Discurso durante a 112ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância da reforma do Código de Processo Penal.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO DE PROCESSO PENAL.:
  • Importância da reforma do Código de Processo Penal.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Edison Lobão, Mão Santa, Paulo Duque, Valter Pereira.
Publicação
Publicação no DSF de 14/07/2007 - Página 23923
Assunto
Outros > CODIGO DE PROCESSO PENAL.
Indexação
  • REGISTRO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, RECLAMAÇÃO, POPULAÇÃO, CRIME, FALTA, SEGURANÇA, OPINIÃO, ORADOR, NECESSIDADE, MOBILIZAÇÃO, LEGISLATIVO, REVISÃO, LEGISLAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, MODERNIZAÇÃO, CODIGO DE PROCESSO PENAL.
  • ANALISE, DEFASAGEM, CODIGO DE PROCESSO PENAL, AUTORIZAÇÃO, EXCESSO, RECURSOS, EFEITO, AUMENTO, DEMANDA, TRIBUNAIS INFERIORES, TRIBUNAIS SUPERIORES.
  • REGISTRO, REUNIÃO, GRUPO DE TRABALHO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), BUSCA, COLABORAÇÃO, REFORMULAÇÃO, CODIGO DE PROCESSO PENAL, DADOS, JUSTIFICAÇÃO, NECESSIDADE, URGENCIA, PROVIDENCIA, COMPROMISSO, PODERES CONSTITUCIONAIS, MELHORIA, SEGURANÇA PUBLICA, COMBATE, IMPUNIDADE, GARANTIA, RESPEITO, ESTADO DE DIREITO.
  • COMENTARIO, OMISSÃO, EXECUTIVO, FUNCIONAMENTO, DEFENSORIA PUBLICA, DEFESA, MELHORIA, APARELHAMENTO, CORREGEDORIA, ESTADOS, INFRAESTRUTURA, CONSELHO NACIONAL, JUSTIÇA, MODERNIZAÇÃO, JUDICIARIO.
  • CONCLAMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), COMBATE, IMPUNIDADE, BRASIL, AUXILIO, INVESTIGAÇÃO, ENTIDADE, DESVIO, RECURSOS, SETOR PUBLICO.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Valter Pereira, um jurista que oportunamente preside esta sessão; Srªs e Srs. Senadores; brasileiros que nos ouvem pela Rádio Senado e nos vêem pela TV Senado, disse há poucos instantes, ainda na Presidência desta sessão, o pronunciamento do Senador Edison Lobão, repondo a verdade - e não diria que S. Exª defende o Supremo, mas que repõe a verdade do que se passa com a mais alta Corte de Justiça do País -, realmente, foi uma brilhante peça que antecedeu o meu pronunciamento, que, com certeza, não terá o brilhantismo do pronunciamento do Senador Edison Lobão, mas que vai na mesma direção.

            Sr. Presidente, não há dúvidas - e as pesquisas claramente nos apontam isso, inclusive as feitas pelo Instituto de Pesquisa do Senado, o DataSenado - de que a maior reclamação da população brasileira, hoje, é a insegurança, a criminalidade. Entenda-se criminalidade em sentido amplo, ou seja, a que vai desde um pequeno assalto ou mesmo uma leve incidência delituosa até homicídios, corrupção, seja ela no setor público ou no privado, ou o ato de um cidadão corromper um agente público, seja ele um guarda de trânsito, seja ele um Ministro de Estado. A verdade é que, realmente, diante de índices de criminalidade tão altos, a culpa é do Executivo, portanto, do Presidente da República, dos Governadores de Estado e dos Prefeitos. Quem executa as políticas públicas de segurança são os mandatários do Poder Executivo nos três níveis de poder - municipal, estadual e federal.

            Entretanto, cabe-nos uma parcela de culpa, sim, Senador Valter Pereira, e muito grande. As legislações existentes, tanto o Código de Processo Penal quanto o Código de Processo Civil, estão obsoletas. O Código de Processo Civil ainda avançou, recentemente, com algumas mudanças, entrando em nova sintonia com o momento em que vivemos em pleno século XXI. Mas o Código de Processo Penal é muito velho, muito velho; além do mais, feito com o interesse - é verdade, Senador Edison Lobão - de garantir o mais amplo direito de defesa. Todavia, tão amplo que os advogados, aproveitando-se da lei votada no Congresso Nacional na década de 40, legitimamente, para defenderem seus clientes, usam todos os pontos da lei - não são artifícios, não - que permitem “n” recursos na primeira instância, “n” recursos na segunda instância e até recursos ao Supremo Tribunal Federal. Mesmo os casos de roubo de galinha chegam ao Supremo Tribunal Federal!

