Discurso durante a 68ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da participação de S.Exa. na instalação do Parlamento do Mercosul, realizado em Montevidéu, Uruguai. Análise da relação entre o Brasil e a Bolívia, destacando o acordo firmado em torno da Petrobras.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). POLITICA EXTERNA. POLITICA ENERGETICA.:
  • Registro da participação de S.Exa. na instalação do Parlamento do Mercosul, realizado em Montevidéu, Uruguai. Análise da relação entre o Brasil e a Bolívia, destacando o acordo firmado em torno da Petrobras.
Aparteantes
Geraldo Mesquita Júnior, Heráclito Fortes, José Agripino, Valter Pereira.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2007 - Página 14239
Assunto
Outros > MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). POLITICA EXTERNA. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • AGRADECIMENTO, SENADO, INDICAÇÃO, ORADOR, PARTICIPAÇÃO, PARLAMENTO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • IMPORTANCIA, ESTADOS MEMBROS, INSTALAÇÃO, PARLAMENTO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), CONTENÇÃO, PROBLEMA, RELAÇÕES DIPLOMATICAS, PAIS ESTRANGEIRO, URUGUAI, ARGENTINA, BOLIVIA, BRASIL, ANUNCIO, GRUPO, REALIZAÇÃO, ELEIÇÃO DIRETA, ESCOLHA, DEPUTADOS.
  • ANALISE, GRAVIDADE, CRISE, NATUREZA POLITICA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, EXISTENCIA, GRUPO, REIVINDICAÇÃO, CONSTITUIÇÃO ESTRANGEIRA, GARANTIA, AUTONOMIA, GOVERNO, AMEAÇA, SEPARAÇÃO, TERRITORIO, RISCOS, REALIZAÇÃO, GUERRA CIVIL, PREJUIZO, SEGURANÇA, FRONTEIRA, BRASIL, SOLICITAÇÃO, SENADO, CRIAÇÃO, COMISSÃO, ACOMPANHAMENTO, PROBLEMA, POLITICA INTERNACIONAL, NECESSIDADE, GOVERNO BRASILEIRO, APERFEIÇOAMENTO, POLITICA EXTERNA, DEFESA, INTERESSE NACIONAL.
  • URGENCIA, BRASIL, SOLUÇÃO, PROBLEMA, DEPENDENCIA, IMPORTAÇÃO, GAS NATURAL, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, SUGESTÃO, GOVERNO BRASILEIRO, REDUÇÃO, INVESTIMENTO.
  • NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, INICIO, IMPORTAÇÃO, GAS NATURAL, PAIS ESTRANGEIRO, ARGELIA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Presidente Mão Santa.

Srs. Senadores, Sr. Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, Heráclito Fortes, que, para mim, é muito oportuno que esteja aqui, pelo assunto que eu quero tratar - na verdade, é um assunto entrando em outro. Primeiro, agradeço ao meu Partido, ao Senador Jefferson Péres, meu Líder, ao Senador Sérgio Zambiasi, ao Senador Renan Calheiros e ao Senado por terem me indicado como um dos oito Senadores que fazem parte do Parlamento do Mercosul. Somos oito Senadores e oito Deputados por cada um dos quatro países, entre os quais a Venezuela, que não é membro-efetivo, mas tem assentos nesse Parlamento, que se reuniu, pela primeira vez, na segunda-feira e na terça-feira de manhã.

Eu vejo até muitas críticas sobre tudo isso, mas quero dizer que fiz, com muita satisfação, o esforço de pegar um avião às 3 horas da madrugada em Porto Alegre, chegar ao centro de Montevidéu mais de cinco horas da manhã, para, no outro dia, já ter reunião nossa da bancada brasileira logo de manhã. À tarde desse mesmo dia tivemos reunião da bancada e tomamos posse como Deputados do Mercosul. No outro dia, pela manhã, trabalhamos duro para resolver os primeiros assuntos, criar as comissões que vão elaborar os diversos regimentos, eleger o presidente que ficará até julho e, daí, corremos para o aeroporto para estarmos aqui na quarta-feira de manhã - nós chegamos aqui na madrugada de quarta-feira.

Apesar das críticas pelos gastos que foram feitos, creio que se tivéssemos realizado esse Parlamento do Mercosul anos atrás, Senador Heráclito Fortes e Senador Mão Santa, poderíamos estar evitando alguns problemas na América Latina.

Vi, por exemplo, como não se trataram com muita efusão os Deputados representantes da Argentina e os Deputados representantes do Uruguai, por causa de um sério conflito - um sério conflito - que existe hoje, por conta da construção de uma fábrica na margem do rio da Prata, do lado do Uruguai, e que, provavelmente, vai poluir uma parte do rio, em se tratando de uma planta química de produção de matéria-prima para a fabricação de papel.

Se o Mercosul Parlamento existisse algum tempo atrás, era bem possível que os Parlamentares, parlamentando, tivessem encontrado uma solução para este problema: seja não fazendo a fábrica, seja fazendo com compensações, seja fazendo com proteção ambiental.

Demorou-se a criar o Parlamento. Felizmente, ele está criado.

