 1993. Em ambas, prevaleceu a opção presidencialista.

As razões que me levam a insistir neste tema estão consubstanciadas na longa justificativa da proposta que ora submeto ao Senado, cuja extensão não me permite abordá-las integralmente no tempo de que disponho. Vou restringir-me, portanto, a alguns dos argumentos que fundamentam minha plena convicção de se tratar do melhor sistema de governo entre as alternativas de que dispomos.

Começo lembrando que, na consulta popular de janeiro de 1963, os eleitores foram chamados a manifestar-se pelo restabelecimento do presidencialismo ou pela continuidade do sistema parlamentar, adotado pela Emenda Constitucional nº 4, de 1961. Sua aprovação não foi mais do que uma alternativa negociada como saída para a crise político-militar decorrente da renúncia do ex-Presidente Jânio Quadros e a posse de seu sucessor, o Vice-Presidente João Goulart.

Na consulta de 1993, ao contrário, o eleitorado foi chamado a manifestar sua preferência por duas alternativas: a forma de governo - monárquico ou republicano - e o sistema de governo, escolhendo entre o parlamentarismo e o presidencialismo. A opção pelo parlamentarismo aumentou de 16,87% para 24,65%, enquanto a preferência pelo presidencialismo caiu de 76,97% para 55,45%. Mesmo tratando-se apenas de uma tendência, parece-me que não será fora de propósito concluir que, por meio de uma campanha sistemática e persistente de esclarecimento da opinião pública, essa tendência se acentuará. Por isso, tenho certeza de que, na medida em que diferentes partidos se somarem à opção parlamentarista, o apoio político a esta causa aumentará significativamente.

Outro argumento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é a inevitável constatação de que o Brasil até hoje não experimentou nenhuma das alternativas clássicas do sistema parlamentar de governo. Os historiadores mais renomados, os maiores especialistas e os melhores conhecedores das práticas políticas e da história constitucional do País são unânimes na conclusão de que, no Império, o parlamentarismo jamais se consumou, quer no 1º reinado, quer no 2º reinado. A Constituição de 1824 não a adotou, e tanto Pedro I quanto o seu filho e sucessor, Pedro II, jamais o aceitaram e, menos ainda, o praticaram. 

A prova definitiva é o chamado Incidente Zacarias, ocorrido em 1868, em face do pedido de exoneração do Duque de Caxias do comando das tropas aliadas na Guerra do Paraguai. A manifestação explícita de discordância da maioria da Câmara com a demissão do Gabinete presidido por Zacarias de Góes de Vasconcelos, sem que nenhuma questão de desconfiança fosse suscitada, não foi a queda do Gabinete que o substituiu, como ocorreria em qualquer sistema parlamentarista, mas, ao contrário, a dissolução pura e simples da Câmara.

Ninguém melhor do que Joaquim Nabuco, com a sua larga visão, seu profundo conhecimento das praxes do Império e sua visão arguta do nosso sistema político então vigente, na monumental biografia do pai, mostrou que o pretenso parlamentarismo nunca existiu e se resumiu, na verdade, à vontade soberana e definitiva do monarca:

Diz ele:

“Antes de tudo, o reinado é do Imperador. Decerto, ele não governa diretamente por si mesmo, cinge-se à Constituição e às formas do governo parlamentar; mas como ele só é árbitro de cada partido e de cada estadista, e como está em suas mãos o fazer e desfazer os ministérios, o poder é praticamente dele. A investidura dos gabinetes era curta, o seu título precário - enquanto agradassem ao monarca; em tais condições só havia um meio de governar, a conformidade com ele. Opor-se a ela, aos seus planos, à sua política, era renunciar ao poder”.

Da mesma maneira, não se pode considerar parlamentarismo a solução adotada em 1961 para a posse do Presidente João Goulart. Um regime em que a Câmara não pode ser dissolvida por decisão do Chefe de Estado, quando o gabinete perde a confiança da maioria parlamentar, pode ser tudo, menos parlamentarismo. Creio não exagerar afirmando que foi, na realidade, uma contrafação política com a feição externa e simbólica de um sistema parlamentar de governo.