            Ontem, um grupo de trabalho, designado por V. Exª, Senador Valter Pereira, na qualidade de Presidente a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, composto pela Senadora Ideli Salvatti, pelo Senador Romeu Tuma e por mim, além dos Senadores Jefferson Péres e Pedro Simon, que, impossibilitados, não comparecerem à reunião, mas que também fazem parte do grupo de trabalho, se reuniu com a Ministra Ellen Gracie. O nosso propósito era o de justamente ouvir, em primeiro lugar, a Presidente do Supremo Tribunal Federal sobre a oportunidade e a colaboração que o Supremo Tribunal Federal possa dar - leia-se a colaboração que todo o Poder Judiciário possa dar - para uma reforma no Código de Processo Penal.

            E, para referendar o que disse o Senador Edison Lobão, pergunto: V. Exªs sabem quantos processos há contra autoridades que têm o chamado foro especial no Supremo Tribunal Federal? Cinqüenta; são cinqüenta processos. Sabem quantos processos existem contra pessoas que não têm foro privilegiado? São 150 mil. Até 2001, não havia processos contra parlamentares, a não ser que a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal o autorizasse. Mas, nós mudamos isso. Desde 2001, o Supremo Tribunal Federal não precisa mais pedir permissão para processar Deputado ou Senador. A lei foi mudada, e o Supremo Tribunal Federal passou a agir. O Poder Judiciário interpreta a lei e a executa. O Poder Judiciário não faz leis. Quem as elabora é o Congresso Nacional - a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

            Pois bem; de 2001 para cá, há cinqüenta 50 processos, sendo que 50% destes são de 2006, em que estão, inclusive, os envolvidos no chamado escândalo do Mensalão. Mas ainda lá, no Supremo, de acordo com o Código de Processo Penal, também existe uma série de recursos, inclusive vários embargos.

            Então, precisamos reformar os Códigos de Processo, repito, tanto o Civil quanto o Penal. Mas agora estamos tratando do Penal, que é o que angustia a Nação. Por exemplo, existe essa história, colocada na mídia, de que a polícia prende e o Poder Judiciário, isto é, o juiz solta. Mas como é que a polícia prende? Salvo em flagrante delito, em que situação a polícia prende? Só com ordem judicial. Então, quem manda prender é o juiz, mas ele é obrigado a analisar se existem os pré-requisitos legais para que a pessoa continue presa. Está estabelecido na Constituição e na legislação infraconstitucional.

            O momento no Brasil é até didático e oportuno para que tenhamos serenidade para refletir. Estou falando de um tema que não é da minha formação, porque sou médico, mas tenho a assessoria de dois filhos juízes - um do Distrito Federal e outro de Roraima - e da Consultoria Legislativa do Senado, uma assessoria muito especial, e também me valho do saber jurídico de muitos colegas juristas. É oportuno que, em um momento como este, façamos um diagnóstico: o que precisa ser feito no nosso âmbito, no âmbito do Poder Executivo e no âmbito do Poder Judiciário. Se não houver a intenção dos três Poderes de realmente acabar com a sensação de impunidade que existe no País, não haverá mudanças.

            Não adianta, por exemplo, produzirmos leis e o Executivo não cumprir a sua parte, que é de assegurar recursos para a segurança pública, para pagar bem o policial, construir presídios, educar, criar condições de políticas sociais adequadas a fim de não ensejar a criminalidade, muito embora nós saibamos que ser pobre não é sinônimo de ser desonesto. Existem exemplos e mais exemplos de meliantes de classe média e média alta que se deleitam cometendo ilícitos dos mais variados, como queimar um índio que está dormindo em praça pública ou assaltar e agredir uma empregada doméstica, justificando que a confundiram com uma prostituta.

            Precisamos ter serenidade. É uma realidade o alto índice de criminalidade no Brasil. Mas existe criminalidade também nos Estados Unidos. O ruim é a sensação de impunidade ou a real impunidade.

