Discurso durante a 111ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Debate sobre a necessidade de adoção de política para o abastecimento de água para a região do semi-árido nordestino. (como Líder)

Autor
José Maranhão (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: José Targino Maranhão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. :
  • Debate sobre a necessidade de adoção de política para o abastecimento de água para a região do semi-árido nordestino. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 13/07/2007 - Página 23886
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, PRECARIEDADE, FALTA, RECURSOS HIDRICOS, REGIÃO ARIDA, REGIÃO NORDESTE, AMEAÇA, INSUFICIENCIA, AGUA POTAVEL, MUNICIPIOS, SUPERIORIDADE, POPULAÇÃO, NECESSIDADE, INTERVENÇÃO, JUSTIÇA, GARANTIA, DIREITOS, ABASTECIMENTO DE AGUA, PRESERVAÇÃO, VIDA, HABITANTE, PREJUIZO, ECONOMIA, LOCAL, PROIBIÇÃO, UTILIZAÇÃO, AGUA, DIVERSIDADE, OBJETIVO.
  • DEFESA, AGILIZAÇÃO, INTEGRAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, ABASTECIMENTO, REGIÃO NORDESTE, APREENSÃO, AUMENTO, POPULAÇÃO, MUNICIPIOS, MOTIVO, EXODO RURAL, RISCOS, GRAVIDADE, SECA, REGISTRO, EFICACIA, TRANSPOSIÇÃO, RIO, ESTADOS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DA PARAIBA (PB), PERIODO, GESTÃO, ORADOR, GOVERNADOR, PREPARAÇÃO, INFRAESTRUTURA, RECEBIMENTO, AGUA.
  • ELOGIO, INICIATIVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, APLICAÇÃO, RECURSOS, PRIORIDADE, OBRAS, TRANSPOSIÇÃO, TENTATIVA, SOLUÇÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE.
  • ESCLARECIMENTOS, TRANSPOSIÇÃO, AUSENCIA, RISCOS, EQUILIBRIO ECOLOGICO, RIO SÃO FRANCISCO, COMENTARIO, INFERIORIDADE, VOLUME, TRANSFERENCIA, AGUA, DEFESA, UTILIZAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, GARANTIA, VIDA, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.
  • SOLICITAÇÃO, MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA, OBJETIVO, DETALHAMENTO, IMPLANTAÇÃO, PROJETO, REGISTRO, OPINIÃO PUBLICA, APOIO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.

            O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB. Pela Liderança do PMDB. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda bem que o meu discurso sai do foco que até agora dominou as manifestações na tribuna do Senado, envolvendo as pessoas mais qualificadas nesta Casa da representação nacional.

            Como todos os meus Pares, lamento profundamente que tenhamos chegado a um nível de tensionamento que muitas vezes compromete até o equilíbrio das figuras mais sensatas do Senado da República.

            Vou falar, Sr. Presidente, de algo que para nós, paraibanos, e de resto toda a população do Nordeste setentrional, tem uma profunda significação, porque, no médio prazo, significa o direito de sobreviver, de garantir a continuidade de Estados e de regiões, sobretudo do semi-árido, que conseguiram até hoje sobreviver e contribuir para a grandeza da região e do País.

            Retorno a esta tribuna o importante tema da garantia de água para abastecimento humano e desenvolvimento socioeconômico da parcela do semi-árido brasileiro que não dispõe de rios perenes e é obrigada a conviver com crises de abastecimento de água que ameaçam hoje até mesmo o setor de menor consumo: a água de beber em importantes cidades dos Estados encravados no chamado semi-árido setentrional, formado pela Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará.

            No Nordeste setentrional, repita-se, sem rios perenes, surpreendem ainda carências em abastecimento de água, que submetem a estabilidade econômica à insegurança hídrica avessa à certeza propícia a investimentos.

            Mais grave ainda: estarrece constatar que à quinta maior cidade brasileira, Fortaleza, impõe-se conviver com a guilhotina do colapso absoluto no seu sistema de abastecimento de água, a exemplo de outras cidades como Campina Grande, na Paraíba, com uma população de 344 mil habitantes, e Caruaru, em Pernambuco, com 350 mil habitantes - dados da estatística de 2000.

