Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos quarenta e cinco anos de atividades da Universidade de Brasília - UnB, inaugurada em 21 de abril de 1962.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ENSINO SUPERIOR.:
  • Comemoração dos quarenta e cinco anos de atividades da Universidade de Brasília - UnB, inaugurada em 21 de abril de 1962.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/2007 - Página 11504
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), DARCY RIBEIRO, FUNDADOR, SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, COLABORAÇÃO, ATUAÇÃO, ORADOR, QUALIDADE, REITOR, EX GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), IMPORTANCIA, DEBATE, OBJETIVO, UNIVERSIDADE, ATUALIDADE, ANALISE, ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO, BRASIL, COMPARAÇÃO, ANO, CRIAÇÃO, NECESSIDADE, MODERNIZAÇÃO, ADAPTAÇÃO, VELOCIDADE, CONHECIMENTO, AUMENTO, INTEGRAÇÃO, POPULAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, COLABORAÇÃO, AMPLIAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DEFESA, INCORPORAÇÃO, VALOR, ETICA, JUSTIÇA SOCIAL, GENETICA, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, RESPONSABILIDADE, PRODUÇÃO, CONHECIMENTO, EXERCICIO PROFISSIONAL, ATENÇÃO, INTEGRAÇÃO, INTERDEPENDENCIA, CARREIRA, FLEXIBILIDADE, ORGANIZAÇÃO, GRADUAÇÃO, POS-GRADUAÇÃO.
  • REITERAÇÃO, DEFESA, REVOLUÇÃO, EDUCAÇÃO, IGUALDADE, OPORTUNIDADE, QUALIDADE, ENSINO, CONCLAMAÇÃO, COMPROMISSO, UNIVERSIDADE.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Tião Viana, ex-aluno da UnB - talvez nem todos saibam disso; caro amigo Ibañez, que me substituiu na reitoria e que colaborou comigo no Governo do Distrito Federal e no Ministério da Educação; Vice-Reitor e professor Edgar; caro amigo Timothy; meu querido amigo Todorov, que foi meu Vice-Reitor - na época, eu o chamava de co-reitor, porque os abacaxis eu deixava para ele e ficava tentando levar adiante os sonhos que Darcy Ribeiro nos legou -, hoje eu poderia aqui fazer um poema de amor pela UnB, falar do seu passado, mas creio que não é isso que mais importa.

            A homenagem que posso prestar a essa instituição que me acolheu quando voltei, depois de nove anos no exterior, é refletir hoje sobre quais são os desafios da UnB; é refletir hoje sobre qual seria o desenho que Darcy Ribeiro traria para a UnB se ela fosse começar agora. Para isso, é preciso entender o que mudou do ano em que ela foi concebida para hoje, 45 anos depois.

Creio que alguns sonhos morreram, ou pelo menos estão dormindo. O sonho de que o desenvolvimento econômico levaria a uma sociedade justa, pacífica, igualitária está dormindo ou morreu. Não é mais o desenvolvimento econômico que vai levar a isso. O sonho do socialismo a partir do controle dos meios de produção está dormindo ou até, talvez, tenha morrido, exigindo um novo sonho. O sonho de que este País, graças à sua nova Capital, seria um país na vanguarda das nações e sem desigualdade interna também está dormindo. Pelo contrário, pela maneira como se deu o seu crescimento e pela deformação que importamos por sermos a Capital de todo o Brasil, esta cidade tem os mesmos problemas de todas as outras grandes cidades brasileiras. Isso exige uma nova proposta de universidade.

Além disso, de lá para cá, houve algumas mudanças na própria maneira como o conhecimento é produzido. É grande a velocidade com que avança o conhecimento em cada área, a velocidade com que alguns conhecimentos ficam obsoletos - tão depressa. A forma como surgem novos conhecimentos, novas áreas do conhecimento, novas disciplinas, umas morrem e outras nascem, isso não era imaginado 45 anos atrás.

Então, diante de nós está um desafio: retomar o sonho da criação da UnB e até mesmo o sonho do surgimento das universidades no mundo inteiro, quase mil anos atrás, e trazê-los para os primeiros anos do século XXI.

