Discurso durante a 109ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Justificação pela apresentação de requerimento de voto de pesar pelo falecimento do Sr. Antônio Ernesto Werna de Salvo.

Autor
Kátia Abreu (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Kátia Regina de Abreu
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA AGRICOLA.:
  • Justificação pela apresentação de requerimento de voto de pesar pelo falecimento do Sr. Antônio Ernesto Werna de Salvo.
Aparteantes
Adelmir Santana, César Borges, Flexa Ribeiro, Gerson Camata, Gilvam Borges, Osmar Dias, Raimundo Colombo, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/2007 - Página 22935
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, EX PRESIDENTE, FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, LIDERANÇA, AGROPECUARIA, AUTOR, PROPOSTA, POLITICA AGRICOLA, BENEFICIO, ESTABILIDADE, PRODUTOR, ESPECIFICAÇÃO, CLASSE MEDIA, ZONA RURAL, REGISTRO, ATUAÇÃO, COMANDO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, AGRICULTOR, MARCHA, TRATOR, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), REIVINDICAÇÃO, DEBATE, GOVERNO FEDERAL, MELHORIA, CONDIÇÕES DE TRABALHO, CREDITOS, SETOR PRIMARIO, CONCLAMAÇÃO, ORADOR, CONTINUAÇÃO, LUTA.
  • CRITICA, MINISTERIO DA AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO (MAPA), LANÇAMENTO, PLANO, SAFRA, OCULTAÇÃO, VALOR, TAXAS, JUROS, COMPROVAÇÃO, FALTA, POLITICA AGRICOLA, BRASIL.
  • AGRADECIMENTO, ORIENTAÇÃO, VIDA PUBLICA, ORADOR, EX PRESIDENTE, FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA, COMENTARIO, OPINIÃO, OPOSIÇÃO, REFORMA AGRARIA, ACUSAÇÃO, LIDER, SEM-TERRA, ATIVIDADE POLITICA, LEITURA, TRECHO, TEXTO, CONHECIMENTO, SITUAÇÃO, AGRICULTURA, BRASIL, REITERAÇÃO, COMPROMISSO, CONTINUAÇÃO, DEFESA, POLITICA AGRICOLA.

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Deus, tão generoso em me oferecer oportunidades de vida, das quais certamente uma das maiores é minha presença no Senado Federal, eleita pelo voto do povo de Tocantins, não me poupou a experiência com o trágico. Muito jovem experimentei a desolação da viuvez, cuja dor atingiu níveis ainda mais pungentes pela contemplação da orfandade dos nossos filhos, ainda bem crianças.

            Recolhida ao meu sofrimento, buscando inspiração para reagir, aprendi que os urros de dor dos protagonistas das tragédias gregas - que marcam as performances dos grandes atores e atrizes de todos os tempos - nada têm de afetação. Lágrimas e soluços, imprecações e protestos inconformados diante da morte irreversível e da ausência insubstituível daqueles que amamos não representam exagero. Não são meras demonstrações de histrionismo, são as mais realistas imitações da vida.

            Se as perdas pessoais causam tão terríveis sofrimentos, imagine a angústia coletiva pela morte de personagens cujo carisma, obras e liderança nos fazem, a todos e a cada um, órfãos da sua presença física!

            Quem alega que, por se tratar de teatro, as expressões de desespero das tragédias não passam de criação artística jamais sentiu a perda desses entes singulares que, superando os padrões da condição humana, transformaram o que seriam simples afetos em profunda e irresistível devoção.

            Mas, quando o morto, seja um guerreiro heróico ou um estrategista da paz, é alguém que se impôs como líder e que estabeleceu rumos ou mudou trajetórias de sua classe, aí, a dor transborda, reclama manifestações coletivas, e só grandes coros conseguem expressá-la. Também é assim nas tragédias gregas. Os indivíduos gritam sua dor, mas os coros refletem e tiram conseqüências desse sofrimento.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não apenas eu, solista de uma dor pessoal, mas um grande coral de testemunhas da notável existência de Antônio Ernesto Werna de Salvo entoa comigo, neste momento, lamentações por sua morte. Pela minha voz, tenho certeza, expressam-se centenas, milhares, milhões de ruralistas, especialmente sua querida classe média rural brasileira, à qual ele se orgulhava de pertencer e que sempre citava como principal referência dos padrões de produção e de produtividade da agropecuária deste País.

