Discurso durante a 63ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre possível decisão a ser adotada hoje pelo Governo Lula, a respeito de licenciamento compulsório de um medicamento para tratamento da Aids, que é hoje produto sob patente do laboratório Merck-Sharp & Dohme.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Reflexão sobre possível decisão a ser adotada hoje pelo Governo Lula, a respeito de licenciamento compulsório de um medicamento para tratamento da Aids, que é hoje produto sob patente do laboratório Merck-Sharp & Dohme.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 05/05/2007 - Página 13499
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPRENSA, DIVULGAÇÃO, POSSIBILIDADE, GOVERNO FEDERAL, DECISÃO, LICENCIAMENTO, MEDICAMENTOS, TRATAMENTO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), PUBLICAÇÃO, Diário Oficial da União (DOU), JUSTIFICAÇÃO, NECESSIDADE PUBLICA, QUEBRA, PATENTE DE REGISTRO, APOIO, CONDUTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INVESTIMENTO, INCENTIVO, PESQUISA TECNOLOGICA, ENSINO SUPERIOR, FARMACOLOGIA, RECUPERAÇÃO, INDUSTRIA FARMACEUTICA, BRASIL.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEMONSTRAÇÃO, PREJUIZO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), SUPERIORIDADE, GASTOS PUBLICOS, IMPORTAÇÃO, MEDICAMENTOS, EMPRESA MULTINACIONAL, CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, OMISSÃO, ASSISTENCIA, CENTRAL DE MEDICAMENTOS (CEME), AUTO SUFICIENCIA, INDUSTRIA FARMACEUTICA, ANALISE, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, FAVORECIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, NECESSIDADE, MELHORIA, DEFESA, INVESTIMENTO, PARQUE INDUSTRIAL, PRODUTO NACIONAL.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, caro Senador Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, trago uma reflexão sobre decisão importante que o Governo do Presidente Lula deverá tomar no dia de hoje.

A imprensa noticia que é possível que o Governo decida sobre o licenciamento compulsório de um medicamento para o tratamento da Aids, que é hoje produto sob patente de um laboratório chamado Merck-Sharp & Dohme, que explora esse produto no Brasil e no mundo, e o nosso País não tem outra fonte de aquisição do remédio a não ser comprar da própria empresa Merck-Sharp & Dohme.

O Governo brasileiro, há uma semana, como mandam as normas jurídicas vigentes sobre o comércio de medicamentos, lançou o reconhecimento formal no Diário Oficial da União dizendo que se trata de medicamento de interesse público, e esse é o primeiro passo que antecipa uma decisão sobre quebra de patente, ou seja, o chamado “licenciamento compulsório” - é quase a mesma coisa.

A revista Carta Capital traz em sua capa um título muito importante que diz que o Brasil é refém da indústria de remédios hoje. Os medicamentos têm um custo, em média, sete vezes maior do que em outros países. Isso provoca uma situação muito grave e muito preocupante, porque a assistência farmacêutica brasileira pressupõe um direito elementar da cidadania, expresso na Constituição Federal, sob o manto dos direitos e deveres do País, entre os quais o direito que cada cidadão brasileiro tem de adquirir medicamentos para o tratamento de saúde, para a prevenção de doenças e para o controle de suas doenças.

Infelizmente, vivemos esse drama, que vem se arrastando há muitos anos no Brasil: de um lado, a chamada autoridade intelectual das empresas multinacionais em relação aos produtos farmacêuticos que são comercializados em nosso País; do outro, o direito da população de ter acesso ao medicamento. O resultado é que, com a chamada Lei do Tratamento da Aids, de autoria do Senador José Sarney, no ano de 1997, tivemos um orçamento a mais para o Ministério da Saúde, que, hoje, já registra R$1 bilhão de gasto anual apenas com medicamentos para o tratamento da Aids. Este é o drama que o Brasil vive hoje. Apesar do orçamento exíguo do Ministério da Saúde, foram trazidas compensações efetivas: o aumento da sobrevida dos doentes e a redução da transmissão da doença, garantindo qualidade de vida definitiva para os portadores da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.

Então, com esse medicamento, que é o ponto de litígio com a empresa Merck-Sharp & Dohme, chamado Efavirenz, 75 mil brasileiros, até o mês de dezembro deste ano, estarão comprando e usando regularmente esse medicamento. Isso tem um significado muito expressivo, porque estamos falando de 42% dos pacientes vítimas da Aids. E, quando olhamos o custo desse medicamento, observamos que ele está sendo vendido por US$1,50 o comprimido para o Governo do nosso País, enquanto, na Tailândia, é vendido a US$0,65. Essa, a razão que inquieta o Governo brasileiro, que se sente refém da patente que a Merck-Sharp & Dohme detém, explorando a venda do medicamento por um preço exorbitante. A empresa iniciou a negociação propondo uma redução de 2% do custo do medicamento e evoluiu para uma proposta de 30%. O Governo, por sua vez, acha insuficiente e apela para uma redução de 70%.