            Com freqüência crescente, também outras cidades da Região acionam a Justiça para garantirem seus direitos de abastecimento na disputa pelos parcos recursos hídricos locais. Embargos judiciais de usos de águas para abastecimento humano podem - com fiscalização eficiente - ter o efeito pretendido, mas liquidam a economia local por proibirem o uso da água para outros fins.

            É no contexto do previsível desabastecimento dos centros urbanos que a integração do rio São Francisco com o Nordeste setentrional se insere e se justifica de maneira inconteste.

            Desde sua primeira menção, ainda no século XIX, até poucos anos atrás, o empreendimento vinha sendo apresentado como megaprojeto para irrigar terras ao norte do rio São Francisco. Entretanto, do crescimento das cidades, catalisado pela mudança de perfil da população local - de rural para urbana -, emergiu um quadro de demandas hídricas no qual uma integração com o São Francisco com fins de suprimento humano torna-se, nos casos mais extremos, emergencial, tanto pelo prazo necessário para a execução física da obra, como pela incontornabilidade de uma provável situação de colapso absoluto.

            A própria forma de operação do sistema de integração reproduzida na Outorga para o projeto, emitida pela ANA (Agência Nacional de Águas), espelha essa priorização legal e humanitária do abastecimento de uma população que, em 2025, nos Municípios beneficiados, chegará a 12 milhões. A operação do sistema preconiza que 26,4m³/s sejam destinados, sem restrições, ao suprimento da população por meio dos chamados eixos de integração Norte e Leste. Ambos os eixos...

            O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB) - Como eu dizia, Sr. Presidente, ambos os eixos captam a água entre as represas de Sobradinho e Itaparica e têm, respectivamente, uma capacidade de condução de 99m³/s e 28m³/s.

            Portanto, o verdadeiro perfil da integração do São Francisco é o de solução racional e única para o problema do desabastecimento dos centros urbanos. Não há originalidade em adotá-la. Assim resolveram seu problema cidades como São Paulo, onde a transposição do rio Piracicaba retira cerca de 65% de sua vazão para garantir a existência da megalópole. Assim se abastece o Rio de Janeiro, que, sem transpor 70% da vazão do rio Paraíba do Sul para o rio Guandu, igualmente seria insustentável com sua população. A capital baiana complementa o suprimento de água com a transposição da barragem Pedra do Cavalo para o sistema metropolitano de abastecimento de água. Aracaju, a capital sergipana, que fica à margem do São Francisco, obtém através de uma transposição a água que lhe é indispensável para sustentar sua população. Trata-se, portanto, meus amigos, de uma solução convencional, adotada dentro e fora do Brasil para resolver problemas de desequilíbrio hídrico entre ofertas e demanda de água de uma região para outra.

            Obras de transposição entre bacias hidrográficas são usadas inclusive no próprio semi-árido setentrional com o objetivo de corrigir com águas locais os desequilíbrios hídricos abrandáveis com essas disponibilidades. No meu Estado da Paraíba, enquanto estive no governo, realizamos várias obras dessa natureza, como o Canal da Redenção, composto de 37 km de canal revestido, túneis, sifões e aquedutos, cujo objetivo maior é o de viabilizar a irrigação do Projeto Várzeas de Sousa, com 5 mil hectares de infra-estrutura de uso comum, também concluído no meu Governo.

            Várias outras transposições foram realizadas, no período de minha administração, com fins de abastecimento humano, interligando açudes de maior capacidade com cidades cujos mananciais locais já não respondiam com segurança ao atendimento dos conglomerados urbanos. Assim, planejamos e executamos cerca de 800 km de sistemas adutores, garantindo uma solução cidadã para o abastecimento de cidades como Patos, hoje com mais de 100 mil habitantes, que vivia a depender dos humores do clima para não se submeter a racionamentos que chegavam a 15 dias sem água para um dia com água, sem falar no risco de um colapso absoluto quase todos os anos. Exemplos de obras dessa natureza executadas no âmbito do que denominamos Plano das Águas foram os sistemas adutores do Cariri, do Congo e Coremas-Sabugi.