Em 2010, haverá eleição direta para escolher os Deputados do Mercosul. Cada país vai eleger seus Deputados com o voto direto e não com a indicação, como eu e os sete colegas do Senado brasileiro fomos escolhidos desta vez. Aí vai haver uma grande legitimidade de diluir conflitos.

É sobre isto que quero falar aqui: o risco que vivemos diante da grave crise que atravessa a Bolívia. Estamos lendo o que acontece na Bolívia do ponto de vista das relações desse país com a Petrobras, mas é algo muito mais profundo, muito mais profundo.

Hoje parece que foi resolvido o assunto da Petrobras com o Governo boliviano. Hoje de manhã ouvi o Ministro das Minas e Energia dizer que foi um resultado satisfatório para as duas partes. Não vou entrar no juízo se foi ou não satisfatório. Digo, alto e bom som, que fico satisfeito que esse assunto tenha sido resolvido e, sinceramente, parabenizo o Governo do Presidente Lula por ter-se comportado com a frieza necessária, porque, em alguns momentos, quando se viu o Presidente Evo Morales e seu governo estatizando as instalações brasileiras, que custaram uma fortuna à Petrobras, muitos quiseram posições firmes, radicais, decisivas, imediatas da parte do Governo brasileiro.

O Itamaraty, cuidadosamente, negociou. A Petrobras, cuidadosamente, negociou. E, juntos, foi possível chegar a um acordo. Fico feliz porque o acordo facilita o Brasil ficar alerta e tentar, em defesa dos interesses brasileiros, ajudar aquele país a resolver a crise que vive.

As informações que tenho, Sr. Presidente, são, sobretudo, graças a uma entidade chamada Arko América Latina, que analisa as relações dos países latino-americanos e a situação de cada um deles. E o que eles me passam é de deixar o Brasil extremamente preocupado. Os grupos da chamada Meia Lua, que é uma parte sul que vai até o oeste da Bolívia, essa parte que é mais rica, essa parte que tem o gás, essa parte está se encaminhando para dar um ultimato, dizendo que, se até agosto, quando terminam os trabalhos da constituinte, a nova constituição não prever um país binacional - uma aliança de dois países, e não de um país só -, se não autorizar autonomia a essa Meia Lua que vai de Tarija até Santa Cruz, eles declarar-se-ão independentes.

Ou seja, as informações que a gente recebe são de que está em andamento um movimento que exige, ou a divisão do país em dois países que se cooperariam, com o mesmo presidente, mas com finanças separadas, com parlamentos, até, separados; ou haveria uma guerra de secessão, porque isso não será conseguido, muito provavelmente, de uma forma pacífica. E tudo indica que a constituição nova não vai aceitar a idéia da binacionalidade, como nós no Brasil não aceitaríamos também, se houvesse pressão de São Paulo, de repente, para fazer com que o Brasil fosse uma Nação em que houvesse o resto e São Paulo.

           Dois países ligados, mas não um só país. Quando a constituição for aprovada, não prevendo essa realidade, se for adiante essa decisão da parte rica - que não é só rica; etnicamente há uma diferença grande entre essa parte da planície e a parte do altiplano: até se falam idiomas diferentes -, se houver a secessão, se declararem, como a informação que eu tive através da Arko América Latina, a existência dessa república que já chamam de República Camba (camba é a maneira como se tratam as pessoas da planície, “os cambas”, enquanto que os do altiplano são “os koyas”), se eles criarem isso, se derem o grito, imaginem o que vai acontecer depois?

É óbvio que o Presidente que foi eleito pela maioria dos bolivianos, que tem o parlamento funcionando, que tem uma estrutura e que tem o exército com ele, não vai deixar essa secessão ser feita à toa. E aí essa parte de baixo diz que já tem, segundo as informações da Arko, quinze mil milicianos prontos para fazer uma guerra, se for preciso, contra o exército. E o exército pode se dividir. E o que vai acontecer? Há um acordo do Governo boliviano com o Governo venezuelano. É óbvio que a Venezuela vai entrar nesse processo, e é claro que a parte do sul os Estados Unidos vão apoiar também. E aí? Como vai ficar o Brasil com uma guerra civil na nossa fronteira? Imaginem o que vai acontecer logo em seguida: duzentos mil, trezentos mil bolivianos fugindo da guerra e vindo em direção ao Brasil? E o que vamos fazer? Vamos virar a Jordânia em relação ao Iraque, o qual hoje tem mais de um milhão de refugiados iraquianos? Vamos receber? Vamos impedir que eles entrem?

As relações e a crise do Governo boliviano com a Petrobras é algo mínimo diante do risco que corremos, Senador Geraldo Mesquita, do que pode acontecer na Bolívia se for adiante esse clima de conflito. E eu falava, Senador Geraldo, da importância do Parlamento do Mercosul. Se hoje houvesse um parlamento latino-americano de fato, com parlamentares inclusive eleitos diretamente, esse assunto da Bolívia estaria sendo tratado. Haveria acordo certamente entre parlamentares venezuelanos, brasileiros, bolivianos, argentinos, uruguaios e poderíamos sair dessa realidade interna da Bolívia numa grande discussão irmanada de todos os povos da América Latina. Daí a importância que eu falava do Parlamento do Mercosul. E só lamento que tenha esperado tanto para ser criado. Se ele já existisse há 10 anos, poderíamos hoje ter resolvido o problema do conflito entre o Uruguai e a Argentina por causa da fábrica que eles estão construindo.

