Discurso durante a 124ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Afirmação de que o Brasil precisa de "um susto" para que a classe dirigente passe a tratar com seriedade os problemas que afligem a nação.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • Afirmação de que o Brasil precisa de "um susto" para que a classe dirigente passe a tratar com seriedade os problemas que afligem a nação.
Aparteantes
Mário Couto, Mão Santa, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/2007 - Página 27331
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • REITERAÇÃO, DEBATE, ANTERIORIDADE, DISCURSO, ORADOR, OMISSÃO, POPULAÇÃO, AUTORIDADE, BUROCRACIA, INTELECTUAL, CRIME, OFENSA, DIREITOS HUMANOS, ABANDONO, MISERIA, NECESSIDADE, CONCLAMAÇÃO, PAIS, BUSCA, SOLUÇÃO.
  • COMENTARIO, CRISE, TRANSPORTE AEREO, ACIDENTE AERONAUTICO, DEFESA, REFORÇO, FORÇAS ARMADAS, MINISTERIO DA DEFESA, DIRETRIZ, DEFESA NACIONAL, RETIRADA, COMPETENCIA, GESTÃO, AVIAÇÃO CIVIL.
  • CRITICA, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), DERRUBADA, VETO (VET), GOVERNADOR, AMPLIAÇÃO, PRIVILEGIO, FORO, COMENTARIO, CARTA ABERTA, JOÃO CAPIBERIBE, EX SENADOR, DESTINATARIO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), QUESTIONAMENTO, DECISÃO JUDICIAL, CASSAÇÃO.
  • PREVISÃO, CRISE, ABASTECIMENTO, ENERGIA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, GAS NATURAL, RISCOS, ACIDENTES, PRECARIEDADE, DISTRIBUIÇÃO, SEMELHANÇA, FALENCIA, SISTEMA, RODOVIA, PORTOS, SAUDE PUBLICA, EDUCAÇÃO BASICA, IMPORTANCIA, RETOMADA, INVESTIMENTO PUBLICO.
  • ANALISE, ECONOMIA NACIONAL, FALTA, ESTABILIDADE, EFEITO, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL.
  • APREENSÃO, AUMENTO, PRODUÇÃO, Biodiesel, ALCOOL, INFERIORIDADE, CRIAÇÃO, EMPREGO, AUSENCIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, RISCOS, DESVIO, AGRICULTURA, ALIMENTOS.
  • NECESSIDADE, INCLUSÃO, PROGRAMA, ACELERAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PLANEJAMENTO, MELHORIA, QUALIFICAÇÃO, MÃO DE OBRA.
  • CONCLAMAÇÃO, CLASSE POLITICA, LIDERANÇA, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, RECUPERAÇÃO, CONFIANÇA, COMBATE, CORRUPÇÃO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente; Srªs e Srs. Senadores; meu caro Senador Mão Santa, que acaba de me anteceder, nesses últimos três dias, sucessivamente - quinta-feira, sexta-feira e hoje -, Senador Sibá, tive a oportunidade de falar desta tribuna, coisa que não é tão fácil, diante de tantas inscrições.

Na quinta-feira, falei sobre como o mundo hoje perdeu o sentimento da maldade que existe. Falei sobre a banalidade do mal, que chocou muita gente quando a bomba atômica e os campos de concentração foram sinônimos da maldade no período da Segunda Guerra. E aqueles eventos foram feitos por burocratas. É claro que Hitler estava decidindo, é claro que o Presidente Truman estava decidindo, mas quem fez as mobilizações dos seis milhões de judeus, das centenas de milhares de comunistas, de ciganos, não foi Hitler, mas, sim, os burocratas, que não carregavam aquilo por uma maldade e, sim, pelo cumprimento de um dever sem sentimento da maldade. A maldade ficou banal. Quem soltou a bomba atômica foi um piloto de avião, que apertou um botão, puxou uma alavanca - na época, o avião não tinha botão -, e, lá embaixo, morreram 150 mil pessoas. Era um burocrata sem sentimento algum da maldade que estava fazendo; saiu dali tranqüilo.

Eu dizia que, hoje, os funcionários públicos de alto nível, os burocratas deste País tomam decisões que levam a conseqüências tão dramáticas quanto àquelas sem problema, tranqüilamente. Move-se o tamanho dos juros sem preocupação com o que vai acontecer, na ponta, com os desempregados. Faz-se o Orçamento da União - e somos culpados - de uma maneira, Sibá, burocrática. A gente não carrega mais o sentimento da maldade das coisas que acontecem. E essa é uma tragédia, porque as maldades não apenas acontecem, como também não encontram responsáveis.