            A infra-estrutura receptora das águas do São Francisco na Paraíba está pronta e a ela tivemos a satisfação de acrescentar a barragem de Acauã, no rio Paraíba, que se tornou a terceira maior do Estado, ficando atrás apenas do Coremas-Mãe D’água e Boqueirão.

            Poderia citar também o Governo do nosso companheiro de representação do Rio Grande do Norte, o Senador que aqui tem adotado esta mesma posição: a da defesa intransigente da transposição das águas do Rio São Francisco. Refiro-me ao Senador Garibaldi Alves Filho, que, lá no Rio Grande do Norte, durante o seu período administrativo, fez essa mesma obra precursora da transposição, garantindo a segurança necessária à própria transposição para uma melhor distribuição entre os vários Municípios do Estado, com as adutoras...

(Interrupção do som.)

            O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - O tempo destinado à Liderança é de cinco minutos. Peço a V. Exª que colabore com a Mesa, Senador José Maranhão.

            O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB) - Obrigado a V. Exª. Se o assunto não fosse de tamanha envergadura, certamente eu não estaria a abusar da paciência da Mesa e de meus nobres Pares.

            O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Quero aplaudir o discurso de V. Exª. Recebi um apelo do Presidente Tião Viana para não apartear, mas quero dizer que V. Exª está realmente contando toda a história daquilo em que se vai constituir essa grande obra - que já foi praticamente iniciada - da transposição das águas do Rio São Francisco. Parabéns Senador José Maranhão pela luta da qual V. Exª foi um dos grandes inspiradores e Líder.

            O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB) - Agradeço a deferência de V. Exª.

            Já sabendo que a Presidência não me deferiria mais tempo, para poder fazer a leitura de todo o meu discurso, quero resumir, com algumas observações, mas pedindo que a Mesa o considere lido e o faça inserir nas atas de nossos trabalhos.

            Eu diria que não compreendo a forma preconceituosa com que determinadas lideranças, inclusive no campo religioso, têm se posicionado contra a transposição. Mas a maior força de que nós dispomos para enfrentar todas essas adversidades artificialmente criadas é exatamente a determinação do Governo do Presidente Lula, que, como nordestino fiel às suas origens, que deixou o Estado de Pernambuco como um retirante da seca, teve sensibilidade suficiente para chamar a si a responsabilidade de estadista na construção dessa obra, que já faz parte das tentativas e recursos de governos brasileiros durante mais de duzentos anos.

            É fato histórico que o Imperador chegou a fazer a patética declaração, perante a opinião nacional, de que venderia até as jóias da Coroa para resolver o problema do Nordeste. Mas o Nordeste, até agora, até este Governo, não teve senão soluções, digo, improvisações - porque solução improvisada e improvisação são a mesma coisa - que não resolveram e que, muitas vezes, até agravaram a imagem da região nordestina com a prática da indústria das secas, que fez florescer e manter muitas lideranças no poder, que agora não olham com bons olhos a iniciativa do Governo Federal na busca de soluções para o problema da seca.

            Sr. Presidente, eu me permitiria ainda ler apenas mais um trecho do nosso discurso.

            O que representa a correção dessa deficiência natural secular para 390 sedes municipais, onde habitam doze milhões de brasileiros, em termos de volume de água? A derivação de 26 m3/s através de dois canais - eixo Norte e eixo Leste -, o que equivale a ínfimo 1,4% da vazão regularmente liberada pela represa de Sobradinho.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB) - Eu quis ler esse ponto, Sr. Presidente, porque, muitas vezes, eu vi a repetição deste argumento frágil de que a transposição para atender ao Nordeste Setentrional sacrificaria a irrigação ou a própria existência do rio São Francisco.

            Para melhor explicitar que essa insignificância de volume não é o fator que quebraria a sustentabilidade ambiental do São Francisco, comparemos: esse volume de água, se retirado ao longo de 24 horas/dia, equivale ao volume que evapora no lago da represa de Itaparica. O que se tira para dessedentar a população do Nordeste Setentrional, de doze milhões de habitantes, representa apenas a evaporação do lago de Itaparica.