Mas não há o parlamento latino-americano nesse sentido de representação. Existe uma entidade, mas uma entidade como uma associação. E já que não existe, quero chamar a atenção do Senado, da Comissão de Relações Exteriores, que já tomou a iniciativa de discutir a situação da Bolívia e que ontem fez a primeira audiência, e fará outra na próxima quinta-feira, para que esta Casa não fique alheia.

A minha sugestão, Sr. Presidente, é de que V. Exª acate uma sugestão que faço e a leve ao Presidente Renan e ao Presidente Heráclito Fortes. Obviamente, teria que ser a parte forte ou coordenadora disso, para que criemos uma comissão de acompanhamento do que hoje acontece naquele país irmão, para colaborar, não para negociar os acordos entre a Petrobras e a Bolívia. Não. Isso eles fazem e o Governo brasileiro faz.

Sim, Senador Heráclito, V. Exª é a figura-chave disso. Eu disse que era a figura forte. Parece até uma brincadeira, mas não é. Saiu sem querer. V. Exª seria a pessoa-chave. O Senado precisa ter uma comissão ou a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, com o aval do Presidente, que passe a acompanhar o que acontece ali.

Tem prazo marcado. É agosto deste ano, quando terminarem os trabalhos da constituinte. Aquele país pode entrar numa tranqüilidade ou em uma grave crise que vai envolver o Brasil, sem dúvida alguma; geograficamente, pela vinda de milhares ou centenas de milhares de refugiados. Por razões militares, se houver um conflito armado dentro da Bolívia que envolva outros países, como a Venezuela e os Estados Unidos, o que vamos fazer? Assistir a isso calados, de olhos fechados? Não seria bom. Entrar nessa briga? Pior ainda. Esperar que aconteça? Creio que precisamos ficar alerta. Temos sido sempre surpreendidos com as coisas que vêm do Poder Executivo. Creio que é hora de nos adiantarmos, estarmos presentes e alerta. Vamos conversar, inclusive com esses senhores que estão descontentes em Santa Cruz de la Sierra, onde é o centro dos processos e discussões. Vamos conversar com eles, obviamente de forma franca, aberta e com o conhecimento do Governo. Nada por debaixo do pano e sem o conhecimento do Governo, e se for para ajudar, não para atrapalhar.

Vamos conversar com o Presidente legítimo que a Bolívia tem, eleito pela população, que é o Presidente Evo Morales. E, democraticamente, não se pode fazer nada sem respeitar o Presidente eleito. Vamos criar um grupo de estudos para acompanhar quase que dia a dia o que está acontecendo, porque o pior que pode ocorrer é a surpresa, como na situação em que fomos surpreendidos diante das ingenuidades da estatização das instalações da Petrobras.

O Presidente Evo Morales cumpriu o que prometeu na campanha. É que, no Brasil, estamos tão desacostumados a cumprir o que prometemos em campanha, que todo mundo achava que o Presidente Evo Morales não ia cumprir o que prometeu. Ele cumpriu e está defendendo os interesses do seu país. Creio que talvez esteja agindo de forma equivocada a médio prazo, porque vai assustar capitais. O próprio Brasil não vai querer mais investir na Bolívia com a vontade que tinha. Creio que, a médio prazo, pode ser até contra os interesses da Bolívia, mas cada país tem direito de cometer os seus erros. E nenhum outro país tem o direito de se meter e intervir no país. Podemos intervir quando os erros são cometidos autoritariamente por ditadores. A Bolívia, ao que tudo indica, não tem ditadores. Já teve muitos; hoje não tem.

A Petrobras negocia a relação da Bolívia com a Petrobrás. O Governo cuida e, a meu ver, tem cuidado de uma maneira correta, sem passar do tom e sem ficar paralisado. O que não podemos é esperar que outros fatos muito mais graves do que a estatização de instalações da Petrobras nos surpreenda. Para isso é que não podemos ficar paralisados.