Na sexta-feira, falei sobre o Movimento Cansei, que tomou conta de uma parcela da população que se cansou, sobretudo, da crise dos aeroportos e do tamanho dos impostos. Mas essas pessoas não se cansaram do tamanho da pobreza, não se cansaram da concentração de renda, não se cansaram da desigualdade na educação. Cansaram-se devido aos privilégios ameaçados; não se cansaram devido à realidade que o Brasil vive hoje.

Eu disse que também estou cansado de esperar em aeroporto, sentado em poltrona, com ar-condicionado, com livrarias por perto, com restaurantes, às vezes, pagos pela companhia. Isso me irrita profundamente. Sinto que meu direito está afetado. Irrita-me chegar atrasado aos meus compromissos. No entanto, estou cansado também pelos milhões que ficam em paradas de ônibus, em pé - não sentados em poltronas -, sem anúncio da hora em que o ônibus vai sair, podendo ser submetidos a assaltos e a coisas mais graves.

Temos de fazer com que o grito de cansaço seja maior do que o cansaço desse grupo, até porque a gente, quando lê a lista, percebe que alguns dos que se dizem hoje cansados da corrupção votaram sistematicamente em corruptos. Eles vão preferir, na próxima eleição, um corrupto amigo a um honesto que não seja conhecido.

Também vi publicitários assinando o documento do Movimento Cansei. Garanto que alguns desses publicitários que estão cansados da corrupção vão de novo fazer campanha, na próxima eleição, para políticos corruptos. Mesmo assim, estou ao lado deles no cansaço, porque, Senador Mão Santa, pelo menos, eles estão se mobilizando neste País. O Presidente Lula conseguiu acomodar todo mundo, de tal maneira que o Brasil sofreu um retrocesso no seu nível de consciência nesses últimos anos.

Falei sobre isso na quinta-feira e na sexta-feira.

Hoje, vim falar não da banalidade do mal, não da insuficiência do cansaço. Vim falar de assombração. É preciso assombrar este País! E por que não se consegue assombrar este País diante de tantos riscos visíveis adiante, próximos a acontecer? Como a gente se acostuma com as coisas que a gente prevê que vão acontecer e não toma medidas para evitá-las?

O Senador Tuma disse que isto aqui precisava de um descarrego. Acho que não precisa de descarrego, mas de um susto. A gente precisa de um susto. Foi um susto que, na tragédia de Congonhas, despertou o Brasil, para que a gente visse que tinha de mudar a situação no tráfego aéreo. Inclusive, mudou-se o Ministro. Foi preciso um susto! O Brasil assombrou-se quando viu aquele avião pegando fogo, quando soube que 199 pessoas morreram. Como a gente não se assombra com o que continua? Por exemplo, eu me assombro quando vejo o Ministro da Defesa discutindo a distância entre os assentos de um avião. Sinceramente, eu me assombro!

Este País, se alguém não sabe, é o quinto território do mundo, a quinta população do mundo. Tem 16 mil quilômetros de fronteiras com outros países; tem 7,5 mil quilômetros de litoral. É o terceiro ou quarto maior espaço aéreo do mundo, e o Ministro da Defesa, em vez de preocupar-se em recuperar as nossas Forças Armadas para fazê-las do tamanho do Brasil, virou o gerente do tráfego aéreo. Realmente, é preciso que alguém cuide do assunto, mas não deve ser um Ministro ou o Ministro da Defesa.

Ainda mais grave é a gente ver que uma das preocupações é a distância entre os assentos de um avião! Paciência, gente! É isso o que assombra! É um assombro que a gente não percebe, é um assombro que não assusta, porque não se vê o que está escrito nas entrelinhas da omissão brasileira.

Senador Mão Santa, não é possível que este País não descubra que as Forças Armadas têm de ter o tamanho deste País, e elas não têm esse tamanho por falta de apoio, pelos baixos salários de seus oficiais, pela falta de recursos dos seus soldados, que hoje não vão aos quartéis todos os dias porque o Exército não tem dinheiro para pagar a alimentação deles. São soldados que, como vi outro dia em um jornal, no Mato Grosso, saem para caçar aves para comer. Senador Sibá, isso só havia na Idade Média, quando o Exército não era profissional e tinha de conseguir a própria comida, caçando animais. Mas, nos dias de hoje, no século XXI, em um país como o Brasil, com 16 mil quilômetros de fronteira, as nossas Forças Armadas serem desse jeito?!