            Por favor, não me peçam - não nos peçam, pois somos um coro, interpretamos uma dor plural - contenção. Só quem jamais sofreu a morte - o equivalente à perda sem reposição de uma peça essencial da sua existência - de um líder, comandante-em-chefe, profeta e amigo, pode aconselhar serenidade e contenção aos que choram e se lamentam.

            Mais forte que a imitação da vida é a compreensão da perda dos que transcenderam o cotidiano, viram mais longe, migraram o futuro.

            Os que pareciam conjugar o presente indicativo dos verbos - nós sonhamos, nós desejamos, nós fazemos! - com que expunham suas visões da realidade, de fato, traçavam as rotas que, mesmo sem tê-los a nos conduzir, devemos trilhar.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Deputados que aqui se encontram, diante da morte de Antônio Ernesto Werna de Salvo, o grande líder da agricultura e da pecuária brasileiras, mas, principalmente, o amigo, o conselheiro, que sabia nos envolver com carinho e devoção paternos, lágrimas é pouco, soluços são fracos. Louvores à sua memória não bastam. A evocação da sua bravura moral é insuficiente, e a reconstituição das suas expressões de rusticidade não o revivem.

            O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Permite-me um aparte, Senadora?

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL - TO) - Pois não, Senador Gerson Camata.

            O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Aguardo o momento oportuno.

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL - TO) - É um prazer conceder-lhe o aparte.

            O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Dizem que o segundo mais bonito discurso da humanidade foi o discurso de Gettysburg, pronunciado pelo Presidente Abraham Lincoln, dos Estados Unidos, no encerramento da Guerra da Secessão. O mais bonito, dizem, é o Sermão das Bem-Aventuranças, feito por Jesus, na montanha, sobre as virtudes do ser humano. Em seu discurso, Lincoln diz o seguinte: muito mais importante do que o que vocês irão ouvir aqui é o que vocês irão ver aqui. O discurso de V. Exª, tocado pela emoção, quando perdemos um homem como Antonio Ernesto, uma vida inteira dedicada à agricultura brasileira, emociona-me. Mais importante do que aquilo que V. Exª disser ou do que nós todos dissermos é o que estamos vendo aqui: a presença de todos os Presidentes de Federação de Agricultura do Brasil. Talvez, essa tribuna de honra nunca tenha estado tão honrada como agora para ouvir o discurso de V. Exª, numa homenagem que o Brasil presta a essa grande figura, cuja perda nos emociona a todos. Parabéns a V. Exª pela lembrança dessa homenagem que não podia faltar, do Brasil inteiro, a esse grande brasileiro!

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL - TO) - Muito obrigada, Senador Gerson Camata.

            Há mortos cujas vidas sufocam qualquer esforço para rememorá-los com a simplicidade de lápides e de epitáfios. Exigem imaginação, muito além dos urros de dor. Eis a lição das tragédias, que por isso se tornaram monumentos poéticos eternos.

            Este é o mínimo tributo que devemos ao nosso amado morto, que queremos consagrar com a eternidade dos mitos, dando seu nome a um monumento imaterial, aparentemente imaterial, porque não corresponde ao conceito convencional dos monumentos feitos de pedra e de cal. O que propomos são princípios profundamente conseqüentes, em termos objetivos, de política, de economia, de ciência e de tecnologia. Propomos que se elabore e se adote - finalmente, pois ela faz imensa falta - uma política agrícola nacional e que ela seja conhecida como Política Agrícola Antonio Ernesto Werna de Salvo. Cumprir-se-á, então, seu grande projeto: o estabelecimento de um conjunto de definições permanentes, estáveis, que garantam ao agricultor - dos muito grandes aos pequenos, mas, principalmente, à classe média rural, que tanto o preocupava - orientação e segurança para plantar e colher, para criar e multiplicar rebanhos, reconhecendo, finalmente, que a atividade rural no País não é um acidente econômico, espasmódico, mas um segmento vivo e permanente da sociedade brasileira.

