Discurso durante a 136ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Constatação de que as decisões do Supremo Tribunal Federal devem gerar conseqüências políticas, sob pena de estimular a permissividade e ampliar a corrupção.

Autor
Sergio Guerra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PE)
Nome completo: Severino Sérgio Estelita Guerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Constatação de que as decisões do Supremo Tribunal Federal devem gerar conseqüências políticas, sob pena de estimular a permissividade e ampliar a corrupção.
Aparteantes
Epitácio Cafeteira, Mozarildo Cavalcanti, Tasso Jereissati.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2007 - Página 28910
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • ANALISE, IMPUNIDADE, BRASIL, PERDA, VALOR, SOCIEDADE, INCENTIVO, CORRUPÇÃO, APREENSÃO, FALTA, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, OMISSÃO, ACEITAÇÃO, SITUAÇÃO, EXCESSO, DENUNCIA, DIVULGAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, AVALIAÇÃO, REELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PARALISAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.
  • SAUDAÇÃO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), JULGAMENTO, MEMBROS, GOVERNO FEDERAL, ACUSAÇÃO, CORRUPÇÃO, OPORTUNIDADE, RESGATE, REPUTAÇÃO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, RECUPERAÇÃO, ETICA.

            O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, meus senhores e minhas senhoras, ouvimos já algumas palavras relevantes nesta tarde de hoje. De uma maneira especial, chamarei a atenção para o discurso do Senador Tasso Jereissati, que fala, com absoluta exatidão, de fatos que nos cabe - a nós, políticos, no sentido mais amplo - entender, compreender, interpretar e produzir, a partir desses fatos, alguma conseqüência.

            A marca desse tempo em que nós atravessamos é a impunidade. Nada mais dramático para a vida pública brasileira do que a impunidade, que produz efeitos em cascata na sociedade inteira, estimula a permissividade, amplia o espaço para a corrupção e reproduz, na sociedade, vícios, que um País como o Brasil, com a sua história, com a sua base institucional, com o seu conteúdo sociológico, não tem como compatíveis uma base que nada tem a ver com a sociedade brasileira na sua forma e no seu conteúdo.

            Nesse instante, penso que um fato importante, entre tantos, deve ser avaliado com precisão. Não vai ser o meu discurso, não vai ser a palavra de um ou outro Senador, que saberá examinar, na extensão, o que aconteceu hoje.

            De um lado, a impunidade; de outro, a enorme capacidade que tomou conta do povo brasileiro, para não se indignar. Arquivamos a nossa capacidade de indignação.

            A volúpia dos meios de comunicação, centenas e dezenas de informações sobre atos ilícitos, aliada à impunidade, de outro lado, têm como resultado essa passividade.

            Nunca o eleitorado brasileiro foi tão conservador. Sempre entendi que a eleição do Presidente Lula, a última eleição, de maneira especial, teve todo o aspecto de uma eleição conservadora. 

            Não foram as propostas “radicais” do PT, ao longo da sua vida histórica, que produziram a vitória do Presidente Lula agora. As propostas do PT e a luta social do PT valeram para a sua primeira eleição; para a sua reeleição, valeu o discurso conservador - conservador em relação às massas -, porque pode alguém fazer qualquer comentário com maior sutileza e sofisticação sobre o Bolsa-Família, mas, evidentemente, ninguém será capaz de dizer que a instituição do Bolsa-Família seja, de alguma maneira radical, seja, de alguma forma, instrumento de emancipação popular, de organização do povo, com vistas a mudanças substantivas na organização social. Nada disso! O Bolsa-Família é um processo de acomodação social, de atendimento social, que não leva à revolução social de nenhuma espécie.

            De outro lado, todo o discurso que se reproduz hoje tem esse mesmo conteúdo conservador. Ajustamo-nos para fora; fizemos um grande superávit primário; acoplamo-nos a estratégicas que não são brasileiras. O Brasil não é como a China, que tem projetos. Nada disso! O Brasil é um País que não têm projetos. As coisas acontecem aqui por gravidade ou por resultado dos grupos de pressão. Nunca por um projeto que subordinasse as instituições do País para construção de um determinado quadro social e de um País do futuro. Não existem projetos no Brasil. No máximo, algumas ações coordenadas, que, agora, tomaram o nome de PAC, que correm o risco de ser desvirtuadas numa espécie de “bolsa-eleição”, que, agregado o Bolsa-Família, cria um quadro total de conservadorismo e acomodação.

