Discurso durante a 78ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Destaque para a participação da Maçonaria na formação do Brasil e no fim da escravatura.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Destaque para a participação da Maçonaria na formação do Brasil e no fim da escravatura.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 26/05/2007 - Página 16494
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, MAÇONARIA, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, HISTORIA, IMPERIO, BRASIL, DEFESA, DIREITOS, HOMEM, GARANTIA, LIBERDADE, IGUALDADE, LUTA, IMPLEMENTAÇÃO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, VALORIZAÇÃO, TOLERANCIA, RELIGIÃO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Sérgio Zambiasi; Srªs e Srs. Senadores, o pronunciamento que vou fazer hoje eu gostaria de ter feito no dia 13 de maio. Porém, como caiu num domingo e, na semana seguinte, não foi possível fazê-lo, quero fazer hoje, para registrar um dos momentos mais importantes da nossa história como nação civilizada.

Uma das mais controvertidas páginas da história do Brasil é a da Maçonaria e sua participação nos fatos mais marcantes da construção da Nação brasileira. De fato, fruto de uma tradição de sigilo, a verdadeira história da Maçonaria dentro da história política brasileira tornou-se pouco conhecida para o público em geral.

Todavia, Sr. Presidente, quando se busca a verdade que cerca a história do nosso País, vê-se que os maçons tiveram participação importante e decisiva em capítulos fundamentais ao longo da formação do Brasil.

Como estamos no mês de maio, e, no dia 13 deste mês, nos idos de 1888, a Princesa Dona Isabel Cristina Leopoldina de Bragança assinou a Lei Áurea, cabe, a meu ver, resgatar um pouco da história daqueles tempos e ver que participação tiveram os maçons e suas Lojas nos eventos de então.

A Maçonaria cumpriu destacado papel no processo de libertação dos escravos no Brasil. Cumprindo sua elevada missão de lutar pelos direitos do homem, de batalhar pela liberdade e pela igualdade, apanágio sagrado do ser humano, empenhou-se, sem desfalecimento, sem temor, incansavelmente, pela emancipação dos escravos. Para confirmar esses fatos, basta verificar a predominância extraordinária de maçons entre os líderes abolicionistas. Entre muitos, destacaram-se: Visconde do Rio Branco, José do Patrocínio, Joaquim Nabuco, Euzébio de Queirós, Quintino Bocaiúva, Rui Barbosa, Cristiano Otoni e Castro Alves. Só para citar alguns principais.

Na verdade, essa é uma história de 30 anos da Maçonaria brasileira, do ponto de vista da atuação político-social de seus componentes, numa época agitada e de grandes transformações sociais. Foram 30 anos - de 1860 a 1890 -, em que diversos acontecimentos modificadores da estrutura social brasileira ocorreram concomitantemente, ou em rápida seqüência. Era a época em que os maçons brasileiros, nas Lojas, na imprensa ou na tribuna, já vinham se preocupando com a grave questão da escravatura no Brasil e, após, com a hipótese de um terceiro reinado, o qual poderia dar sobrevida a um sistema - o da mão-de-obra agrícola escrava - que já se esgotara e que vinha sendo rejeitado em muitas partes do mundo.

O tempo era conturbado, pois se desenrolavam, simultaneamente, dois movimentos - o abolicionista e o republicano - profundamente conectados, seja pelos personagens, seja pelas idéias. Em paralelo, ocorria a querela religiosa, indispondo o alto clero com o Imperador, que acabaria por incrementar o movimento republicano.

Em meio a toda essa agitação, sobressaía a figura do Visconde de Rio Branco, que, à frente do Gabinete ministerial, apresentou ao Parlamento e conseguiu fazer aprovar, em 28 de setembro de 1871, a lei que declarava livres, daí em diante, as crianças nascidas de escravas, e que passou à História como Lei do Ventre Livre - quando Rio Branco já era o Soberano Grande Comendador Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil.

Embora tenha sido objeto de grandes controvérsias no Parlamento, a lei representou, na prática, um passo na direção do fim da escravatura. A lei declarava livres os filhos de mulher escrava que nascessem desde a data da lei, libertos os escravos da Nação e outros, e providenciava sobre a criação e o tratamento dos filhos menores escravos e sobre a libertação anual de escravos.

Como diplomata, Rio Branco já percebera, em suas viagens internacionais, que grande parte da antipatia, má vontade e até desdém de alguns países em relação ao Brasil eram causados pela manutenção da escravidão negra no País. Ele presidia, porém, um Gabinete conservador e tinha de agir com cautela e com a diplomacia em que era um perito, pois, se propusesse uma abolição total da escravatura, poderia causar séria ruptura no Partido Conservador.