            O terceiro argumento, Sr. Presidente, é que a escolha do sistema de governo tem que ser considerada e discutida ante dois requisitos. O primeiro é que esse debate seja conduzido no âmbito de uma ampla reforma política de que hoje está pendente a opinião publica do País; o segundo requisito é que essa discussão se faça num período de absoluta normalidade institucional, numa fase de estabilidade política, como a que hoje estamos vivendo, após duas reeleições seguidas de dois Presidentes da República.

Se olharmos o panorama do mundo contemporâneo, vamos constatar que o presidencialismo é, cada vez mais, uma exceção no conjunto das nações. Nas antigas e amadurecidas democracias européias, o sistema parlamentar é quase uma unanimidade. Não é sem razão que lá se encontram as nações mais prósperas da humanidade, capazes de conquistar algo inédito na evolução política: a União Européia, com suas políticas públicas comuns, sua moeda única, suas instituições supranacionais e, no futuro, uma Constituição igualmente comum.

Trata-se também de um regime em expansão na Ásia, como comprova a sua consolidação em países como o Japão e a Índia. Até mesmo na China, com as suas especificidades políticas e ideológicas, prevalece importante feição típica dos sistemas parlamentaristas: a clara divisão entre a chefia de Governo e a chefia do Estado.

Já o fato de o presidencialismo ser praticado majoritariamente na América Latina é explicado por um fenômeno histórico que se operou por gravidade, na medida em que, como colônias de antigas monarquias européias, a tendência dos movimentos de independência, à exceção do Brasil - sem esquecermos o exemplo pernambucano de 1817, a Confederação do Equador -, deram-se sempre trilhando o caminho inverso, tal como ocorreu nas colônias inglesas da América do Norte. Com a fugaz exceção do México no período de dominação napoleônica, só o Brasil optou, em 1822, pela monarquia, pelas raízes históricas de todos nós conhecidas.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - Nobre Senador Fernando Collor, V. Exª me permite uma breve interrupção?

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não, Senador Marco Maciel.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE. Com revisão do orador.) - Nobre Senador Fernando Collor, estou, como acho que todo o Plenário, ouvindo com atenção o discurso que V. Exª faz esta tarde sobre sistema de Governo. Devo dizer que V. Exª situa muito bem a questão, quando lembra que, no Império, ao contrário do que muitos pensam, não chegamos a ter um verdadeiro parlamentarismo. Aliás, V. Exª fez um histórico muito competente, inclusive citando a obra Um Estadista do Império, de autoria de Joaquim Nabuco, excelente biografia sobre o Conselheiro Nabuco de Araújo, seu pai, que viveu bem as circunstâncias do Império. V. Exª também lembra, com propriedade, que realmente o Imperador, nas suas mudanças ministeriais, o fazia não por um imperativo do sistema, antes por uma vontade política. De mais a mais, é bom recordar que na Constituição de 1824, que V. Exª citou - a Constituição de 25 de março de 1824, se não estou equivocado -, o sistema concentrava muito poder nas mãos do Imperador. E a prova do que afirmo era a existência do chamado Poder Moderador, idéia importada da Europa, de autoria de Benjamin Constant de Rebeque. Não do Benjamin Constant Botelho de Magalhães, o nosso Benjamin Constant, um dos patronos do movimento republicano. Refiro-me ao franco-genebrino que fez uma obra notável sobre um quarto, além do Executivo, Legislativo e Judiciário, o Poder Moderador. Esse Poder Moderador era exercido pelo próprio Imperador, o que vale dizer que havia uma grande concentração de poderes em torno do Chefe de Estado e também Chefe de Governo. Com a implantação da República no Brasil, com a Carta de 1891, começamos a praticar o chamado presidencialismo, seguindo o modelo norte-americano, ou seja, uma república federativa, bicameral, presidencialista, porque, no Império, o Senado não era eleito, era vitalício, e não havia uma representação adequada das províncias, etc. Então, com a República, seguimos o modelo norte-americano, que era, e é ainda, um modelo de grande prestígio no mundo, na minha opinião, e que funciona também, penso, adequadamente. Mas o que eu gostaria de lançar a debate com V. Exª era outro tema. V. Exª se referiu às duas consultas populares realizadas: uma em 1963, no período João Goulart, e a outra em 1993, 21 de abril de 1993, esta por uma imposição da Constituição de 1988. Em ambas, o presidencialismo ganhou por larga margem. O que desejo suscitar, e vou tentar fazê-lo de forma muito breve, é o seguinte: Na medida em que o Constituinte de 1988 entendeu que a questão do sistema de Governo devia ser objeto de deliberação popular, de manifestação através de um plebiscito e que, uma vez resolvida, elucidada, passaria a ser uma regra pétrea, assim como, por exemplo, a federação. Geralmente as Constituições brasileiras dizem: “Não se admite emenda tendente a abolir a Federação e a República”. Na Carta de 1988, o dispositivo foi mantido, mas se admitiu a abolição da República, porque os parlamentaristas entendiam que por esse caminho poderiam cooptar os monarquistas para a sua causa parlamentarista e, conseqüentemente, só ficou como cláusula pétrea a federação e não a República. Entendo que uma vez - essa é uma matéria talvez para os grandes mestres na área de Direito Constitucional - que houve o plebiscito e que a sociedade brasileira por larga maioria entendeu manter a República - algo esperado - e também manter o sistema presidencialista, isso se converteu, a meu ver, numa cláusula pétrea. De outra forma, estaríamos invalidando totalmente o instituto da consulta popular, o plebiscito, ao lado do referendo, que são mecanismos que concorrem para aferir o sentimento da sociedade brasileira. Por isso eu queria, louvando a iniciativa de V. Exª...