            No entanto, o Supremo Tribunal Federal brasileiro mostrou, para quem não acreditava, que o Brasil continua vivo. Continua como os brasileiros querem e esperam: que ele se transforme crescentemente num País respeitável. Nada tenho de pessoal contra nenhum daqueles atores; mas não são atores apenas - pequenos atores da vida pública brasileira -, são personalidades que pautaram o Governo do Presidente Lula, que ainda influem sobre este Governo, e que no passado pautaram a construção de um grande Partido popular no Brasil, que foi o Partido dos Trabalhadores.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Senador Sérgio Guerra, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - Pois não, Senador.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Quero me associar ao pronunciamento que V. Exª faz - aliás, vários outros Senadores já o fizeram nesse sentido - num momento adequado. Realmente, como V. Exª disse, o Brasil respira aliviado por saber que, efetivamente, talvez o mais importante dos Poderes, o Judiciário, mostra, em um momento bastante necessário, uma ação decisiva e séria. É bom sempre aqui frisar que se antes o Supremo não fazia isso é porque, até 2001, havia um dispositivo constitucional em que Senador e Deputado só eram processados com autorização das Casas. Agora, a coisa se inverteu. O Supremo processa e as Casas, se quiserem, cassam o processo, o que é muito difícil acontecer. Então, de 2001 para cá é que isso começou a acontecer. Cinqüenta por cento dos processos que estão no Supremo são de 2006. Mas, nesse caso, é bom também frisar que o Legislativo teve uma importância decisiva, oriunda de uma CPMI, em que foram, digamos assim, abertos e descobertos todos os fatos que estão hoje sendo apreciados pela Justiça.

            O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - Agradeço-lhe o aparte, Senador Mozarildo, absolutamente esclarecedor.

            Quero chamar a atenção para um ponto: o fato da relevância dos acontecimentos desta semana, fazendo uma abordagem que não seja restritamente oposicionista e muito menos partidária desses fatos.

            Todos reconhecem que há um imenso desgaste nas instituições públicas e no conceito do Congresso de uma maneira especial. A democracia está combalida pela impunidade, pela permissividade que tomou conta do País e pela passividade de muitos. Que essa demonstração de maturidade da Justiça brasileira, das instituições brasileiras seja apropriada! Apropriada por quem? Pela Oposição é muito pouco. Não podemos confundir o nosso discurso de hoje apenas com o combate ao Governo, com a confirmação de que o Partido dos Trabalhadores ou o Governo do Presidente Lula está ou foi contaminado por processo de corrupção. Isso é importante, mas não é tudo.

            Importante seria que todos compreendessem que esse é o momento de começar a virar essa dramática página da vida pública brasileira, que tem reproduzido escândalos e desgastes, que coloca o nosso povo numa posição passiva e que não representa mudança nenhuma.

            Devemos construir um País que não seja um País dos espertos, ou o País dos falsos heróis - e, vez por outra, eles surgem se apropriando da ventania da opinião pública, mas sem consistência real nessa apropriação.

            O Sr. Epitácio Cafeteira (Bloco/PTB - MA) - Permite V. Exª um aparte?

            O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - Só um minuto, Senador; com o maior prazer.

            Penso que hoje deveria ser um dia importante para todos; um dia de comemoração da democracia brasileira. Vamos começar um novo momento. Chega de notícia deploráveis. Chega de telefones grampeados. Chega de espetáculos da Polícia Federal! Queremos fiscalização, mas não precisamos de espetáculos. Não dá para continuar a vida pública como ela está agora, quando todos andamos e somos confundidos, os que fazem assim e os que fazem de outro jeito. Não há ninguém que se salve disso isoladamente. “Olha, eu sou mais sério do que os outros.” Não tem isso! O que há é a decisão do Supremo Tribunal Federal; o que há são os fatos, que estão ao alcance de qualquer um, se quiserem interpretar esses fatos com a devida consistência, coerência e neutralidade.

            Eu não vejo outro caminho para nós, sinceramente. Se esses exemplos que vemos hoje reproduzidos nos jornais não forem interpretados, não gerarem conseqüência, não apenas conseqüência legal nos processos, mas conseqüência política na sociedade, no Brasil, nos partidos, nas instituições, não há mais o que fazer. Vamos ficar sob a provável dominação de discursos demagógicos, desses que vão com os ventos da opinião pública mas não vão com o conteúdo do que o País precisa, no império da ditadura econômica que existe hoje no Estado público federal sobre a sociedade inteira, sob a fiscalização da Polícia Federal. Nada contra a Polícia Federal. Mas não podemos ser uma sociedade pautada pelo que faz a Polícia Federal.