Volto a insistir antes de passar a palavra ao Senador Heráclito: felizmente V. Exª tomou a iniciativa, na Comissão que preside, de discutir esse assunto. Digo isso aqui porque ontem, diante da audiência que a minha Comissão de Educação vem fazendo a cada quinze dias, fui impedido de fazer esse pronunciamento por falta de tempo na Comissão de Relações Exteriores. Por isso, eu o faço, na presença do Presidente Heráclito Fortes, a quem dirijo essas sugestões, tanto quanto ao Senador Renan.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Cristovam, V. Exª falava, e eu aqui meditava: como é que o PT abre mão de um quadro como V. Exª? Esse seu discurso merece ser revisto e merece meditação por parte dos envolvidos nesse cenário. V. Exª foi preciso. V. Exª, em nenhum momento, demonstrou rancor ou ódio com relação ao Morales, apesar das hostilidades que ele tem feito ao nosso País. Quero dizer que o debate de ontem foi inspiração de V. Exª. Compreendi que V. Exª estava na sua Comissão em uma audiência pública. Daí por que prorroguei a discussão para a próxima semana. Eu acho que ela é da maior importância. Veja como é o destino. Há cerca de quinze dias, eu falava aqui com os jornalistas e lembrava um fato que tem ajudado muito o Lula: a sorte. Ô, homem de sorte! O Presidente Fernando Henrique fez o dever de casa. O Governo Lula está tirando, evidentemente, o proveito, os louros. Mas o Governo Fernando Henrique enfrentou o efeito tequila, o efeito tango, o efeito vodka, enfim, crise no mundo inteiro. Mas, graças a Deus, o mundo está nadando abraçado à política econômica e o Brasil está tirando proveito disso. Mas veja bem: temos que tomar providências porque essa questão do Sr. Evo Morales passou da conta. Há mais de ano, o Sr. Evo Morales tripudia no povo brasileiro. Esses fatos são lamentáveis porque nos trazem um desgaste interno e externo. Daí por que, Senador Cristovam Buarque, temos a obrigação, juntamente com a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que vai comandar esse processo, de discutir, de acompanhar e de trazer o Sr. Gabrielli e o Ministro das Minas e Energia para debaterem a grave questão. O Presidente Lula tem tanta sorte que, nessa questão, vai fazer com que a Oposição fique ao seu lado, porque temos que ficar ao lado do Brasil. Vamos protestar com relação à fraqueza do Governo, à omissão, às declarações desencontradas, mas temos o dever e a obrigação de ficar ao lado do Brasil. Este Governo passa; o Brasil permanece. E quem está lá, em risco, passando por todo o vexame, é o brasileiro, não é um governo eventual. Daí por que parabenizo V. Exª por esse pronunciamento. E estamos juntos na continuação dessa luta. Parabéns!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador, agradeço e concordo com V. Exª quando diz que o Presidente Lula é um homem de sorte. Agora, creio que é também um homem de bom senso por ter mantido a política econômica iniciada no Governo Fernando Henrique Cardoso, se houve um bom senso. Lamento é que não reconheçam que grande parte do êxito, Senador José Agripino, vem de fato das bases que foram construídas a partir de 1994, e que o PT - eu era Líder do PT - era contra tudo aquilo. Lembro que, quando eu disse: não vejo outra saída a não ser essa genial criação do Real, que vai trazer desemprego, é verdade, mas vai dar uma estabilidade que permitirá o crescimento depois, eu fui quase que escorraçado. Lembro que em 1998, na eleição, eu disse, em setembro, que, se eleito em 1998, Lula deveria manter o Malan por, pelo menos, cem dias. Aliás, as pessoas só lembram que eu falei do Malan. Foi mais grave: Malan e Gustavo Franco. Eu disse - como, aliás, defendo - que o Presidente do Banco Central não deve mudar na mesma data do Presidente da República. Eu defendo que o Presidente do Banco Central tem que ter mandato e o mandato não deve ser coincidente com o do Presidente; deve haver um interregno de, pelo menos, alguns meses para que não se mude a política monetária brincando com ela. Ela pertence ao País, ao Estado. Do mesmo jeito que a gente não muda a bandeira nem o hino, não tem que mudar a moeda levianamente.

Então, é uma questão de sorte, mas também de bom senso ao ter mantido, ainda que de ingratidão por não reconhecer que a base do projeto econômico do Governo Lula vem do Governo Fernando Henrique Cardoso. Então, é sorte, bom senso e falta de gratidão.

Dito isso, o que eu quero insistir em relação à Bolívia, Senador Heráclito, é que não devemos ficar indignados apenas - como temos razão de ficar diante do que faz o Governo boliviano -, mas olhar esse problema numa perspectiva de mais longo prazo. Daqui a mil anos é possível que a Petrobras não exista mais, mas as fronteiras do Brasil com a Bolívia vão existir. Nós somos condenados a conviver com a Bolívia e com os outros países vizinhos. Aliás, com a globalização, nós somos condenados a conviver com todos os países do mundo, e não adianta querer imaginar que a gente faz o que quiser. Recentemente, o último país que acreditou que fazia o que podia foram os Estados Unidos, ao intervirem no Iraque, mas não estão se dando bem lá.

Nós vamos ter de conviver com a Bolívia. Para isso, precisamos elaborar uma política externa capaz de superar essas dificuldades pontuais, embora graves, e de manter a boa relação com aquele país. Essa boa relação, Senador José Agripino, vai exigir que colaboremos da melhor forma possível, defendendo os interesses do Brasil de hoje, mas, ao mesmo tempo, não deixando que ocorram na Bolívia - se pudermos ajudar - tragédias que não apenas serão ruins porque afetarão um país vizinho e irmão, mas também porque se espalharão pelo Brasil, como é o caso de uma guerra civil, que não está longe de ocorrer naquele país, provocando a secessão de 70% do território, ou seja, a parte rica onde está o gás, dos 30% do Altiplano onde não há riqueza.