Se nós não fizermos isso, Professor Todorov, daqui a 45 anos, talvez a comemoração não seja tão grande. Porque, se não fizermos as mudanças que o momento exige, pode acontecer com as universidades brasileiras e com as universidades do mundo inteiro o que quase mil anos atrás aconteceu com os conventos: incapazes de perceber o novo conhecimento que surgia na Europa vindo da Grécia antiga, através, sobretudo, da população árabe, incapazes de perceber a dinâmica de uma nova maneira de pensar, os conventos continuaram olhando para dentro, em torno de seus dogmas, e ficaram de lado, e surgiram as universidades. As universidades surgiram para preencher o que os conventos não foram capazes de fazer por terem ficado presos aos dogmas.

Se nós não formos capazes - e agora nós vamos precisar de muitos anos, de mais dez, vinte anos - de reorganizar a maneira como a universidade funciona, se não formos capazes de trazer novos desafios para o pensamento universitário, se não formos capazes de trazer uma velocidade nova na geração de conhecimento, nas áreas que existem e em novas áreas, nós vamos ser os conventos do futuro, e outra instituição vai surgir. Talvez ela já esteja surgindo, e nós não estejamos percebendo.

Quantos institutos de pesquisa existem hoje dentro de empresas? Quantas universidades paralelas ao sistema começam a surgir, como as universidades chamadas corporativas? Estão surgindo instituições ao lado das universidades. Se não soubermos dar o salto, nós vamos ficar para trás.

Qual seria, por isso, o desafio que Darcy Ribeiro traria hoje para nós? Não quero ter a pretensão, obviamente, de dizer que seria isso. Mas eu quero ter, sim, a pretensão de dizer que ele está cobrando isso da gente, porque esta não é uma homenagem apenas à UnB. É uma homenagem muito especial também a Darcy Ribeiro. Foi ele quem concebeu - e não só isso, pois conceber todo mundo sabe que não é difícil - e executou. Tirou do chão e fez uma universidade.

Para mim, a primeira mudança fundamental na instituição universitária hoje é perceber que, da maneira como trabalhamos, estamos não apenas isolados das grandes massas, mas - pior - construindo um muro entre nós e as grandes massas do mundo inteiro. Não se trata das grandes massas ao redor da universidade. Tudo hoje é global.

Atualmente, graças às nossas pesquisas e aos nossos profissionais, estamos construindo uma sociedade de apartheid em escala mundial. Estamos construindo - graças, por exemplo, à minha área, a economia - um mundo em que existe uma riqueza cuja existência seria inacreditável há 45 anos e uma pobreza impossível de imaginar que continuaria existindo. O nosso produto de universitários serviu para aumentar a desigualdade, não por culpa do nosso conhecimento, mas sobretudo por culpa dos políticos. No entanto, o conhecimento que criamos aumentou a riqueza sem trazer todos para ela - ao contrário, aumentou a desigualdade.

Temo que, se continuarmos nesse ritmo, possamos construir algo pior do que a apartação, do apartheid, da desigualdade: uma mutação biológica, fazendo com que haja dois tipos diferenciados de seres humanos. A mutação ocorreu de forma natural e não é impossível que ela ocorra de modo induzido, pela genética, pela biotecnologia, pela área da medicina. Ou será já construímos isso e ainda não percebemos? Hoje, a desigualdade já não é mais social: ela é até mesmo biológica.

Será que nós não percebemos que hoje o que nos diferencia não é quanto temos no bolso, mas quantos anos de vida somos capazes de comprar com o dinheiro que temos no bolso? A universidade não pode continuar sendo o instrumento de construção do acirramento das desigualdades a ponto de fazer com que haja uma mutação biológica a favor de uma minoria. Por isso, temos que trazer a ética para dentro da universidade.

A universidade surgiu há mil anos, rompendo com os dogmas religiosos, que era uma forma de ética, e trouxe um pensamento neutro como um grande avanço. E creio que hoje a universidade precisa começar a subordinar esse pensamento a valores éticos fundamentais.