            E que seja a Política Agrícola Antônio Ernesto de Salvo, assim mesmo, nominal, como se fosse um tributo, imperturbável, definitiva, substituindo o vexativo caráter sazonal da sobrevivência da atividade rural no País! A Política Agrícola Antônio Ernesto de Salvo estabelecerá, de uma vez por todas, como fazem os povos desenvolvidos e as democracias saudáveis o “seguro de renda” como garantia mínima aos que produzem no campo.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a morte de Antonio Ernesto Werna de Salvo, ocorrida no dia 29 de junho de 2007, em Belo Horizonte, é uma tragédia brasileira e, como tal, exige que sigamos além de lágrimas e de lamentações. Não sei como farei, mas me propus superar minhas próprias lágrimas e reviver as idéias e lutas desse mineiro encantador, simples nos gestos, rústico no comportamento, de uma bravura rara e desafiadora, que jamais escolheu ou temeu adversários e que perseguiu, indomado, os objetivos dos agricultores brasileiros.

            Tomemos os tributos das refregas que comandou, como os incríveis tratoraços e caminhonaços que abalaram o Brasil! Foram notáveis batalhas campais em que, no lugar de armas de morte, expôs as máquinas de trabalho dos agricultores brasileiros para demonstrar aos burocratas teimosos e aos políticos desajuizados que eles não prejudicam marginais ou aventureiros, mas exércitos de produtores rurais.

            O Sr. Adelmir Santana (PFL - DF) - Senadora Kátia Abreu, permita-me um aparte?

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL - TO) - Pois não, Senador Adelmir Santana, por favor.

            O Sr. Adelmir Santana (PFL - DF) - Senadora Kátia Abreu, quero me associar ao seu discurso emocionado em homenagem ao nosso Antônio Salvo e dizer que tive a oportunidade de conviver com essa figura amável, querida de todos nós, e que, muitas vezes, vi seu posicionamento quando formávamos a Frente Empresarial em Defesa dos Pequenos - sempre tinha posicionamentos extremamente firmes em defesa desses. Também tive a oportunidade de conviver com Ernesto de Salvo quando se discutia a Rodada de Doha e quando se tratava da questão da exportação e da liberação de alimentos e da questão do protecionismo à agricultura em países desenvolvidos. Quero me associar a V. Exª e dizer da minha tristeza quando tomamos conhecimento do seu falecimento. Falo isso em nome pessoal e também quero externar, em nome da Confederação Nacional do Comércio, nossa solidariedade à dor dos companheiros da agricultura e dizer que, juntamente com V. Exª, lamentamos profundamente a perda desse brasileiro, que tão bem se posicionava em defesa da agricultura, notadamente do pequeno agricultor. Parabéns a V. Exª por essa lembrança! Associamo-nos a essa homenagem que, efetivamente, devemos fazer a esse bravo brasileiro. Muito obrigado.

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL - TO) - Muito obrigada, Senador.

            Eram tratores, colheitadeiras, semeadores, cultivadores de todo o tipo, máquinas de trabalho adquiridas com audácia, que deveriam ser pagas com resultados de colheitas, subitamente frustradas pela queda de preços, pelos custos de produção, pela seca, pelo frio, por chuvas, por pragas, por alterações do câmbio.

            Os Poderes da República sempre se mostram insensíveis com a agropecuária, por mais que ela detenha, como acontece atualmente, a vanguarda da economia nacional. As elites brasileiras renegaram preconceitos históricos com a atividade rural.

            A inteligência dominante só reconhece o que é urbano, cosmopolita, poliglota e alijou do inventário cultural nacional a ideologia, os sentimentos, as manifestações e tradições do interior do Brasil. Também não descobriu ainda que as atividades empresariais, sejam elas de serviços, sejam industriais ou agropecuárias, confundem-se.

            Por essa razão, tornaram-se indispensáveis os tratoraços e os caminhonaços, demonstrações tão vexaminosas quanto onerosas para os agricultores do Brasil. Mas o que fazer se a agricultura sufocada enfrentava, todos os dias, o dilema de reagir ou de sucumbir? Nada menos que cinco tratoraços e caminhonaços pararam Brasília, chegaram à Praça dos Três Poderes, congestionaram os largos espaços da Esplanada dos Ministérios e forçaram o Governo a discutir e reconhecer direitos da agropecuária que haviam sido postergados.

            De nada adiantavam os 53 anos de ação ininterrupta e exemplar da nossa Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, em cujo comando, por dezesseis anos, Antônio Ernesto, dia a dia, procurava fazer com que fossem ouvidas as propostas e as reclamações do setor. Com prudência, mas também com extrema agressividade - se não valia a persuasão, usava as demonstrações de força -, ele conduzia as escaramuças anuais dos planos de safra.

(Interrupção do som.)

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL - TO) - Sr. Presidente, peço-lhe, por favor, mais um tempo.