            E ainda: há dezenas de meritórios projetos implantados e em implantação na bacia do São Francisco que derivam dois, três, quatro vezes esse volume, não para abastecimento humano, mas para irrigação; nem por isso se registrou uma celeuma como vivenciamos há até bem pouco tempo.

            Como já me referi, os chamados eixos de integração - Norte e Leste - têm, respectivamente, uma capacidade de condução de 99 m3/s e 28 m3/s. Ora, se, para consumo humano, necessita-se de apenas 26 m3/s, por que uma capacidade total de 127 m3/s? Para garantir, apenas com os excessos de água nos períodos de cheia do São Francisco, a sustentabilidade socioeconômica do semi-árido setentrional. Como as cheias no São Francisco ocorrem, em média, em quatro anos por década, durante esses anos, os canais funcionarão a plena carga, transferindo para os açudes do semi-árido setentrional irrisória fração de 1% do volume das enchentes.

            Estamos falando de aproveitar a água que seria jogada no oceano Atlântico para garantir a sustentação de uma população de doze milhões de habitantes!

            Note que a sustentabilidade hídrica do desenvolvimento socioeconômico do semi-árido setentrional é alcançada pelo projeto sem comprometer absolutamente em nada as iniciativas de mesma natureza na própria bacia, posto que volumes de cheia não têm utilidade econômica local, sequer servem à geração de energia elétrica, dado que as cheias passam pelos vertedouros das hidrelétricas e não pelas turbinas instaladas.

            A integração do São Francisco é a solução técnica mais adequada à economia nordestina para resolver o problema de todo o semi-árido setentrional e garantir seu desenvolvimento socioeconômico sem prejuízos para os Estados sanfranciscanos.

            Agora que jazem sob a espada da Justiça, através de embasado parecer do Ministro-Relator do STF, os antigos argumentos contrários à integração, resta apenas o início imediato das obras, que, segundo nos reporta o bravo Exército Brasileiro, dar-se-á na segunda quinzena de junho. Isso já aconteceu e está acontecendo, graças a Deus.

            O processo licitatório tanto da obra como da supervisão de implantação encontra-se atualmente em curso no Ministério da Integração Nacional, possibilitando, assim, a escolha das empresas que vão dar continuidade à implantação dos demais quatorze lotes de obras em que está dividido esse prioritário empreendimento inserido no PAC.

            Para que nos aproximemos ainda mais desse histórico projeto de interesse nacional, estou solicitando ao Ministério da Integração Nacional a realização de uma palestra a ser inserida em programação da Comissão de Orçamento, que tenho a honra de presidir, trazendo, assim, maiores detalhes sobre o cronograma de implantação desse empreendimento cujos reflexos positivos para o crescimento extrapolam os limites do Nordeste e se farão sentir em todo o Brasil.

            Eu diria ainda, Sr. Presidente, que, felizmente, a opinião nacional tem sensibilidade. Em pesquisa nacional feita há algum tempo, em todo o País, se constatou que 83% da população brasileira, inclusive os que moram no Sul do País, é favorável à transposição do São Francisco.

            Por isso, resta a todos nós nordestinos o reconhecimento a um Governo que teve sensibilidade e coragem para, opondo-se a todas as injustas reações retrógradas, levar à frente o projeto. Tenho certeza de que, de agora em diante, dificilmente haverá alguém com disposição para voltar atrás.

            O homem olha sempre para a frente e para o alto e tenho certeza de que todos os Governos que se seguirem ao Presidente Lula haverão de se mirar no seu exemplo para garantir a continuidade dessa obra que, como todos nós sabemos, é uma obra de execução lenta, demorada e que requer vontade política, coragem e sobretudo compromisso com o progresso deste País.

            Sr. Presidente, peço que meu discurso seja publicado na íntegra.

  
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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR JOSÉ MARANHÃO.