Sob pressões políticas - inclusive de políticos maçons - dos que viam, nessa lei, uma alternativa ao caos que representaria uma imediata abolição da escravatura, Rio Branco, aproveitando a viagem do Imperador à Europa, com a conseqüente entrega da regência à Princesa D. Isabel, apresentou a lei, que era baseada em projetos anteriores de José Antônio Pimenta Bueno (Marquês de São Vicente) e Jerônimo José Teixeira Júnior (Visconde de Cruzeiro). Mas o projeto enfrentou uma dura batalha, durante a qual Rio Branco, para defendê-lo, chegou a pronunciar 21 discursos no Parlamento, tentando, a todo custo, encontrar a forma conciliatória que evitasse os conflitos e a violência. Aprovada a lei, ele se tornou uma espécie de herói, aclamado pelo povo, que fazia romarias a sua casa, em São Cristóvão, para cumprimentá-lo.

Em decorrência desse fato, que geraria outros, Rio Branco enfrentaria, tanto como chefe do Gabinete Ministerial, quanto como chefe dos maçons, a desgastante questão religiosa, a qual, embora tenha sido uma pendência entre o alto clero e o governo imperial em torno do hábito do padroado, acabou envolvendo tanto o Grande Oriente do Lavradio, dirigido por Rio Branco, quanto o Grande Oriente dos Beneditinos, do acendrado anticlerical Joaquim Saldanha Marinho. E a questão religiosa é considerada uma das causas da derrocada do Império.

Enquanto isso, o ambiente político-social ia-se tornando agitado, diante das campanhas abolicionista e republicana. A abolicionista empolgando a opinião pública, e a republicana atingindo os meios militares, mas ambas com participação ativa de muitas Lojas e maçons.

Luís Gama, o grande timoneiro do movimento emancipador e convicto republicano, fundador do Partido Republicano, falecera a 28 de agosto de 1882, mas sua bandeira continuou a ser empunhada por outros maçons, como Antônio Bento de Souza e Castro, José do Patrocínio e Joaquim Nabuco.

Em 28 de setembro de 1885, a Lei dos Sexagenários libertava os escravos que se encontravam nessa faixa etária, isto é, a partir de 60 anos - inicialmente, portanto, foram libertadas as crianças que nasciam a partir da data da Lei do Ventre Livre; depois, os escravos que tinham mais de 60 anos; como diz o ditado popular, estava-se comendo pela beirada para chegar ao objetivo central, que era a libertação total dos escravos. O chefe do Gabinete Ministerial, Manoel Pinto de Sousa Dantas, que era abolicionista, tinha a intenção, apoiado pelo maçom Joaquim Nabuco, de conseguir a libertação de todos os escravos com mais de 60 anos, o que alcançaria cerca de 150 mil cativos. O Parlamento, porém, não lhe deu o voto de aprovação, o que precipitou sua queda. Mas já não era mais possível segurar as medidas tendentes a abolir a escravidão, e, por isso, o Senador José Antônio Saraiva voltou à chefia do Gabinete, a 6 de maio de 1885, com a missão de acompanhar o movimento. Tratou, então, de assegurar a aprovação da lei que havia sido proposta por Sousa Dantas, com uma alteração, elevando o limite de idade para 65 anos, o que alcançaria 120 mil escravos, sem causar qualquer prejuízo à produção agrícola.

Essa lei, na realidade, era uma medida paliativa, que, sem desagradar aos proprietários dos escravos, procurava agradar aos abolicionistas.

Nessa época, pôde-se conhecer a posição oficial do Grande Oriente do Brasil na questão da escravatura. Tendo a Loja proposto ao Grande Oriente uma data limite para que todos os maçons libertassem seus escravos, ela recebia, com data de 16 de setembro de 1887, carta cujo relato mostra, de maneira clara, que o Grande Oriente do Brasil, como instituição, não se envolveu diretamente na luta abolicionista, dispondo-se apenas a colaborar com iniciativas individuais, inclusive de muitos maçons que tiveram realmente papel de destaque. Chama atenção a defesa da abolição paulatina, para não desorganizar abruptamente os trabalhos agrícolas. Esse documento liquida, de uma vez por todas, com a lenda defendida por alguns autores antigos de que havia setores que queriam a abolição imediata da escravatura e outros que combatiam as medidas que a tornavam gradual. Então, havia, digamos, correntes, mas essa iniciativa de determinar aos próprios maçons que tinham escravos que os libertassem também foi outro passo no sentido da evolução total da libertação completa.

Na realidade, após a extinção do tráfico, com a Lei Euzébio de Queirós, com outra lei importante também de iniciativa de um maçom, a Lei Visconde do Rio Branco, com a dos nascituros e a Lei dos Sexagenários...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Só um instante. Ao terminar este tópico, concederei, com muito prazer, o aparte a V. Exª.

...o fim da escravatura era certo e chegaria paulatinamente, permitindo, dessa maneira, não só a acomodação dos fazendeiros à nova situação, mas também um planejamento para o aproveitamento da mão-de-obra representada pelos antigos escravos. Isso, todavia, não viria a acontecer diante da abrupta extinção da escravatura, a 13 de maio, de 1888, com a Lei Áurea.

