Discurso durante a 56ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do Dia do Exército Brasileiro.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. FORÇAS ARMADAS.:
  • Comemoração do Dia do Exército Brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/2007 - Página 11482
Assunto
Outros > HOMENAGEM. FORÇAS ARMADAS.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, EXERCITO, DATA, EXPULSÃO, ESTRANGEIRO, TERRITORIO NACIONAL, LUTA, UNIÃO, NEGRO, INDIO, DESCENDENTE, EMIGRANTE, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, REGISTRO, HISTORIA, BRASIL, FORMAÇÃO, NACIONALIDADE.
  • SAUDAÇÃO, COMPROMISSO, EXERCITO, ESTADO DEMOCRATICO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, GARANTIA, LIBERDADE, IMPORTANCIA, REAPARELHAMENTO, FORÇAS ARMADAS, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA, DEFESA, PAIS, COMPLEMENTAÇÃO, POLITICA EXTERNA, ESPECIFICAÇÃO, MELHORIA, REMUNERAÇÃO, MEMBROS, CONTINUAÇÃO, PROJETO, ESTRATEGIA MILITAR.
  • OPOSIÇÃO, LOBBY, DESVIO, FUNÇÃO, FORÇAS ARMADAS, COMBATE, CRIME ORGANIZADO, VIOLENCIA, COMENTARIO, INSUCESSO, EXPERIENCIA, EXERCITO ESTRANGEIRO, AMERICA LATINA.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT- AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Senador Renan Calheiros; Exmº Sr. Ministro da Defesa, Waldir Pires; Exmºs Srs. Comandantes das Forças Armadas Brasileiras, Srªs e Srs. Senadores, Srs. Oficiais, Srs. Ministros dos Tribunais, demais autoridades, hoje, o Senado da República se reúne para, nos termos do Requerimento nº 134 de 2007, comemorar o Dia do Exército Brasileiro. Estamos, em Sessão Especial, a recordar o já longínquo 19 de abril de 1648. Nas efemérides, o dia da Batalha de Guararapes, a marcar o início da expulsão dos holandeses do território brasileiro.

Convencionou-se registrar naquele episódio a pedra angular de nossa nacionalidade, pela união heróica de negros, de índios e reinóis que aqui se instalaram em torno de um objetivo comum.

Sempre houve e haverá quem questione essa convenção histórica. Embora certos aspectos episódicos daquele período sejam passíveis de revisão, num ponto não se pode admitir discussão: ali se fincou o alicerce definitivo de nosso sentimento de natividade.

Como sabemos, a morte de Dom Sebastião, o jovem soberano português e cruzado da fé cristã, no verão de 1578, na Batalha de Alcácer Quibir, no Marrocos, levou a um quadro de solução de continuidade da dinastia de Avis, que reinava em Portugal desde 1385.

À ausência de herdeiros diretos, seguiu-se o caos dinástico que só teve fim com a assunção à Coroa Portuguesa, em 1580, de Felipe II, de Espanha, filho de mãe portuguesa e neto de Dom Manuel, o Venturoso. Com Felipe II, de Espanha, e I, de Portugal, iniciava-se a “União Ibérica”, que perduraria até 1640.

A Felipe pouco preocuparia a empreitada colonial brasileira iniciada por seu avô. Tomaria muito mais o seu tempo o pesadelo da manutenção dos seus domínios europeus. Com efeito, já em 1579, as Dezessete Províncias dos Países Baixos, possessões de seu pai, Carlos V, haviam proclamado a independência, constituindo a União de Utrecht, e, em 1581, abjuraram da soberania espanhola, seguindo-se, então, a guerra de independência.

Entrementes, a comunidade sefardita portuguesa - e a espanhola, que se exilara em Portugal, desde o Decreto de Alhambra, em 1492 -, parte expressiva de uma elite na cultura, na economia, na medicina, na cartografia e na ciência, dava sinais de descontentamento com a perseguição, velada desde 1540, e explícita desde a unificação das coroas.

Por volta de 1596, muitas famílias portuguesas de ascendência judaica, fartas da opressão em Portugal e desejosas de voltar a praticar abertamente a sua religião, rumaram para Amsterdã. Os judeus portugueses desempenhariam um papel importante no desenvolvimento cultural e econômico da incipiente República dos Países Baixos. Desfrutariam ali da liberdade de culto e de expressão, invejáveis para a maioria dos judeus nas restantes partes do mundo.

O Historiador David Landes, em sua conhecida obra “A riqueza e a pobreza das nações”, viu na saída das comunidades judaicas da Península Ibérica no século XVI um fator prejudicial para as sociedades e as economias ibéricas, anunciando o declínio de Portugal e Espanha no concerto das nações, então no auge da sua influência.