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            O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, retorno a esta tribuna com o importante tema da garantia de água para abastecimento humano e desenvolvimento socioeconômico da parcela do semi-árido brasileiro que não dispõe de rios perenes e é obrigada a conviver com crises de abastecimento que ameaçam hoje até mesmo o setor de menor consumo: a água de beber em importantes cidades nos estados do chamado semi-árido setentrional formado pela Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará.

            No nordeste setentrional, repita-se, sem rios perenes, surpreendem ainda carências em abastecimento de água, que submetem a estabilidade econômica à insegurança hídrica avessa à certeza propícia a investimentos. Mais grave ainda: estarrece constatar que à quinta maior cidade brasileira - Fortaleza/CE - impõe-se conviver com a guilhotina do colapso absoluto no seu sistema de abastecimento de água, a exemplo de outras como Campina Grande/PB (344 mil habitantes-2000) e Caruaru/PE (350 mil habitantes-2000). Com freqüência crescente, também outras cidades da região acionam a Justiça para garantir seus direitos de abastecimento na disputa pelos parcos recursos hídricos locais. Embargos judiciais de usos de águas para abastecimento humano podem - com fiscalização eficiente - ter o efeito pretendido, mas liquidam a economia local por proibir o uso da água para outros fins.

            É no contexto do previsível desabastecimento dos centros urbanos que a integração do Rio São Francisco com o nordeste setentrional se insere e se justifica de maneira inconteste.

            Desde sua primeira menção, ainda no século XIX, até poucos anos atrás, o empreendimento vinha sendo apresentado como um megaprojeto para irrigar terras ao norte do rio São Francisco. Entretanto, do crescimento das cidades, catalisado pela mudança de perfil da população local - de rural para urbana - emergiu um quadro de demandas hídricas no qual uma interligação com o São Francisco com fins de suprimento humano torna-se, nos casos mais extremos, emergencial, tanto pelo prazo necessário para a execução física da obra, como pela incontornabilidade de uma provável situação de colapso absoluto.

            A própria forma de operação do sistema de integração reproduzida na Outorga para o projeto emitida pela ANA - Agencia Nacional de Águas espelha essa priorização legal e humanitária do abastecimento de uma população que em 2025 nos municípios beneficiados chegará a 12 milhões. A operação do sistema preconiza que 26,4 m3/s sejam destinados, sem restrições, ao suprimento da população através dos chamados eixos de integração Norte e Leste. Ambos os eixos captam a água entre as represas de Sobradinho e Itaparica e têm respectivamente uma capacidade de condução de 99 m3/s e 28 m3/s.

            Portanto, o verdadeiro perfil da integração do São Francisco é o de solução racional e única para o problema do desabastecimento dos centros urbanos. Não há originalidade em adotá-la. Assim resolveram seu problema cidades como São Paulo, onde a transposição do rio Piracicaba retira cerca 65% de sua vazão para garantir a existência da megalópole. Assim se abastece o Rio de Janeiro que sem transpor 70% da vazão do rio Paraíba do Sul para o rio Guandu igualmente seria insustentável com sua população. A capital baiana complementa o suprimento de água com a transposição da barragem Pedra do Cavalo para o sistema metropolitano de abastecimento de água. Aracajú, a capital sergipana, deriva do próprio rio São Francisco, através de uma transposição, a água que lhe é imprescindível para sustentar sua população. Trata-se portanto, meus amigos, de uma solução convencional, adotada dentro e fora do Brasil para resolver problemas de desequilíbrio entre ofertas e demanda de água em uma região.

            Obras de transposição entre bacias hidrográficas são usadas inclusive no próprio semi-árido setentrional com o objetivo de corrigir com águas locais os desequilíbrios hídricos abrandáveis com essas disponibilidades. No meu estado da Paraíba, enquanto estive a frente do governo realizamos várias obras dessa natureza, como o Canal da Redenção composto de 37 km de canal revestido, túneis, sifões e aquedutos cujo objetivo maior é o de viabilizar a irrigação no Projeto Várzeas de Sousa com 5.000 hectares de infra-estrutura de uso comum também concluído no meu governo.