As regiões sul e leste reclamam, porque o gás está naquela área, mas o dinheiro não, haja vista que o governo seqüestra esse dinheiro sob a forma de impostos. Eles querem se apropriar disso, mas o país é um só. Eles precisam descobrir como distribuir federativamente esses recursos. Eu dizia há pouco, segundo informações que me deram as pessoas da Arko América Latina, que há um prazo estipulado até agosto. Se a constituição não entrar em vigor, criando um país binacional que respeite os direitos separados de cada região, as regiões sul e leste se separariam, formando o que eles chamam de Meia Lua do território, com 70% de área e mais do que isso de riqueza, criando a chamada Nação Camba - até o nome está escolhido -, que já possui 15 mil homens armados, uma tropa que, segundo eles, pode chegar a 400 mil. E Evo Morales diz que o Exército pode chegar, se não me engano, a um milhão de pessoas.

Isso ocorrendo na fronteira com o Brasil é talvez a maior das tragédias que já vimos nas Relações Exteriores. Temos, pelo menos, que ficar alerta mesmo se não pudermos influir para não sermos surpreendidos, como foi o caso da Petrobras.

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Ouço, primeiro, o Senador Geraldo Mesquita Júnior, que me solicitou o aparte antes. Depois, concederei o aparte com o maior prazer a V. Exª, Senador José Agripino.

O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - AC) - Caro amigo Senador Cristovam Buarque, quero juntar-me a V. Exª primeiramente no lamento em razão do fato de o Parlamento do Mercosul estar instalando-se só agora e não há dez anos, como disse V. Exª em seu discurso. Realmente, se esse fato houvesse ocorrido há mais tempo, teríamos um fórum regional legislativo adequado em que poderíamos tratar de questões tão turbulentas como esta que V. Exª está trazendo: a da Bolívia. Para ilustrar o que V. Exª diz com fatos, eu estava lembrando, enquanto V. Exª falava, do meu tempo de criança no Acre, uma época em que, de seis em seis meses, golpes de Estado alteravam a relação de poder na Bolívia em nossa fronteira. O Acre ainda era pequeno naquele tempo. Em 24 horas, para V. Exª ter uma idéia, a própria capital, Rio Branco, era não invadida, mas ocupada por levas de bolivianos que fugiam daquele conflito, adentravam o território brasileiro pelo Acre, ali na fronteira, e chegavam até Rio Branco. Às vezes amanhecia e havia, na cidade, boliviano para todo lado. Hoje, a situação poderá ser de uma gravidade muito maior, porque não se tratará apenas de golpe de Estado entre chefetes; poderá eclodir naquele país, como V. Exª alerta, uma verdadeira guerra civil, de conseqüências inimagináveis. Então, faz bem V. Exª em provocar esse assunto. Qual é o foro que temos aqui? A nossa Comissão de Relações Exteriores. Devemos ampliar a discussão. Como V. Exª diz, não podemos intervir. Assim como não gostamos que ninguém dê picica e “pitaco” no que fazemos internamente no Brasil, não podemos ter o mesmo comportamento principalmente em relação aos países vizinhos. Mas isso não impede de nos colocarmos na posição de compartilhar com os nossos vizinhos as suas agruras, os seus sofrimentos, e de nos colocarmos em situação de poder ajudar. Se nós pudermos, de alguma forma, ajudar na reflexão, no encaminhamento de questões que são tão caras ao povo boliviano, acho que não nos podemos furtar a esse papel, Senador Buarque, e o parabenizo pela coragem de trazer um tema como esse, fazendo-o repercutir na Comissão de Relações Exteriores desta Casa. Espero que de lá possamos alçar vôo e, quem sabe, de alguma forma, estabelecer contato, uma ponte com o povo boliviano, nos colocando, nos disponibilizando para, se possível, ajudá-los no transcurso de um momento tão difícil e tão complicado que eles estão vivendo. Portanto, eu gostaria apenas de parabenizá-lo e de me associar às suas preocupações com relação a um assunto tão importante para o povo boliviano e para nós também.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço a V. Exª, Senador, até porque, como representante do Acre, sabe bem que nossas relações com a Bolívia têm problemas desde o passado. Vamos reconhecer isso! Da mesma forma que aos Estados Unidos não se perdoa que, hoje, a Califórnia, o Novo México e o Texas sejam territórios americanos, na Bolívia, ficou um resquício de sentimento negativo porque o Acre é parte do Brasil. Temos de reconhecer isso, até na hora de termos relações fraternas e respeitáveis uns com os outros.

Mas estamos condenados a conviver com a Bolívia e com os outros países vizinhos, mais até do que com o resto do mundo. Por isso, temos de estar alerta.

O Presidente Evo Morales tomou decisões que nos incomodam profundamente. Hoje, qualquer alternativa que não seja o Presidente cumprindo o seu mandato vai ser pior ainda para o Brasil.

Ouço o Senador José Agripino.