O Ministro da Defesa deve fazer com que nosso País seja defendido, não apenas com que nossos aviões cheguem na hora. Essa é a função de um gerente que se deve colocar ali, de alguém que entenda de logística. S. Exª deve começar a cuidar daquilo que a gente precisa.

Eu me assustei também - mas lamento que esse susto fique restrito - quando a Assembléia Legislativa de Minas Gerais derrubou o veto do Governador para aumentar, e muito, o número dos que têm direito a foro privilegiado. Sabem o que me assustou? Não é o fato de terem foro privilegiado. O que me assustou - e o Brasil não se assusta, não se assombra - é o motivo de ser tão importante ter foro privilegiado. Vejam bem: se querem ter foro privilegiado é porque acham mais fácil ganhar nos altos Tribunais do que nos Tribunais de baixo. Se é mais fácil ganhar nos altos Tribunais do que nos de baixo, algo está por trás.

É mais fácil manipular poucos juízes do que muitos juízes? Uso o verbo “manipular” para não usar um mais forte. Nessa semana, circulou pela Internet uma carta do ex-Senador João Capiberibe - tenho-a em mão e lamento não ter tempo de lê-la agora -, fazendo perguntas a um Ministro do Supremo, o Ministro que, num dia, anistiou, perdoou, inocentou Joaquim Roriz e que, no outro dia, quase cassou Capiberibe. Será que, por isso, os políticos deste País preferem o foro privilegiado?

O ex-Senador João Capiberibe diz, entre outras perguntas, ao Ministro Carlos Velloso:

1) Você sabia que o então Governador e hoje Senador Joaquim Roriz respondia e continua respondendo dezenas de processos criminais por improbidade administrativa?

2) Você sabia que, em relação a mim e a minha companheira Janete [que também foi cassada], não existe um só processo criminal em nosso desfavor por improbidade administrativa?

Ele sabia disso? É claro que sabia.

E conclui, com duas questões: “1) Você considera que sua decisão de cassar meu mandato e o de minha companheira, Janete, melhorou a vida política brasileira?”.

Isso aqui melhorou com a saída do Capiberibe? A Câmara dos Deputados melhorou com a saída da Deputada Janete?

E ele pergunta: “2) Você considera que sua decisão de inocentar Joaquim Roriz melhorou a vida política brasileira?”.

Não vou emitir juízo de valor sobre o Senador Joaquim Roriz, porque me nego a entrar nesses detalhes, por ser ele um político daqui e por eu ter disputado com ele sempre. Mas essa pergunta é muito válida.

Então, eu me pergunto: não nos assombramos pelo fato de que, no Brasil, os políticos preferem o foro privilegiado, preferem os altos juízes aos de baixo? Acham mais fácil ganhar lá em cima do que embaixo? Eu me assombro. Eu me assombro, porque, num sistema judiciário absolutamente rígido, termina sendo mais fácil ganhar em baixo do que ganhar em cima, mas, no Brasil, os políticos preferem a última instância.

Quando é que vamos dar um susto neste País? Quando houver uma tentativa de golpe militar? Quando o povo for às ruas pedir o fechamento do Congresso, como já fez em outros países, como as pesquisas indicam que é o sentimento de hoje? Será que não nos vamos assombrar com o óbvio apagão energético que está diante de nós, ou vamos esperar outra vez o susto, como aconteceu no Governo Fernando Henrique, quando foi preciso fazer o tal racionamento?

Li no jornal de hoje que nosso querido Senador Aloizio Mercadante está falando em apagão. Está prevendo o apagão, mas não só o de energia elétrica. Eu já disse aqui que todos meus contatos com pessoas ligadas à produção e à distribuição de gás indicam que vai faltar gás neste País, não por causa de Evo Morales, que está doido para vender o dele se pagarmos o preço certo, mas porque os condutos por onde passa o gás estão velhos por falta de investimentos. Vamos esperar que haja uma explosão em um deles, como já estão prevendo? Estão prevendo isso, só não sabem dizer o dia, só não sabem prever a hora.

Vai haver, Senador Sibá, explosão, ou vai ser necessário o fechamento. E é difícil saber qual vai ser pior, porque, se houver o fechamento, as indústrias param neste País, em muitos Estados. Se explodir, além de parar as indústrias, porque pára o fornecimento, esse gás vai ficar também parado e vai fazer - quem sabe? - vítimas.