            Governos temerários tentam arbitrariamente fixar tetos e condições de crédito que, se praticados, massacram e produzem o retrocesso da atividade agropecuária, uma política fundiária que nos obriga a produzir prejuízos. O caráter autoritário, mesquinho, hipócrita, falsamente austero com que são elaborados os planos de safra, como acaba de acontecer com o Plano Safra 2007/2008, evita incorporar não apenas a opinião, mas as informações dos agricultores brasileiros.

            Finalmente, não se fazem planos de safra para um setor indefinido, mas se faz plano de safra para os agricultores do Brasil. Não somos uma abstração; nossos problemas existem concretamente, expostos em moeda, como toda atividade econômica.

            Este ano, por exemplo, o Sr. Ministro da Agricultura, ao me convidar gentilmente a comparecer ao lançamento do Plano de Safra, no Palácio do Planalto, recusou-se a revelar a previsão de juros do referido Plano. Disse-me que se tratava de segredo, como se detivesse uma informação cujo conhecimento prévio pudesse gerar especulações! O ponto essencial do Plano de Safra era secreto. O Sr. Ministro da Agricultura não me diria, seja como Senadora da República, seja como líder ruralista, seja como Vice-Presidente da Confederação Nacional da Agricultura, quais eram os critérios e as cifras adotados para o financiamento da agricultura. Como guardar segredos para o setor rural de um plano para o setor rural? Francamente!

            Antônio Ernesto costumava registrar ironicamente e rechaçar com energia esse tipo de comportamento dos governos que apenas confirma a falta essencial de uma política agrícola para o Brasil.

            Que diferença em relação ao tratamento que o Governo dos Estados Unidos dispensa à agricultura americana, acintosamente subsidiada - aliás, necessariamente subsidiada -, pelo menos nos setores em que a eficiência e a produtividade atingem níveis de excelência e não podem estar sujeitos a fenômenos aleatórios, incontroláveis, que provocariam injusta penalização de seus produtores, vitimados por acidentes climáticos ou da economia internacional!

            A respeitabilidade e a audiência da Farm Bureau - o grande instrumento de lobby dos agricultores dos Estados Unidos - sempre impressionaram Antônio Ernesto de Salvo, que gostava de citá-lo pela falta que nos faz o reconhecimento de um ente com a mesma força da instituição americana.

            O Sr. Gilvam Borges (PMDB - AP) - Senadora Kátia, V. Exª me concede um segundo?

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL - TO) - Pois não, Senador.

            O Sr. Gilvam Borges (PMDB - AP) - Quero fazer um apelo ao Presidente que ora dirige esta sessão, para que, pela importância do tema, garanta a conclusão do pronunciamento da Senadora Kátia Abreu, pois podemos aguardar dez minutos a mais. Portanto, faço esse apelo a V. Exª.

            O SR. PRESIDENTE (Magno Malta. Bloco/PR - ES) - Senador Gilvam Borges, em nenhum momento, a palavra de S. Exª foi cerceada. Pelo contrário, já concedi a S. Exª todo o tempo necessário.

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL - TO) - Muito obrigada, Sr. Presidente.

            Sei que necrológios convencionais se fazem com elogios biográficos e com exaltações comovidas, mas estou transgredindo a regra. Tenho plena consciência disso. Para registrar a morte do fazendeiro Antônio Ernesto Werna de Salvo, não devo traí-lo, solenizando sua evocação, quando ele era um cidadão essencialmente informal. Tendo-o como um conselheiro, ouvindo-o filialmente - orgulhava-me que me dispensasse um tratamento paternal, com a autoridade e a confiança de um verdadeiro pai -, sei perfeitamente como o desapontaria, se o elogiasse com adjetivos vazios ou com fórmulas fúnebres. Não, Antônio Ernesto de Salvo não é um morto a cuja memória se remetam manifestações de pesar - ele as recusaria pela inocuidade -, mas um nome que devemos repetir ligado às idéias pelas quais lutou com firmeza, sem escolher expressões polidas, nem convenientes.

            A idéia de que estabeleçamos no Brasil as bases de uma política agrícola Antônio Ernesto de Salvo e de que essa política seja uma expressão não apenas legal, mas prática; permanente, não acidental; coerente, não arbitrária, é o clamor de uma vida que resiste à morte, até mesmo porque ele foi freqüentemente profético.