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Senador Cristovam, inicialmente, gostaria de fazer um registro da minha satisfação pessoal por vê-lo indicado - eu não sabia - como um dos nove Membros do Senado na representação do Parlamento Latino-Americano do Mercosul. Penso que V. Exª, com os conhecimentos que tem, poderá dar uma grande contribuição no aperfeiçoamento das relações entre os países do Cone Sul, entre os países do Mercosul, e já começa a fazê-lo com as observações que faz na sua recente viagem a Montevidéu para, creio eu, a primeira reunião do Parlamento Mercosul. E V. Exª faz observações sobre um conflito que já temos e sobre um conflito que pode haver. V. Exª sabe tanto ou mais do que eu que, na América do Sul, há dois países que não têm simpatia pelo Brasil - vamos ser claros: o Paraguai, pela guerra que perdeu, e a Bolívia, pelo território que foi obrigada a vender, o Acre. A relação do Brasil com o Uruguai é ótima, com o Equador, com a Colômbia, com a Venezuela, países que estimam os brasileiros, mas com a Bolívia e com o Paraguai há um ranço. É preciso que sejamos conscientes disso para que possamos avançar corretamente com as relações, se é que queremos avançar. Mas há um fenômeno novo que V. Exª sabe, tanto quanto eu, que está prejudicando as relações maduras. O Presidente Lula, em quem reconheço virtudes e defeitos, tem uma virtude: ele prosseguiu uma política econômica que já vinha sendo praticada, de controle de gastos. É verdade que criou muitos ministérios e faz despesas públicas desnecessárias, mas conseguiu levar à frente a política que encontrou de combate à inflação, e estamos ganhando a guerra contra a inflação. Essa é a verdade. Ele não cedeu ao populismo; ele convive com o MST, com o Movimento dos Sem-Teto, mas não cede a pressões do populismo, como está acontecendo na Venezuela e na nossa vizinha Bolívia. O populismo, em minha opinião, Senador Cristovam, está produzindo dois filhotes absolutamente indesejáveis. Um é o interno, a que V. Exª se refere. Tenho informação de diplomatas brasileiros que foram recentemente à Bolívia conversar com os brasileiros que vivem na faixa de fronteira e conviveram com a realidade das duas Bolívias: uma é a Bolívia rica de Santa Cruz de la Sierra, a industrializada. Não conheço, mas me dizem que Santa Cruz de la Sierra é uma cidade com perfil econômico igual ao de Campo Grande, por exemplo, ou a de cidades desenvolvidas do Centro-Oeste brasileiro, é uma extensão daquilo. Movimento separatista. Separatista por quê? Não havia movimento separatismo há quatro anos. Nunca ninguém ouviu falar em separatismo na Bolívia. Separatismo é recente. É produto de quê? Do populismo que o Sr. Evo Morales implantou. É positiva a atenção privilegiada aos pobres? É claro que é. É evidente que é. Mas só a atenção privilegiada aos pobres? E aos outros que carregam o país, nada? O cerco de refinaria? É essa a atitude? O Brasil é símbolo de rico. A atitude que a Bolívia tomou no governo populista foi a de cercar as refinarias, não foi a de estabelecimento de diálogo. Então, o movimento do separatismo é produto de divergências profundas a partir de privilégios a segmentos e de perseguição a outros, de desleixo a outros. Tenho essa informação precisa. Isso levará a algo com que, para nós, será muito duro de conviver, porque não somos a persona mais grata para a Bolívia, e queremos ajudar, como acabou de se querer ajudar na questão da compra das refinarias. Senador Cristovam Buarque, ninguém que é obrigado a fazer um negócio faz um bom negócio. O Brasil foi obrigado a vender as refinarias. Venderia até por um milhão de dólares para se ver livre do abacaxi em que se viu metido por conta do populismo que uniu Evo Morales a Lula. E Lula tem um viés de esquerda que o obriga a uma convivência afável com Evo Morales, em detrimento do interesse do povo brasileiro. Ele vive esse conflito, louco para cair fora, sem ter condições de fazê-lo. Então, compraria a refinaria até por um milhão de dólares. Está fingindo que fez um grande negócio, porque vendeu por US$112 milhões, o que valeria facilmente US$200 milhões. Mas o que me preocupa é o produto do populismo. V. Exª fere um assunto sobre o qual tem de ser obrigação nossa refletir, raciocinar, até mesmo para ajudar o Governo no encaminhamento da solução. O populismo está levando, dentro da Bolívia, a uma atitude separatista. E, na relação com o Brasil, a uma relação que nos leva a atitude de humilhação, como a que acabamos de assistir. O Brasil, pela questão de respeito ao populismo do Sr. Evo Morales, assistiu, resignadamente, a um ato de humilhação diplomática entre duas nações independentes. Essa é a verdade. Cumprimentos a V. Exª pelo tema que traz para debate e reflexão.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço, Senador José Agripino.

A verdade é que somos, hoje, reféns, porque não criamos alternativas ao gás boliviano. Nós somos reféns por causa, é verdade, dessa relação que o Presidente Lula, muitas vezes, tem de confundir a relação pessoal com outros presidentes com a relação de Estado. Não tem nada a ver. A relação entre dois Chefes de Estado e a relação entre os Estados. Muitas guerras européias foram travadas entre príncipes primos entre si, primos carnais. Mas, na hora de representar os Estados, fizeram guerras.