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Eu pensei que V. Exª ia fazer uma revisão, mostrar que tinha mudado.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - Eu sou presidencialista, mas acho que é meu dever, antes de ser um presidencialista, fixar uma posição face à resposta dada pelo povo brasileiro na consulta de 21 de abril de 1993.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Sr. Senador Marco Maciel, agradeço o seu aparte, mas gostaria de lembrar que, na nossa Constituição, a mudança do sistema de governo não se constitui numa cláusula pétrea. Ao contrário, a nossa Lei Maior permite que, por intermédio de uma proposta de emenda à Constituição, nós possamos, sim, a qualquer momento, apresentar sugestões como essa.

Como disse, há 12 anos, tramita na Câmara uma emenda de igual teor. Há uma outra de 2004.

Enfim, então, o que o Constituinte de 1988 fez e introduziu nas Disposições Transitórias foi adequar as correntes que pugnavam uns pela República, uns pela Monarquia, uns pelo Parlamentarismo e outros pelo Presidencialismo. Não podemos nos esquecer que a Comissão de Sistematização, foi presidida pelo ex-Senador Affonso Arinos - por sinal um empedernido Presidencialista que se contrapôs a Raul Pilla nos idos de 49 que apresentou a Emenda nº 4, que não foi aprovada -, que logo depois se converteu ao Parlamentarismo. E, nessa oportunidade, nós pudemos concluir com muita facilidade que essa discussão é permanente, que ela se coloca a cada instante em que o País se vê às voltas com as chamadas crises de governabilidade.

Defendo o Parlamentarismo, por entender que esta é a maneira mais eficiente e moderna de trazermos o relacionamento político para um âmbito que não seja o da refrega constante entre o Legislativo e o Executivo, que gera aquelas conseqüências das crises de governabilidade.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Collor de Mello, sei que o seu tempo está terminando, mas V. Exª pode me permitir um pequeno aparte?

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não, Senador Paim, com muito prazer.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Collor de Mello, quero cumprimentá-lo pelo pronunciamento. Quando assinei sua emenda constitucional, disse a V. Exª que sou parlamentarista. Para felicidade minha, os outros dois Senadores gaúchos, Senador Simon e Senador Zambiasi, também assinaram - para felicidade nossa, e não minha - a emenda. Acredito que só teremos efetivamente um Congresso forte com o Parlamentarismo. E V. Exª foi muito feliz, quando disse: “Parlamentarismo sim, mas com reforma política”. Dentro desse pequeno espaço de tempo, meus cumprimentos a V. Exª. Assinei o documento como apoiador e defenderei, no mérito, o Parlamentarismo nesta Casa, no momento adequado. Meus cumprimentos, Senador.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado, Senador Paim.

Senador Simon, concedo-lhe um aparte.