            Está aí a questão da reforma agrária, a qual jamais, em tempo algum, admitiu discutir. Ele não era contra. Simplesmente, negava-lhe qualquer virtude, seja prática, seja teórica, seja de justiça social, seja de distribuição de renda, e não por reacionarismo ou fanatismo patrimonialista. Antônio Ernesto de Salvo considerava a reforma agrária uma proposta anacrônica, “ahistórica”, meramente revolucionária, economicamente incapaz de oferecer resposta às exigências de produção e produtividade da atividade rural. Não a reconhecia nem ao menos como promoção social e solidariedade humana, invocada por seus arautos.

            Até mesmo quando eventuais provocadores lembravam o ruralismo norte-americano de Thomas Jefferson, mandava conferir as datas: “Thomas Jefferson viveu no Século XIX e estamos no Século XXI.”.

            Criou até uma das mais célebres provocações para quando ouvia alguém dizer que todos os países do mundo fizeram reforma agrária: “Se um dia viajava-se de caravelas, por que haveremos, hoje, de construir caravelas?”

            O certo é que, enquanto agonizava, nos últimos dias da doença insidiosa, Antônio Ernesto de Salvo viveu para registrar a patética confissão do Sr. Stédile, criador do MST. Esse insidioso promotor das ações violentas de invasões de propriedade declarou, para frustração e vergonha dos incautos e inocentes úteis que o apoiavam, que a reforma agrária não apenas fracassou no Brasil, mas foi usada como etapa da luta revolucionária que seu grupo empreende para a tomada do poder e a instauração de um Estado comunista.

            Era a confirmação do que Antônio Ernesto de Salvo sempre disse, profeticamente: a reforma agrária não é um fim para seus promotores, mas apenas um meio de agitação e propaganda, e, naturalmente, para fazer caixa - drenando recursos públicos para as suas organizações de fachada - visando a uma ação política revolucionária, que, agora, o Sr. Stédile anuncia, não como penitência pelo erro, mas como escárnio, gozando na cara uma Nação que, se não o apoiou, aceitou-o como protagonista da questão social brasileira.

            Corrijo: o Sr. Stédile não enganou Antônio Ernesto de Salvo.

            Desde que o conheci, em 1996, recém eleita Presidente da Federação da Agricultura do Estado do Tocantins, quando iniciamos uma relação respeitosa que se estreitaria a partir de 1998, data em que assumi meu primeiro mandato como Deputada Federal, passei a registrar, em cadernos, argumentos e números, todo tipo de dados que surgiam nas nossas conversas ou em reuniões de que participávamos. Tornei-me sua discípula e cresci, como dirigente ruralista e como Parlamentar, graças aos seus conselhos e estímulos.

            Embora parecesse rústico, Antônio Ernesto de Salvo era um homem culto, fluente em inglês e francês, leitor voraz, embora jamais citasse seus autores. Sua lógica irrepreensível, sua correção de linguagem e, principalmente, sua informação histórica estavam por trás das suas propostas e desabafos. Longe de ser um capiau, cultivava com encanto os pequenos fazendeiros e sitiantes vizinhos à sua propriedade em Curvelo, Minas Gerais, a quem visitava e orientava, e cujas pequenas lembranças, de comes e bebes da roça, recebia e festejava como os presentes mais estimados.

            Nos últimos dias, sob a emoção da sua morte, revi as notas das nossas conversações e seus papéis inéditos. Confesso que me entretive, como se ele ainda vivesse. Eu registrava até suas idiossincrasias e admirações, como seu encanto pela Embrapa, para ele a mais extraordinária instituição da agropecuária brasileira, e de que recebeu o último prêmio, já doente, representado pelo filho. Era o reconhecimento por uma das suas grandes realizações pessoais como fazendeiro, criador de gado guzerá, que muito fez pela disseminação e adaptação da raça no Brasil.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nosso coro grego de lamentações pela morte de Antônio Ernesto de Salvo transforma-se em campanha pró-monumento à sua memória, um monumento vivo e que será a fixação de uma política agrícola brasileira.

            A política agrícola Antônio Ernesto de Salvo, como esperamos que entre para a rotina das políticas públicas deste País, sempre que forem consideradas as atividades rurais, tem o seu roteiro já pronto, anotado de próprio punho por Antônio Ernesto e encontrado entre seus papéis, na sua mesa de Presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil.

