Discurso durante a 167ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Debate acerca do uso e a produção do etanol como fonte de energia alternativa no Brasil e no planeta.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Debate acerca do uso e a produção do etanol como fonte de energia alternativa no Brasil e no planeta.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 28/09/2007 - Página 33286
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • COMENTARIO, LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RELATORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DEBATE, UTILIZAÇÃO, ALCOOL, FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA, BRASIL, MUNDO, POLITICA, EXPANSÃO, GOVERNO FEDERAL, POLEMICA, PEDIDO, ESPECIALISTA, MORATORIA, PRODUÇÃO, MOTIVO, RISCOS, FOME, AMBITO INTERNACIONAL, SEGURANÇA, ALIMENTAÇÃO, REGISTRO, DADOS, SUBSTITUIÇÃO, CULTIVO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), UNIÃO EUROPEIA.
  • REGISTRO, CRITICA, AUTORIA, ENTIDADE, IGREJA CATOLICA, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, SACERDOTE, AMEAÇA, DIREITOS HUMANOS, PRECARIEDADE, CONDIÇÕES DE TRABALHO, EXPANSÃO, CANA DE AÇUCAR, BRASIL, DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS, OPINIÃO, ORADOR, RESPONSABILIDADE, CONGRESSO NACIONAL, MELHORIA, LEGISLAÇÃO, SETOR.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago à reflexão do Senado um assunto que julgo importante, apresentado segunda-feira e hoje pelo jornal O Estado de S. Paulo. A Organização das Nações Unidas tem se manifestado sobre a matéria, de interesse estratégico e vital do povo brasileiro, que é o debate sobre o uso e a produção do etanol como fonte de energia alternativa no Brasil e no próprio planeta, como é a política de expansão dessa tese que tem o Presidente Lula.

Veja o que diz a matéria:

Relatório da ONU pede moratória na produção de etanol

Em uma proposta que promete causar atritos, o relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, pede que uma moratória de cinco anos seja estabelecida na expansão da produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, milho ou outros produtos agrícolas. Em um relatório obtido pelo Estado e que será enviado aos 191 países da ONU para um debate na Assembléia Geral das Nações Unidas, o especialista pede que uma segunda geração de biocombustíveis seja criada para que o etanol não acabe gerando uma fome ainda maior no mundo.

O documento é apoiado pelo Governo de Cuba e por uma série de ONGs, entre elas o MST. Entre os diplomatas brasileiros, a iniciativa é vista com preocupação.

Polêmico, Ziegler [professor da Universidade de Sorbonne, em Paris, renomado cientista e pesquisador das políticas de desenvolvimento do mundo inteiro], já havia criticado as políticas do Brasil e dos Estados Unidos de avançar no uso do etanol, alertando que pode aumentar a fome no mundo.

            Mais adiante, Sr. Presidente, ele expressa a sua preocupação na tese de que há atualmente no mundo 850 milhões de famintos, um número que vem aumentando desde 1996, por essa prática de uso do solo, especialmente pela substituição pelo milho nos Estados Unidos. Segundo ele, a União Européia e os Estados Unidos ocuparão 70% do seu território com a prática da alternativa do etanol na sua área de terra agricultável, o que geraria um aumento da fome para 1,2 bilhão de cidadãos.

É uma matéria da maior importância pela polêmica que gera, pela necessidade do aprofundamento da discussão e pela defesa de teses.

Eu, pessoalmente, sou franco defensor do etanol como matriz energética, como alternativa da política de combustíveis limpos à redução da emissão de gás carbônico. Então, quero a cada dia estar mais dedicado a estudar essa matéria e a acompanhá-la, para que possamos dar sempre uma boa resposta, numa atitude tão desafiante para o Governo brasileiro.

Ele destaca ainda que mais de seis milhões de crianças morrem a cada ano de fome ou de doenças relacionadas à má alimentação antes de completarem os cinco anos e que haveria um dano irreparável com a substituição dessas áreas agricultáveis.

O que temos também que é muito importante?

Uma posição da Comissão Pastoral da Terra (CPT), quando faz uma crítica pelo Presidente Lula ter dito que o Brasil criaria um “Certificado Social” para tentar evitar o tipo de trabalho que, muitas vezes, é análogo ao utilizado na extração da cana-de-açúcar, freqüentemente considerado um trabalho que impõe más condições de vida, condições de direitos humanos questionáveis e que chega a ser questionado como análogo ao trabalho escravo.

Então, a Comissão Pastoral da Terra diz: “o Certificado Social não terá efeito, vai ser mais um instrumento para iludir o trabalhador e para passar uma boa imagem do Brasil lá fora”. E fala, de maneira muito séria, que o “biocombustível é produzido com altíssimo custo social”.