Paradoxalmente, o gênio criativo e empreendedor que tanto auxiliara Portugal em seu ciclo imperialista seria, doravante, mobilizado graças a uma ambiência de liberdade em favor do expansionismo econômico, centrado no comércio internacional do açúcar, que tinha como epicentro os portos do delta do rio Reno.

Dessa maneira, é forçoso admitir a dúvida que a muitos assalta e que tão bem Chico Buarque e Rui Guerra registraram, no plano da ficção teatral, em “Calabar - o elogio da traição”: “Não teríamos alcançado melhor destino sob a condução da República Holandesa dos Países Baixos Unidos?” A resposta é negativa, mas, inequivocamente, como na canção, é preciso dizer que “a lição sabemos de cor, só nos resta aprender”. Aprender, com esse período, que só a liberdade proporciona efetivo desenvolvimento, aqui entendido como o somatório de crescimento econômico, social, científico e cultural.

Talvez tenha sido esse pensamento a fonte de inspiração para o então Barão de Caxias quando designado pelo Poder Imperial para a missão de derrotar a generosa Revolução Liberal de 1842. Sufocado o movimento, Caxias assegurou ao líder maior dos “luzias”, Teófilo Ottoni, a dignidade do ser humano e o direito a um julgamento imparcial. Absolvido das imputações de crime de lesa-majestade, Teófilo Ottoni brilharia, depois, por décadas, na cena política brasileira. A ele dirigiu-se Davi Canabarro para se aconselhar a respeito da continuidade ou não da Revolução Farroupilha. Dele ouviu a lição: “Somos liberais, mas antes de tudo somos brasileiros”! Anos mais tarde, já Senador do Império, instado a manifestar-se sobre a Guerra do Paraguai, o velho luzia preconizava a condução da peleja ao seu antagonista de tempos atrás. “Essa guerra só poderá ser vencida pelo Duque de Caxias!”

Devemos aprender, também, que a liberdade reinante na metrópole não necessariamente assegura as bênçãos da liberdade nos domínios ultramarinos. Thomas Jefferson registrou isso, com muita propriedade, na Declaração de Independência de 1776.

Se simplesmente tivesse ocorrido a nossa convolação de colônia portuguesa em holandesa, por certo estaríamos a padecer de percalços institucionais e dificuldades socioeconômicas que, ainda hoje, estão a obstaculizar o pleno desenvolvimento, por exemplo, da Indonésia e do Suriname.

É preciso que se consigne, de toda forma, que a vitória em Guararapes foi a vitória de um movimento nativista. Equivoca-se quem pensa que aquela luta foi conduzida pelos portugueses. A restauração ainda engatinhava, o poder central lusitano ainda não se rearticulara plenamente. Não custa lembrar que, poucos anos antes, no planalto de Piratininga, Amador Bueno fora aclamado pelo povo como “Rei de São Paulo”.

As honras de Guararapes não são atribuídas a D. João IV, o Restaurador, mas a Henrique Dias, Felipe Camarão e Antonio Dias Cardoso, verdadeiros arquétipos do povo brasileiro.

Sr. Presidente, folga-nos hoje reconhecer o compromisso do Exército Brasileiro, como de resto de nossas Forças Armadas, com o Estado Democrático de Direito que, consoante com nossa Constituição, tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade do ser humano, os valores sociais do trabalho, o da livre iniciativa e o pluralismo político.

Lutamos para que o povo brasileiro, livremente, insculpisse esses princípios em nosso Estatuto Político Republicano.

Sem liberdade, como já assinalamos, não pode haver desenvolvimento. Queremos a liberdade para, por ela, obter as notórias bênçãos de um regime de franquias. Esse é o maior interesse estratégico dos brasileiros. Para isso, é preciso considerar que não podemos prescindir, também, de uma política de defesa consistente. Procedia a locução de Eduardo Gomes, repetindo Edmund Burke, quando afirmava que “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Não se mantêm livres e soberanas as comunidades políticas que negligenciam quanto à dimensão da dissuasão estratégica na defesa de seus interesses.

Essa desídia poderá ser prejudicial aos interesses do País no momento da decisão - porque, tecnicamente, a força militar deve ser preparada para a defesa de tais interesses onde eles estiverem ameaçados.