            Com a intimidade com quem decupava em itens singulares sua visão geral e panorâmica da agricultura brasileira, foi anotando e classificando o que considerava, por exemplo, o quinteto de “questões permanentes” para a agropecuária: ambiental, fundiária, indígena, trabalhista e seguro de renda, ao invés de seguro de produção.

            Noutro papel, mostrando extrema sensibilidade e isenção, registrou - como peças de um diálogo - as posições de grupos que discordam da nossa posição como ruralistas.

            Um diálogo. Eles, os que discordam de nós, e nós, os ruralistas.

            A lista está assim:

Eles:

1 - chegaram ao poder e querem ficar;

2 - acreditam na produção da pequena propriedade;

3 - não se incomodam com a erosão da agricultura empresarial;

4 - pretendem abrir a discussão sobre índices de produtividade rural.

Já as nossas posições, que, obviamente, resumiam a estratégia das suas ações, ele também reduziu a quatro pontos, a saber:

1 - temos de mostrar caminhos;

2 - sabemos que não há mágicas capazes de nos manter competitivos;

3 - sabemos que o crescimento do agronegócio empobreceu a maioria dos agricultores;

4 - sindicatos rurais precisam ser mais amplos e mais representativos. Como mudar?

Reconheçamos o realismo corajoso de Antônio Ernesto de Salvo, bem diferente do pragmatismo covarde de muitos. Ele sempre foi um interlocutor interessado e compreensivo, capaz de vencer a incongruência dos conceitos preconceituosos sobre a realidade da agricultura brasileira.

            Detive-me, porém, entre seus papéis, numa página de anotação que registra, ao mesmo tempo, o desespero - já estava irreversivelmente desenganado - e o sentido de missão que deu à sua vida.

            Vou ler o manuscrito:

Hoje, 09 de novembro de 2006, às 7:30 da noite, a bordo do avião da TAM A-320, desde Brasília para BH.

Resolvi, e deve durar pouco, que, de hoje em diante, vou escrever pelo menos três páginas de tamanho médio por dia.

Assunto - qualquer um, mas de preferência aqueles ligados às coisas que sempre fiz na vida: ser fazendeiro, ser político de classe (não no sentido de classe igual a elegância, mas de classe igual a grupo diferenciado.)

Razão - nenhuma visível, mas talvez o medo de morrer, ir embora sem deixar bagagem. Não que pense merecer legar pensamentos e idéias. Procuro disciplinar esta vaidade, nem sempre com sucesso. Talvez mais para afirmar uma lógica de raciocínio e de ações que acompanharam minha vida. Traduzindo: pelo menos viver uma idéia organizada.

                   Há testamentos formais que passam à História, mas essas poucas folhas de papel com os manuscritos sumários de Antônio Ernesto de Salvo exprimem, singelamente, a sabedoria, a profundidade e a extensão do legado de toda a sua vida de líder ruralista.

            Por isso, ao registrar a sua morte - e fazer isso com a solenidade que merecem os registros recolhidos pelos Anais do Senado Federal - quero jurar fidelidade à sua memória. Digo melhor; queremos jurar, pois aqui me sinto apenas uma voz do coro da classe rural brasileira. Queremos jurar fidelidade à sua memória e prometer que construiremos um monumento ao seu testemunho humano, que será a fixação de uma política agrícola do Brasil, a política agrícola Antônio Ernesto de Salvo.

            Antônio Ernesto de Salvo está morto. Viva Antônio Ernesto. Contra a sua memória, nada prevalecerá.

            O Sr. Flexa Ribeiro (PSDB - PA) - Permite-me V. Exª um aparte, Senadora Kátia Abreu?

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL - TO) - Pois não, Senador Flexa Ribeiro.

            O Sr. Flexa Ribeiro (PSDB - PA) - Senadora Kátia Abreu, fiz questão de não interromper o pronunciamento de V. Exª por causa da maneira emocionada como o fez. Sei das ligações afetivas que V. Exª teve com o nosso amigo Antônio Ernesto de Salvo, na Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil, como vice-presidente, e também na Federação da Agricultura do Estado do Tocantins, como presidente. Convivi com Antônio Ernesto e quero dar o meu testemunho desse brasileiro destemido, como V. Exª o qualificou, que não escolhia adversários porque não os temia, em defesa não do setor produtivo da agricultura, mas em defesa do Brasil. Tenho a certeza absoluta de que ele nos deixou um exemplo a seguir. V. Exª, ao fazer este discurso com as presenças dos presidentes de todas as Federações de Agricultura do Brasil, aos quais saúdo em nome de Carlos Xavier, nosso amigo da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará, disse ser um exemplo de liderança esse nosso amigo Antônio Ernesto de Salvo. Existem pessoas - já diziam os poetas - que não morrem; ficam encantadas. Ernesto de Salvo, com certeza, é uma dessas pessoas. E, certamente, ele vai continuar orientando a todos nós, que lutamos por um Brasil melhor, por melhores condições de desenvolvimento econômico e social para todos os brasileiros. Parabéns a V. Exª que faz, na sessão de hoje, esta homenagem à memória de Antônio Ernesto de Salvo, um grande brasileiro, que este País não perdeu pois tem o seu exemplo a seguir.