Será que vamos insistir em não tomar um susto com a crise violenta, com a situação das rodovias brasileiras? Será que não percebemos que há um apagão nas rodovias? É um apagão de tempo perdido por pessoas, um apagão de acidentes com mortes de pessoas e um apagão da economia, porque um caminhão carregado que fica parado numa estrada durante um dia ou dois significa perda, prejuízo. Digo isso, sem falar que, ao se chegar ao porto, o navio já foi embora ou que custa um dinheirão manter esse navio no porto mais alguns dias.

Será que não percebemos que está na hora de nos assustarmos, como o Senador Mão Santa disse, com a situação da saúde? Será que só vamos tomar um susto quando acontecer algo parecido com o que aconteceu há alguns anos em Recife, com os doentes renais? Ali faleceram diversos! Enquanto morrem de um em um, em cada Estado, separadamente, ninguém se assusta! Vamos esperar até quando para tomar um susto e para percebermos que estamos vivendo um apagão da saúde?

Quando houve o caso da aftosa, há alguns anos, todo mundo tomou um susto, e o Governo começou a recuperar o tempo perdido. Mas, Senador Papaléo, era previsto que isso ia acontecer. Hoje, é previsto que há epidemias, senão de doenças contagiosas, “epidemias” - Senador Mão Santa, desculpe-me por eu chamar assim - de pessoas que morrem por falta de atendimento médico.

E o apagão de uma economia vulnerável? Será que ninguém se assustou com o fato de a queda nas Bolsas de Valores lá fora ter provocado uma tremedeira no sistema econômico brasileiro? Depois, houve um alívio, e já se acalmou todo mundo.

Não dá para continuar sem enfrentar o fato, Senador Eurípides Camargo, de que uma economia vulnerável como a nossa vai ter problema em algum momento, no futuro! Pode não ser no Governo Lula. Pode até não ser no governo do substituto dele, mas essa economia que temos não se manterá permanentemente, pois não há bases concretas que lhe permitam sobreviver produzindo e distribuindo. Hoje, até há razoáveis bases financeiras em virtude da carga fiscal de 40%. Se essa carga fiscal diminuir, a economia ficará ainda mais vulnerável. Uma economia que, para não ser vulnerável, precisa que 40% da renda nacional vá para as mãos do Tesouro é uma economia vulnerável por definição, estruturalmente vulnerável.

E não nos assustamos, não nos assombramos! Ficamos esperando o descarrego, como disse nosso colega Senador Romeu Tuma. Não é de um descarrego que precisamos, Senador Mão Santa, mas de um susto, de um assombro. É preciso assombrar-se.

Eu não queria falar sobre esse tema, porque todo mundo diz que só falo disso, mas é importante tocar nesse assunto. É preciso assombrar-se com a vergonha caótica da educação básica no Brasil. Este País não decolará se todas as crianças não estiverem em escola boa, se não houver escola igualmente boa para todos. Nós nos assustamos por que um avião não parou e por que pessoas morreram, mas não nos assustamos com o fato de o avião Brasil estar taxiando na pista, sem fôlego para decolar. Não está decolando!

Não nos assustamos, inclusive, com as possibilidades que surgem como o etanol? Temos de nos assustar, porque é algo bom, que pode se transformar em algo maldito, se não for tratado do jeito certo. É um produto que pode gerar dólares. Mas para quem vão esses dólares? Ninguém discute isso. Da maneira como está indo, não vai ficar para o povo brasileiro, nem para os pobres.

Nós nos alegramos porque vemos investimentos, mas não serão criados empregos em grande quantidade, porque, hoje, devido à mecanização, gera-se pouco emprego no plantio, na colheita, na produção, transformando as canas ou outros produtos agrícolas em etanol ou em biodiesel. Não se vai criar emprego! E vai usar que terra? É claro que o Brasil tem terra bastante, mas, se não tomarmos cuidado, a força do mercado e a voracidade dos tanques de combustível dos automóveis americanos vão fazer com que usemos toda a terra disponível para plantar cana em detrimento da produção de comida. E aí, não vão bastar mais as terras que produzem comida, porque vai haver falta de comida, sim, se não tomarmos cuidado. E aí vamos entrar nas florestas também, Senador Sibá Machado.