            Eu não vou me ater à questão do chamado foro especial, já muito bem abordada pelo Senador Edison Lobão. Na verdade, o foro especial evita, por exemplo, que o Presidente da República seja processado por um cidadão no Acre, um cidadão no Rio Grande do Norte, um cidadão no Rio Grande do Sul, e tenha que responder aos processos nesses respectivos Estados. Não! Para isso existe um foro especial. Não quer dizer que o Presidente da República não possa ser processado. Pode e deve. Existem ações populares que permitem a qualquer cidadão processar. Um Senador pode ser processado? Pode. Tanto pode que há vários processados no Supremo Tribunal Federal.

            O que não se deve pensar é que combater a impunidade se traduza num açodamento em condenar. A sociedade pensa, de maneira equivocada, que o Ministério Público é uma máquina de fazer denúncias. Não é! O Ministério Público analisa as matérias que lhe chegam às mãos. Em muitas, pede o arquivamento por falta de provas; em outras, inocenta o acusado; e, em outras tantas, denuncia aqueles em que acredita haver realmente cabimento. Ao juiz cabe examinar a denúncia do Ministério Público, fazer a ampla oitiva das partes e, ao final, dar o veredicto, inocentando ou condenando. O Poder Judiciário também não é uma máquina só de condenar, mas também de absolver os inocentes. Por isso precisamos levar à população o que está escrito, a própria lei. O que temos de reformar, repito, são os Códigos de Processo.

            O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - V. Exª me permite um aparte, Senador Mozarildo Cavalcanti?

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Em seguida, darei o aparte a V. Exª, com muita satisfação. Peço apenas a compreensão de V. Exª, já que o Senador Cristovam Buarque aguarda há mais tempo.

            Antes de conceder os apartes, porém, gostaria de fazer um apelo, neste momento em que o Senado Federal vive um período conflituoso, constrangedor. O mais novo dos Senadores teria que ter 35 anos, mas ninguém aqui tem menos que 45 anos. Há vários ex-governadores, ex-ministros, pelo menos dois ex-Presidentes e um ex-vice-Presidente. Imagino, pois, que temos experiência para, primeiro, enfrentar nossa própria crise interna e não nos abster de cuidar das crises do País.

            Ouço o Senador Cristovam Buarque e, em seguida, o Senador Edison Lobão.

            O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador Mozarildo Cavalcanti, não pedi aparte ao Senador Edison Lobão porque estava ocupado com outra atividade naquele momento, mas gostaria de falar em relação aos dois discursos. Creio que república não rima com tratamento especial.

(Interrupção do som.)

            O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Uma república tem que dar o mesmo tratamento a todos os cidadãos. O foro especial já é, a meu ver, uma aberração do ponto de vista republicano. Agora, o mais grave é que o instituto do foro especial não se resume àqueles que a lei especifica. Qualquer brasileiro que tem dinheiro para pagar um bom advogado tem um foro especial, mesmo que seja o mesmo foro dos outros. Qualquer pessoa - e aí vou levantar um assunto polêmico - que conhece bem os corredores da Justiça, que tem boas conexões no processo, termina tendo um foro diferente daqueles que não têm. É por isso que sempre dizemos que há muita impunidade no Brasil. Há impunidade para a parcela que tem acesso aos advogados, aos corredores da Justiça. Os pobres estão sendo punidos. Este não é um País de impunidade para todos. É de impunidade para alguns, como aqueles que têm acesso a trabalhar dentro do sistema Judiciário para tirar vantagens disso. Os pobres estão presos. Falamos em foro especial na Justiça, mas esquecemos de falar da cadeia especial para quem tem diploma superior. Em um país republicano, não pode haver cadeia para bandido tipo “A” ou tipo “B”, que cometeram os mesmos crimes, só porque um tem diploma de curso superior e o outro não tem. Mas não é apenas o foro especial e a cadeia especial. Este é um país de especialidades: a escola é especial, o hospital é especial, o transporte é especial. Este é um país que não é totalmente republicano ainda. Ainda é um país imperial, na forma como as pessoas se apropriam da escola, da saúde, do transporte, da justiça e das cadeias. Temos que completar a República. E quando isso acontecer, não haverá lugar para foro especial.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Senador Cristovam Buarque, esse é outro ponto em que falha o Poder Executivo. O Constituinte de 1988 - inclusive tive a honra de ser Constituinte - criou as Defensorias Públicas, que deveriam funcionar no âmbito estadual e no âmbito federal. Mas só muito recentemente a Defensoria Federal foi instalada. E as estaduais, a maioria delas - e São Paulo foi talvez um dos últimos Estados a instalar -, deveriam fazer o quê? Dar a oportunidade ao pobre de ter um defensor a partir do momento em que se sentisse lesado em algum direito. Se o Poder Executivo desse prioridade a essas questões, não haveria tanta desigualdade.