            O Sr. César Borges (PFL - BA) - Senadora Kátia Abreu, permita-me V. Exª um aparte?

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL -TO) - Obrigada, Senador Flexa Ribeiro.

            Pois não, Senador César Borges.

            O Sr. César Borges (PFL - BA) - Senadora Kátia Abreu, também não quis interromper o brilhante discurso que V. Exª faz desta tribuna, discurso que emocionou a todos nós. Sinceramente, só tomei conhecimento de que Antônio Ernesto de Salvo não estava mais entre nós ao adentrar neste plenário. V. Exª, realmente, pontua o seu discurso de forma magnífica. Em primeiro lugar, ao trazer à tona toda essa emoção, que também é a de todos nós, ao homenagear esse brasileiro e homem público, ligado a um setor tão importante para a Nação brasileira, que emprega tantos brasileiros, e que, na maioria das vezes, é tão incompreendido. Tive a alegria de conhecer pessoalmente Antônio Ernesto de Salvo no decorrer de minha vida pública. Como Governador da Bahia o via, à época ele era presidente da Confederação Nacional da Agricultura, sempre em defesa da agricultura, de forma calorosa, determinada, corajosa, falando, em alto e bom som, da necessidade de os governos brasileiros olharem para a agricultura e para o campo, pois não o fazem como deveriam. Associo-me a V. Exª nesta homenagem. Estou ainda tomado de emoção, porque não sabia do passamento do nosso querido Antônio Ernesto. Não sabia. Realmente, soube da notícia agora, com o pronunciamento que V. Exª faz. Aliás, o discurso proferido por V. Exª, além de fazer justiça a esse homem público, marca um outro ponto, que deve deixá-lo homenageado e feliz, esteja ele no plano que estiver, ao haver mesclado sua homenagem ao tema agricultura e às necessidades do campo brasileiro. V. Exª o fez muito bem. Associo-me inteiramente ao pronunciamento que faz V. Exª. Falo também em nome da Bahia e todos os agricultores e pecuaristas da Bahia. Falo também em nome do prezado amigo aqui presente, o Presidente da Federação da Agricultura da Bahia, João Martins, que também foi amigo de Antônio Ernesto. A Bahia, nesse momento, se associa a homenagem prestada por V. Exª pela perda irrecuperável para todos nós. Só a determinação dos que ficam poderá homenagear e fazer justiça à memória de Antônio Ernesto. Muito obrigado a V. Exª.

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL - TO) - Muito obrigada, Senador César Borges.

            Concedo o aparte ao Senador Raimundo Colombo, de Santa Catarina.

            O Sr. Raimundo Colombo (PFL - SC) - Senadora Kátia Abreu, cumprimento V. Exª pelo discurso que faz, bem como a todos os presidentes de Federação do meu Estado, Santa Catarina; cumprimento os Deputados Federais que aqui vieram para também se associarem a essa homenagem que V. Exª faz a Antônio Ernesto, reconhecendo seus méritos e mostrando para todos nós e para o Brasil a força de uma personalidade, de um trabalho e de um ideal, no momento em que o Brasil coloca em xeque todos esses princípios e valores, e que as lideranças se desgastam, surge uma figura maiúscula, forte, que mostra um exemplo, um rumo. De forma tão correta, tão amiga e tão próxima, V. Exª relata isso para todos nós e dá conhecimento ao Brasil. Penso que Antônio Ernesto, hoje, fica mais feliz ao ver a lealdade dos companheiros, ao ver que o esforço dele e o seu exemplo está presente em nosso meio, vivo entre nós, e que ficará, permanentemente, como exemplo para todos nós. Parabéns a V. Exª.

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL - TO) - Muito obrigado, Senador Raimundo.