Temos de nos assustar tanto com o potencial positivo do etanol, como também com o risco do etanol, se não tomarmos cuidado. Mas não estamos nos assombrando. Não estamos nos assustando. Continuamos aqui falando do superficial, como se a vida fosse um simulacro na televisão, como se na realidade não houvesse uma marcha sem que vejamos o que pode acontecer, sem que nos antecipemos, sem que tomemos as medidas necessárias.

Este é o susto que hoje tenho: o susto da falta de susto; o susto da tranqüilidade com que enfrentamos as dificuldades, da tranqüilidade como o Senado está praticamente paralisado por causa de uma crise específica, provocada por um Senador, o Presidente Renan Calheiros. E, mesmo quando não há crise como essa, o debate sobre os riscos que o País enfrenta não chega aqui. Não vemos, não sei se por tática, não sei se para acalmar ou se por ignorar, por parte das forças concretas do Governo brasileiro a manifestação de consciência do risco, o assombramento diante das possibilidades trágicas adiante e medidas concretas para enfrentar os problemas.

Só para fechar meu discurso, antes de passar a palavra aos que querem fazer aparte, insisto em que mesmo as medidas que são tomadas não carregam a dimensão do susto.

O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) é apenas um plano de investimentos, que não vai mudar o rumo da economia brasileira, que não vai dar a substância fundamental de que ela precisa, por exemplo, na melhoria da qualidade de vida do seu povo, sem o que o trabalhador não vai ser produtivo. Podem jogar o dinheiro que quiserem no PAC, que, sem um plano radical de melhoria da qualidade da mão-de-obra, esse Plano fracassará, a não ser que comecemos a importar mão-de-obra, como se fez no tempo da escravidão e no final do século XIX e no início do século XX.

Vamos importar mão-de-obra por falta de mão-de-obra qualificada? Não está difícil de acontecer isso, Senador Sibá Machado, a não ser que, com a modernidade, todos os tratores que vão colher a cana sejam manejados de Nova Iorque por uns robozinhos manipulados de longe, que nem precisam ser olhados, o que não é impossível; é só colocar um satélite para ver e um engenheiro lá para operar.

O PDE não tem a dimensão do susto do que está adiante. São medidas corretas, mas insuficientes; são medidas que não carregam toda dimensão da tragédia que vemos adiante, e não se percebe que temos todos os recursos que queremos e precisamos para resolver.

Aqui mesmo, hoje, na Câmara dos Deputados - estive lá, pela manhã, e agora continua -, está havendo um excelente seminário. Trouxeram representantes de quatro países do mundo para dizer o que é que fizeram lá para que desse certo, especialmente na educação. Esse seminário é bom, mas o que fazer, nós já sabemos; o que não temos é a vontade de fazer. E a vontade que digo não é o gostinho, o desejo, mas a vontade real e concreta, porque não colocamos isso como verdadeiro problema, pois perdemos, Senador Geraldo Mesquita Júnior, a capacidade de nos assustar; banalizamos não só o mal, como disse na quinta-feira, mas também os problemas. Não nos assustamos, a não ser quando um avião cai, chocando-se no ar, ou quando não pára numa pista de aeroporto. Aí nos assustamos por algum tempo. Mas nos assustamos pela tragédia da morte daqueles; não nos assustamos pela tragédia de milhões que estão vivos, mas sem perspectivas; não nos assustamos diante de um País que se nega a ocupar a real dimensão do seu tamanho, do seu potencial, da sua capacidade.

Não temos um projeto compatível com o tamanho do Brasil, e talvez porque nós - não digo vocês, os outros - sejamos políticos que não estejamos à altura do tamanho do Brasil.

E este talvez seja o pior dos sustos: chegar a esta Casa e ter a sensação de pequenez, de acreditar que não estou à altura do tamanho do meu Brasil, não estou à altura de enfrentar o desafio do meu País, não estou à altura de assombrar a população e dizer, dado o susto, “olha aqui o caminho, vamos continuar nele”. Esse talvez seja o maior dos assombros, dos sustos que o povo brasileiro precisa ter. Hoje, nós, os líderes deste País, no Judiciário, no Executivo, no Legislativo - e sou um desses pequenos -, não estamos à altura do nosso País, das necessidades do nosso povo, do tamanho dos recursos que temos.

Sr. Presidente, eu creio que, com isso, eu fecharia o meu discurso, mas penso que ele ficaria ainda mais pobre se eu não passasse a palavra para aqueles que desejam fazer apartes. Se V. Exª autorizar, passarei a palavra.