            Ouço, com muito prazer, o Senador Edison Lobão.

            O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Queria apenas dizer a V. Exª, repetindo um pouco o que já havia falado, que o ato delituoso não pode ser punido apenas o desejo das pessoas, e sim com a demonstração do seu cometimento, com a prova circunstancial, cabal, material. Por outro lado, Senador Mozarildo Cavalcanti, todos desejamos a celeridade da Justiça, mas a estrutura judicial brasileira é ainda obsoleta. Para isso, para alcançarmos essa rapidez e sairmos da lentidão que todos condenam, é que fizemos aqui a reforma do Poder Judiciário. Tive a honra de presidir a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania no instante em que votávamos exatamente a reforma do Judiciário. Criamos a súmula vinculante, a súmula impeditiva de recurso etc. E, agora, estamos cuidando da alteração dos códigos, para impedir exatamente essa pletora de recursos, cerca de 54 em cada processo. Com isso, sim, chegaremos a uma rapidez, à velocidade desejável no julgamento dos processos. Não se trata de culpar a Justiça por conta da ausência disso.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Senador Edison Lobão, quero só comentar um ponto do seu aparte, quando V. Exª disse que o cidadão não pode ser condenado porque há um clamor pela sua condenação. O juiz tem de ter realmente os elementos e, para isso, está ali limitado pela legislação e uma série de regras que possam levá-lo a julgar com total isenção. Todo clamor pode ser injusto. Usando um costumeiro procedimento do Senador Mão Santa, o clamor popular, à época de Cristo, foi para que ele fosse crucificado e para que Barrabás fosse solto. Então, Pilatos lavou as mãos.

            O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - E todos nós sabemos que fora da lei não há salvação.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Exatamente.

            O que estava dizendo é que Pilatos apenas lavou as mãos. Quer dizer, ele sabia, tinha convicção de que Cristo não era o que diziam aqueles elementos que insuflavam a multidão. Contudo, para não contrariar a maioria, lavou as mãos. O juiz não pode fazer isso. O juiz tem de condenar ou absolver com base na lei, e não em “achismos”.

            Senador Mão Santa, ouço V. Exª.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª, hoje, complementa o louvor à Justiça: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de Justiça”. Lobão e V. Exª fizeram isso. Mas queria acrescentar que este é o melhor Senado desses 183 anos. Não há esse negócio de complexo. Todos nós estamos aqui por mérito. São 81 membros. O conselho de Cristo, a que V. Exª se referiu, só tinha 12, escolhidos por eles, e deu no que deu. Mas V. Exª chamou a atenção para a Defensoria Pública. No próprio julgamento de Cristo, por exemplo, não houve quem o defendesse. Anás, Caifás, Pilatos... E foi ligeiro. Tenho muito medo de julgamentos rápidos, por isso ainda confio nesse do Senado. O de Cristo foi muito rápido: às 15 horas já estava tudo acabado, consumado. Quero dizer-lhe que me orgulho. Neste Senado temos, V. Exª mesmo disse, dois ex-Presidentes, um ex-Vice-Presidente, talvez o melhor de toda a história dos 507 anos - Marco Maciel, de quem nos orgulhamos. Nós temos nossa experiência. Eu me orgulho não pelas obras físicas, pelas pontes, pelas casas populares, pelas faculdades, mas por ter construído o Palácio da Defensoria Pública. Lá no Piauí, havia um Defensor-Chefe, Cadena Neto, que dava aqueles DAS do Estado - Direção e Assessoramento Superiores -, V. Exª sabe, para que os Defensores, que eram uns trinta, coordenassem outros estudiosos e para que toda a população tivesse o direito à defesa, para que o pobre tivesse acesso à Justiça - como São Francisco fez na Igreja, a fim de que o pobre também tivesse acesso. Então, a Defensoria Pública enriquece, V. Exª lembrou em boa hora.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Sim, Senador Mão Santa, V. Exª também mencionou uma parte, que quero comentar: a questão da pressa no julgamento.

            Não queremos que seja nem tanto ao mar, nem tanto à terra; nem que o processo fique mofando e prescreva, nem que haja essa emergência no julgamento, porque isso nós vimos muito na Inquisição, chamada de Santa Inquisição. Toda vez em que há pressa, acontece isso.