Mais adiante, nós temos duas figuras, também muito conhecidas do debate nacional: João Pedro Stédile, do MST, e Dom Tomás Balduíno, essa figura sagrada na defesa dos direitos humanos e da qualidade de vida do cidadão brasileiro. Eles produziram um artigo que trata das silenciadas conseqüências da expansão da cana-de-açúcar e da produção do etanol. O texto atenta para vários efeitos que já podem ser vistos, como a degradação do meio ambiente. Segundo os autores, a expansão vai “ampliar a área de fronteira agrícola para a Amazônia e o cerrado (savana) - duas das regiões mais ricas em biodiversidade e berço dos principais rios do País, além de impedir que a sonhada reforma agrária seja realizada no Brasil”.

Então nós estamos falando de um assunto absolutamente sério, preocupante, que vai impor uma resposta muito segura, muito consistente e, sobretudo, muito compatível com a preocupação socioambiental que tem o Governo do Presidente Lula.

Veja uma parte do discurso do Presidente Lula, em Nova Iorque, na abertura do Debate-Geral da 62ª Assembléia-Geral das Nações Unidas.

Numa parte do pronunciamento do Presidente Lula sobre a questão ambiental, ele diz:

Senhoras e Senhores, não haverá solução para os terríveis efeitos das mudanças climáticas se a humanidade não for capaz também de mudar seus padrões de produção e consumo. O mundo precisa, urgentemente, de uma nova matriz energética. Os biocombustíveis são vitais para construí-la. Eles reduzem significativamente as emissões de gases de efeito estufa. No Brasil, com a utilização crescente e cada vez mais eficaz de etanol, evitou-se, nesses 30 últimos anos, a emissão de 644 milhões de toneladas de gás CO2 na atmosfera.

Os biocombustíveis podem ser muito mais do que uma alternativa de energia limpa. O etanol e o biodiesel podem abrir excelentes oportunidades para mais de uma centena de países pobres e em desenvolvimento na América-Latina, na Ásia e, sobretudo, na África. Podem propiciar autonomia energética, sem necessidade de grandes investimentos. Podem gerar emprego e renda e favorecer a agricultura familiar. E podem equilibrar a balança comercial, diminuindo as importações e gerando excedentes exportáveis.

A experiência brasileira de três décadas mostra que a produção de biocombustíveis não afeta a segurança alimentar. A cana-de-açúcar ocupa apenas 1% de nossas terras agricultáveis, com crescentes índices de produtividade. O problema da fome no Planeta não decorre da falta de alimentos, mas da falta de renda que golpeia quase um bilhão de homens, mulheres e crianças. É plenamente possível combinar biocombustíveis, preservação ambiental e produção de alimentos.

No Brasil, daremos à produção de biocombustíveis todas as garantias sociais e ambientais.

Decidimos estabelecer um completo zoneamento agroecológico do País para definir quais áreas agricultáveis podem ser destinadas à produção de biocombustíveis. Os biocombustíveis brasileiros estarão presentes no mercado internacional com um selo que garanta suas qualidades sociolaborais e ambientais.

O Brasil pretende organizar em 2008 uma conferência internacional sobre biocombustíveis, lançando as bases de uma ampla cooperação mundial no setor. Faço aqui um convite a todos os países para que participem do evento.

            Diz ainda o Presidente Lula: “A sustentabilidade do desenvolvimento não é apenas uma questão ambiental, é também um desafio social. Estamos construindo um Brasil cada vez menos desigual e mais dinâmico.”

Assim discorre o Sr. Presidente de República, em seu importantíssimo pronunciamento que é um paradigma no debate na Assembléia das Nações Unidas sobre o tema meio ambiente, por ter superado a preocupação anterior de suas apresentações sobre o tema da fome. Isso demonstra a importância do tema que estamos tratando e a responsabilidade com o Brasil.

Senador Cristovam Buarque, passo a palavra a V. Exª com a mais absoluta certeza de que nossa responsabilidade é radicalizar na definição do marco regulatório sobre essa matéria, não aceitar que a ANP seja única, porque, quando estudamos as normas e as diretrizes da Agência Nacional do Petróleo, observamos que o trato dos biocombustíveis é muito pequeno. Precisamos definir a segurança socioambiental, a responsabilidade com a qualidade de vida dos trabalhadores, a preocupação com a conseqüência internacional relativamente a essa matéria.

Tenho muita confiança nessa política de Governo, porque penso que fará um bem enorme à humanidade, ao Brasil sobretudo.