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes. PSDB - AP) - Solicito que sejam objetivos nos apartes.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Por favor, Senador Sibá Machado.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Cristovam Buarque, em primeiro lugar, quero dizer que V. Exª é um quadro nacional: quadro da política e da academia brasileira. Cada vez que vai à tribuna, impõe-nos uma reflexão. Mas gostaria de fazer justiça em dois pontos; nos demais, quero dizer que concordo absolutamente com V. Exª. No caso do Ministro Nelson Jobim, penso que, diante da ansiedade que a população foi chamada por conta dos acidentes da Gol e da Tam, S. Exª precisava tomar medidas de rápido efeito. Então, talvez os pronunciamentos tenham sido nessa direção. Mas eu participei de uma reunião do Conselho Político, na qual estava o Ministro Nelson Jobim, em que um dos assuntos era como a defesa nacional passaria a ser, a partir do ano que vem, uma pauta de Governo e uma pauta também do Congresso.

E nessa reunião, S. Exª fez uma abordagem que me chamou muita atenção pelo vasto conhecimento que apresentou nesta área. O outro ponto diz respeito à distribuição de gás doméstico e de gás industrial. Nas cidades do Rio de Janeiro e em São Paulo, que é feita por tubos realmente antigos, com uma certa idade - quero crer que a pessoa que lhe sugeriu essa informação esteja correta nesse ponto -, mas os gasodutos de longa distância são bastante recentes, porque os nossos primeiros contratos são da segunda metade da década de 90, e os primeiros tubos foram colocados entre 1998 e 1999, ligando a Bolívia ao Mato Grosso. Portanto, o gasoduto brasileiro está deficitário na abrangência da sua extensão, ligando o Centro-Oeste ao Nordeste, mas não pelo envelhecimento. No entanto, no caso da cidade do Rio de Janeiro e de São Paulo, realmente é preciso tomar cuidado, sob pena de a indústria ser desabastecida por um problema localizado. Parabenizo V. Exª mais uma vez pelo brilhantismo do pronunciamento que faz.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço V. Exª. Quero dizer que falei pensando no conjunto dos sistemas de condução; não falei nem em gasoduto, creio.

O problema do gás é que ele vai faltar no mundo inteiro. E já se prevê essa escassez em breve. O grave é que o Brasil tem gás, e não se fez os investimentos que deveríamos fazer. Pior que isto: há um imposto que reserva uma percentagem para a prospecção de gás, e o dinheiro está parado. O dinheiro está parado, e não fazemos as prospecções! Há empresários que já reservaram a área, mas estão parados.

Vai faltar gás e também não haverá como distribuí-lo, não pelos grandes gasodutos modernos, mas, como V. Exª disse, pelo sistema de transmissão dentro das cidades. Faltará gás lá na base, na ponta, onde ele é obtido.

No mundo inteiro, haverá escassez de gás. E o Brasil é um dos países que poderia ter evitado isso se fizesse o investimento certo na hora certa. Como não precisávamos ter tido a aftosa, se tivéssemos feito o investimento certo na hora certa; como não teríamos tido apagão aéreo, se tivéssemos feito o investimento certo na hora certa; como não precisávamos viver o apagão vergonhoso e terrível da educação, se tivéssemos feito o investimento certo na hora certa.

O trágico é que o Brasil não é um desses países que não têm os recursos e em que as pessoas têm o direito de chorar pela falta dos recursos. O Brasil os tem. O choro é pela nossa incompetência de, como políticos, colocarmo-nos de acordo, e, ao mesmo tempo, como condutores deste País, definirmos o caminho.