Então, nós estamos reféns dessa forma de relações pessoais acima das relações de Estado; somos reféns da nossa dependência e, finalmente, somos reféns da nossa fronteira, uma realidade que nos amarra. Isso não pode nos levar a sermos submissos, mas também não devemos exagerar o confronto. Se exagerarmos no confronto com o Governo boliviano, com todo o seu populismo, com toda a sua responsabilidade em afastar aqueles que, hoje, querem fazer uma secessão, poderá ser pior para nós. Porque não nos iludamos: se houver divisão, a parte do altiplano não vai ficar conosco, obviamente, até porque não vai haver fronteira. E o Peru tem dentro dele um movimento indígena muito forte, que é mais próximo da Bolívia do que do próprio Peru. Lá também tem essa divisão e, aí, não custaria surgir uma outra república dividindo o Peru. Agora, não nos iludamos, essa parte rica não vai ficar conosco, mas vai se aliar aos Estados Unidos, porque é muito mais vantajoso para eles. Como levar o gás? Terão de descobrir como, mas não virão para nós, até pelo passado, como lembrou o Senador Geraldo Mesquita.

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Uma consideração a mais.

O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - V. Exª me permite um aparte, Senador Cristovam?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Então, somos reféns, e o refém tem de ter muito cuidado na relação com o outro lado.

Antes de conceder o aparte ao Senador Valter Pereira, peço licença para concluir com o Senador José Agripino.

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Senador Cristovam, há uma outra conseqüência: o refém não investe, e o Brasil, hoje, está refém das relações com a Bolívia, e o populismo do Sr. Evo Morales levou o Brasil a conviver com um estado de coisas que revolta a população brasileira mas que produz um resultado. Apesar das relações pessoais de Lula com Evo Morales e com Chávez, o Presidente Lula tem a consciência de que representa o interesse do povo brasileiro, que não permitirá, não aceitará, não perdoará que a Petrobras continue a fazer aquilo que deveria interessar à Bolívia para a geração de emprego: investimentos novos, que não ocorrerão. Nessa tacada da venda da refinaria, trocaram-se talvez US$50 milhões ou US$60 milhões por alguns bilhões de dólares que a Petrobras faria por interesse próprio e que agora, vigiada pelo interesse brasileiro, não fará, porque não vai fazer, enquanto o regime político for do Sr. Evo Morales, investimento num país que não oferece segurança jurídica. Quem vai perder, lamentavelmente, são os nossos pobres irmãos bolivianos, governados por um governo populista que está levando, num primeiro momento, a posições gostosas, num segundo momento, à desgraça.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Nessa parte, estou de acordo com V. Exª. Penso que o Presidente Evo Morales está cometendo um erro ao radicalizar e está perdendo investimentos. Não é somente o Brasil, não. Os outros países poderão dizer que, se aconteceu com o Brasil, não irão também. Disso, não tenho dúvida, mas daí a dizer que ele não terá direito, depois de eleito, a cometer esses erros, penso que não podemos intervir mais do que um certo limite. É preciso algo muito cuidadoso neste momento.

Quando houve o primeiro cerco a refinarias, lembro que cheguei aqui e disse: não esqueçamos que existem muitos bolivianos em São Paulo. Com esse clima que se criou, imagine um boliviano assaltado e morto em uma rua de São Paulo. Na Bolívia, vão dizer que foi porque era boliviano. Nós temos alguns milhares de estudantes brasileiros na Bolívia. Imagine que se mate um brasileiro lá. É muito frágil a relação entre os dois países. De repente, pode acabar. Não podemos deixar que isso aconteça. Então, é preciso ter firmeza, obviamente, e saber que, daqui para frente, não merece confiança investir na Bolívia. Devemos ter clareza disso. Quanto ao gás, temos de explorar o que temos no Brasil e tentar trazer o da Argélia, porque, daqui a pouco, estará mais caro trazer o gás da Bolívia do que trazê-lo da Argélia.

Tudo isso é verdade, mas não podemos misturar essa relação circunstancial de hoje com a relação histórica, pois, daqui a dois, três, cinco anos, o Evo Morales não será mais Presidente, o Lula não será mais Presidente, mas o Brasil continuará vizinho da Bolívia.

Senador Valter Pereira.

O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª engrandece o Senado Federal com a discussão que traz a lume sobre este momentoso assunto...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Valter Pereira, um instante.

Senador Cristovam Buarque, eu só queria lembrar que V. Exª nos brinda com o melhor pronunciamento. Eu gostaria de ouvi-lo por 40 dias, mas se completam 40 minutos e, sem dúvida alguma, foi o melhor discurso nesses 180 anos. Aprendi muito, mas é o tempo de uma aula e V. Exª está dando uma aula para todos nós e para o Brasil.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu estou passando do tempo, é verdade. Mas eu gostaria que o Senador concluísse o aparte e não tomarei muito tempo para respondê-lo. V. Exª tem toda razão: 42 minutos é muito tempo.