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC.) - Senador Fernando Collor, a Presidência comunica a V. Exª que, somente em razão dos oradores inscritos, o tempo do orador está esgotado. Em benefício dos próximos oradores, peço-lhe que os apartes sejam evitados, para que seja preservada a fala do orador. Tenho apenas este propósito. Sabemos da importância do tema abordado por V. Exª.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - É que o Presidente é Presidencialista.

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - Sou parlamentarista.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Eu gostaria de fazer um aparte ao Senador Fernando Collor. Peço a gentileza do Presidente Tião Viana para, pelo menos, permitir-me um breve aparte. Senador Fernando Collor, primeiramente eu gostaria de transmitir a V. Exª que considero extremamente respeitável a sua iniciativa de propor o Parlamentarismo, inclusive como parte da reforma política que precisamos realizar no Brasil, com temas como a fidelidade partidária, que entendo essencial; o financiamento público de campanha, para o qual deve haver muita transparência, especialmente na forma de se revelar a todos o que é feito com a arrecadação de recursos. Mas, no que diz respeito ao Parlamentarismo, sinceramente, conforme transmiti a V. Exª, tenho algumas dúvidas, especialmente em função daquilo que me parece ser a percepção e a vontade do povo brasileiro, que é escolher, diretamente, o . Se, algum dia, for instituído o Parlamentarismo, serei favorável a ele; e creio que o povo brasileiro também, desde que seja eleito, pelo voto, o primeiro-ministro, como acontece pelo menos em um país onde há o Parlamentarismo: Israel. Lá, o primeiro-ministro é eleito diretamente pelo povo. Em 1963 e em 1993, perguntaram ao povo brasileiro se ele preferiria deixar para o parlamento escolher o seu . Eles responderam que prefeririam continuar a escolhê-lo diretamente. Portanto, eu gostaria de expressar, com sinceridade, o meu sentimento de que a avaliação do povo brasileiro será no sentido de continuar a escolher diretamente o seu , o presidente ou, se for para mudar para o Parlamentarismo, o primeiro-ministro também.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - O que se pretende, nobre Senador Eduardo Suplicy, com essa proposta de emenda à Constituição, é exatamente suscitar esse debate. É claro que não podemos falar em um sistema parlamentar de governo. Não temos um Parlamentarismo, temos Parlamentarismos, e eles são os mais diferenciados: o Parlamentarismo francês pode ser chamado de semiParlamentarismo ou semipresidencialismo; o Parlamentarismo de Portugal, da mesma maneira; há Parlamentarismo que é bicameral.

(Interrupção do som.)

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Enfim, há diversas fórmulas. A de Israel é uma fórmula única, que penso que se adapta às questões históricas e às questões muito próprias daquele grande e bravo país, do seu bravo povo. Então, não seria aquilo que propriamente poderíamos dizer que serviria para o modelo parlamentarista, porque, com a eleição, de acordo com sua opinião, com sua sugestão de que o primeiro-ministro venha a ser eleito, coloca-se por terra alguns instrumentos ou institutos básicos do sistema parlamentar de governo, que é o voto de desconfiança, a queda do governo, a convocação de novas eleições. E isso tudo deixaria a figura do próprio Presidente da República com muito pouca representatividade.

Mas o propósito da emenda é exatamente este: suscitar o debate, suscitar a discussão, exatamente também porque estamos em um ambiente de absoluta tranqüilidade e normalidade democrática e institucional, para que possamos chegar a uma conclusão, ouvindo as duas casas do Congresso Nacional.

Concluindo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, devo invocar ainda a circunstância de se tratar de um sistema de governo em que o princípio de pesos e contrapesos se opera sem traumas, ao contrário do que ocorre no presidencialismo clássico, de acordo com a modalidade de Executivos fortes, em que esse recurso funciona não como moderador das crises políticas, mas, ao contrário, como seu deflagrador.

Reconheço, porém, que a adoção da alternativa ora proposta exige o estabelecimento de um sistema eleitoral com ela compatível, em razão do paralelismo traçado na justificativa entre o Parlamentarismo alemão é o que é praticado na Itália. O primeiro, dotado de mecanismos moderadores, como a cláusula de desempenho e o voto de desconfiança afirmativo, que lhe dão plena estabilidade e reconhecida continuidade institucional, permitiu que, entre 1949 e 2006, o País tivesse conhecido apenas sete gabinetes - de 1949 a 2006, a Alemanha teve somente sete gabinetes -, enquanto, no mesmo período, a Itália passou por mais de 50 governos, ou seja, há diferenças entre os diversos sistemas parlamentares instituídos nos diversos países do mundo. Mas a Itália, nesse caso, corrigiu...

