Discurso durante a 116ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a crise ética e moral brasileira.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA NACIONAL.:
  • Considerações sobre a crise ética e moral brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 03/08/2007 - Página 25798
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • RETORNO, EXERCICIO, MANDATO PARLAMENTAR, AGRADECIMENTO, WILSON MATOS, SUPLENTE, REGISTRO, APRESENTAÇÃO, PROPOSIÇÃO, BENEFICIO, EDUCAÇÃO.
  • COMENTARIO, CRISE, SENADO, GRAVIDADE, CORRUPÇÃO, GOVERNO, IMPORTANCIA, PRESERVAÇÃO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, APREENSÃO, PERDA, CONFIANÇA, POPULAÇÃO, CONCLAMAÇÃO, RECONSTRUÇÃO, ETICA.
  • REGISTRO, NOTA OFICIAL, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), DEFESA, DEMOCRACIA, ETICA, CRITICA, IMPUNIDADE, ANALISE, RELATORIO, BANCO MUNDIAL, GRAVIDADE, NIVEL, CORRUPÇÃO, BRASIL, SUPERIORIDADE, PERDA, RECURSOS, EFEITO, REDUÇÃO, RENDA PER CAPITA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Mão Santa, pela generosidade. Estamos de volta, realmente depois de quatro meses de licença, por razões já conhecidas da Casa. E este é o momento para agradecer, sim, a presença aqui do Suplente Wilson Matos, que exerceu durante esse período um mandato profícuo, com sugestões importantes, especialmente no setor educacional, deixando doze projetos que certamente serão aprovados pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados.

A Wilson Matos, o meu agradecimento. E meu agradecimento também a todas as pessoas que enviaram mensagens durante esse período, manifestando preocupação com a nossa ausência e desejando um breve retorno. Ausência em momento dramático para o Senado Federal. De longe, percebi a turbulência que se abateu sobre esta Casa do Poder Legislativo. É evidente que, chegando agora, o que posso dizer é que todos nós devemos colocar, acima de eventuais interesses individuais, o interesse maior da instituição. Entre a preservação do interesse pessoal de qualquer Parlamentar e a preservação da instituição, devemos optar pela preservação da instituição. Essa é a nossa conduta. Sempre foi e será em todas as oportunidades, porque, Senador Mão Santa, “o verdadeiro instrumento do progresso dos povos encontra-se no fator moral”. A frase do genovês Giuseppe Mazzini, apóstolo da unidade e da independência italiana, não é menção gratuita na abertura do meu pronunciamento de retorno à Casa.

O cenário de indignação geral que tomou conta do País, em face da crise que se abateu sobre as instituições democráticas, passando pela estrutura do Governo e revelando a incapacidade do Estado para atender às expectativas mínimas da população, somado ao descrédito da classe política e do próprio Parlamento, deságua no perigoso estuário da perda de credibilidade e do enfraquecimento das instituições democráticas e do Estado democrático de direito.

Não vejo outra alternativa diante do quadro delineado. É imperioso, urge deflagrar um movimento em prol da reconstrução da base ética, solapada de forma sistemática nos últimos tempos.

Não há um único segmento da sociedade organizada que tenha se calado diante da crise ética que vive o Brasil. A própria Igreja, em nota intitulada Democracia e Ética, por intermédio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, manifestou sua perplexidade diante das rotineiras denúncias de corrupção em várias instâncias do poder público no Brasil.

Há uma onda que se propaga em velocidade vertiginosa - infeliz daquele que, investido de mandato popular, não se der conta disto: a sensação de que, no final das contas, tudo acaba em impunidade.

Como também disse Dom Odilo Scherer, Arcebispo de São Paulo: “As denúncias caem no vazio e tudo fica como está, as questões são resolvidas na base do arranjo político e os bens públicos desviados e acumulados ilicitamente não são restituídos a quem de direito”.

A atividade política não pode estar baseada na idolatria do interesse pessoal e oportunista. O povo, como nos lembrou Dom Scherer, perde a confiança na ação política e nos poderes legitimamente constituídos. Quem de nós pode ignorar ou dissimular esse cenário?

A atual situação transcende a ótica partidária de uma visão com viés oposicionista. O momento é realmente grave! Com lucidez, o Arcebispo de São Paulo afirma que os “princípios éticos a partir da postura de homens públicos, instituições, são relativizados, e tudo é filtrado pela ótica pessoal”.

A memória de “muitos” é providencialmente curta e rarefeita, mas, como dizia o patrono desta Casa, Rui Barbosa, “a memória é um hóspede incômodo, de que os homens políticos neste País se dão pressa em descartar-se”.

A seqüência de escândalos a que o Brasil assistiu desde o surgimento da primeira denúncia sobre a existência do mensalão, em maio de 2005, foi avassaladora, corroeu os alicerces éticos da Pátria. O resultado do inquérito sobre o esquema do famigerado mensalão conduzido pelo Procurador-Geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, endossando as acusações da CPI dos Correios, é a síntese da derrocada ética e moral. Disse o Procurador: “A existência de uma sofisticada organização criminosa, dividida em setores de atuação, que se estruturou profissionalmente para a prática de crimes como peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta, além das mais diversas formas de fraude”.