Como toda medida abrupta e para a qual não foram adotadas as devidas precauções quanto às conseqüências na sociedade, a Abolição, sem querer, acabou por criar um problema grave social, com a colocação nas ruas de enorme massa de ex-escravos, que não ficaram com possibilidade de inserção social satisfatória e, portanto, ganharam a liberdade, mas não ganharam a condição essencial da dignidade, no meu entender, que é a de poder trabalhar e prover seu próprio sustento.

Mesmo com todos esses inconvenientes que a quadra política do fim do Império acabou provocando, a libertação dos escravos é, sem dúvida, em larga medida, construção dos maçons.

Senador Mão Santa, concedo a V. Exª um aparte, com muito prazer.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Mozarildo Cavalcanti, é muito oportuno V. Exª mostrar ao País a importância histórica da Maçonaria. Eu queria lembrar: nós só fomos independentes de Portugal pelo líder maçônico Gonçalves Ledo, grande amigo de Pedro I, que “fez a cabeça”, foi ele quem motivou, quem persuadiu o imperador a proclamar a Independência. E quero dizer que há um título de que me orgulho. Tenho um tio, Senador Heráclito Fortes - Luís Correia é o nome da cidade, do porto que nunca esse Governo terminou; começou com Epitácio Pessoa -, que é irmão de meu avô. Mas há outro, de que me orgulho também: Francisco Morais Correia é patrono da instituição maçônica de minha cidade. Embora eu não seja maçom, por esse respeito que tenho à instituição e aos que a fazem, eu convidaria o ilustre líder maçônico Senador Mozarildo Cavalcanti a visitar minha cidade e ser recebido na loja Francisco Correia, que é nome de meu tio.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Fico muito grato pelo aparte de V. Exª e pelo convite, ao qual, com certeza, terei a oportunidade de atender com muito prazer.

Sr. Presidente, para muitos, os primórdios da Maçonaria não são muito claros, bem como parte da sua história. Todavia, segundo a opinião quase unânime dos historiadores, sua origem mais verossímil são as antigas corporações dos mestres-pedreiros construtores de igrejas e catedrais, corporações formadas na Idade Média. Havia entre aqueles construtores um ideal: o da construção de uma obra suprema, mediante um trabalho constante, ou seja, o Templo Ideal.

Dessa origem surge o fato de que todo maçom está imbuído do propósito da construção do templo da virtude e da verdade, isto é, da construção de si mesmo, do seu caráter e de sua personalidade, para conseqüentemente contribuir para a construção de um mundo melhor. Por isso, seu envolvimento tão profundo e desprendido com a libertação dos escravos.

E eu quero, até respondendo um pouco ao aparte do Senador Mão Santa, dizer que este meu pronunciamento se prendeu ao evento da Abolição da Escravatura no Brasil, visando mostrar como realmente os maçons, como as Lojas Maçônicas estiveram envolvidas de maneira muito clara nesse trabalho, que era difícil, porque a economia daquela época baseava-se exatamente na mão-de-obra escrava. Por isso mesmo, havia uma resistência muito violenta tanto do partido conservador à época, como do próprio imperador. Mas o trabalho dos maçons que foram estudar na Europa, como esses que eu mencionei, tendo a frente o Barão do Rio Branco, realmente trouxe idéias novas. E, como viram que nos países da Europa a escravidão proporcionava uma péssima imagem do Brasil, além do sentimento humanitário adquirido dentro das Lojas Maçônicas, eles perceberam que não podiam mais compactuar com a idéia da escravidão.

Na Maçonaria, há um tema incorporado pela Revolução Francesa: “Liberdade, Igualdade, e Fraternidade”. Liberdade para termos o arbítrio de decidir o que é melhor para nós; igualdade por considerarmos todos os nossos semelhantes como irmãos, portanto considerá-los realmente como iguais; fraternidade na forma de tratar as pessoas, de sempre procurar dar o máximo de si para que as outras pessoas tenham melhores condições.

Então, este registro é com relação à escravatura, mas, lógico, como disse o Senador Mão Santa, há muitos outros acontecimentos relacionados a ela. A própria vinda de Dom João VI para o Brasil foi patrocinada pela Maçonaria da Inglaterra, bem como a instalação do Governo, a Abolição da Escravatura, a Independência do Brasil, a Proclamação da República, fatos em que o Marechal Deodoro figurava como destacado maçom.

Espero que a Maçonaria dos dias de hoje esteja atenta aos graves problemas que afligem o País. Aliás, está atenta: existem, em todas as Lojas do Brasil, movimentos muito importantes como o do combate às drogas, da movimentação de jovens que são filhos ou não de maçons e instituições paramaçônicas, que incutem nesses jovens justamente os ideais de total tolerância a religiões.

Senador Gilvam, na Maçonaria, todas as religiões são bem-vindas, portanto, a tolerância é completa, menos a aceitação de alguém que seja ateu, porque quem é ateu não tem a humildade de achar que há alguém acima dele.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - E a corrupção também, não é?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Aliás, é um dos princípios fundamentais: cavar masmorras aos vícios e levantar templos à virtude.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/05/2007 - Página 16494