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Mas a Itália se adaptou. Hoje, é diferente.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Em 1991, a Itália fez um plebiscito exatamente para a mudança dessas regras eleitorais, que começou a vigorar em 1993. E o novo sistema trouxe mais estabilidade à política italiana e aos governos que se instalaram.

Acredito, Srªs e Srs. Senadores, que, examinarmos a experiência de outros países, numa discussão ponderada, sem preconceitos, lastreada e equilibrada, das vantagens e desvantagens tanto do presidencialismo quanto do parlamentarismo, será útil e enriquecedor, além de ser uma demonstração de maturidade política, cujo principal objetivo deve ser, unicamente, o do aprimoramento institucional de nosso sistema político, em que não cabem personalismos de qualquer natureza.

No curso deste debate, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, espero contribuir, da maneira que for possível, para a defesa da causa em que firmemente acredito, deixando a decisão final a critério de V. Exªs.

O Sr. Marco Maciel (PFL- PE. Com revisão do orador.) - Permite V. Exª um breve aparte? (Assentimento do orador) - Eu só gostaria de, rapidamente, observar duas coisas. A primeira é que acho que a questão que V. Exª fere - que é procedente e traz uma contribuição para o debate político - pode ser resolvida através da chamada reforma política ou reforma institucional. A meu ver, o que V. Exª expressa é o desejo de melhorar as chamadas regras de governabilidade. Isto significa um esforço para fortalecer as instituições. Acredito, então, que, se fizermos as chamadas reformas políticas, muitas das questões que colocam o presidencialismo em crise estariam superadas. Por isso, considero que os próprios parlamentaristas, se examinarem bem a questão, verificarão que sem a reforma política, sem mudar o sistema eleitoral, sem fortalecer os partidos, o parlamentarismo fracassaria no Brasil. Então, a primeira tarefa que cabe não somente aos presidencialistas, mas também aos parlamentaristas, é fazer a chamada reforma política. Em segundo lugar, V. Exª mencionou que há formas diferenciadas de presidencialismos e de parlamentarismos. É verdade. A propósito, quero dizer que, cada vez mais, o presidencialismo se abre a novas experiências. Hoje, um presidencialismo que assegure eqüipotência de poderes, se assim posso dizer, é aquele que reconhece a presença de outros interlocutores. Nesse sentido, lembraria uma obra, ainda muito atual, de Robert Dahl, que trata da poliarquia. O presidencialismo que se pratica no Brasil vai além da arquitetura clássica dos três Poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário -, pois nele vemos surgirem outros atores, como o Ministério Público, as organizações da sociedade, a imprensa, com o poder de que hoje dispõe, o segmento do empresariado e o trabalhista, a OAB, etc. Poderíamos dar muitos e muitos exemplos. Com isso, quero dizer que, a exemplo do que ocorre com o parlamentarismo, o presidencialismo também se socorre de novos mecanismos. Acredito que, pela cultura brasileira e até por sua longa duração em nosso chão, hoje, o presidencialismo é o sistema de governo que mais se compatibiliza com a nossa sociedade, a qual, já por duas vezes, chancelou-o. V. Exª fertiliza o debate, na medida em que traz esse tema à colação. Espero que, por meio da sua discussão, possamos avançar na reforma política. Não acredito que superaremos a questão da governabilidade sem fazermos uma ousada reforma política, que não se restringe somente ao sistema eleitoral e partidário, mas avança nessa questão do sistema de governo, na medida em que precisamos remover zonas de atrito entre o Executivo e o Legislativo, como, por exemplo, a Medida Provisória. Precisamos avançar na questão da Federação, porque o Brasil, com a extensão que tem, com a população que possui, não pode ser governado a partir de Brasília. Precisamos avançar, também, na melhoria das instituições republicanas, tão erodidas em nosso País. Cumprimento V. Exª pelo discurso que faz. Embora não seja parlamentarista, não posso deixar de reconhecer que V. Exª traz uma contribuição ao debate da reforma política.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Senador Fernando Collor, com a permissão da Presidência, V. Exª me concederia um aparte?