            Não podemos ser o Senado das CPIs ou a Câmara das CPIs. São importantes as Comissões Parlamentares de Inquérito, mas elas não mudam muita coisa. Quando mudam, tudo bem, mas, em cada dez, duas produzem resultados e oito não produzem resultado nenhum. Está aí o exemplo, está aí o momento. Tenho absoluta convicção de que este momento deve inspirar muita gente no Brasil, para que haja mudança que justifique a nossa permanência na vida pública. Quem quiser ficar rico, vá fazer outra coisa. Quem quiser ser político, tem de valorizar o que o Supremo fez. Valorizar e acreditar que aquilo é o começo da mudança. Pessoalmente, acredito nisso.

            Ouço o Senador Epitácio Cafeteira.

            O Sr. Epitácio Cafeteira (Bloco/PTB - MA) - Nobre Senador Sérgio Guerra, tenho mesclado aplausos e, às vezes, até críticas ao discurso de V. Exª. V. Exª diz, de maneira muito clara, que estamos vivendo em plena democracia, que o Supremo está dando a demonstração de que o regime está vivo. E, de repente, é contra a situação, como se não houvesse essa esperança de que o Supremo vivo fará funcionar as instituições no País.

            O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - Acredito nisso. O Supremo está vivo e deve fazer funcionar as instituições do País, mas a democracia está doente. Há uma doença muito grave na nossa democracia que precisa ser curada. Não com ilusão, mas com posições concretas, de maneira que possamos, de uma forma ou de outra, recompor a confiança da sociedade nas instituições, da sociedade no Congresso, da sociedade no Senado, para que não fiquemos prisioneiros da investigação policial de um lado e da incapacidade de produção do Congresso de outro lado.

            A república das medidas provisórias não pode prevalecer. A distribuição...

(Interrupção do som.)

            O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - ...dos cargos públicos no Estado, sem critério e responsabilidade, não pode prevalecer. A publicidade enganosa, total, absoluta e irresponsável, que faz com que instituições públicas gastem mais com publicidade do que com investimento, não pode continuar. Este Senado permissivo não pode continuar permissivo. Essa tem de ser uma decisão nossa.

            Temos de fazer o que fizeram os que estão no Supremo: honrar a tradição republicana e democrática do Brasil, e não nos escondermos atrás dos nossos partidos ou do nosso eventual prestígio ou de qualquer forma de poder, o que não resolve o essencial. O essencial é um regime transparente, democrático, que honre o voto; ao invés de comprar o voto.

            Por que não sair disso para uma reforma política imediatamente? Vamos disputar eleições agora, de novo, com as mesmas regras que disputamos as últimas eleições. Por que o Governo reproduz uma aliança para governar igual à que teve antes e que produziu o mensalão e tudo isso?

            É preciso olhar para frente. A decisão do Supremo Tribunal Federal nos leva a isso. Se não fazemos isso, não temos responsabilidade pública e estamos abaixo das expectativas do País.

            Ouço o Senador Tasso Jereissati.

            O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Senador Sérgio Guerra, mais uma vez, parabéns pelo pronunciamento. Quero apenas reforçar um aspecto importante. O Supremo, graças a Deus, está vivo, e chama a todos nós Senadores, Deputados e Executivo para que acordemos também, para que não fiquemos adormecidos, em complacência com a corrupção, com o fisiologismo. E o mesmo sistema - como V. Exª bem ressalta - que levou à formação dessa quadrilha, confirmada agora pelo Supremo, continua vigendo. Vota-se em troca de cargos, de loteamento de cargos públicos, por interesses pessoais, por emendas que não são prioridades reais, que não são, às vezes, nem compatíveis com a real necessidade do País. Troca-se de partido da mesma maneira e governa-se não pela idéia, não pelo convencimento, levando a um processo lento de corrupção que vai comendo toda uma instituição, o que nos leva à situação que V. Exª comentou. Foi muito importante o que V. Exª levantou, o alerta que fez. Nossa credibilidade e nossa vida pública estão em jogo. Está em jogo essa instituição fundamental deste País. Creio no chamamento do Supremo a fim de acordar esta Casa para que não sejamos tão complacentes com aquilo que não é direito, com aquilo que não é correto, com aquilo que não é moral, com aquilo que não é ético.

            O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - Sr. Presidente, encerro minhas palavras dizendo que normalmente faço discursos contra o Governo. Não fiz este. Nem o fiz contra o Partido dos Trabalhadores. Mas pela democracia no Brasil.

            Se quisermos cuidar deste País com responsabilidade, vamos olhar, interpretar e nos apropriar do que fez o Supremo Tribunal Federal, construir uma ampla reforma, um novo pacto, uma nova base para governar o Brasil, para mudar o País mesmo, a fim de que haja um projeto para avançar, que possa nos unificar, de forma estruturante e estruturadora, ao invés dessas conjunturas que estão fazendo a vida pública não valer a pena sob nenhum aspecto.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2007 - Página 28910