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Concedo a V. Exª o aparte, com muito prazer.

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Quero dizer ao Senador Mozarildo que é a primeira vez em que estou pedindo aparte a alguém neste Senado.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - É uma honra.

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - V. Exª é jurista, advogado, médico?

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Não; só médico.

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Médico. Ótimo! Estamos aqui falando, como lembrou o Senador, em Francisco de Assis, no julgamento de Cristo, na história, naquilo que resultou etc. Quero dizer a V. Exª que, durante muitos anos, fui Deputado Estadual...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Uma vez lá, Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, tive a oportunidade de participar do bicentenário da morte de Tiradentes, Joaquim José da Silva Xavier. Naquelas comemorações, tive uma curiosidade muito grande - e V. Exª se referiu há pouco a uma justiça ágil, justa. Ouvindo sobre os Defensores Públicos - a Defensoria, no meu Estado, é um organismo muito especial e muito operoso -, desejo indagar uma coisa que possivelmente ninguém neste plenário talvez saiba: quem foi o advogado de Tiradentes. Ele teve um advogado? Teve um advogado. Foi gratuito? Não; não foi gratuito. Senador Mão Santa, que lembrou aqui Francisco de Assis, não foi gratuito. Sabem V. Exªs quem pagou? A Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. E, há pouco tempo, nós todos aqui votamos um benefício a todas as Santas Casas do Brasil. O recibo está lá, até hoje. Quem tiver curiosidade de ir à Santa Casa, no Rio de Janeiro, na Rua Santa Luzia, poderá ver num quadrinho o recibo de 200 réis, assinado por José de Oliveira Fagundes, que foi advogado da Santa Casa, formado, evidentemente, em Lisboa, pois, naquela época, não havia ainda faculdades de Direito em nosso País. Estou falando aqui de 1789. Então, é disto que se precisa: da evolução dos julgamentos, da rapidez que o réu quer, que o advogado necessita e que o juiz tem obrigação de dar. Ontem, falou-se muito aqui sobre um julgamento, um tipo de julgamento que não é bem um julgamento, porque, às vezes, um bom discurso pode mudar até...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - (...) como bom médico, está fazendo um discurso primoroso da tribuna.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Muito obrigado, Senador Paulo Duque.

            V. Exª me deixa lisonjeado com as observações. Sou médico por formação e legislador pela bondade do meu povo de Roraima há 16 anos: oito como Deputado Federal, oito como Senador, entrando para um novo mandato.

            Portanto, preocupo-me muito. A grande missão de um médico é fazer o diagnóstico, porque tratar é muito mais simples: o médico prescreve e até o auxiliar pode executar. Então, para mim, a importância deste momento está em fazermos o diagnóstico do que precisa ser tratado, o que, no meu entender, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sob a Presidência do Senador Valter Pereira, se houve muito bem, em atendendo o requerimento da Senadora Ideli Salvatti, ao criar um grupo de trabalho para, num curto espaço de tempo, promover as mudanças no Código de Processo Penal. Porque, é bom que se diga, este Código é a mãe de toda essa sensação de impunidade e, principalmente, de protelação, de procrastinação da aplicação da justiça.

            Senador Valter Pereira, concedo o aparte a V. Exª, para fechar com chave de ouro o meu pronunciamento.