            Antes de encerrar, Sr. Presidente, ouço o Senador Osmar Dias.

            O Sr. Osmar Dias (PDT - PR) - Senadora Kátia, ouvia o pronunciamento de V. Exª pelo rádio - estava em um outro compromisso - e me apressei em aqui chegar para poder aparteá-la nesse pronunciamento que faz, demonstrando a tristeza de V. Exª. Sei da relação de carinho que tinha Antônio Ernesto por V. Exª, assim como tinha carinho pelos agricultores e pela agricultura brasileira que defendeu com muito vigor durante muitos anos de sua vida. Na verdade, ele dedicou grande parte de sua vida na defesa dos interesses dos agricultores brasileiros. O desaparecimento de Antônio Ernesto deixa, sem dúvida alguma, os agricultores brasileiros sem um de seus maiores defensores. Penso que a homenagem que podemos prestar a ele é continuar com a sua luta, com a sua determinação e, sobretudo, com a clareza que ele tinha na defesa de seus pontos de vista, de suas convicções. Antônio Ernesto nos ensinou muito e ajudou muito este Senado Federal, quando, muitas vezes, pessoalmente, aqui vinha para discutirmos leis, emendas à Constituição, reforma tributária. Tive a honra de conviver com Antônio Ernesto por estes doze anos e meio em que sou Senador. Portanto, nestes doze anos e meio, ele sempre foi um companheiro, um parceiro dos Senadores que defendem a agricultura e, muito mais do que isso, foi um mestre, um professor para nós que, muitas vezes, tivemos que recorrer a Antônio Ernesto para votar, para discursar, não apenas para isso, mas para decidirmos assuntos de extrema importância para a agricultura brasileira. A Agricultura tem uma grande dívida com Antônio Ernesto. Mas vamos homenageá-lo ao continuarmos sua luta e o seu trabalho.

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL - TO) - Obrigada, Senador Osmar Dias.

            Antônio Ernesto tinha uma gratidão pelo Senado Federal por tudo aquilo que já fez em prol dos produtores rurais do País e, especialmente, por V. Exª, por quem nutria amizade pessoal e íntima.

            Muito obrigada.

            Ouço o Senador Romeu Tuma.

            O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senadora Kátia Abreu, estava a caminho - fui fazer uma palestra no Estado Maior das Forças Armadas sobre reaparelhamento - e no carro ouvia o discurso de V. Exª . E, acredite, emocionei-me ao perceber a forte emoção de V. Exª ao usar esta tribuna para prestar uma justa homenagem a Antônio Ernesto. Infelizmente, não o conheci, mas conheço a Senadora Kátia Abreu. Portanto, o seu testemunho nos envaidece neste Plenário. Por quê? Porque V. Exª fala com convicção sobre um dos setores mais importantes da economia brasileira, que tantos sofrimentos tem passado, e V. Exª sempre o está defendendo, seja no Tocantins ou na Câmara, e hoje, para o nosso orgulho, no Senado Federal. Então, V. Exª nos passou toda essa emoção, relatada pelos Senadores César Borges e Osmar Dias, que conheceram Antônio Ernesto. Acredito, sinceramente, que, espiritualmente, ele está aqui entre nós, pelo grito de V. Exª chamando-o para homenageá-lo. Parabéns, Senadora.

            A SRª KÁTIA ABREU (PFL - TO) - Muito obrigada, Senador.

            Sr. Presidente, para finalizar, gostaria de agradecer aos apartes dos nossos colegas Senadores. Estou bastante emocionada e agradecida ao Brasil inteiro. O Brasil rural agradece a menção de V. Exªs.

            Sr. Presidente, muito obrigada pelo tempo, pela compreensão de V. Exª.

            Quero agradecer aos Deputados que também aqui compareceram para prestigiar Antônio Ernesto de Salvo. Cumprimento a todos, em nome do Presidente da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, Marcos Montes, do Partido dos Democratas; também agradeço ao Presidente do Partido dos Democratas, Deputado Federal Rodrigo Maia, enfim, agradeço aos meus colegas que vieram de longe: do Amapá ao Rio Grande, do Acre ao Rio de Janeiro, ao Presidente da ABCZ José Olavo Borges Mendes, a todos vocês, companheiros, muito obrigada por estarem aqui. Sei que o nosso sentimento é o mesmo, assim como a nossa luta é a mesma.

            Muito obrigada. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/2007 - Página 22935