            Várias outras transposições foram realizadas no meu governo com fins de abastecimento humano, interligando açudes de maior capacidade com cidades cujos mananciais locais já não respondiam com segurança o atendimento dos conglomerados urbanos. Assim, planejamos e executamos cerca de 800 km de sistemas adutores garantindo uma solução cidadã para o abastecimento de cidades como Patos, hoje com mais de 100 mil habitantes, e que vivia a depender dos humores do clima para não se submeter a racionamentos que chegavam a 15 dias sem água para 1 dia com água, sem falar no risco de um colapso absoluto quase todos os anos. Exemplos de obras dessa natureza executadas no âmbito do que denominamos Plano das Águas foram os sistemas adutores do Cariri, do Congo e Coremas-Sabugi.

            A infra-estrutura receptora das águas do São Francisco na Paraíba está pronta e a ela tivemos a satisfação de acrescentar a barragem de Acauã no rio Paraíba, que se tornou a terceira maior do estado, ficando atrás apenas do Coremas-Mãe D´água e Boqueirão. Dentre esses três maiores reservatórios, o Coremas-Mãe D´água viria a ser o único a não receber águas da transposição, fato injustificável, visto ser o maior reservatório do Estado. Assim, tão logo tomamos conhecimento do problema procuramos o Ministério da Integração Nacional ainda na gestão Ciro Gomes e obtivemos do coordenador do projeto, com o aval do Ministro, a determinação de que se elaborasse o projeto do pequeno ramal interligando o Eixo Norte com as cabeceiras do rio Piancó, principal tributário do lago do sistema Coremas Mãe-D´água. Temos certeza de que na atual gestão, o Ministro Geddel Vieira dará a continuidade necessária para a concretização desse justo pleito.

            Srªs e Srs. Senadores, enquanto fomentador de desenvolvimento regional, o empreendimento da transposição cumpre sua função - dentro da regra de operação explicada - de levar sustentabilidade hídrica para as atividades econômicas em curso e planejadas. Sem água não se pode pensar em nenhum modelo de desenvolvimento, muito menos na reversão do quadro socioeconômico estabelecido.

            Em seu estágio atual o projeto passou por todos os trâmites previsto na legislação vigente. Recapitularei resumidamente as etapas já cumpridas nessa longa batalha para garantir o acesso de brasileiros às águas de um rio igualmente brasileiro, classificado como de ingerência federal visto que cruza mais de um estado da federação, conforme Lei Federal 9.433/1997. Em maio de 2003 a Agencia Nacional de Águas - ANA emitiu a Nota Técnica 123 - na qual embasava a consistência técnica em se emitir a Outorga Prévia pelo uso das águas sanfranciscanas pelo projeto de integração. Em setembro de 2004 foi emitida a Nota Técnica 492, um Parecer do Ministério do Meio Ambiente em que se atestava haver disponibilidade de água no São Francisco para atender ao projeto sem trazer nenhum prejuízo ambiental para a bacia. Em janeiro de 2005 - Conselho Nacional de Recursos Hídricos, entidade maior que trata das águas brasileiras, aprovou o Projeto e publicou a aprovação na Resolução 47/2005. Em setembro de 2005, a Agência Nacional de Águas, subsidiada na sua Nota Técnica 390, publicou a outorga definitiva do projeto e o Certificado de Sustentabilidade Hídrica, documento que atesta a viabilidade do empreendimento segundo os critérios hidrológicos, econômicos e financeiros, preconizados em lei e fiscalizados por aquela agência.

            No que respeita ao licenciamento ambiental, após a emissão da licença prévia para o empreendimento pelo IBAMA, veio à cena uma verdadeira enxurrada de ações na Justiça contestando a viabilidade ambiental do projeto. O ministro Sepúlveda Pertence, encarregado no Supremo Tribunal Federal de tratar do assunto, debruçou-se com toda sua equipe no processo e após quase dois anos de exaustiva análise e oitiva e todas as partes envolvidas, cassou todas as liminares que engessavam o processo de implantação do projeto. O parecer final do Ministro Sepúlveda, com suas quase 70 páginas, representa uma verdadeira referência bibliográfica no esclarecimento de questões que vinham sendo sistematicamente distorcidas para a opinião pública.