            O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - Senador Mozarildo Cavalcanti, apenas para divergir de algumas avaliações que foram feitas no pronunciamento de V. Exª por colegas aparteantes. Efetivamente, os códigos contêm mecanismos que permitem, ou melhor, que asseguram o direito a todos os acusados de se defender. Isso faz parte do devido processo legal, e conspirar contra isso significa violar a própria Constituição. Todavia, é preciso reconhecer que, embora o Poder Judiciário, especialmente nos tribunais, tenha uma razoável celeridade, esta não é uma regra geral. Tenho, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, quando realizamos debates com autoridades que são indicadas para os tribunais, insistido que, especialmente no juízo de primeira instância, o processo anda, e anda até com razoável celeridade. Mas, quando chega no final, no desfecho, no momento que está concluso para a prolação da sentença, o que o juiz faz às vezes? Senta em cima do processo, passa um mês, três meses, seis meses, às vezes, um ano para dar uma sentença! Ora, o que se tinha que fazer já foi feito. Isso traz um grave prejuízo às partes, porque, principalmente no cível, aquela que vem a ser vencida ou mesmo aquela que tem a expectativa de ser vencedora perde o direito de ir ao tribunal imediatamente superior porque não tem a sentença. A sentença é a base para se fazer um recurso, e, se não tem a sentença, não se faz o recurso. Infelizmente, existe a necessidade hoje de uma fiscalização maior por parte principalmente do Conselho Nacional de Justiça no sentido de fazer o acompanhamento. Existem hoje recursos tecnológicos disponíveis; existe uma rede eletrônica de informação pela qual é possível fazer o acompanhamento. De sorte que o Judiciário precisa melhorar, sim, e precisa melhorar na sua atividade funcional, na sua atividade profissional. Há juízes que realmente retardam o processo - essa é uma realidade; retardam e, às vezes, ficam responsabilizando o Código. Este, realmente, é um cipoal. Existem muitos mecanismos de defesa, mas existe também a falha de quem opera o Poder Judiciário - que é o juiz - em não fazer o acompanhamento e em não adotar as medidas no devido tempo. Tem prazo que é exigido para as partes, mas os prazos exigidos para o juiz nem sempre são cumpridos.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Senador Valter Pereira, V. Exª, estando hoje na Presidência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, na ausência do titular, o nosso querido Senador Antonio Carlos Magalhães, abrilhanta, sobremaneira, o meu pronunciamento. E V. Exª colocou dois pontos que considero fundamentais. Primeiro, a criação do Conselho Nacional de Justiça, um órgão que não existia até bem pouco tempo e que, com certeza, já vem desempenhando um papel muito importante na questão, não o de se imiscuir, porque não é o papel dele, no julgamento do juiz, mas, sim, nos procedimentos administrativos e no cumprimento dos prazos.

            As Corregedorias, infelizmente, nos Estados, não funcionam muito bem. É também verdade - não estou aqui dizendo que todo juiz cumpre o seu trabalho; há juízes que não cumprem - que a maioria esmagadora cumpre. Inclusive, recentemente, nós vimos pela televisão um juiz, numa cidade brasileira cujo nome não me recordo, desesperado, bateu até com o microfone na cabeça, porque não havia um funcionário para ele fazer uma audiência.

            Então, na verdade, é preciso que haja o aparelhamento.

            Ontem, a Ministra Ellen Gracie disse que tramita uma lei na Câmara que cria sessenta ou oitenta vagas - não tenho bem certeza - na estrutura do Conselho Nacional de Justiça para dotá-lo da infra-estrutura de pessoal necessária para dar conta do seu trabalho. Esse processo está há muito tempo na Câmara. Então é preciso que todos os Poderes façam a sua parte. Que o Legislativo legisle com rapidez; que o Executivo elabore as políticas públicas e deixe de legislar - hoje 50% do que se faz aqui no Senado e na Câmara é matéria que vem por medida provisória ou de urgência constitucional, ou seja, o Poder Executivo legislando mais do que executando. E que o Judiciário também cuide de se modernizar.

            A Ministra Ellen Gracie nos disse, ainda ontem, que, por exemplo, o processo dos envolvidos no mensalão está disponível a todos na Internet. Portanto, pode ser dada vista ao mesmo tempo aos advogados dos quarenta envolvidos, ou seja, não se tem mais aquela velha história de que um advogado pega o processo, leva para casa, volta e vai para o outro. Imaginem: se ainda fosse esse o procedimento, quanto tempo levaria! Então, é preciso modernizar e aparelhar o Judiciário. É preciso que os Poderes se respeitem. E aqui foi dito que temos de ter muito cuidado, porque fora da lei só há tirania, e tirania geralmente se reverte mais ainda contra os mais pobres.

         Gostaria de terminar concitando essas ONGs - Transparência, Contas Abertas - a que elas pudessem se voltar também a investigar as ONGs desonestas, que desviam bilhões de reais, como todos os dias é noticiado na imprensa, e que, no entanto, não vejo essas outras ONGs chamadas transparência, contas abertas, exercerem esse papel.

            Encerro dizendo: vamos nos unir para o bem do Brasil. O Poder Legislativo - Senado e Câmara -, o Poder Judiciário e o Presidente da República - falar em Poder Executivo é muito vago - para fazermos as correções que o Brasil precisa, principalmente na questão do respeito ao cidadão e do combate à criminalidade e à impunidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/07/2007 - Página 23923