Ouço o aparte do Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Professor Cristovam, V. Exª tem brindado o País com pronunciamentos de alta visão de futuro, com os quais renasce a esperança. V. Exª trata bem do Ministério da Defesa, um ministério novo. Quero crer que o que está havendo é encenação. Não houve investimento em infra-estrutura e em pessoal. As coisas só acontecem se houver ser humano. Não se viu convocação alguma de concurso para a área da segurança aérea. Não se viu investimento na pessoa humana e no material. O Governo, ao sofrer isso, disse que há um pacto. O Brasil conhece o Ministro que assumiu. Ele esteve recentemente no STF, mas houve inúmeros pedidos para que S. Exª saísse de lá, e pedidos de pessoas de sua classe. Foi um número enorme! Politicamente, ele não representa como nós. Chegou a Deputado Federal com a Lei da Legenda. O sujeito tem dez mil votos e chega à Câmara Federal. Podemos dizer que é um político fracassado. Recentemente, não conseguiu nem ser prefeito de sua cidade, governador do Estado. Só foi eleito a Deputado por legenda. Fez uma encenação e enganou Luiz Inácio, que é uma pessoa boa. Só não é assim como o Sibá Machado. Aliás, o Senador Sibá Machado está lendo como um danado. Lê os filósofos, está com uma sede de livros enorme. Então, fez aquela encenação para enganar Luiz Inácio. Luiz Inácio disse mesmo que não gosta de ler. É um problema de Sua Excelência, mas tem muitas virtudes. Sua Excelência é quem tem mais votos neste País e tem intuição. Mas quero dizer-lhe que aquelas palavras não são de S. Exª, mas de Disraeli, Primeiro-Ministro da Inglaterra, da era vitoriana, da Rainha Victoria. Foi Disraeli que disse: "Nunca se queixe, nunca se explique, nunca se desculpe. Aja ou saia. Faça ou vá embora”. E isso impressionou o Luiz Inácio. V. Exª falou das preocupações. Primeiramente, orgulhamo-nos do passado de nossas Forças Armadas pelas pessoas que conhecemos. Direi agora, como V. Exª, que fui à Jamaica, convidado pela Presidente das Relações Exteriores. Isso talvez ele nem saiba. Não sabe que nosso amigo Luiz Inácio foi lá e não viu o que há de mais importante na Jamaica. O jamaicano é um povo que tem auto-estima pela musicalidade, setor em que se destaca o cantor Jimmy Cliff, além de um outro cantor cujo nome não me recordo. Você sabe, Sibá? Quem entende de música é a Ideli. Aquele povo tem tradição no café, embora, quantitativamente, um empresário japonês comprou terras na África e planta o produto lá, mas - vamos dizer - a griffe é da Jamaica. O mais importante que há na Jamaica Luiz Inácio não viu. Lá existe, Senador Cristovam Buarque - e por isso fomos convidados -, uma entidade a que denominam Autoridade, sediada na Alemanha. O Secretário dessa Autoridade é de uma ilha que, embora pequena, é conhecida internacionalmente. Por que fomos chamados a ir lá? Porque hoje o mundo contribui para essa instituição no sentido de pesquisar nossas riquezas do fundo do mar. Deepsea é o nome da organização. Fomos chamados porque o Brasil pesquisa petróleo - e a Petrobras tem muito dinheiro, tanto que dá para escola de samba, time de futebol, dá para tudo; a gasolina é a mais cara do mundo. O mundo todo está pesquisando nossas riquezas. Isso é que o Ministro devia fazer. Então, fomos por causa de uma denúncia de que o Brasil não contribui. A nossa costa é imensa, imensa. Segundo dados, em torno da Ilha de Fernando de Noronha, que faz parte hoje de seu Pernambuco, no fundo do mar, tem esses minérios. Porque estudos mostram - não há pesquisas no Brasil - que os minérios da face da Terra vão desaparecer. Os portugueses começaram tirando ouro, houve a derrama, o negócio vai aparecer. Os países que estão se enriquecendo estão pesquisando os minérios no fundo do mar, e os nossos não estão sendo pesquisados. Os japoneses e os outros pesquisadores já estão tendo conhecimento do que há nas profundezas do mar para investimento. Isso é que seria uma segurança nacional, uma defesa de visão e não aquele grito histérico e roubado, cleptomaníaco, porque aquelas frases... S. Exª pode reler a vida de Disraeli, que verá aquele discurso. Pressionou o Luiz Inácio, porque ele diz que não gosta de ler. Mas, para quem lê, aquele arroubo foi uma demagogia. Um quadro vale por dez mil palavras. No pronunciamento que fiz, mostrando os salários dos aloprados, dos almirantes e dos generais... Rapaz, isto aqui tudo é e-mail de mulher de almirante e de general. O Mercadante não trouxe o contracheque do pai dele. Eles estão ganhando menos que os aloprados que entram nesse governo. Mas vou dizer agora. “Mão Santa, pensei que era só de ficção”. Papaléo, sabe o que um almirante me disse? Olhem que um quadro vale por mil palavras. “Senador Mão Santa, não me decepcione, V. Exª tem um comportamento que o tem honrado”. Eu disse: “Não, a maioria toda é muito boa. Aquilo é porque até Cristo tinha a Bancada dele só de doze e rolou dinheiro, traição”. Aqui, se há rolo, não é Papaléo? Mas aí o almirante disse o seguinte. Olha esse quadro, atentai bem, professor Cristovam, brasileiros e brasileiras, sou oficial da reserva, fiz CPOR, onde se tem noção do que é disciplina, hierarquia, ideal, respeito. Disse o almirante: “Tenho ido a essas festas de receber espada. Fui a todas elas. Antigamente, era o maior orgulho” - e sei o que é isto -”um almirante entregar a espada para seu filho; um brigadeiro, o quepe”. E nenhum entregou. Se eles não estão estimulando os filhos, é porque está ruim, sucateado, desmoralizado. Nenhum! Estou orgulhoso porque fui levar minha filha, que está terminando Medicina, para estagiar com o professor Azulay, um grande dermatologista. Enchi-me de orgulho, Senador Papaléo, quando a Daniela, minha filha, pegou meu anel e mandou diminuir. É ainda pelo heroísmo médico. Aqui diz, acabei de ler, e V. Exª ouviu o que o médico disse: “sem aumento e sem médicos”. Mas veja o que ele disse, o Senador Papaléo que leu aqui: “nós somos médicos e nunca desistiremos”. Com esse intuito, minha filha pediu meu anel de médico e já o diminuiu. Porém, nenhum brigadeiro, nenhum general, nenhum almirante entregou a espada para o filho. Então, Ministro, deixa de conversa fiada! Vá ler a vida de Eduardo Gomes, de Castelo Branco, do Almirante Barroso! Não precisa plagiar discurso de Disraeli para impressionar nosso Luiz Inácio. No Senado, V. Exª está debaixo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço, Senador.