            Temos notícia de que determinados setores tentam ainda barrar a execução do projeto ajuizando ações no STF. Fizemos um apanhado dessas ações e asseguro aos senhores e as senhoras que NENHUMA dessas novas ações trazem argumento novo. Trata-se dos velhos argumentos exaustivamente tratados pelo STF no Parecer do Ministro Sepúlveda Pertence e já demolidos um a um com fundamentação técnica incontestável.

            Na verdade, o maior problema enfrentado pelo projeto de integração do São Francisco com o semi-árido setentrional é sem dúvida alguma a difusão de falsas informações em torno de questões de caráter eminentemente técnico.

            Como já disse anteriormente, não se trata de um projeto voltado prioritariamente para o uso econômico das águas transpostas no semi-árido setentrional. A prioridade absoluta do projeto, consoante com a própria hierarquização de uso determinada na lei brasileira, é o abastecimento humano urbano. Enfatize-se que a discussão da transposição como projeto de desenvolvimento estratégico e equidade social entre regiões tornou-se secundária diante da urgência de se resolver o problema do abastecimento urbano. Assim, as duas perguntas básicas são: quanto se precisa de água para suprir 12 milhões de pessoas (em 2025)? E qual é a fonte mais adequada para o atendimento?

            Estudos técnicos desenvolvidos nos últimos anos, recentemente validados pela ANA - Agencia Nacional de Águas, demonstram que uma vazão de 26,4 m3/s, conforme mencionei, é suficiente para o atendimento. Quanto à fonte hídrica, o Rio São Francisco concentra cerca de 70% da água doce disponível no Nordeste. No ponto de captação do projeto, entre as represas de Sobradinho e Itaparica, o rio apresenta uma vazão mínima garantida de 1.850 m3/s. Os 26,4 m3/s representam 1,4% desta vazão. E a geração de energia? Não será afetada? A vazão firme retirada é tão pequena que o próprio esquema operacional praticado pela CHESF absorve, sem prejuízos, essa retirada. Simulações de operação integradas dos sistemas elétrico e hidráulico (Norte e Nordeste) atestam haver impacto irrelevante. Ainda que houvesse, a legislação brasileira e o senso humanitário asseguram o saciar da sede antes da geração do quilowatt.

            Em resumo, se examinarmos as questões que alimentaram esse debate político veremos que o mote predileto dos contrários à integração versa sobre a disponibilidade efetiva de água no São Francisco e no semi-árido setentrional. Por um lado, apregoa-se o São Francisco como um rio sem condição hidroambiental de atender à demanda de água do projeto. Por outro lado, alega-se que sobra água no semi-árido setentrional, numa simplória confusão entre “capacidade de armazenamento” - volume dos açudes cujo preenchimento com água depende do humor de São Pedro - com disponibilidade efetiva de água - água armazenada pelos açudes nos anos de bom humor de São Pedro.

            A conclusão de importantes estudos relacionados com a bacia do São Francisco e com as bacias receptoras do semi-árido setentrional derrubou formalmente velhos argumentos difundidos há anos na captação de incautos para engrossar as fileiras dos que têm o projeto como o algoz do rio. O Plano Decenal da Bacia Hidrográfica do São Francisco elaborado pela Agência Nacional de Águas - ANA, acompanhado e discutido pelas Câmaras Técnicas do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco e aprovado por esse último, demonstrou cabalmente que há disponibilidade para o atendimento de todas as necessidades hídricas da própria bacia e do semi-árido setentrional sem comprometer as folgas, ainda que as demandas sanfranciscanas praticamente tripliquem nos próximos 20 anos, algo historicamente sem registro. Crescendo à inédita taxa de 5,2% ao ano, a demanda na bacia sairia de 91 m3/s (2005) para 262 m3/s em 2025.

            Assim, o Plano Decenal do São Francisco adotou uma vazão de 360 m3/s para cobrir, repita-se, com folga, todas as demandas internas e externas da bacia, não podendo ser omitido que, caso fosse necessária a alocação de mais água para o setor de abastecimento humano, essa vazão poderia crescer para 370, 380, ...400 m3/s, etc, pois o abastecimento humano é prioritário em relação a qualquer uso econômico da água.