Somado a isso, temos a memória desse debate. No Governo Fernando Henrique Cardoso, o então Ministro José Serra viveu esse problema com o medicamento antiretroviral e estabeleceu uma ameaça iminente do licenciamento compulsório, garantindo o direito de o Governo brasileiro produzir e adquirir de outras fontes o produto. A empresa em questão à época, a Roche, entabulou uma negociação e reduziu em 42% o valor do medicamento, e não houve o licenciamento compulsório.

Temos outros medicamentos sendo questionados da mesma forma. Outros países têm rompido com a tradição de respeito ao licenciamento adquirido pela chamada Lei de Patentes para as empresas, como a China e a Índia, que são eximias em quebrar patentes e ter uma política própria de produção e venda de medicamentos.

No meio disso está o Brasil, que não produz fármacos, com uma indústria completamente obsoleta, incipiente em termos de evolução tecnológica e em capacidade de atender à demanda de consumo no Brasil. Nosso País não priorizou, conforme determinava a Constituição Federal, sua auto-suficiência na parte tecnológica e na produção de fármacos para atender à política nacional de assistência medicamentosa no Brasil. Isso gerou esse caos.

Por outro lado, tivemos a Lei de Patentes, de 1996, o marco definitivo de proteção à industria internacional, quando esta se assenta seus produtos no mercado brasileiro, subordinado evidentemente a normas da Organização Mundial do Comércio.

Outro momento marcante foi o recurso utilizado pelo então Ministro José Serra, os chamados genéricos. Foi um recurso necessário em um primeiro momento, porque reduziu em até 30% o preço dos medicamentos. Mas, ao mesmo tempo, fez com que a indústria nacional, que emergia para uma escala maior de produção, ficasse refém do custo de importados da Índia, da China e de outros países asiáticos, com a entrada da matéria-prima de baixo custo, dificultando em demasia a capacidade competitiva brasileira.

Então, esses dois marcos foram importantes e inevitáveis, mas, ao mesmo tempo, trouxeram, em conseqüência, mais uma inibição na consolidação do parque tecnológico e de produção nacional de fármacos no Brasil.

Esse é um drama que estamos vivendo hoje. E o Ministro Temporão, de maneira muito consistente, diz que a pesquisa básica brasileira foi abandonada, o desenvolvimento tecnológico foi atrofiado, não há investimento do Governo e não houve pactuação com o setor privado para investimento. Deveria haver uma diretriz estratégica do Governo brasileiro no sentido da sua auto-suficiência e para a participação de um mercado que rende muitos milhões de dólares. Senador Mão Santa, a compra de insumos no Ministério da Saúde é da ordem de US$11 bilhões, todos os anos. É um mercado vivo e seguro, em que qualquer um que produz passará a ter direito. E o Brasil não consegue se organizar para entrar na área da produção industrial em larga escala, com suporte tecnológico definitivo, com competitividade e gerar seu próprio parque industrial na área de medicamentos.

E o resultado é este: o Governo cai no pior dos caminhos, o de ser refém de uma luta em que tem de se valer de licenciamento compulsório, com quebra ou não de patentes, o que impõe uma reação da indústria multinacional.

O fato é que o Brasil precisa despertar como nunca para esse debate. Precisa estar à altura do seu tempo e precisa ter como prioridade, não só estratégica, mas política, um investimento orçamentário que assegure um percentual mínimo para o fortalecimento da indústria medicamentosa.

O BNDES abriu uma linha de crédito que não chega a R$3 bilhões ainda em termos de consolidação, porque é amarrada aos entraves burocráticos e ao debate sobre superávit primário e despesas correntes, que travam muito o financiamento para que o setor produtivo possa incrementar a auto-suficiência nacional na indústria de fármacos e nos insumos.