O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - Então, quando V. Exª traz a lume essa discussão, indiscutivelmente, coloca o Senado Federal num nível que a sociedade brasileira espera do Parlamento brasileiro. E tem razão V. Exª quando analisa a situação dramática em que vive o nosso vizinho, em decorrência de sua situação de pobreza, de sua localização, das diferenças étnicas que dificultam muito a formulação de qualquer tipo de política no país andino. No entanto, nobre Senador, há algumas inquietações que não podemos deixar de realçar neste pronunciamento de V. Exª. A primeira delas: entendemos, efetivamente, como V. Exª, que o Brasil deva ser solidário, muito solidário, com a Bolívia, com o Paraguai e com todos os seus vizinhos. No entanto, quando diz respeito a rompimento unilateral de contrato, como é o caso em tela, não podemos de forma alguma deixar de considerar o risco que isso implica, já que abre um precedente que, de repente, poderá ser copiado por outros povos, e o Brasil ficará sem condições de repelir porque, efetivamente, já agiu assim em outra circunstância. Então, esse precedente é perigoso. Informações que recebo do Paraguai - porque Mato Grosso do Sul faz fronteira com a Bolívia e com o Paraguai, portanto, há um estreito relacionamento entre meu Estado e os dois países vizinhos - me dão conta de que, hoje, no Paraguai, as campanhas políticas... E isso passou a acontecer mais duramente, mais efetivamente após essa agressividade do Presidente Evo Morales. Mas as campanhas políticas no outro país já colocam o Brasil como vilão. Tanto um partido quanto o outro tem sempre como meta o endurecimento das relações comerciais com o Brasil. Portanto, o precedente já começa a produzir um efeito deletério que a Diplomacia Brasileira não teve a capacidade de medir. Outra coisa, Sr. Senador, é que nós assistimos, sempre que se faz qualquer tipo de análise, a uma preocupação sempre grande do Governo brasileiro, especialmente das autoridades financeiras e monetárias do nosso País, com a taxa de risco do Brasil. Efetivamente, o Brasil está conseguindo se impor com uma redução constante da sua taxa de risco para as instituições internacionais. E o que está acontecendo? Enquanto estamos tendo essa preocupação com o risco Brasil, para reduzi-lo a níveis moderados, a níveis palatáveis para investidores do mundo inteiro, o que se verifica é que não estamos tendo o cuidado de observar os riscos para os países com os quais queremos fazer investimentos. É o caso da Bolívia, por exemplo. É um país que, historicamente, apresentou sempre uma taxa de risco muito elevada. No entanto, o que vemos, tanto no Governo FHC, quanto no Governo Lula, é uma vontade de investir na Bolívia. Agora, achando pouco ainda esse tipo de risco que estamos correndo e que já estamos assumindo, que já está sendo oneroso para o Brasil, o que está acontecendo? Estamos vendo um novo estímulo para um outro país de alto risco, como é o caso da Venezuela. Quer dizer, ninguém pode garantir nada com relação ao sucesso de qualquer investimento na Venezuela, dadas as condições a que o Governo venezuelano está levando a economia, levando o seu intercâmbio, levando a sua diplomacia. Portanto, penso que, nessas questões, há diferenças entre se estabelecer uma relação de amizade, de fraternidade entre os países e se tolerar, indefinidamente, essa transgressão aos contratos, mantendo-se, o que é mais grave ainda, iniciativas de risco para com outros países. O discurso de V. Exª é brilhante. Acho que a situação por que passa a Bolívia merece uma reflexão muito profunda e os cuidados de todos os brasileiros, mas temos que cuidar do Brasil também. Temos de fazer com que não só os investidores públicos como também os privados do País tenham a retaguarda nas transações feitas com países vizinhos e distantes.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Totalmente de acordo, Senador. Só o que pode nos separar é...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - ...a perspectiva - e aí termino, Sr. Presidente - do tempo de análise. Uma coisa é o Governo Morales, que vai demorar alguns anos. Outra coisa é a relação do Brasil com a Bolívia, que é permanente.

Em 1953, o Primeiro-Ministro Mossadegh nacionalizou o Irã exatamente como faz agora o Evo Morales. Nas negociações, chegaram a propor dividir meio a meio a empresa inglesa que estava lá: metade para o governo, metade para os ingleses. Os ingleses não aceitaram, juntaram-se aos americanos, derrubaram Mossadegh, retomaram as empresas. Nunca mais a relação do Irã com o Ocidente foi igual. Só foi mantida enquanto tinha um ditador, que caiu em 1979. Surgiu Khomeini, e aí viram como foi ruim tudo isso. Não se pode radicalizar, principalmente porque não temos a força dos impérios inglês e americano.

Também não podemos nos esquecer da nossa parcela de responsabilidade histórica. Da mesma forma que falei para frente no tempo, falo para trás. O Paraguai nos vê como o País que invadiu, que guerreou...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Mais um minuto a V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Em um minuto, concluo.

Senador Valter Pereira, até hoje o Brasil não abriu os documentos da Guerra do Paraguai. Aliás, o Senado devia se pronunciar sobre isso. Até hoje os documentos da Guerra do Paraguai estão sigilosos no Brasil.

Isso criou uma marca. A gente não pode esquecer esse fato. Por isso, há um candidato, lá, que pode se eleger, cuja bandeira principal é o antibrasileirismo. E isso é ruim para a gente.

Mas quero chamar a atenção para o fato de que, nas próximas semanas e meses, a mídia vai olhar para a CPI do Apagão Aéreo. Espero que olhe também para a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, porque lá, sob a Presidência do Senador Heráclito Fortes, estaremos debatendo este assunto fundamental para o futuro: as relações do Brasil com a Bolívia, país irmão.

Sr. Presidente, agradeço a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2007 - Página 14239