            Premissa constitucional - e humanitária do ponto de vista ético - assegura o abastecimento humano como prioridade absoluta na alocação de águas no país. As deficiências de disponibilidade de água nos centros urbanos do semi-árido setentrional careceram de estudos técnicos apenas para quantificá-las, não para reconhecer sua existência. Essa é apresentada pela mídia nacional a cada recorrência de seca. A disponibilidade per capita naquela região está abaixo do mínimo recomendado pela ONU, o que foi recentemente ratificado pelo Plano Nacional de Recursos Hídricos, divulgado em fevereiro de 2006 pelo Ministério do Meio Ambiente. O que representa a correção dessa deficiência natural secular para 390 sedes municipais, onde habitarão 12 milhões de brasileiros, em termos de volume de água? A derivação de 26 m3/s através de dois canais - eixo Norte e eixo Leste - o que equivale a ínfimos 1,4% da vazão regularmente liberada pela represa de Sobradinho.

            Para melhor explicitar que essa insignificância de volume não é o fator que quebraria a sustentabilidade ambiental do São Francisco, comparemos: esse volume de água, se retirado ao longo de 24 horas/dia, equivale ao volume que evapora no lago da represa de Itaparica - onde desemboca a água liberada por Sobradinho - em apenas 10 horas. E ainda: há dezenas de meritórios projetos implantados e em implantação na bacia do São Francisco que derivam 2, 3, 4 vezes esse volume, não para abastecimento humano, mas para irrigação, e nem por isso registrou-se uma celeuma como vivenciamos até bem pouco tempo.

            Como já me referi, os chamados eixos de integração - Norte e Leste - têm respectivamente uma capacidade de condução de 99 m3/s e 28 m3/s. Ora, se para consumo humano necessita-se de apenas 26 m3/s, por que uma capacidade total de 127 m3/s (99+28 m3/s)? Para garantir, apenas com os excessos de água nos períodos de cheia do São Francisco, a sustentabilidade socioeconômica do semi-árido setentrional. Como as cheias no São Francisco ocorrem, em média, em quatro anos por década, durante esses anos os canais funcionarão à plena carga, transferindo para os açudes do semi-árido setentrional irrisória fração de 1% do volume das enchentes. Note que a sustentabilidade hídrica do desenvolvimento socioeconômico do semi-árido setentrional é alcançada pelo projeto sem comprometer absolutamente em nada as iniciativas de mesma natureza na própria bacia, posto que volumes de cheia não têm utilidade econômica local, sequer servem à geração de energia elétrica, dado que as cheias passam pelos vertedores das hidrelétricas e não pelas turbinas instaladas.

            A integração do São Francisco é a solução técnica mais adequada e econômica para resolver o problema dos centros urbanos do semi-árido setentrional e garantir seu desenvolvimento socioeconômico sem prejuízos para os estados sanfranciscanos.

            Agora que jazem sob a espada da justiça, através do embasado parecer do ministro relator no STF os antigos argumentos contrárias à integração, resta apenas o início imediato das obras que segundo nos reporta o bravo Exército Brasileiro dar-se-á na segundo quinzena de junho.

            O processo licitatório tanto da obra como de supervisão de implantação encontra-se atualmente em curso no Ministério da Integração Nacional, possibilitando assim a escolha das empresas que iram dar continuidade à implantação dos demais quatorze lotes de obras em que está dividido esse prioritário empreendimento inserido no PAC.

            Para que nos aproximemos ainda mais desse histórico projeto de interesse nacional estou solicitando ao Ministério da Integração Nacional a realização de uma palestra a ser inserida em programação da Comissão de Orçamento, a que tenho a honra de presidir. Trazendo assim maiores detalhes sobre o cronograma de implantação deste empreendimento cujos reflexos positivos para o crescimento extrapolam os limites do nordeste e se farão sentir em todo o Brasil.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/07/2007 - Página 23886