Concedo um aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PFL - PI) - Senador Tião Viana, é uma benção a todo o País V. Exª ser um Senador e ligado à ciência médica, por amor, por vocação. V. Exª é um professor do qual todos nos orgulhamos. Senador, está vendo este livrinho de Shakespeare? Eu andava com um livrinho deste tamanho que era o memento da Ceme - Central de Medicamentos. Fiz Medicina; estou formado há quarenta anos, trabalhava em Santa Casa. Sou médico cirurgião do antigo INPS. Senador Tião Viana, eu vivia com um livrinho desses no bolso, era o memento da Ceme. E ali havia medicamento para os pobres - e eu sempre me dediquei ao trabalho em Santas Casas. Foi no Governo Sarney que a criaram, e o Temporão trabalhou nisso. No Governo passado, como havia corrupção, fecharam a Ceme. Mas a Ceme comprava medicamentos de várias indústrias farmacêuticas brasileiras, de Pernambuco e de outros Estados. Eu vivi isso à época. Então, foi uma perda. O Brasil evoluiu no tratamento da Aids. Chegamos a essa conquista com muitos especialistas, sanitaristas e estudiosos de doenças infecto-contagiosas, como Veronese, Carlos Chagas, Samuel Pessoa, Alencar, Aragão, até chegarmos a Tião Viana. Foi um avanço, mas houve retrocessos. O Temporão não tem responsabilidade sobre isto, porque entrou agora no Ministério, mas a dengue outro dia estava no Mato Grosso e agora está no Piauí. Na minha Parnaíba, está morrendo gente de dengue. Meu filho teve dengue hemorrágica; foi para a UTI. Está bem, porque os médicos são bons. Então, temos esses problemas. Houve melhora na saúde familiar, mas houve piora na tabela dos procedimentos do INSS. Não se faz mais uma cirurgia pelo INSS; não existe, pois a tabela está defasada. Sou cirurgião e convivo com esses problemas. Tem procedimento de anestesia a R$9,00. Então, não dá. Estamos confiando. Peço a V. Exª, com sua influência de médico, de sanitarista, e ao nosso Ministro Temporão, que é do nosso Partido, que nos ajudem a tirar o dengue do Piauí. Já que tem muita confusão lá, tem até o PT, vamos tirar o dengue primeiro.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço a V. Exª, Senador Mão Santa, que desperta um ponto importante do debate sobre a assistência farmacêutica no Brasil quando se reporta à nossa Ceme - Central de Medicamentos. Era um patrimônio nacional, um patrimônio do Ministério da Saúde e, que, lamentavelmente, sofreu desconsideração política no Governo passado e, por essa razão, foi extinta. O Governo Fernando Henrique não entendeu sua importância estratégica para uma política de auto-suficiência, principalmente na chamada cesta básica de medicamentos para as populações pobres.

Uma substituição, relativamente à Ceme, foi a nossa Farmácia Popular, que ainda não é suficiente, embora seja um grande passo dado pelo Governo do Presidente Lula.

O fato é que não há uma política de assistência farmacêutica sustentável que tenha como propósito cumprir as normas constitucionais e o desafio constitucional de garantir auto-suficiência em termo de tecnologia, produção, comercialização e assistência de produtos farmacêuticos no Brasil.

Grande parte da população não tem acesso aos medicamentos básicos brasileiros. A Fundação Oswaldo Cruz, que é uma matriz industrial para a produção e auto-suficiência de fármacos no Brasil, é completamente insuficiente, embora mereça todo o apoio do Governo brasileiro e da sociedade para sua edificação e ampliação. E a sociedade privada, que pode entrar nesse mercado, não despertou para ele, porque não encontra uma política de fomento bem definida por parte do Poder instituído.

Então, esse debate está posto. Entendo que a decisão a ser tomada pelo Governo brasileiro tem de ser apoiada, seja ela qual for: ou a negociação do preço, que ocorrerá nas próximas horas, ou a possibilidade do licenciamento compulsório para o Governo brasileiro importar, a custo mais barato, essa droga contra a Aids. Todavia, isso não vai resolver a questão, Sr. Presidente. É preciso que se faça uma retomada de prioridade em relação ao assunto que diz respeito à assistência farmacêutica no Brasil.

Vale lembrar mais uma vez: nosso País gasta, só no orçamento do Ministério da Saúde, US$11 bilhões com insumos ligados à política de atendimento à saúde na área de consumo direto, medicamentos e outros itens indiretos. É um valor muito alto para um mercado que importa quase tudo das multinacionais.

O melhor seria uma repactuação com as empresas multinacionais, para que elas entrem, de maneira firme, com plantas industriais em nosso País, fortalecendo a indústria brasileira e consolidando indústrias como a Fiocruz, que, hoje, esforça-se muito para alcançar um lugar de excelência na contribuição para uma política de medicamentos em nosso País.

O que eu tinha a dizer era confirmar o respeito ao Governo brasileiro e ao Ministério da Saúde pela decisão que é tomada hoje. O Ministro Temporão está absolutamente certo em dizer que foi o abandono histórico do parque tecnológico, o abandono da pesquisa básica que gerou esse ambiente. O Governo do Presidente Lula, por sua vez, recupera a formação do conhecimento na área de ensino superior. Temos mais de 50 mil doutores sendo formados em curto período, o que é suficiente para uma reorientação da pesquisa básica e do implemento tecnológico para a indústria farmacêutica no Brasil. Mas, infelizmente, falta definição direta e objetiva do financiamento assegurado e pactuação com o setor produtivo deste País.

Era o que eu tinha a dizer. Entendo que será uma decisão importante e corajosa essa que o Governo brasileiro tomará nas próximas horas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/05/2007 - Página 13499