A promiscuidade, Srs. Senadores, permeando as relações entre as esferas públicas e privadas, chegou às raias do paroxismo.

Esse ambiente de deterioração ética e moral propiciou, indiscutivelmente, fortes abalos em várias dimensões da governança.

A propósito, é sintomático o que revelou o último relatório anual de governança elaborado pelo Banco Mundial: o nível de corrupção no Brasil é o pior em dez anos. De acordo com o levantamento, o País está em nível inferior ao que se encontrava quando a entidade começou a fazer esse estudo, em 1996.

O mencionado estudo do Banco Mundial analisou inúmeros aspectos de governança: controle de corrupção; capacidade de ser ouvido e prestação de contas; eficiência administrativa; qualidade regulatória; Estado de direito, entre outros.

O controle de corrupção é definido pelo Banco Mundial como “a medida da extensão com que o poder público é exercido para ganhos privados, incluindo tanto pequenas quanto grandes formas de corrupção, assim como o ‘seqüestro’ do Estado por elites e interesses privados”. Sem dúvida, não poderíamos ter sido bem avaliados dessa perspectiva.

O resultado desse estudo deve nos refrescar a memória: fomos espectadores do trágico espetáculo que sepultou a ética e transformou a relação público e privado em estuário da promiscuidade.

O volume de recursos que se esvai nos veios da corrupção: um estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, com base em dados do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, da ONG Transparência Internacional revelou que o custo médio anual da corrupção para o Brasil, em valores correntes de 2005, é de R$26,2 bilhões, valor equivalente a 1,35% do Produto Interno Bruto do nosso País. A quantia supera o orçamento de sete ministérios para este ano.

Aliás, segundo estudo do Banco Mundial, uma melhora “substantiva” no controle da corrupção pode levar um país a triplicar a renda média da população. Não é por outra razão que a transparência internacional calcula que, se tivéssemos no Brasil o mesmo índice de corrupção da Dinamarca, a renda per capita do brasileiro seria 70% maior do que é hoje.

O apagão logístico - notadamente o aéreo, sem falar de todas as vertentes do eclipse ético e moral - merece um registro: “o loteamento político da Infraero foi o ponto de partida do caos aéreo no Brasil”. Merece registro a reportagem da competente jornalista Christiane Samarco, do Estadão, edição do último dia 18 de julho, sobre o assunto. O papel claudicante da Anac conjugado à inépcia gerencial do Governo redundou na barbárie que traumatizou e enlutou a Nação brasileira.

Os diagnósticos repetem-se e só agudizam o cenário que vem provocando indignação crescente da população. No início deste ano, pesquisa divulgada pela Fundação Heritage em parceria com o The Wall Street Journal mostrava que a corrupção e a ineficiência de vários setores são os maiores problemas da economia brasileira.

A tragédia aérea é o sintoma visível da desorganização do Governo Federal.

Mais de trezentos dias se passaram para que o Governo despertasse para a necessidade de um controle aéreo eficiente e moderno, com aeroportos de infra-estrutura adequada e com empresas aéreas devidamente fiscalizadas.

O Governo foi instado a reagir após o maior desastre da aviação nacional e diante de um clima de verdadeira comoção no País.

A morte de 154 pessoas na colisão de um Boeing com o jato Legacy, há dez meses, e os reiterados episódios de descontrole e falhas no controle aéreo foram assimilados pela inépcia governamental.

O caos aéreo, sintoma da desorganização gerencial, ainda produziu um “espetáculo de sandices”, cujo elenco era composto por figuras do primeiro escalão do Governo tentando amenizar o acirramento da crise.

O País ainda assistiu a outras cenas deploráveis: funcionários da Infraero - estatal responsável pela administração dos aeroportos - rindo despudoradamente no próprio local da tragédia, em Congonhas. No próprio Palácio do Planalto houve demonstração explícita de escárnio com a catástrofe.

A incompetência mesclada com a negligência, com um forte conteúdo de cinismo e até de deboche, produziu a tragédia aérea. O caos nos aeroportos é sintoma do caos governamental do nosso País. Este aparece mais do que outros por ser mais visível. Mas há desordem administrativa em vários setores do Governo Federal, que certamente significam o acúmulo de um passivo impagável para o nosso País.

O futuro que nos dirá quais as conseqüências desse desapreço pela seriedade e pela incompetência administrativa, pelo desinteresse, pelo descaso, pela irresponsabilidade de autoridades que podem possuir projetos e poder, mas, lamentavelmente, demonstram não possuir projeto de nação.

A reconstrução da base ética é o único caminho de recolocar o Brasil na senda da ordem e do progresso. Como dizia o estadista Winston Churchill: “Pois isto não é o fim. Não é nem sequer o começo do fim. Mas talvez seja o fim do começo”.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/08/2007 - Página 25798