Ora, a implementação de política de defesa consistente e a criação de capacidade dissuasória adequada ao nosso destino e à grandeza do Brasil requerem, necessariamente, o reaparelhamento e treinamento adequados das Forças Armadas do nosso País. Apesar de nossos inarredáveis compromissos constitucionais com a defesa da paz e a solução pacífica dos conflitos, o Brasil não renunciou e jamais poderá renunciar a ter força convencional ágil, profissional e capaz de promover a dissuasão estratégica. Trata-se de condição sine qua non para um País que reúne os elementos necessários para tornar-se uma grande liderança regional e para constituir um espaço geopolítico próprio.

Dentro dessa perspectiva, especial ênfase deve ser dada à questão remuneratória das Forças Armadas, pois um Exército profissional tem de ter rendimentos compatíveis com as suas tarefas e responsabilidades, respeitados os limites impostos pelas atuais restrições orçamentárias. Uma política de razoável revisão dos patamares remuneratórios das Forças Armadas não deve ser encarada como um antídoto contra a “cólera das legiões”, como dizia o centurião romano Marcus Flavinius, mas sim como um investimento necessário em soberania nacional.

Ademais, o Governo tem também de se esforçar para assegurar a continuidade de projetos estratégicos da alta relevância para o País, desenvolvidos no âmbito das três Armas, buscando otimizar recursos, revisitar doutrinas e criar sinergias, sobretudo no que pertine ao desenvolvimento tecnológico, sob a coordenação do Ministério da Defesa.

Mas, além de fazer investimentos imprescindíveis no reaparelhamento e reformatação das Forças Armadas e na manutenção de programas de relevância estratégica, é necessário que o Estado não compactue com o desvirtuamento das funções de defesa.

Sabemos que, há muito tempo, pressiona-se para que as forças armadas dos países latino-americanos se engajem na luta contra o narcotráfico e o crime organizado. O agravamento da violência urbana aumenta o clamor por essa mudança de orientação institucional. Ora, a função precípua das Forças Armadas, determinada constitucionalmente, é a defesa da Pátria, especialmente de seu território. A defesa da lei e da ordem, embora admitida constitucionalmente, deve ser encarada como situação excepcional e ancilar, em que paire grave ameaça aos poderes constitucionais e à soberania nacional.

Seguramente, o estamento político haverá de encontrar soluções para o crítico quadro de insegurança pública, especialmente em nossas regiões metropolitanas, que prescindam do envolvimento direto e cotidiano das Forças Armadas.

Há indícios de que o engajamento de alguns exércitos latino-americanos na “guerra contra o narcotráfico” produziu resultados opostos aos esperados e levou a corrupção do “dinheiro sujo” aos praças e ao oficialato.

Na verdade, vêm de longe as pressões para o desvirtuamento da defesa nacional. Ao final do Império, o regime monarquista demandou que os militares fossem usados para conter rebeliões nas senzalas e para buscar escravos fujões, fazendo o papel dos tristemente famosos “capitães-do-mato”. Deodoro da Fonseca encerrou a questão ao afirmar: “Não nos dêem tais ordens porque não as cumpriremos!”

Embora as Forças Armadas também desempenhem as chamadas “missões subsidiárias” de assistência a populações e regiões em situações de vulnerabilidade, é preciso levar em consideração que, por definição, tais missões não podem ter centralidade na defesa nacional.

O Governo Lula - que vem recuperando a soberania nacional mediante uma política externa ousada - tem de complementar esse esforço com uma política de defesa consistente, que permita a construção da dissuasão estratégica. Sem esta dissuasão, a recuperação da soberania será apenas parcial, pois ela não pode basear-se somente na persuasão diplomática.

Para tanto, precisamos de força militar ágil, moderna, bem aparelhada e adequadamente remunerada. Concomitantemente, necessitamos manter os já mencionados projetos estratégicos para a defesa nacional e para o nosso desenvolvimento científico-tecnológico.

Espero, Srªs e Srs. Senadores, que o Congresso Nacional logre avançar na construção de uma “cultura estratégica” que possa contribuir com esse esforço, debatendo com mais profundidade as grandes questões atinentes à soberania e à defesa nacionais.

Ao concluir minha homenagem ao Exército Brasileiro, quero aqui lembrar as sábias palavras de um insuspeito político, cuja carreira foi marcada por contenciosos com a comunidade castrense. Refiro-me a Rui Barbosa, para quem “a fragilidade dos meios de resistência de um povo acorda nos vizinhos mais benévolos veleidades inopinadas, converte contra ele os desinteressados em ambiciosos, os fracos em fortes, os mansos em agressivos”.

Saúdo o Exército Brasileiro. Parabéns pelo trabalho. Parabéns pelo seu dia.

Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer. (Palmas.)

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/2007 - Página 11482