Eu falei dos economistas, eu falei dos biólogos; e nós, - que eu também sou - engenheiros, que produzimos todas as máquinas que provocam a destruição, que provocam o desastre ambiental? O mundo seria muito pior sem engenheiros, mas a ecologia estaria muito mais bem equilibrada se não fossem os engenheiros. Temos que ter uma ética regulamentando não apenas o trabalho do engenheiro, mas a própria estrutura do pensamento e da formulação das soluções da engenharia, da biologia, da economia, de todas as áreas, enfim.

Essa é uma mudança difícil de imaginar, porque trazer uma ética que regule o conhecimento pode aprisionar a liberdade, e consideramos que a liberdade é o valor fundamental. Mas a liberdade plena para o uso do exercício acadêmico pode levar à destruição ainda maior da própria vida, pela crise ambiental, e ainda maior da ética, pela mutação biológica de uma parte.

Então, temos que colocar a ética dentro das universidades. A ética não só do funcionamento profissional de cada um, mas dentro do próprio processo epistemológico de funcionamento da ciência.

Não me perguntem como fazer isso. Esse é um desafio que temos de trazer. Nenhum profissional pode deixar de ter embutido, dentro da sua cabeça, a responsabilidade do produto do seu trabalho, não só para o bem, mas para o mal também. O que víamos com neutralidade, sempre servindo ao bem, agora, sabemos, pode servir ao mal.

Outro desafio é como organizar a universidade, Professor Timothy, do ponto de vista das categorias do pensamento. Nós nos acostumamos à idéia de que existia uma gavetinha de onde saíam os engenheiros; outra, de onde saíam os economistas; e outra, de onde saíam os biólogos. Não dá mais para se continuar com essas gavetinhas isoladas umas das outras, se os problemas da realidade são problemas multidisciplinares, que exigem fazer com que, além dos departamentos como ruas do conhecimento, criemos esquinas, onde os conhecimentos diferentes se encontrem para formular uma alternativa ao problema real, como no tempo do Todorov mesmo, quando tentamos e criamos os núcleos temáticos. Cada vez mais, os núcleos temáticos serão necessários para que possamos fazer funcionar a universidade dos novos tempos.

Além disso, teremos de dar mais velocidade à maneira como trabalhamos e produzimos. Não há mais como levar quatro ou cinco anos para se fazer um doutorado, quando sabemos que, quando se termina, ele já está superado, e quando temos hoje toda a bibliografia on line. Enquanto o autor está trabalhando, ele já a coloca no computador. Como podemos basear uma tese em livros lidos cinco anos antes apenas? Deveremos ter uma velocidade maior para formar os nossos profissionais.

Mais velocidade e mais flexibilidade na composição das disciplinas. Ainda mais: ter mais criatividade no profissional, porque hoje, se olharmos bem, dez anos depois, uma boa parte desses profissionais já mudaram de profissão, seja porque as profissões morreram, seja porque descobriram outra vocação, exigida pelo mercado. Temos que preparar nossos profissionais para mudarem de profissão duas vezes ao longo da vida útil deles. Alguns vão mudar três vezes; outros, vão mudar uma vez.

A universidade que Darcy Ribeiro provavelmente criaria hoje ia tentar trazer essa capacidade de ensiná-lo a mudar ao longo da vida. Não apenas você aprender, mas você aprender a aprender. E isso não está sendo fácil de construir.

Finalmente, destaco a maior das responsabilidades que vejo hoje: a de a universidade ser o instrumento de ruptura desse muro da desigualdade; ser outra vez, como em 1960, um instrumento revolucionário socialmente. A UnB é um produto do sonho de revolucionar a sociedade brasileira. Mas isso morreu, porque as utopias morreram, e o conceito de revolução também.

Está na hora de retomar isso. Presidente Serys Slhessarenko, está na hora de trazer o gosto pela revolução, pela utopia. E hoje não vejo nenhuma outra utopia a não ser a da mesma chance para todos. Não vejo mais a utopia da igualdade plena com a qual sonhávamos há 45 anos. Eu nem vejo por que, eticamente, é necessário que todo mundo tenha a mesma renda, o mesmo carro, ou até mesmo que todo mundo tenha carro. Não. O fundamental é que todo mundo tenha a mesma chance, e alguns, pelo talento, pela vocação, pela persistência, vão poder chegar mais longe do que outros. Mas nenhum ficará para trás.