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Senador Fernando Collor, V. Exª traz a lume uma sugestão, um projeto, uma proposição da mais alta importância, vez que a Constituição de 1988 foi formulada, foi elaborada prevendo a instituição do Parlamentarismo no Brasil. Entretanto, por variadas razões que não cabem na discussão neste momento, o Parlamentarismo não foi instituído, inclusive porque o povo rejeitou-o por duas vezes. Ocorre que, com a liderança nacional de um Presidente da República e boa vontade do Congresso Nacional e das Lideranças - inclusive de V. Exª, que, sem dúvida alguma, é uma das figuras proeminentes do Senado Federal -, o Parlamentarismo poderá vir a ser instituído em nosso País, porque é o regime mais democrático e representativo das forças populares. Quem sabe a forma de Parlamentarismo que V. Exª está sugerindo não seja esta: a Câmara dos Deputados elegeria Deputados e um deles seria o escolhido para governar o País. Essa dicotomia de o Presidente da República ser o executivo, o governante das ações administrativas e, ao mesmo tempo, o Chefe de Estado, sem dúvida alguma, contribui para a falta de eficiência de algumas ações, tanto no plano externo, quanto no interno. De outro lado, a reforma política, como disse o Senador Marco Maciel, é imprescindível para que o Parlamentarismo dê certo. Essa questão da fidelidade partidária precisa ser resolvida o mais rapidamente possível, assim como a do financiamento público de campanha. Creio que a proliferação de partidos políticos traria grande dificuldade para o equilíbrio do sistema parlamentar em nosso País. De sorte que foi bom que V. Exª trouxesse essa questão ao debate. Sou parlamentarista e, sem dúvida, estarei ombro a ombro com V. Exª nessa luta.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado, Senador Antonio Carlos Valadares.

Eu gostaria apenas, respondendo aos Senadores Marco Maciel e Antonio Carlos Valadares, de lembrar que na questão de 1998, a que o Senador Valadares se referiu, a Comissão de Sistematização, presidida pelo então Senador Afonso Arinos, ofereceu o que seria um anteprojeto de Constituição aos Constituintes.

O que resultou dessa Comissão de Sistematização foi, como disse o Senador Antonio Carlos Valadares, o sistema parlamentarista com quatro anos de mandato, incluindo-se aí, é claro, a medida provisória, que é um instrumento típico desse sistema de governo. Posteriormente, no plenário, muitas modificações aconteceram e a Constituição de 1988, definitivamente, amarrou o Chefe do Executivo.

Dou inteira razão à frase pronunciada pelo Senador, então Presidente, José Sarney.

O SR. PRESIDENTE (Wellington Salgado de Oliveira. PMDB - MG) - Senador Fernando Collor, vou-lhe conceder mais dois minutos, porque, realmente, a lista é grande e o assunto abordado por V. Exª é apaixonante. Do contrário, o debateremos todo dia aqui.

O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - O ex-Presidente José Sarney disse que com aquela Constituição era impossível governar. Realmente, por isso esse excesso de medidas provisórias, porque sem elas o Presidente não consegue governar. Num sistema parlamentarista de governo, isso não ocorreria.

Sobre a estabilidade, Senador Marco Maciel, foi em 1926 a última vez em que - e Artur Bernardes governou durante os quatro anos sob estado de sítio - um Presidente eleito democraticamente cumpriu o seu mandato e o transmitiu para um outro Presidente também eleito democraticamente e que cumpriu o seu mandato.

Agora, com o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e o atual Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, repetir-se-á esse fato.

De 1926 até o presente momento, nenhum Governo que se estabeleceu na República, dentro do sistema Presidencialista, concluiu inteiramente o seu mandato, o que prova que o sistema Presidencialista não proporciona essa estabilidade política que todos buscamos.

Sr. Presidente, agradeço a sua deferência e a sua paciência.

Muito obrigado às Srªs e aos Srs. Senadores. Espero contar com o apoio de todos para participar ativamente desse debate, que, acredito, levará ao aprimoramento institucional e político do nosso País.

Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/2007 - Página 10171