Mas isso não impede as cautelas e as preocupações, muito bem ponderadas pela academia neste debate que estou trazendo.

Um aparte a V. Exª com muito prazer.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador Tião, eu acho perfeitamente possível assinar praticamente todo o documento que o senhor leu de críticas e assinar tudo o que o Presidente disse.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Também penso assim.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Por quê? Porque eu tomo esse documento que eu teria assinado como um alerta ao Governo não como oposição ao etanol. Claro que é boa solução usar combustível renovável, mas, se nós não tomarmos cuidado, nós estaremos entrando no processo irreversível, sim, de trazer a fome. Vai depender da quantidade de álcool, porque para cada hectare para a cana significa um hectare a menos de feijão, a não ser que a gente plante feijão noutro lugar. Se a gente for atender os 400 milhões ou 500 milhões de automóveis do mundo, vamos ter que derrubar a Floresta Amazônica. Não vai dar para todos. O que a gente precisa, como o senhor diz, é de um marco regulatório cuidadoso, que veja quatro pontos - e aí eu vou fazer uma proposta: 1 - onde se vai produzir, e não cair na tentação, porque o mercado vai pressionar para produzir ao máximo. Como o senhor disse, álcool é bom como combustível, mas ouro é melhor. E tem a estória do Rei Midas, que transformava em ouro tudo o que tocava, mas morreu de fome. Se tudo que a gente tocar virar álcool, vai faltar comida. Nós vamos ficar bêbados. É definir onde produzir. 2 - Quem vai se beneficiar? Porque o Brasil já teve cana, já teve ouro, já teve café, e o povo não se beneficiou. Como o senhor sabe, tem trabalho escravo até hoje em canaviais. 3 - Soberania na definição das áreas, inclusive nas fronteiras. 4 - Para onde vão os dólares que vamos ganhar? Porque a Arábia Saudita tem o seu “etanol” (entre aspas), que é o petróleo. Esse etanol está indo para quem? Para uma minoria. No Brasil, os dólares que vieram da cana, do café, do ouro e da industrialização não chegaram ao povo. Então, estou de acordo com o marco regulatório e faço uma proposta dentro da mesma linha de tentar trazer o respeito para dentro deste Senado: Por que não criamos uma comissão de Senadores para fazer um documento sobre como deve ser o aproveitamento do etanol no Brasil? Eu gostaria de fazer parte dessa comissão, sem nenhum preconceito contra o etanol; mas com muito medo, se ele vier submetido apenas às regras do mercado para atender a voracidade do consumo das centenas de milhares de automóveis. Faço esta proposta e assinaria com o senhor. Vamos criar uma comissão especial no Senado para dizer qual é a nossa idéia, para que o Governo brasileiro trabalhe um projeto para o etanol, sem perder a chance e sem enganar o povo, mais uma vez, jogando fora uma oportunidade.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço muito o aparte de V. Exª, que tem inteira identidade com os argumentos que procurei desenvolver até aqui. Apresentei esse contraditório exatamente porque acho fundamental que sejam apresentadas as preocupações de setores da academia e do meio universitário, para que tenhamos cautela em relação ao entusiasmo na visão do desenvolvimento econômico e social no Brasil.

O Governo tem absoluta responsabilidade na condução desse assunto, e entendo que temos que correr atrás da definição do marco regulatório.

Concordo inteiramente que tenhamos uma comissão que possa acompanhar tal matéria, Senador Cristovam, porque é uma avenida rica como essa para o futuro do Brasil que traz enormes esperanças à vida socioeconômica do País.

Hoje, a colunista Lilian Witte Fibe, a comentarista, dizia que isso é um marco tão importante como foi o trabalho da família Rockfeller com o petróleo, uma visão pioneira, desbravadora, que pode significar muito no amanhã.

Temos que ter a proteção, a rede de proteção às conseqüências que não venham a ser favoráveis e, para isso, temos que preservar a necessidade do avanço da reforma agrária e transferir para a pequena agricultura, ou agricultura familiar; temos que entender que a Amazônia não é só árvore em pé, que lá existe área de cerrado e área que pode ser utilizada.

Um conceito claro para mim em relação a esse da Amazônia é o seguinte: álcool na Amazônia, sim, desde que não se derrube uma árvore, desde que seja em área degradada. Ou seja, trabalhar com conceitos corretos, necessários, e sem preconceito ou desconhecimento.

Essa tese da comissão que V. Exª sugere, para acompanhar o assunto, tem o meu mais inteiro reconhecimento e valorização e terei imenso prazer de que possamos fazer isso juntos.

Era o que eu tinha a dizer.

Agradeço a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/09/2007 - Página 33286