Não deixar ninguém para trás é a frase que reflete a utopia daqui para frente. Como fazer essa revolução para essa utopia? É com a revolução da educação de base. É a garantia de que a escola do condomínio vai ser tão boa quanto a escola de uma favela, não porque a do condomínio piorou ao nível da escola da favela, mas porque tanto a da favela quanto a do condomínio subiram ao nível do que é fundamental para uma boa educação de base.

A UnB tem o compromisso de, nesses próximos 45 anos e bem antes, ajudar a fazer a revolução pela educação básica no Brasil. Essa é uma revolução em nome da universidade, porque nunca haverá uma boa universidade enquanto não tivermos uma boa educação de base para todos.

Hoje, selecionamos os alunos da UnB das outras universidades entre 1/3 dos que terminam o ensino médio. Dois terços são jogados fora. Quantos gênios não deixamos para trás! É como se, para cada 100 poços de petróleo encontrados, tapássemos 2/3 deles, porque um cérebro tem tanta energia quanto um poço de petróleo, com algo melhor ainda: a capacidade de inventar um substituto para o petróleo. Nós estamos jogando fora nossos gênios. A UnB tem que trabalhar para fazer a revolução da educação.

O PAS já foi um grande projeto para isso. Aí eu devo, como governador, como reitor, muito ao Todorov, que era o reitor à época, ao Ibañez, que era o secretário, e também a um reitor aqui ausente, que foi quem trouxe a idéia do PAS antes mesmo de pensarmos isso. Antes mesmo de nós pensarmos isso, ele pensou.

Pois bem, nós temos que fazer com que a universidade esteja ligada à educação de base, não só pelo PAS. A universidade tem que se transformar no grande instrumento de formação dos professores da educação de base, de produção do material da educação de base, de formação complementar dos alunos da educação de base, em seu próprio nome e em nome da derrubada desse muro da desigualdade que impede o Brasil de ser um País justo, onde todos tenham a mesma chance, não necessariamente a mesma renda.

Se fizermos isso, vai ser fácil ajudar a universidade a trabalhar e derrubar o muro do atraso que nos separa de outros países desenvolvidos. Derrubar o muro do atraso, derrubar o muro da desigualdade, esse era o sonho de Darcy Ribeiro 45 anos atrás; esse continua sendo o sonho de cada um de nós da UnB nos dias de hoje. O sonho, a responsabilidade e o desafio. Derrubar os dois muros, da desigualdade interna e do atraso em relação ao exterior. Mudaram-se os meios para fazer isso, mas mantém-se a necessidade do sonho de Darcy Ribeiro.

Longa vida para a UnB! Grandes 45 novos anos daqui para a frente! Parabéns pelo heroísmo de cada um de nós da UnB nesses períodos tão difíceis, como em 1964 e 1967, quando tantos foram expulsos e demitidos, professores e alunos; quando alguns foram presos; quando Honestino foi morto; quando sobrevivemos à penúria da falta de verbas - o que ainda não foi resolvido plenamente.

Esse heroísmo inteiro de 45 anos só tem uma maneira de ser realmente reconhecido: que, nos próximos 45 anos, com o mesmo heroísmo, nós desenvolvamos novos instrumentos de que o Brasil precisa e que a UnB tem a obrigação de realizar.

Daqui a 45 anos, certamente poucos de nós estaremos aqui fisicamente, mas espero que algum Senador tome a iniciativa de convocar uma sessão como esta para comemorar os 90 anos da UnB; e que 10 anos depois alguém convoque outra para comemorar os 100 anos. E aí se possa dizer que, no século XXI, não só mantivemos vivos os sonhos de Darcy, como também ajudamos a reescrevê-los e a redesenhá-los.

Esse é o sonho que tenho e é por isso que pedi ao Presidente do Senado que fizesse esta sessão. Então, agradeço a cada um de vocês, porque, juntos, temos sido os heróis que fazem a instituição. E não vamos esmorecer diante dos novos desafios!

Muito obrigado, Srª Presidente!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/2007 - Página 11504