Passo a palavra ao Senador Mário Couto.

O Sr. Mário Couto (PSDB - PA) - Senador Cristovam, primeiro quero parabenizar V. Exª pelo oportuno discurso que faz, nesta tarde, no Senado. A revista Veja da semana passada trouxe uma grande reportagem, para se fazer uma profunda reflexão, exatamente sobre o assunto de que V. Exª fala hoje à tarde: o descuido do Governo na infra-estrutura deste País. Está aqui a revista, vou abordar o tema, se tiver tempo hoje no meu pronunciamento, exatamente nessa linha de preocupação de V. Exª. A Veja diz assim: “Infra-estrutura, é preciso vencer essa guerra”. V. Exª falou no caos aéreo, falou na energia, deixou de falar de várias partes da infra-estrutura deste País que estão um caos, ferrovias, portos, aeroportos, enfim, é quase a infra-estrutura geral de um país que o descuido deste Governo fez agravar e é motivo de preocupação para todos nós brasileiros. V. Exª falou ainda agora do desastre de São Paulo, mas, veja, antes desse houve outro, o desastre da Gol, que matou mais de 150 pessoas e este da Tam, que matou mais de 180 pessoas. 

Por que só agora? V. Exª abordou muito bem. Por que só agora o Governo achou que está errado e tirou um Ministro, tirou o diretor da Infraero? Será que este Governo só fecha as portas depois de arrombadas, Senador? Será? Tudo indica que é isso. Está-se vendo que este País não tem infra-estrutura para seu crescimento. Isso está patente, está claro, está visível a olho nu. Será que este Governo não vai tomar nenhuma providência? Parabéns pelo seu pronunciamento. Vou prosseguir com o assunto do pronunciamento de V. Exª, fazendo uma abordagem também sobre esse tema que é motivo de grande preocupação para a população brasileira. Parabéns, Senador!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador.

Concluo, Sr. Presidente, em mais um minuto, se V. Exª me permitir, falando sobre o último fato que não está mais nos assombrando, a corrupção. Isso passou a ser coisa comum, estamos aceitando-a, mas, felizmente, o povo, sim, está assombrado. Não parecemos passar ao povo essa sensação de assombro, é como se fosse normal. A gente tem de dar um basta à corrupção e, o mais rápido possível, recuperar a credibilidade que estamos perdendo. Essa situação me assusta muito, porque, se esta Casa perder a credibilidade, não terá absolutamente nenhuma força. Isso porque aqui não tem canhão, aqui não tem metralhadora, que é a força dos que chegam sem voto. Ao chegar aqui pelo voto, a nossa força é a credibilidade. Sem credibilidade nesta Casa, nossa confiança acaba; vem o apagão de credibilidade; e o apagão de credibilidade leva ao apagão da democracia.

Senador Papaléo, ficam aqui minhas preocupações de como é que vamos assombrar esse povo, assombrar a nós próprios, para corrigirmos aquilo que vivemos hoje e encontrar novo rumo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/2007 - Página 27331